Processo nº 272/2018 Data: 19.04.2018
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.
SUMÁRIO
1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.
2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 272/2018
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no art. 56° do C.P.M.; (cfr., fls. 69 a 89 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).
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Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 91 a 98).
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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Na Motivação (cfr. fls.70 a 89 dos autos), o recorrente solicitou a revogação do douto despacho recorrido de negação o pedido de liberdade condicional e a concessão da mesma, assacando-lhe o vício de ofensa do preceito no art.56° do CPM, por entender que ele reunir todos os pressupostos.
Antes de mais, subscrevemos inteiramente as criteriosas explanações do ilustre Colega na douta Resposta (vide. fls.91 a 98 dos autos).
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No dia de hoje, constitui jurisprudência firme que a concessão da liberdade condicional depende do preenchimento cumulativo de todos os pressupostos, quer formais quer substanciais, consignados no art.56° do CPM, bastando a não verificação de qualquer um para se negar o pedido da liberdade condicional (a título exemplificativo, Acórdão do TSI no Processo n.°195/2003).
Importa recordar que a liberdade condicional não é uma medida de clemência ou de recompensa por mera boa conduta prisional, e serve na política do C.P.M. um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o recluso possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão. (Acórdão do TSI no Processo n.°50/2002)
Daí decorre que se, não obstante um comportamento prisional adequado, pelo passado do recluso e perspectivas de reintegração se não se formula um juízo de prognose favorável a uma regeneração e se teme pelas razões de prevenção geral. (Acórdão do TSI no Processo n.°225/2010)
Ainda se inculca reiteradamente que cada situação deve ser observada em concreto e caso a caso, num circunstancialismo de modo, tempo e lugar próprios, analisando de forma crítica a personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo se vai reinserir na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo ainda constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social. (Acs. do TSI nos Processos n.°225/2010 e n.°404/2011)
Envolvendo conceitos indeterminados de prognose, as alíneas a) e b) do n.°1 do art.56° dotam aos julgadores certa margem de livre apreciação na interpretação e na valorização, pelo que a convicção de não verificação dos pressupostos subjectivos só poderia ser neutralizado se houvesse uma exemplar e excelente evolução activa da personalidade do recluso durante a execução da prisão, e não um mero comportamento passivo cumprido das regras básicas de conduta prisional. (Acórdão do TSI no Processo n.°9/2002)
No caso sub judice, quanto à prevenção especial, o MM° Juiz a quo aponta prudentemente: «被判刑人尚未繳付案中相關的訴訟負擔,縱然法庭理解其因贍養費而形成經濟壓力,但尚未至於一貧如洗,對於因犯罪而生的負擔其理應積極承擔。另外,觀乎本案案情,被判刑人聯同他人,合謀來澳實施販毒罪行,反映其犯罪行為經過精心策劃,絕非偶然單一的犯罪,故意程度甚高,而且本次涉案毒品份量屬非常大量,其所觸犯的毒品罪行對社會構成非常嚴重的負面影響;再者,被判刑人自18歲起就染有毒癮,吸毒的生涯長達十載,且根據卷宗所載資料,其在原居地香港亦曾因觸犯搶劫及吸毒罪而被判刑,顯示被判刑人受毒癮影響甚深,屢次為吸毒及不法的金錢利益而鋌而走險犯案,並顯然沒有從之前的刑罰中汲取應有的教訓,更甚者,轉而來澳實施更嚴重的毒品罪行,由此可見其人格與法律相悖的程度相當高,同時漠視港澳兩地的法律。»
E acresce que «另外,雖然被判刑人對獲釋後的工作已有一定的計劃,但基於考慮到被判刑人入獄前一直與不良份子為伍,且多年來其自身染有吸毒的習慣,身受毒品及不當金錢利益的雙重負面影響,必須具備更強的內心動力,遠離毒品及不良朋輩,以具說明力的實質行為證明其已改過自新。故此,僅憑現時被判刑人的獄中的表現尚不足以令法庭確信其已徹底地矯正人格及價值觀,尚須更長時間的觀察,方能確信其返社會後能夠腳踏實地重新做人及不再犯罪。現階段本案尚未符合澳門《刑法典》第56條第1款a)項的要件。»
A nível da prevenção geral, lá lê-se a douta advertência de que: «因 此,法庭認為對此等犯罪的一般預防要求較高。考慮到本案並無任何特殊情節可以降低一般預防的要求,故此,本法庭認為倘現時提前釋放觸犯毒品犯罪人士,將是對信賴法律、循規守紀的社會成員構成另一次傷害,同時亦會動搖法律的威攝力,更甚者,將對潛在的犯罪份子釋出錯誤訊息,令澳門成為毒品的集散地。因此,本法庭認為本案現階段尚未符合澳門《刑法典》第56條第1款b)項的要件。»
Assim, não obstante se militarem, nos autos, umas circunstâncias favoráveis ao recorrente, mas, na esteia das persuasivas jurisprudências supra citadas, e à luz da regra de experiência de ser difícil abandonar o vício de consumo de droga, aderimos, sem reserva, à cristal preocupação do MM° Juiz a quo, no sentido de aquele ainda não preencher, por ora, os pressupostos consagrados no n.°1 do art.56° do CPM.
