Processo nº 692/2016
(Autos de recurso jurisdicional em matéria administrativa)
Data: 12/Abril/2018
Assuntos: Pedido de concessão da licença de uso e porte de arma de defesa
Conceitos indeterminados
SUMÁRIO
A Administração goza de uma certa margem de liberdade na interpretação de conceitos indeterminados, ficando a intervenção do tribunal condicionada a situações em que se verifique erro manifesto ou desrazoabilidade intolerável.
Não obstante alegar o recorrente que é uma pessoa com posses, muitas vezes levava consigo quantias elevadas de dinheiro e que foi vítima de danos patrimoniais verificados nos seus veículos, não se vislumbra erro manifesto e grosseiro por parte da Administração ao considerar que não existe risco actual e concreto que justifique o deferimento do pedido de concessão da licença de uso e porte de arma de defesa.
O Relator,
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Tong Hio Fong
Processo nº 692/2016
(Autos de recurso jurisdicional)
Data: 12/Abril/2018
Recorrente:
- A
Entidade Recorrida:
- Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A, com sinais nos autos, recorreu contenciosamente para o Tribunal Administrativo do acto praticado pelo Senhor Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, de 24.5.2013, que lhe indeferiu o pedido de concessão da licença de uso e porte e arma de defesa.
Por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, foi julgado improcedente o recurso contencioso.
Inconformado, dela interpôs o recorrente recurso jurisdicional, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso jurisdicional tem como objecto a douta sentença de 18 de Maio de 2016, que julgou improcedente o recurso contencioso administrativo, por si interposto e, em consequência, manteve o despacho de 15 de Abril de 2013, da autoria do Senhor Comandante da PSP, que não lhe reconheceu o direito a ter uma licença de uso e porte de arma de defesa.
2. O Recorrente impugna a matéria de facto, uma vez que a douta sentença recorrida não especificou os factos que poderiam ter interesse para a decisão de direito, antes fazendo, apenas, uma referência aos trâmites do processo administrativo até ao momento da apresentação do recurso contencioso administrativo junto do Tribunal Administrativo.
3. O Recorrente suscitou junto do douto Tribunal recorrido a falta de fundamentação por obscuridade, contradição ou insuficiência, porque o acto administrativo impugnado não esclareceu as razões do indeferimento tendo invocado o conceito abstracto “razões gerais de segurança e ordem públicas”, de onde decorre que ficou sem se saber se a decisão no sentido de denegar a concessão da licença de uso e porte de arma de defesa teve a ver com razões gerais de segurança e ordem públicas e, caso assim tivesse sido, então, deviam ter sido, expressamente indicadas quais são essas razões.
4. Não preenche os requisitos legais da fundamentação dos actos administrativos a decisão que recusa um pedido de licença de uso e porte de arma de defesa, com apelo ao juízo meramente conclusivo de que os fundamentos apresentados pelo requerente não demonstram qualquer risco actual e concreto.
5. A douta sentença recorrida não respondeu à questão suscitada pelo Recorrente no sentido de que o despacho do Senhor Comandante da PSP contém uma obscuridade, pois, simultaneamente, indefere o pedido do Recorrente com fundamento no facto de não se verificar o requisito constante na alínea c) do n.º 1 do art.º 27º do Regulamento de Armas e Munições, terminando, com a afirmação de que indefere por razões gerais de segurança e de ordem públicas, fazendo apelo à norma contida no n.º 2 do citado art.º 27º, não especificando que “razões gerais de segurança e de ordem públicas” se trata.
6. O douto Tribunal a quo não fez uma prognose para concluir se os factos alegados e provados pelo Recorrente preenchiam o conceito abstracto “especiais condições da vida” a que alude o art.º 27º, n.º 1, alínea c) do RAM.
7. Resulta do processo administrativo que se encontra apensado ao presente processo judicial que o Recorrente preenche os requisitos para que lhe seja concedida a licença de uso e porte de arma de defesa, mormente os que constam do art.º 27º, n.º 1 do Regulamento de Armas e Munições, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 77/99/M de 8 de Novembro.
