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Processo nº 1111/2017
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 19 de Abril de 2018

ASSUNTO:
- Princípio da livre apreciação das provas
- Reapreciação da matéria de facto
- Responsabilidade extracontratual
- Indemnização

SUMÁRIO:
- Segundo o princípio da livre apreciação das provas previsto n° 1 do artigo 558.° do CPC, “O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
- A reapreciação da matéria de facto por parte do Tribunal a quem tem um campo muito restrito, limitado, tão só, aos casos em que ocorre flagrantemente uma desconformidade entre a prova produzida e a decisão tomada, nomeadamente quando não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação.
- A responsabilidade extracontratual por factos ilícitos pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
- o facto, facere ou non facere;
- a ilicitude;
- a culpa;
- a existência de danos; e
- o nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito e os danos causados.
- Não tendo provado a culpa dos Réus na ocorrência do incêndio, o pedido de indemnização dos Autores nunca pode proceder.
O Relator
Ho Wai Neng
















Processo nº 1111/2017
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 19 de Abril de 2018
Recorrentes: A e B (Autores)
Recorridos: C, D e E (Réus)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 16/06/2017, julgou-se improcedente a acção de indemnização interposta pelos Autores A e B.
Dessa decisão vêm recorrer os Autores, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
A. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos presentes autos, nos termos da qual o Tribunal a quo indeferiu o pedido de indemnização deduzido pelos Autores.
B. Entendem os Recorrentes que o Tribunal a quo procedeu à resposta à matéria de facto de forma incompleta, em termos que motivam a impugnação da matéria de facto pelos Autores e ora Recorrentes, no que diz respeito à resposta aos quesitos 1.° e 9.° da base instrutória, tendo concluído erradamente que se desconhece a causa do incêndio e que, no caso, não houve culpa - dolo ou negligência - por parte dos Réus, ora Recorridos.
C. Em qualquer caso, o Tribunal a quo efectuou uma errada subsunção dos factos ao direito, não tendo convocado as várias normas jurídicas que, no caso, têm aplicação e que, inegavelmente, apontam para a responsabilização dos Réus, nomeadamente, por o Tribunal a quo não ter aplicado as normas sobre os vícios da coisa locada, que impõem a conclusão de que o imóvel arrendado aos Autores e ora Recorrentes padecia de um defeito impeditivo de assegurar o gozo do imóvel para os fins que se destina.
D. Em cumprimento do disposto no art. 599.°, n.º 1, al. a) do C.P.C., entendem os Recorrentes que o Tribunal a quo julgou incorrectamente os quesitos 1.° e 9.° da base Instrutória.
E. Quanto ao quesito 1.º da base instrutória, entendem os Recorrentes que, perante o alcance da questão técnica em apreciação nos autos, a resposta do Tribunal a quo ficou muito aquém da factualidade discutida e analisada em julgamento, conforme se retira das declarações da testemunha X, engenheiro electrotécnico, ouvido na sessão de julgamento de 25.04.2017, tradutor 1, às 15.04.56, gravação (2(PM-G!G06611270), min. 37.50 a 1h02.55, conforme excertos das declarações acima transcritas, das quais se retira de forma muito clara que a causa do incêndio que está na origem dos presentes autos deve-se à instalação eléctrica e ao defeito de isolamento dos cabos que ligam o interruptor ao aparelho de ar condicionado.
F. Nesse mesmo sentido, veja-se o documento junto no requerimento de prova dos Recorrentes em 07.09.2016 - Relatório sobre incêndios em aparelhos de ar condicionado, elaborado pela Força de Defesa Civil de Singapura -, cuja tradução foi junta aos autos por requerimento de 27.10.2016, de onde resulta que os incêndios em aparelhos de ar condicionado acontecem por problemas relacionados com a instalação e condição dos fios, isoladores ou cabos eléctricos.
G. Pelo exposto, na sequência da instrução da causa, tendo em consideração o Doc. 1 pelos Recorrentes no seu requerimento de prova, em conjugação com as declarações da testemunha Eng. X, entendem os Recorrentes que o Tribunal a quo, em resposta ao quesito 1.° deveria ter dado como Provado que o incêndio aludido em F) teve origem num curto-circuito causado pela falta de isolamento dos cabos eléctricos que fazem a ligação ao aparelho de ar condicionado.
