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Processo nº 912/2017
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, arguido com os sinais dos autos, vem recorrer da sentença pelo Mmo Juiz do T.J.B. prolatada que o condenou como autor material da prática de 2 crimes de “falsas declarações sobre a identidade”, p. e p. pelo art. 19°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004, na pena de 7 meses de prisão cada, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos; (cfr., fls. 87 a 90 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu, imputando à decisão recorrida o vício de “erro notório na apreciação da prova” e “violação do princípio in dubio pro reo”, pedindo a sua consequente absolvição; (cfr., fls. 94 a 100).

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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 102 a 103-v).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou a Ilustre Procuradora Adjunta douto Parecer pugnando também pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 111 a 112).

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” os factos como tal elencados na sentença recorrida a fls. 87 a 88, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos, (não havendo factos por provar).

Do direito

3. Vem o arguido recorrer da sentença que o condenou como autor material da prática de 2 crimes de “falsas declarações sobre a identidade”, p. e p. pelo art. 19°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004, na pena de 7 meses de prisão cada, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos.

É de opinião que a decisão recorrida padece do vício de “erro notório na apreciação da prova” e “violação do princípio in dubio pro reo”.

Porém, somos de opinião que não lhe assiste razão.

Vejamos.

De forma firme e repetida tem este T.S.I. considerado que: “O erro notório na apreciação da prova apenas existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 23.03.2017, Proc. n.° 115/2017, de 08.06.2017, Proc. n.° 286/2017 e de 14.09.2017, Proc. n.° 729/2017).

Como também já tivemos oportunidade de afirmar:

“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Com o mesmo, consagra-se um modo não estritamente vinculado na apreciação da prova, orientado no sentido da descoberta da verdade processualmente relevante pautado pela razão, pela lógica e pelos ensinamentos que se colhem da experiência comum, e limitado pelas excepções decorrentes da “prova vinculada”, (v.g., caso julgado, prova pericial, documentos autênticos e autenticados), estando sujeita aos princípios estruturantes do processo penal, entre os quais se destaca o da legalidade da prova e o do “in dubio pro reo”.
Enformado por estes limites, o julgador perante o qual a prova é produzida – e que se encontra em posição privilegiada para dela colher todos os elementos relevantes para a sua apreciação crítica – dispõe de ampla liberdade para eleger os meios de que se serve para formar a sua convicção e, de acordo com ela, determinar os factos que considera provados e não provados.
E, por ser assim, nada impede que dê prevalência a um determinado conjunto de provas em detrimento de outras, às quais não reconheça, nomeadamente, suporte de credibilidade.
O acto de julgar é do Tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção.
Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva.
Como ensina Figueiredo Dias, (in “Lições de Direito Processual Penal”, pág. 135 e ss.) na formação da convicção haverá que ter em conta o seguinte:
- a recolha de elementos – dados objectivos – sobre a existência ou inexistência dos factos e situações que relevam para a sentença, dá-se com a produção da prova em audiência;
- sobre esses dados recai a apreciação do Tribunal que é livre, mas não arbitrária, porque motivada e controlável, condicionada pelo princípio da persecução da verdade material;
- a liberdade da convicção, aproxima-se da intimidade, no sentido de que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos acontecimentos não é absoluto, mas tem como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, e portanto, como a lei faz refletir, segundo as regras da experiência humana;
- assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque assume papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis- como a intuição.
Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).
Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência, a percepção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade), a da dúvida inultrapassável, (conduzindo ao princípio in dubio pro reo).
A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova.
A oralidade da audiência, (que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o Tribunal), permite ao Tribunal aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam, v.g., por gestos, comoções e emoções, da voz.
A imediação que vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão.
É pela imediação, também chamado de princípio subjectivo, que se vincula o juiz à percepção à utilização à valoração e credibilidade da prova.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 15.06.2017, Proc. n.° 249/2017, de 21.09.2017, Proc. n.° 837/2017 e de 07.12.2017, Proc. n.° 877/2017).