8. Sendo uma atribuição do Comandante da CPSP a concessão da licença de uso e porte de arma, poder-se-ia defender que, por se tratar de um poder vinculado, seria não sindicável pelos tribunais; não se pode, porém, perder de vista que está em causa a apreciação de conceitos indeterminados na valoração das condições exigidas por lei, que fala em “em razão das suas especiais condições de vida” e em “risco inerente à sua actividade profissional”, pelo que podia o douto Tribunal a quo reapreciar os factos alegados e provados pelo Recorrente com vista a considerar que se encontra preenchido o requisito da alínea c) citado n.º 1 do art.º 27º do RAM; não o tendo feito o Tribunal recorrido, pode essa Alta Instância fazê-lo.
9. O douto Tribunal a quo manteve a interpretação que a Entidade Recorrida fez do requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do art.º 27º, uma interpretação que extravasa o pensamento do legislador, pois a lei não fala em “risco actual e concreto para a integridade física” mas, tão só, em especiais condições de vida e em risco inerente à actividade profissional; aliás, o risco conjuga-se no futuro, tendo em consideração determinadas circunstâncias da vida das pessoas.
10. O Recorrente para justificar o seu pedido de licença de uso e porte de arma defesa apresentou argumentos que não representam meros juízos ou asserções, antes, tendo alicerçado o seu pedido em razões de facto sólidas, pelo que o douto Tribunal a quo não podia ter mantido o acto administrativo que impugnou judicialmente.
11. Pese o facto de considerar que, na RAEM, as forças policiais têm cumprido com êxito a sua função de proteger os cidadãos e os seus bens, a verdade é que, no caso do Recorrente, houve factos concretos em que o policiamento das vias públicas não foi eficaz e não impediu que tivesse sido alvo de factos ameaçadores adequados a causar medo ao Recorrente que passou a viver em estado de inquietação.
12. O douto Tribunal a quo fez a correcta aplicação do RAM mas um enquadramento errado dos factos invocados e provados pelo Recorrente, pelo que violou o n.º 1 do art.º 27º do RAM, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 77/99/M, de 8 de Novembro.
13. Tal norma devia ter sido interpretada depois de o Tribunal a quo ter tomado conhecimento da situação real do interessado, para formular um juízo, utilizando parâmetros puramente jurídicos, pois trata-se de uma norma que contém, sem sombra para dúvidas, conceitos indeterminados.
Nestes termos e contando com o douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juízes, deve ser considerado procedente o presente recurso jurisdicional, porquanto foi proferida uma sentença que não se pronunciou sobre as questões suscitadas pelo Recorrente e, em consequência, deve ser revogada e substituída por outra que anule, pelas apontadas ilegalidades, o acto administrativo, com todas as consequências legais, assim se fazendo a costumada, JUSTIÇA!”
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Notificada a entidade recorrida, não ofereceu resposta.
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O Digno Procurador-Adjunto do Ministério Público emitiu o seguinte douto parecer:
“Nas alegações de fls. 189 a 203 dos autos, o recorrente assacou à douta sentença em escrutínio (vide. fls. 177 a 182 verso), assacando-lhe a indevida desatenção dos factos por si alegados nos arts. 42º a 55º da petição, o erro de direito por julgar inexistentes a falta de fundamentação e a violação de lei imputadas por si ao despacho contenciosamente impugnado.
Para os devidos efeitos, perfilhamos a sensata jurisprudência que inculca (cfr. aresto do TSI no processo n.º 98/2012): A delimitação objectiva de um recurso jurisdicional afere-se pelas conclusões das alegações respectivas (art. 589º, nº 3, do CPC). As conclusões funcionam como condição da actividade do tribunal “ad quem” num recurso jurisdicional que tem por objecto a sentença e à qual se imputam vícios próprios ou erros de julgamento. Assim, se as alegações e respectivas conclusões visam sindicar algo que não foi sequer discutido, nem decidido na 1ª instância, o recurso terá que ser julgado improvido.