H. Quanto ao quesito 9.°, o referido quesito deveria ter sido dado como provado com base nos ofícios de fls. 210 a 217 dos autos, bem como no relatório de fls. 236 e 237 dos autos, confirmado pelas declarações da testemunha X.
I. Os Réus agiram com negligência ao não se terem certificado que a instalação eléctrica da fracção que deram de arrendamento aos Autores se encontrava em condições.
J. No sentido de accionar a presunção de culpa prevista no art. 1026.° do Código Civil, ou seja, no intuito de tentarem responsabilizar os Recorrentes pelo incêndio, os Recorridos alegaram que o apartamento que deram de arrendamento aos Autores era novo e por estrear, que os Autores fizeram um uso exagerado do ar condicionado e que não procederam à respectiva limpeza, factos que teriam estado na origem do incêndio. Efectuado o julgamento, resultaram - e muito bem - como NÃO PROVADOS os quesitos 53.° a 67.º, cujo ónus da prova cabia aos Réus.
K. Mais alegaram os Recorridos que os aparelhos de ar condicionado (e respectivo sistema de instalação) se encontravam, à data em que o imóvel foi entregue ao Autor, no mesmo estado em que foram recebidos pelos Réus da concessionária, facto que, em resposta ao quesito 68.º da base instrutória, foi dado como provado.
L. Ora, se afirmam que não tocaram no imóvel desde que o mesmo lhes foi entregue em 22 de Outubro de 2012 pela sociedade X, os Réus não podem afirmar que "esses aparelhos de ar condicionado (e a respectiva instalação) e essa instalação eléctrica não apresentavam qualquer vício quando a fracção foi entregue ao Auto (factos da contestação que os Recorrentes impugnaram especificamente).
M. Os Réus e ora Recorridos (contrariamente ao que alegaram, note-se!), apesar de terem utilizado o imóvel no período de Outubro de 2012 a Janeiro de 2014, nada fizeram no sentido de assegurar que o imóvel não apresentava qualquer tipo de problemas, nomeadamente ao nível da instalação eléctrica, antes de o darem de arrendamento ao Autor.
N. Ou seja, os Réus não lograram provar que desconheciam a existência do defeito, sem culpa, antes tendo afirmado que se limitaram a dar o locado de arrendamento nas mesmas condições em que o receberam da concessionária, assumiram uma atitude totalmente passiva e limitaram-se a confiar que a instalação eléctrica não apresentava quaisquer problemas, facto que bem elucida que os Recorridos agiram com negligência, contra o disposto nos arts. 977.°, al. b) e 978.°, al. a) (Vício da coisa locada) do Código Civil.
O. Ora, entendem os Recorrentes que o Tribunal a quo, erradamente, não fez aplicação do disposto nos arts. 977.°, al. b), 978.°, al. a), 1021.°, 1028.° e 1338.° do Código Civil, quando dos factos apurados em julgamento resulta de forma inequívoca que os Recorrentes arrendaram um imóvel que padecia de vícios - defeito ao nível instalação eléctrica - que inequivocamente responsabilizam os senhorios e ora Recorridos.
P. Pelo que, a responsabilidade pela ocorrência do incêndio e a obrigação de indemnizar incumbe aos Réus, quer na qualidade de locadores, quer na qualidade (que não negaram, e pelo contrário, confirmaram) de proprietários do imóvel objecto dos autos (conferir factos A) a E) e G) dados como Assentes).
Q. Ao abrigo do disposto no art. 1338.° do Código Civil, os Réus, na qualidade de condóminos ou titulares do imóvel, celebraram contrato (obrigatório) de seguro contra incêndios, conforme assente na alínea O) dos factos Assentes, pelo que transferiram o risco da ocorrência de incêndios para a Companhia de Seguros.
R. Sendo que, na qualidade de proprietários do imóvel, apenas os Réus têm direito de regresso contra a concessionária, na medida em que adquiriram uma fracção autónoma com defeitos na instalação eléctrica.
S. Pelo exposto, verificam-se todos os requisitos da obrigação de indemnizar: existe um facto gerador de responsabilidade - a ocorrência de um incêndio - o qual foi o responsável - nexo causal - pela ocorrência de danos, devidamente dados como provados pelo Tribunal, bem como culpa, na modalidade de negligência, por parte dos Réus.