Com efeito, como bem observou o MM° Juiz a quo, existe ainda a séria dúvida de que o recorrente tenha já adquirido a estável capacidade de conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem ir cometer crime; e prevê-se razoavelmente que a colocação dele em liberdade nesta altura não é compatível com a paz social.
De qualquer modo, importa ter presente que é generalizadamente consabido que em termos comparativos, as sanções penais da ordem jurídica da RAEM são mais benevolentes. Daí que Macau deve tentar todo o esforço para evitar a desastre de ser destino ou “paraíso” de delinquentes.
Nesta linha de perspectiva, não podemos deixar de entender que não tem cabimento o pedido da recorrente, e não merece censura alguma o douto despacho em escrutínio, por este mostrar-se plenamente conforme com o disposto no art.56° do CPM.
(…)”; (cfr., fls. 105 a 106-v).
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Corridos os vistos legais dos Mmos Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.
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Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):
– por Acórdão do T.J.B. de 03.02.2016, foi, A, ora recorrente, condenado pela prática como autor e em concurso real de 1 crime de “tráfico ilícito de estupefacientes”, e 1 outro de “consumo ilícito de estupefacientes”, na pena única de 4 anos e 7 meses de prisão;
– o mesmo recorrente, deu entrada no E.P.C. em 03.02.2015, e em 22.02.2018, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 02.09.2019;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, vai regressar a Hong Kong, de onde é natural, vivendo com a sua família, possuindo proposta de emprego numa oficina de automóveis.
Do direito
3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do art. 56° do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.
Vejamos.
— Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:
“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. n.° 1).
“In casu”, atenta a pena única que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 03.02.2015, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.
Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.
Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).
Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 14.12.2017, Proc. n.° 1069/2017, de 25.01.2018, Proc. n.° 14/2018 e de 22.03.2018, Proc. n.° 205/2018, podendo-se também sobre o tema ver o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 540/16).
Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.
Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?
Cremos que de sentido negativo deve ser a resposta.
Com efeito, o recorrente tem antecedentes criminais, (já antes tinha sido condenado em Hong Kong em pena de prisão efectiva), voltando a incorrer na prática dos crimes pelos quais agora cumpre pena, deslocando-se de Hong Kong para Macau para o efeito, e, atento o tipo de crimes cometidos, (especialmente, o de “tráfico de estupefacientes”), os seus prejuízos e malefícios para a saúde pública, (muito) fortes são as necessidades de prevenção criminal.
Ponderando também na pena aplicada e no período de pena que falta cumprir, apresenta-se-nos, por ora inviável considerar como verificados os pressupostos do art. 56, n.° 1 do C.P.M., pois que, possível não é o necessário “juízo de prognose favorável”, importando igualmente acautelar a repercussão de tal criminalidade na sociedade, o que equivale a dizer que não podem ser postergadas as exigências de tutela do ordenamento jurídico, (cfr., F. Dias in “Dto Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), havendo igualmente que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada”, impondo-se, também por isso, uma reafirmação social mais intensa da validade das normas jurídicas violadas; (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106 e o Ac. da Rel. do Porto de 10.01.2018, Proc. n.° 417/15).
Assim, em face das expostas considerações, e verificados não estando os pressupostos do art. 56°, n.° 1 do C.P.M., à vista está a solução.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam julgar improcedente o recurso.
Pagará o recorrente a taxa de justiça de 4 UCs.
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 19 de Abril de 2018
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
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