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É verdade que na matéria de facto provada elencada na sentença recorrida, a MMª Juiz a quo não mencionou os factos alegados nos arts. 42º a 55º da petição. No entanto, e ressalvado respeito pela melhor opinião em sentido contrário, afigura-se-nos que a falta da menção desses factos não implica omissão de pronúncia.
Pois, nos termos das disposições legais nos n.º 3 do art. 65º e art. 76º do CPAC, o juiz deve especificar apenas os factos provados que considere relevantes para a boa decisão da causa. De outro lado, a MMª Juiz a quo tomou expressa posição sobre o erro de facto invocado pelo recorrente com base nos factos alegados nos arts. 42º a 55º da petição.
Com efeito, na sentença recorrida a MMª Juiz a quo apontou de forma propositada e prudente: «此外,綜合卷宗資料,結合審判聽證中證人提供之證言,本院亦不能發現被上訴實體指出 …… 之判斷,犯有明顯錯誤以至違反上指法律規定,因此,應裁定本訴訟理由不成立。»
Tudo isto faz-nos entender que a falta da menção dos factos alegados nos arts. 42º a 55º da petição, só por si, não pode germinar omissão de pronúncia, em virtude de tal falta não implicar inerentemente o olvido de resolver questão submetida, e de outra banda, nem dá luz a erro de julgamento no que se concerne à matéria de facto.
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A jurisprudência autorizada alerta (Acórdão do STA de 10/03/1999, no processo n.º 44302): A fundamentação é um conceito relativo que depende do tipo legal do acto, dos seus termos e das circunstâncias em que foi proferido, devendo dar a conhecer ao seu destinatário as razões de facto e de direito em que se baseou o seu autor para decidir nesse sentido e não noutro, não se podendo abstrair da situação específica daquele e da sua possibilidade, face às circunstâncias pessoais concretas, de se aperceber ou de apreender as referidas razões, mormente que intervém no procedimento administrativo impulsionando o itinerário cognoscitivo da autoridade decidente.
Não se deve olvidar que concordar é uma coisa, e compreender é outra, a discordância duma posição não se equivale à incompreensão ou à incompreensibilidade. Por isso, a não concordância do interessado com a posição da Administração não é berço da falta de fundamentação.
No caso sub iudice, os pontos 4 e 5 do acto recorrido transparecem que aí se indica, com clareza, a base de facto traduzida em o recorrente não mostrar risco actual e concreto que extravasasse a possibilidade de defesa prestada diariamente pelos organismos policiais da RAEM, bem como a base legal reportada ao disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 27º do Regulamento de Armas e Munições aprovado pelo D.L. n.º 77/99/M.
À luz da brilhante jurisprudência supra aludida, colhemos nós que a explanação constante do despacho em questão permite ao recorrente suficientemente conhecer o itinerário conducente à prolação desse acto, e assim, o qual não eiva da falta de fundamentação. Daí decorre naturalmente que a sentença impugnada é inatacável neste ponto.
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De acordo com a disposição no n.º 1 do art. 27º do Regulamento de Armas e Munições aprovado pelo D.L. n.º 77/99/M, a concessão da licença de uso e porte de arma de defesa depende do preenchimento cumulativo dos seguintes quatro requisitos: a) Ser maior; b) Demonstrar ter adequada idoneidade moral e civil; c) Demonstrar essa necessidade para a sua defesa pessoal ou da sua família, em razão das suas especiais condições de vida ou risco inerente ao exercício da sua actividade profissional; d) Possuir capacidade de manejo de arma de defesa.
O verbo «pode» utilizado neste n.º 1 significa que o legislador confere poder discricionário à Administração. E este normativo legal revela nitidamente que a concessão da licença de uso e porte de arma de defesa carece do requerimento do interessado, e lhe cabe o ónus de demonstrar o preenchimento por si de todos os requisitos legalmente estabelecidos.