T. Quanto aos danos, uma vez que o Tribunal deu como não provados os quesitos relativos à quantificação dos prejuízos, considerando o Tribunal tratar-se de prova impossível, requerem os Recorrentes a V. Ex.ªs que seja aplicado o disposto no art. 560.°, n.º 6 do Código Civil, julgando o Tribunal equitativamente dentro dos limites dados como provados.
U. Pelo exposto e nos termos melhor desenvolvidos nas presentes alegações, viola a decisão recorrida o disposto nos artigos 977.°, al. b), 978.°, al. a), 1021.°, 1028.° e 1338.° do Código Civil.
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Os Réus C, D e E responderam à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 391 a 401 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
a) A RAEM concedeu, por arrendamento, à “SOCIEDADE DE IMPORTAÇÃO X, LIMITADA” o prédio urbano descrito na respectiva Conservatória sob o nº ..., ao abrigo do Despacho n.º 9/2006 do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, publicado no Boletim oficial de 01.03.2006, sendo que nesse terreno foi construído o edifício denominado ..., em regime de propriedade horizontal, constituído por um pódio, com dois pisos, sobre o qual assentam cinco torres com 44 pisos cada uma;
b) A X celebrou, em 2007, um contrato-promessa de compra e venda com X nos termos da qual a primeira prometeu vender e, por sua vez, o segundo prometeu comprar, pelo preço de HKD6,150,000.00, a referida fracção autónoma designada por “IVA29”, correspondente ao 29º andar “IVA”, para habitação, do edifício acima identificado;
c) Em 16 de Junho de 2008, X cedeu a sua posição contratual daquele contrato aos Réus, com o expresso consentimento da X, tendo os representantes desta sociedade assinado também o respectivo contrato;
d) Os Réus pagaram integralmente o preço de aquisição daquela fracção autónoma, em 16 de Junho de 2008, com recurso a financiamento bancário, celebrando para o efeito, nessa mesma data, um contrato tripartido com a respectiva instituição bancária (Banco da X) e a referida concessionária (X);
e) A X entregou aos Réus, em 22 de Outubro de 2012, a referida fracção autónoma, dotada de diversos equipamentos entre os quais 2 (dois) aparelhos de ar condicionado, totalmente novos, da marca Daikin, instalados na sala de jantar e de estar, e ainda 3 (três) aparelhos de ar condicionado, igualmente novos, da marca Daikin, instalados, cada qual, num dos três quartos daquele imóvel;
f) Depois da fracção lhes ter sido entregue, os Réus compraram mais alguns apetrechos para a casa, como sejam mobiliário, cortinados e uma sala de jantar e estar (鞋櫃shoes cabinet, 茶几coffee table, 餐台餐椅dinning table & chairs, 梳化sofá with seaters,窗簾連架curtain with rails(s),電視機連遙控television with remote, um fogão para a cozinha (焗爐oven) e, por fim, mobiliário e cortinados para os quartos (衣櫃wardrobe, 單人/雙人床single/double bed, 連床褥with mattress, 入牆組合櫃wall unit/cabinet, 窗簾連架 curtain with rails(s);
g) Por contrato de arrendamento datado de 01.01.2014, os Réus, na qualidade de locadores, deram de arrendamento ao 1.º Autor a fracção autónoma para habitação, sita no Edifício ..., Lote V, Block 4, 29 A, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..., em conformidade com o teor do documento junto a fls. dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
h) O arrendamento referia-se a fracção parcialmente mobilada, incluindo os bens móveis discriminados no anexo do contrato, onde constam 3 equipamentos de ar condicionado;
i) Os Réus entregaram a fracção ao 1° Autor em 20.01.2014, o qual, a partir de então, passou a ali residir;
j) A Autora passou a residir na fracção a partir do dia 10.05.2014, data em que veio viver para Macau para junto do seu marido;