E, sendo de se manter o que se expôs sobre o “vício” pelo ora recorrente imputado à decisão recorrida, patente é que o mesmo não existe, pois que o Tribunal a quo apreciou a prova em conformidade com o “princípio da livre apreciação” consagrado no art. 114° do C.P.P.M., decidindo com clareza, lógica e de a acordo com a normalidade das coisas, não se vislumbrando onde, como, ou em que termos tenha violado qualquer regra sobre o valor das provas legais ou tarifadas, regra de experiência ou legis artis.

No caso, e para além de claro ser que dos autos resulta que o arguido prestou, em dois momentos, (em 03.05.2012 e 21.01.2014), “falsas declarações sobre a sua identidade”, inscrevendo, em duas “Declarações de Identidade”, uma “data de nascimento” que não corresponde à verdadeira, (cfr., fls. 14 e 21), importa ter em conta que o próprio, em declarações que prestou e que foram devidamente lidas em audiência, (cfr., fls. 8, 9 e 59), confirmou tal facto.

E, perante isto, e as regras de experiência e normalidade das situações, motivos não existem para se considerar que incorreu o Tribunal a quo no imputado “erro”, nenhum motivo havendo para censurar o decidido.

–– Quanto à alegada “violação do princípio in dubio pro reo”, a mesma é a solução.

Com efeito, temos entendido que o “mesmo se identifica com o da “presunção da inocência do arguido” e impõe que o julgador valore sempre, em favor dele, um “non liquet”.
Perante uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos constitutivos do crime imputado ao arguido, deve o Tribunal, em harmonia com o princípio “in dubio pro reo”, decidir pela sua absolvição”; (cfr., v.g. os recentes Acs. deste T.S.I. de 15.06.2017, Proc. n.° 462/2017, de 13.07.2017, Proc. n.° 592/2017 e de 11.01.2018, Proc. n.° 1146/2017).

Segundo o princípio “in dubio pro reo”, «a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido»; (cfr., Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, pág. 215).

Como o afirma Cristina Libano Monteiro (in “In Dubio Pro Reo”), o princípio em questão “parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do jugador”

Conexionando-se com a matéria de facto, este princípio actua em todas as vertentes fácticas relevantes, quer elas se refiram aos elementos típicos do facto criminalmente ilícito – tipo incriminador, nas duas facetas em que se desdobra: tipo objectivo e tipo subjectivo – quer elas digam respeito aos elementos negativos do tipo, ou causas de justificação, ou ainda, segundo uma terminologia mais actualizada, tipos justificadores, quer ainda a circunstâncias relevantes para a determinação da pena.

Porém, importa atentar que o referido o princípio (“in dubio pro reo”), só actua em caso de dúvida (insanável, razoável e motivável), definida esta como “um estado psicológico de incerteza dependente do inexacto conhecimento da realidade objectiva ou subjectiva”; (cfr., Perris, “Dubbio, Nuovo Digesto Italiano”, apud, Giuseppe Sabatini “In Dubio Pro Reo”, Novissimo Digesto Italiano, vol. VIII, págs. 611-615).

Por isso, para a sua violação exige-se a comprovação de que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes, e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido; (neste sentido, cfr. v.g., o Ac. do S.T.J. de 29.04.2003, Proc. n.° 3566/03, in “www.dgsi.pt”).

Daí também que, para fundamentar essa dúvida e impor a absolvição, não baste que tenha havido versões dispares ou mesmo contraditórias; (neste sentido, cfr., v.g. o Ac. da Rel. de Guimarães de 09.05.2005, Proc. n.° 475/05, in “www.dgsi.pt”), sendo antes necessário que perante a prova produzida reste no espírito do julgador – e não no do recorrente – alguma dúvida sobre os factos que constituem o pressuposto da decisão, dúvida que, como se referiu, há-de ser “razoável” e “insanável”; (sobre o alcance do princípio em questão pode-se ainda ver o recente Ac. da Rel. de Évora de 08.03.2018, Proc. n.° 1360/14).

In casu, em parte alguma do decidido se colhe que o Tribunal a quo teve dúvidas, (ou hesitações), quanto à decisão a proferir, decidindo, mesmo assim, em prejuízo do ora recorrente.

E, assim, adequado não é considerar que em causa está o dito princípio.