Sufragamos a tese comum do ilustre colega e da MMª Juiz a quo no sentido de a «necessidade para a sua defesa pessoal ou da sua família» surgida na alínea c) deste segmento constituir conceito indeterminado. Ora bem, o equilíbrio do interesse privado do requerente e do interesse público em jogo exige que tal necessidade tenha de ser objectivamente verosímil, não bastando uma necessidade hipotética ou uma preocupação subjectiva.
Bem, as doutrinas e jurisprudências autorizadas asseveram reiteradamente que a Administração goza da margem de apreciação ao exercer poder discricionário e ao interpretar conceito indeterminado, a intervenção do tribunal na sobredita «margem de apreciação» fica circunscrita aos casos em que se verifique erro manifesto ou desrazoabilidade intolerável.
Na nossa óptica, para poder justificar a concessão da licença de uso e porte de arma de defesa, a «necessidade para a sua defesa pessoal ou da sua família» contemplada na citada alínea c) deve fundar-se num perigo tão frequente e grave que extravase a possibilidade da defesa prestada por organismos policiais e, assim, que possa legitimar a autodefesa.
Nesta ordem de ponderação, afigura-se-nos que o recorrente não prestou prova capaz de demonstrar a existência do perigo de molde a legitimar a autodefesa, portanto, nem o despacho contenciosamente impugnado nem a sentença da MMª Juiz a quo infringe o prescrito no n.º 1 do art. 27º do Regulamento de Armas e Munições, pelo que o argumento em análise não tem cabimento.
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Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso jurisdicional.”
Corridos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
於2013年1月17日及18日,司法上訴人向被上訴實體申請使用及攜帶自衛槍准照,以及批准其向XX有限公司購買一支自衛曲尺手槍及子彈,以作自衛用途,並附同相關文件(見附卷第90頁至第112頁及其背頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
於2013年3月7日,被上訴實體在編號:134/2013-224.03.04報告書上作出批示,指出基於澳門的治安環境良好,而司法上訴人所提交之文件及資料,並沒有發現司法上訴人過往及現在有危及其個人及家庭安全之隱憂,根據第77/99/M號法令核准之《武器及彈藥規章》第27條第2款之規定,決定不批准司法上訴人之申請(見附卷第79頁至第80頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
於2013年3月13日,司法上訴人接收治安警察局發出之書面聽證通知,內容指出該局有意按第77/99/M號法令核准之《武器及彈藥規章》第27條第2款之規定,不批准司法上訴人之申請,對於該局的決定意向,司法上訴人自接到該通知後,可於10日期限內以書面陳述其認為可獲得批准使用自衛槍械的任何理由,以便該局作出適當處理(見附卷第78頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
於2013年3月25日,司法上訴人透過訴訟代理人向被上訴實體提交書面陳述,並附同有關文件(見附卷第54頁至第69頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
於2013年4月5日,司法上訴人透過訴訟代理人向被上訴實體提交補充聲明,並附同有關補充文件(見附卷第70頁至第77頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
同日,被上訴實體在編號:177/2013-224.03.04報告書上作出批示,指出司法上訴人所提出之陳述理由並不充份,決定不接納司法上訴人陳述之理由(見附卷第51頁至第53頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
於2013年4月15日,被上訴實體作出批示,指出司法上訴人提出之依據既沒有顯示任何正在發生具體危險,亦沒有超越警方日常可向澳門特別行政區居民提供保護之情況,未能符合《武器及彈藥規章》第27條第1款c)項之規定,根據同一規章第27條第2款之規定,決定不批准司法上訴人之申請(見附卷第5頁至第6頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
於2013年4月18日,治安警察局透過編號:101/SAMDI/2013P公函,將上述決定通知司法上訴人,並在通知書中指出司法上訴人可於法定期間內提起必要訴願(見附卷第48頁至第50頁及第4頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
於2013年4月29日,司法上訴人針對上述決定透過訴訟代理人向保安司司長提起必要訴願(見附卷第40頁至第43頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
於2013年5月14日,治安警察局透過編號:122/SAMDI/2013P公函,向司法上訴人作出更正,並再次將被上訴實體之決定通知司法上訴人,同時指出司法上訴人可於法定期間內向行政法院提起司法上訴(見附卷第38頁及第2頁,有關內容在此視為完全轉錄)。
於2013年6月13日,司法上訴人針對被上訴實體於2013年4月15日作出之決定向行政法院院提起本司法上訴。
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Vejamos as questões suscitadas pelo recorrente.