k) No dia 29 de Junho de 2014, domingo, cerca das 08h30 da manhã ou antes, deflagrou um incêndio no interior da referida fracção autónoma, quando os Autores ainda se encontravam a dormir;
l) O incêndio iniciou-se no segundo quarto da casa, que não se encontrava ocupado por ninguém;
m) O incêndio foi depois extinto pelo Corpo de Bombeiros, não obstante já se ter alastrado para o interior de toda a fracção;
n) Todas as divisões da fracção foram afectadas pelo incêndio, incluindo a cozinha, o quarto ocupado pelos Autores, o corredor e também a sala, desde o chão até ao tecto, portas e janelas;
o) Os Réus receberam da X INSURANCE (MACAU) CO LIMITED, ao abrigo de um contrato de seguro de incêndio celebrado com esta companhia de seguros, titulado pela apólice de seguro nº …, a quantia de MOP150,000.00;
p) O incêndio aludido em k) teve origem num curto-circuito;
q) Nessa manhã a Autora acordou sobressaltada com ruídos vindos do 2º quarto da casa;
r) Apercebendo-se que havia um cheiro intenso a queimado;
s) Os Autores puderam ver o segundo quarto da casa a arder;
t) E o fogo a propagar-se muito rapidamente;
u) Os Autores ficaram em estado de choque;
v) E apenas tiveram tempo de sair de casa com o intuito de pedir auxílio para extinguir o incêndio;
w) Os Autores trouxeram os documentos de identificação e os telemóveis;
x) Na sequência do referido incêndio, os Autores ficaram sem tecto onde dormir;
y) Como consequência do incêndio, o 1º Autor perdeu as roupas que se encontravam no interior da fracção, concretamente, fatos, camisas, blazers, gravatas, calças, camisolas, casacos de Inverno, t-shirts, roupa de desporto, roupa interior;
z) A Autora perdeu vestidos, saias, calças, camisas, t-shirts, roupa interior, e roupa de desporto;
aa) A fim de tentar recuperar alguma da roupa, os Autores levaram parte da roupa à lavandaria;
bb) Onde despenderam o valor de MOP930,00;
cc) A roupa que veio da lavandaria não pôde mais ser utilizada pelos Autores;
dd) Na medida em que, após a lavagem e por já terem sido expostos ao fogo, os tecidos começaram a desintegrar-se;
ee) Com o incêndio houve calçado dos Autores que ficou inutilizado;
ff) Após o incêndio, os Autores tiveram de comprar sapatos para cada um;
gg) No que despenderam o valor de MOP3.073,00;
hh) Houve roupa de cama, lençóis, edredões, atoalhados, almofadas que ficou inutilizada;
ii) Em consequência do incêndio os Autores perderam malas de viagem e carteiras de senhora;
jj) Houve mobiliário dos Autores, quadros e artigos de decoração que ficaram danificados;
kk) Em virtude do incêndio, os Autores perderam um aparelho DVD e um computador portátil da Apple;
ll) Em consequência do incêndio, durante o período 29 de Junho a 08 de Julho de 2014, os Autores tiveram de passar 10 (dez) noites num hotel;
mm) Com o que despenderam o valor de MOP11.917,70;
nn) O preço do hotel onde os Autores ficaram instalados foi conversado com os Réus;
oo) Os Autores escolheram o Hotel X por beneficiarem de um preço mais baixo;
pp) Os Autores ficaram em pânico e desorientados com o sucedido;
qq) De um momento para o outro, ficaram totalmente desprotegidos e sem casa;
rr) Os Autores estiveram expostos ao risco de poderem perder a vida;
ss) Os Autores temeram pela sua vida e integridade física;
tt) Uma vez extinto o incêndio, os Autores contaram com a bondade e generosidade de uns vizinhos;
uu) Os quais os deixaram tomar banho em sua casa e lhes emprestaram roupas;
vv) Os Autores mais não tinham que o pijama que vestiam;
ww) O dia 29 de Junho de 2014 e os dias subsequentes foram difíceis para os Autores;
xx) Os Autores viram-se desprovidos de parte dos seus bens pessoais;
yy) Os Autores vivem, desde então temendo que incidentes como o que os sobressaltou se possam repetir;
zz) Os aparelhos de ar condicionado (e respectivo sistema de instalação) encontravam-se, à data em que o imóvel foi entregue ao Autor, no mesmo estado em que foram recebidos pelos Réus da concessionária;
