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Processo nº 958/2017
(Autos de recurso cível)

Data: 26/Abril/2018

Assunto: Reclamação da conta

SUMÁRIO
Preceitua o n.º 2 do artigo 50.º do Regulamento das Custas nos Tribunais que “não é admitida segunda reclamação dos interessados sem o depósito das custas em dívida”.
Não nos parece que o legislador estaria interessado em saber se a segunda reclamação da conta se baseou nos mesmos fundamentos em que fundamentou a primeira reclamação, ou se incide sobre uma conta materialmente igual à anterior.
Simplesmente, basta ser uma segunda conta reformulada e contra a qual é deduzida uma segunda reclamação, o interessado terá que efectuar o depósito das custas em dívida, sob pena de a sua segunda reclamação não ser admitida.

O Relator,

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Tong Hio Fong

Processo nº 958/2017
(Autos de recurso cível)

Data: 26/Abril/2018

Recorrente:
- A

Objecto do recurso:
- Despacho que não admitiu a segunda reclamação da conta

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
Corre termos no Tribunal Judicial de Base acção declarativa comum sob a forma de processo ordinária, em que são Autoras B e C e Ré A (doravante designada por “recorrente”).
Inconformada com o despacho que não admitiu a segunda reclamação da conta por si apresentada, a Ré interpôs recurso ordinário para este Tribunal, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. A conta objecto da impugnação cuja admissibilidade se discute (conta n.º 0484 de fls. 1418) viola patentemente os acórdãos proferidos pelo Tribunal de Segunda Instância em 12 de Maio e 23 de Junho de 2016, no âmbito dos processos que aí correram termos sob os números 207/2016 e 422/2015, ao persistir em não cumprir a ordem de recopilação das contas.
2. O único propósito da impugnação deduzida pela ora Recorrente é exigir o cumprimento dos referidos acórdãos pela Exma. Senhora Contadora do Tribunal Judicial de Base.
3. O depósito das custas em dívida, exigido pelo n.º 2 do artigo 50º do RCT, não reflecte qualquer juízo do legislador quanto a uma acrescida complexidade do julgamento de uma segunda reclamação e, portanto, a necessidade de cobrar um sobre-taxa no acesso aos tribunais (a acrescer aos preparos inicial e para julgamento).
4. Com a imposição de tal encargo, o legislador pretendeu dissuadir os interessados de procurar diferir o mais possível o pagamento das custas da sua responsabilidade, fazendo uso de sucessivas reclamações, sem mérito ou fundamento sério.
5. A seriedade, ou, dito doutro modo, o intuito não dilatório da impugnação deduzida pela ora Recorrente é inequívoco e carece de demonstração: a conta está desconforme com o acórdão de instância superior que ordenou a sua elaboração, impondo-se a sua reforma.
6. Não se sindica a conta face às regras de contagem das custas ou de divisão de responsabilidades, mas apenas a sua (des)conformidade decisões de um tribunal superior.
7. A impugnação sub judice está, pois, fora do âmbito da norma do n.º 2 do artigo 50º do RCT, a qual deve ser objecto de redução teleológica para que nela se não inclua a impugnação da conta que tenham como objecto o cumprimento de decisão judicial anterior.
8. O acto de contagem impugnado foi elaborado na sequência do despacho do Meritíssimo Juiz a quo de fls. 1414-v que, apreciando a reclamação deduzida pela ora Recorrente da conta anteriormente elaborada pela Exma. Senhora Contadora (a conta n.º 2699), reconheceu que a mesma não dava o devido cumprimento aos acórdãos do Tribunal de Segunda Instância.
9. A nova conta, elaborada pela Exma. Senhora Contadora na sequência do referido despacho, continua a não conter a recopilação das contas.
10. A nova conta não dá devido cumprimento aos acórdãos do Tribunal de Segunda Instância e ao despacho do Meritíssimo Juiz a quo que ordenou o respectivo cumprimento.
11. A reclamação contra a mesma deduzida não é uma nova reclamação, pois não tem novos fundamentos, nem incide sobre uma conta diferente; ela incide sobre uma conta materialmente igual à anterior (no sentido em que na nova conta não foi feita a recopilação que já faltava na primeira) e nela apenas se pede que o Tribunal a quo ordene o cumprimento do seu anterior despacho – ou seja, daquele que primitivamente havia ordenado a reforma conta.
12. Pelo que – o que subsidiariamente se requer que seja ordenado por V. Exas. – se deve proceder a uma interpretação restritiva do n.º 2 do artigo 50º do RCT, para que nele se não incluam os casos em que (i) a segunda conta não foi reelaborada de acordo com o despacho que ordenou a reforma da primeira e em que (ii) na nova reclamação apenas se peticione a reforma da conta de acordo com aquela primeira decisão.
13. A reclamação da conta deve, pois, ser admitida sem exigência do depósito das custas pela ora Recorrente.
14. O n.º 1 do artigo 49º do CRT impõe ao juiz um poder-dever de, verificando que a conta não está devidamente elaborada, ordenar a respectiva reforma.
15. Julgando pela não admissão da reclamação deduzida pela ora Recorrente, competia, ainda assim, ao Meritíssimo Juiz a quo apreciar a conformidade da conta reelaborada com os acórdãos do Tribunal de Segunda Instância, em cumprimento do seu dever de ofício, o que subsidiariamente se requer que seja ordenado por V. Exas.
Nestes termos, e nos mais em Direito consentidos que V. Exas. doutamente suprirão, se requer que o presente recurso seja julgado procedente, por provado e por legalmente justificado, com a consequente revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que ordene a admissão da reclamação da conta n.º 0486 de fls. 1418.”
*
Notificadas as partes contrárias, não ofereceram respostas às alegações.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Está provada a seguinte factualidade com pertinência para a decisão do recurso:
Por Acórdão de 12.5.2016, proferido no âmbito do Processo n.º 207/2016 deste TSI, foi determinada a recopilação unitária das contas ao abrigo do n.º 3 do artigo 42.º do Regulamento das Custas nos Tribunais (RCT).
Baixando os autos à primeira instância, foi ordenada pelo Juiz do processo a elaboração da conta.
A contadora elaborou a conta n.º 2699, constante de fls. 1394 dos autos.
Notificadas as partes, apresentou a recorrente no dia 17.10.2016 reclamação da conta, nos termos do disposto no artigo 49.º, n.º 2, alínea b) do Regulamento das Custas nos Tribunais, pedindo que se ordene a reforma da conta n.º 2699 de fls. 1394, para que se proceda à recopilação unitária das custas relativas ao apenso com as dos autos principais.
Em consequência, o Juiz do processo ordenou que se elaborasse a conta e se procedesse à recopilação unitária.
Em cumprimento do despacho, a contadora elaborou a conta n.º 0486, constante de fls. 1418 dos autos.
Novamente inconformada, apresentou a recorrente no dia 16.3.2017 nova reclamação da conta, ao abrigo do disposto no artigo 49.º, n.º 2, alínea b) do Regulamento das Custas nos Tribunais.
Face a essa reclamação, o Juiz do processo ordenou à recorrente que se procedesse ao depósito das custas em dívida, nos termos consagrados no n.º 2 do artigo 50.º do RCT.
Devidamente notificada, apresentou a recorrente um requerimento pedindo a rectificação do despacho.
Em resposta ao requerimento, o Juiz do processo não admitiu essa última reclamação da conta apresentada pela recorrente, com fundamento de esta não ter efectuado o depósito das custas em dívida conforme o estipulado no n.º 2 do artigo 50.º do Regulamento das Custas nos Tribunais.