Outra questão não havendo a apreciar, resta decidir.

Decisão

4. Em face do exposto, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Pagará o arguido a taxa de justiça de 4 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 04 de Abril de 2018
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Choi Mou Pan (附表決聲明)


























第912/2017號上訴案

表決聲明
作為本來的裁判書製作人,不同意大多數意見的決定,理由如下:
上訴人認為被上訴判決中存有審查證據方面明顯有錯誤的瑕疵,因為,上訴人當時填寫的其身份資料唯一錯誤填寫資料為其出生日期為1975年3月14日,而正確的為1975年3月15日。按一般經驗法則可以得知,倘若一般人士有意存在隱瞞其真實身份,定必會填寫更多的錯誤資料,包括姓名或身份證明文件的編號,不會僅單純填寫差了一天的出生日期。被上訴判決並未有考慮當時上訴人是依據由菲律賓當局發出的護照中的誤載資料(1975年3月14日)來填寫出生日期。因此,不能認定上訴人在填寫其身份資料時,存在隱瞞其真實身份及意圖誤導本特區執法當局的目的。
審查證據中的明顯錯誤是指已認定的事實互不相容,也就是說,已認定的或未認定的事實與實際上已被證實的事實不符,或者從一個被認定的事實中得出在邏輯上不可接受的結論。錯誤還指違反限定證據的價值的規則,或職業準則。錯誤必須是顯而易見的,明顯到一般留意的人也不可能不發現。1
從案中的已證事實我們可以看見:
- 2012年5月3日,嫌犯A在治安警察局接受身份調查時,聲稱其為A,男,1975年3月14日出生,父親B,母親C(參見卷宗第14頁)。
- 2014年1月21日,嫌犯在治安警察局接受身份調查時,聲稱其為A,男,1975年3月14日出生,父親B,母親C(參見卷宗第21頁)。
- 2016年10月27日,警方透過指模系統發現嫌犯與上述人士的指模相同,因而揭發此事並對嫌犯作訊問,嫌犯承認上述身份資料全為虛假的。
我們發現:
原審法院僅僅認定“嫌犯承認上述身份資料全為虛假的”,並沒有認定法院所認定的這些身份資料是否假的的事實。然而,在原審法院的理由說明之中卻認為:“根據已證事實,本庭認為接納關於嫌犯填寫的母親名部分不存在虛假”。
如何做到的?
其實,嫌犯沒有出庭聽證,雖然在警察局填寫了進行缺席審判以及宣讀其聲明的同意書,然而,原審法院經過第二次庭審收集了關於嫌犯的母親的身分資料的證據,尊敬的主審法官在判決書的對事實的解釋以及理由說明部分認可了嫌犯所宣稱的母親的身分不存在虛假的情事。
再者,根據卷宗的資料,上訴人所聲明的身分資料也並非全部都是假的,而只有出生日期是假的。那麼,已證事實所依據的證據所要證實的事實與已證事實之間也存在完全不相容的部分。
所有這些,明顯是原審法院在認定事實時對證據的審理存在錯誤而造成的。
原審法院還認定:“嫌犯兩次故意向治安當局提供虛假的身份資料,隱瞞其真實身份,意圖誤導本特區執法當局的目的”,且不說“誤導執法當局”是結論事實,單憑上述已證事實,真難以理解嫌犯為什麼要隱瞞自己的真實身分,並以此誤導澳門執法當局。所以,嫌犯在每一次就個人的身分資料作出聲明時候的具體情況很重要,否則就根本沒有事實支持原審法院所得出的嫌犯隱瞞自己真實身分並以此誤導執法機關的結論。
基於存在這方面的事實漏洞,法院難以作出適當的法律適用,也陷入了《刑事訴訟法典》第400條第2款a項所規定獲證事實不足以支持決定的瑕疵之中。
基於此,應根據《刑事訴訟法典》第418條的規定將卷宗發回原審法院重審。
2018年4月4日
蔡武彬
1 終審法院於 2001 年 3 月 16 日,在第 16/2000 號刑事上訴案判決。
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Proc. 912/2017 Pág. 18

Proc. 912/2017 Pág. 17