Falta de especificação dos factos alegados pelo recorrente
O recorrente insurge-se contra a sentença recorrida invocando que nela não foram especificados os factos por si alegados relativamente aos requisitos de que depende a concessão da licença de uso e porte de arma de defesa.
Em boa verdade, os factos indicados pelo recorrente aquando do exercício do direito de audiência já foram devidamente ponderados pela entidade recorrida ao apreciar o pedido por si formulado, mas o que acontece é que a Administração considerou que o recorrente não logrou demonstrar os respectivos requisitos legais, a saber, a necessidade para a sua defesa pessoal ou da sua família, em razão das suas especiais condições de vida ou risco inerente ao exercício da sua actividade profissional.
Por outro lado, o Tribunal recorrido também não pôs em causa os factos alegados pelo recorrente, apenas concluiu que a Administração não cometeu erro manifesto na apreciação do pedido do recorrente.
Assim sendo, uma vez que a matéria relevante para a decisão da causa já está devidamente incluída na sentença recorrida, não se vislumbra o vício apontado.
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Da falta de fundamentação
Assaca ainda o recorrente ao despacho recorrido vício de forma por falta de fundamentação, alegando que o despacho administrativo impugnado não está fundamentado, na medida em que indeferiu, por um lado, o pedido do recorrente com fundamento na falta de preenchimento dos requisitos previstos nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 77/99/M, mas por outro, denegou-o por razões gerais de segurança e ordem públicas contempladas no n.º 2 do mesmo artigo, mas sem concretizar quais foram aquelas razões.
Estatui-se no artigo 114º do Código do Procedimento Administrativo que os actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções, devem ser fundamentados.
Preceitua-se ainda no nº 1 do artigo 115º do mesmo Código que a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações, propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto.
A fundamentação visa assegurar a melhoria da qualidade e a legalidade dos actos administrativos, facilitar o recurso contencioso pelos eventuais lesados pelo acto administrativo, de modo a garantir o exercício efectivo do seu direito ao recurso contra actos lesivos, e tem ainda uma função persuasória e consensual, contribuindo para a uma maior transparência da actividade administrativa.1
No caso vertente, face ao teor do despacho recorrido, não é difícil concluir que qualquer destinatário comum (por referência à diligência normal do homem médio que tal deve ser aferido) fica a saber as razões de facto e de direito que levaram à decisão do indeferimento do pedido da recorrente.
Como observa o Digno Procurador-Adjunto, e bem, uma coisa é concordar com a posição da Administração, outra é compreender o seu conteúdo e sentido, sendo que a discordância não equivale à incompreensão, pelo que a falta de concordância do recorrente com a posição da Administração não dá lugar à falta de fundamentação.
Aliás, face ao que foi exposto na petição de recurso, somos a entender que o recorrente se apercebeu das razões que levaram o indeferimento do seu pedido.
Convém ainda ter presente que, não obstante o despacho administrativo impugnado ter citado o n.º 2 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 77/99/M, a verdade é que aquela citação tem que ser entendida apenas como referência à regra de competência contida nesse normativo.
Desta sorte, por não se vislumbrar o alegado vício de falta de fundamentação que atente contra o disposto nos artigos 114º e 115º do CPA, há-de manter a decisão recorrida quanto a esta parte.
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Do vício de violação de lei por má interpretação da alínea c) do n.º 1 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 77/99/M
Alega o recorrente que a alínea c) do n.º 1 do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 77/99/M não fala em “risco actual e concreto para a integridade física”, mas tão só em “especiais condições de vida ou risco inerente ao exercício da actividade profissional”, traduzindo-se, na sua perspectiva, em riscos no futuro, pelo que entende haver má interpretação da lei.