É esta a decisão recorrida.
Entende a recorrente que a segunda reclamação apresentada contra a conta elaborada pela contadora não é uma nova reclamação, por não ter novos fundamentos, nem incidir sobre uma conta diferente, mas sim materialmente igual à anterior, e defende que se deve proceder a uma interpretação restritiva do n.º 2 do artigo 50.º do RCT, para que nele se não incluam os casos em que a segunda conta não foi reelaborada de acordo com o despacho que ordenou a reforma da primeira e também os casos em que na nova reclamação apenas se peticione a reforma da conta de acordo com aquela primeira decisão.
Preceitua o artigo 50.º do Regulamento das Custas nos Tribunais o seguinte:
“1. Apresentada a reclamação da conta e feito o preparo, vai o processo ao funcionário responsável e depois com vista ao Ministério Público, se não for o reclamante, para se pronunciarem no prazo de 10 dias cada um, após o que o juiz decide. 2. Não é admitida segunda reclamação dos interessados sem o depósito das custas em dívida.”
Como observa Salvador da Costa1, “A segunda reclamação a que se reporta este normativo é a que incidiu sobre a conta reformulada na sequência da decisão do incidente, e as custas em dívida são as contadas. Assim, a conta já reformada que não obedeça aos termos da decisão que a determinou é susceptível de reclamação.”
Salvo o devido respeito, é nosso entendimento que o legislador não queria fazer qualquer destrinça quanto ao conteúdo da reclamação, ou seja, não nos parece que o legislador estaria interessado em saber se a segunda reclamação da conta se baseou nos mesmos fundamentos em que fundamentou a primeira reclamação, ou se incide sobre uma conta materialmente igual à anterior.
Por outro lado, não se descortina que a própria formulação do artigo ou outras disposições legais conseguem oferecer qualquer apoio à interpretação restritiva do n.º 2 do artigo 50.º do RCT.
A nosso modesto ver, simplesmente, basta ser uma segunda conta reformulada e contra a qual é deduzida uma segunda reclamação, o interessado terá que efectuar o depósito das custas em dívida, sob pena de a sua segunda reclamação não ser admitida.
Nestes termos, não merece censura a decisão recorrida.

Entende ainda a recorrente que o n.º 1 do artigo 49.º do RCT impõe ao juiz um poder-dever de verificar se a conta está devidamente elaborada e, em caso de necessidade, ordenar a respectiva reforma.
Estatui-se no n.º 1 do artigo 49.º do Regulamento das Custas nos Tribunais que “oficiosamente, ou a requerimento do Ministério Público ou dos interessados, o juiz manda reformar a conta se esta não estiver de harmonia com as disposições legais”. – sublinhado nosso
A norma prevê a reforma do acto de contagem quando este não está conforme com a lei ou com a própria decisão judicial.
Ora bem, se a recorrente pretende que a questão seja resolvida pelo Juiz do processo, em cumprimento do seu dever de ofício, deveria ter colocado a questão junto do Juiz a quo.
Não o tendo feito, e sendo o objecto do recurso delimitado pela própria decisão recorrida de primeira instância que não admitiu a segunda reclamação da conta apresentada pela recorrente, não vemos razão para conhecer da questão que só agora foi suscitada pela recorrente.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pela A
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
***
RAEM, 26 de Abril de 2018
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
1 Código das Custas Judiciais anotado e comentado, 1997, pág. 245
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Recurso Cível 958/2017 Página 9