aaa) Por força do incêndio, os Réus tiveram de proceder, em Julho e Agosto de 2014, à realização das seguintes obras e à aquisição dos seguintes materiais, com vista à reparação do locado:
清拆假天花,房門,木地板
全屋地台貼地磚(包水泥砂,不包磚)
全屋起底做灰油立邦淨味五合一
換房門,廁所門,廚房門
所有窗玻璃去漬清洗,廚房,廁所
換冷氣(日本大金)2匹機價(單冷機) (2台)
1.5匹機價(單冷機) (2台)
1匹機價(單冷機) (1台)
2匹機裝工
1.5匹機裝工
1匹機裝工
2匹機銅喉(單冷機)
1.5匹機銅喉(單冷機)
1匹機銅喉(單冷機)
搭棚架安裝冷氣外機頭
新做廚房兩廁所, 假天花
新做入口走道假天花
換房天花燈連工包料
換大廳大燈連工包料
換廳細燈連工包料
換廚房,廁所,走道烔燈連工包料
換廁所浴室寶連工包料(樂聲牌)
換全屋電線,制板面;
bbb) Pagando os Réus, para o efeito, o valor global de MOP281,425.00;
ccc) Pelo mesmo motivo, os Réus tiveram que adquirir em Agosto de 2014, azulejos e material para rodapé para reparar o locado;
ddd) O preço de aquisição e de transporte ascendeu ao valor total de RMB7.700,00 e MOP700.00;
eee) Em resultado do incêndio, tiveram os Réus que adquirir um sofá em forma de “L” e uma mesa de madeira;
fff) Pagando para o efeito, respectivamente, MOP4,080.00 e MOP600.00.
*
III – Fundamentação
1. Da impugnação da decisão da matéria de facto:
Vêm os Autores, ora Recorrentes, impugnar a decisão da matéria de facto vertidos nos quesitos 1º e 9º da Base Instrutória, a saber:

O incêndio aludido em K) teve origem num curto-circuito do aparelho de ar condicionado ali instalado?

Os Autores, auxiliados por 2 porteiros do prédio, foram ao interior da fracção para tentar pôr termo ao incêndio?
O Tribunal a quo considerou não provado o quesito 9º e quanto ao quesito 1º, julgou provado apenas que “o incêndio aludido em K) teve origem num curto-circuito”.
Para os Autores, com fundamento no depoimento da testemunha X, engenheiro electrotécnico, o quesito 1º deveria ser provado pela forma seguinte:
“O incêndio aludido em K) teve origem num curto-circuito causado pela falta de isolamento dos cabos eléctricos que fazem a ligação ao aparelho de ar condicionado”.
Em relação ao quesito 9º, com base nas declarações da testemunha X e nos documentos juntos aos autos a fls. 210 a 217 e 236 e 237, entendem que o mesmo deveria ser provado na sua íntegra.
Quid iuris?
Antes de mais, cumpre-nos dizer o facto vertido no quesito 9º não tem interesse para o mérito da causa, cuja prova ou não do facto nada afecta o resultado da decisão do mérito do caso sub justice.
Nesta conformidade, não é apreciado o recurso nesta parte.
Quanto ao facto consagrado no quesito 1º, o Tribunal a quo julgou-o não provado, justificando a sua convicção pela forma seguinte:
   “… quanto à origem do incêndio, tendo sido provocada pela electricidade podemos concluir ter sido um curto-circuito. Onde, porquê e como, não foi feita peritagem alguma e a primeira testemunha ouvida e única sobre a matéria nunca foi ao local e referiu apenas o que segundo a sua experiência profissional terá sido o mais provável ter acontecido”.
   Como é sabido, segundo o princípio da livre apreciação das provas previsto n° 1 do artigo 558.° do CPC, “O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
A justificar tal princípio e aquilo que permite a existência do mesmo, temos que o Tribunal a quo beneficia não só do seu prudente juízo e experiência, como da mais-valia de um contacto directo com a prova, nomeadamente, a prova testemunhal, o qual se traduz no princípio da imediação e da oralidade.
Sobre o princípio da imediação ensina o Ilustre Professor Anselmo de Castro (in Direito Processual Civil, I, 175), que “é consequencial dos princípios da verdade material e da livre apreciação da prova, na medida em que uma e outra necessariamente requerem a imediação, ou seja, o contacto directo do tribunal com os intervenientes no processo, a fim de assegurar ao julgador de modo mais perfeito o juízo sobre a veracidade ou falsidade de uma alegação”.