Ora bem, para saber se o requerente da licença de uso e porte de arma de defesa há “necessidade para a defesa pessoal ou da família, em razão das suas especiais condições de vida ou risco inerente ao exercício da sua actividade profissional”, estamos perante conceitos indeterminados.
Como se refere na sentença recorrida, e bem, a Administração goza de uma certa margem de liberdade na interpretação de conceitos indeterminados, ficando a intervenção do tribunal condicionada a situações em que se verifique erro manifesto ou desrazoabilidade intolerável.
Sobre a questão de conceitos indeterminados, frisou-se no brilhante Acórdão deste TSI, no Processo 558/2013 o seguinte:
“Com efeito, não se pode esquecer que a doutrina da solução única não consegue dar resposta a todas as situações, nomeadamente aquelas complexas que importem a intervenção de elementos subjectivos (valorações), prognoses, apreciações técnicas e até actividades de planificação e políticas. Wolf, citado por Sérvulo Correia, dizia que quando a subsunção de uma situação de facto a um conceito indeterminado não é factível através de um raciocínio discursivo, mas somente através de um juízo de avaliação, ou quando a lei remete para parâmetros extra-jurídicos incertos e em especial para uma estimativa de desenvolvimentos futuros, o tribunal deve respeitar os «limites de tolerância» e não substituir a sua avaliação à da Administração. Serão situações em que o administrador deve agir sem sujeição a revisibilidade jurisdicional porque o juiz não pode substituir-se ao administrador, salvo casos raros de erro grosseiro.
(…)
Por isso se diz que só os erros manifestos, grosseiros ou palmares ou só os critérios e juízos ostensivamente desacertados e visivelmente ofensivos da lógica e do bom senso que traduzam manifestações de pura arbitrariedade são passíveis de censura por parte do tribunal em casos destes. Isto é, apesar de não haver entrave à interpretação dos conceitos pelo Judiciário, não se pode dizer que eles apenas permitem uma só interpretação (e, portanto, uma única solução) e que ao intérprete-juiz seja fácil identificar se a situação fáctica estaria ou não abrangida pelo conceito. Saber se uma conduta pode vir futuramente a preencher o conceito implica um juízo que deve ficar subtraído ao papel do julgador, porque pode haver mais do que uma solução justa (a melhor solução) dentro da zona de incerteza que ele comporta. O controle jurisdicional, em casos destes, só pode ser exercido quando o acto administrativo de concretização do conceito “ultrapassar os limites da tolerância, aceitabilidade, ofendendo o consenso geral” e for “absurda e irrazoável”.”
No caso vertente, tendo em consideração os factos alegados pelo recorrente, não se vislumbra que a Administração apreciou de forma inaceitável, absurda ou irrazoável quanto à verificação dos requisitos de “necessidade para a defesa pessoal ou da sua família”, “especiais condições de vida”, “riscos inerentes à actividade profissional”, de que depende a concessão da licença de uso e porte de arma de defesa e contemplados na alínea c) do n.º 1 do artigo.
Melhor dizendo, não obstante o recorrente ter alegado que é uma pessoa com posses, muitas vezes levava consigo quantias elevadas de dinheiro e que foi vítima de danos patrimoniais verificados nos seus veículos, não vemos que há erro manifesto por parte da Administração ao considerar que não houve risco actual e concreto que justifique o deferimento do pedido.
Aqui chegados, por não se vislumbrar, por parte da Administração, erro manifesto e grosseiro na apreciação dos requisitos de que depende a concessão da licença de uso e porte de arma de defesa, resta-nos julgar improcedente o recurso nesta parte.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça em 8 U.C.
Registe e notifique.
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RAEM, 12 de Abril de 2018
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Mai Man Ieng
1 Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, FM e SAFP, pág. 623 e 624
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Recurso Jurisdicional 692/2016 Página 11