Já Eurico Lopes Cardoso escreve que “os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que, por vezes, é um meio de ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhe.” (in BMJ n.º 80, a fls. 220 e 221)
Por sua vez Alberto dos Reis dizia, que “Prova livre quer dizer prova apreciada pelo julgador seguindo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei. Daí até à afirmação de que o juiz pode decidir como lhe apetecer, passando arbitrariamente por cima das provas produzidas, vai uma distância infinita. (...) A interpretação correcta do texto é, portanto, esta: para resolver a questão posta em cada questão, para proferir decisão sobre cada facto, o tribunal aprecia livremente as provas produzidas, forma sua convicção como resultado de tal apreciação e exprime-a na resposta. Em face deste entendimento, é evidente que, se nenhuma prova se produziu sobre determinado facto, cumpre ao tribunal responder que não está provado, pouco importando que esse facto seja essencial para a procedência da acção” (in Código de Processo Civil anotado, Coimbra Editora IV, pago 570-571.)
É assim que “(...) nem mesmo as amarras processuais concernentes à prova são constritoras de um campo de acção que é característico de todo o acto de julgar o comportamento alheio: a livre convicção. A convicção do julgador é o farol de uma luz que vem de dentro, do íntimo do homem que aprecia as acções e omissões do outro. Nesse sentido, princípios como os da imediação, da aquisição processual (artº 436º do CPC), do ónus da prova (artº 335º do CC), da dúvida sobre a realidade de um facto (artº 437º do CPC), da plenitude da assistência dos juízes (artº 557º do CPC), da livre apreciação das provas (artº 558º do CPC), conferem lógica e legitimação à convicção. Isto é, se a prova só é "livre" até certo ponto, a partir do momento em que o julgador respeita esse espaço de liberdade sem ultrapassar os limites processuais imanentes, a sindicância ao seu trabalho no tocante à matéria de facto só nos casos restritos no âmbito do artºs. 599º e 629º do CPC pode ser levada a cabo. Só assim se compreende a tarefa do julgador, que, se não pode soltar os demónios da prova livre na acepção estudada, também não pode hipotecar o santuário da sua consciência perante os dados que desfilam à sua frente. Trata-se de fazer um tratamento de dados segundo a sua experiência, o seu sentido de justiça, a sua sensatez, a sua ideia de lógica, etc. É por isso que dois cidadãos que vestem a beca, necessariamente diferentes no seu percurso de vida, perante o mesmo quadro de facto, podem alcançar diferentes convicções acerca do modo como se passaram as coisas. Não há muito afazer quanto a isso.” (Ac. do TSI de 20/09/2012, proferido no Processo n° 551/2012)
Deste modo, “A reapreciação da matéria de facto por parte desta Relação tem um campo muito restrito, limitado, tão só, aos casos em que ocorre flagrantemente uma desconformidade entre a prova produzida e a decisão tomada, nomeadamente quando não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação” (Ac. do STJ de 21/01/2003, in www.dgsi.pt)
Com efeito, “não se trata de um segundo julgamento até porque as circunstâncias não são as mesmas, nas respectivas instâncias, não bastando que não se concorde com a decisão dada, antes se exige da parte que pretende usar desta faculdade a demonstração da existência de erro na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos.(...). ” (Ac. do RL de 10/08/2009, in www.dgsi.pt.)
Ou seja,
Uma coisa é não agradar aos Recorrentes o resultado da avaliação que se faz da prova, e outra bem diferente é detectarem-se no processo de formação da convicção do julgador erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório.
Ora, em face da justificação da convicção acima transcrita, não achamos que o Tribunal a quo cometeu qualquer erro de julgamento quanto à matéria de facto em causa.
Improcede assim o recurso nesta parte.
2. Do mérito da causa:
Como é sabido, a responsabilidade extracontratual por factos ilícitos pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
- o facto, facere ou non facere;
- a ilicitude;
- a culpa;
- a existência de danos; e
- o nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito e os danos causados.
Ora, não tendo provado a culpa dos Réus na ocorrência do incêndio, a presente acção de indemnização nunca pode proceder, pelo que não resta outra alternativa senão de negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
*
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a sentença recorrida.
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Custas pelos Autores.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 19 de Abril de 2018.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong



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1111/2017