Processo nº 1047/2017
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 10 de Maio de 2018
ASSUNTO:
- Usucapião
- Parques de estacionamento
- Partes comuns do prédio
SUMÁRIO:
- Os parques de estacionamento, sendo partes comuns do prédio, natureza esta estabelecida no respectivo registo do título constitutivo da propriedade horizontal, não são passíveis de apropriação individual, designadamente por meio da aquisição prescritiva, se e enquanto se mantiver inalterada esta natureza.
O Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 1047/2017
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 10 de Maio de 2018
Recorrente: A (Ré)
Recorridos: B (Autor)
C (Opoente)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por despacho saneador de 05/05/2016, foi decidido indeferir liminarmente o pedido reconvencional da Ré A.
Dessa decisão vem recorrer a Ré, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. Vem o presente recurso interposto do douto Despacho Saneador proferido nos vertentes autos, na parte em que indeferiu liminarmente o pedido reconvencional da 2ª Ré, aqui Recorrente, e, consequentemente considerou como "não escrita" os artigos 8° a 71° da sua Contestação a fls. 183 a 193 dos autos;
2. A Recorrente formulou pedido reconvencional nos vertentes autos, nos termos do qual vem pedir seja declarada a seu favor a aquisição originária por usucapião do parque de estacionamento nº 75 na descrição predial nº 21438, e a alteração do respectivo título de propriedade horizontal por forma a ser criada uma nova fracção autónoma, destacando aquele parque da fracção autónoma designada por "33K";
3. O Mmo. Juiz a quo indeferiu liminarmente tal pretensão entendendo, em síntese, que a mesma está em manifesta revelia do regime estatuído e disciplinador da propriedade horizontal, essencialmente porque para a alteração do título de constituição, é indispensável que o mesmo título de constituição o permita ou a assembleia de condóminos se pronuncie e aprove as alterações sem qualquer oposição, e que se na propriedade horizontal o direito de propriedade exclusiva só se pode exercer sobre fracções autónomas, perfeitamente individualizadas no título constituído e não sobre parte delas, logo, estando o lugar de estacionamento em causa inserida fisicamente no espaço que é pertença também do A., não pode a R. vir opor enquanto a situação de indivisibilidade se mantiver, o que só poderia vir a acontecer se entretanto se tivesse tornado possível a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, e por isso não pode operar aqui a usucapião para adquirir a propriedade sobre aquela parte do lugar de estacionamento de um todo mais vasto que compõe dada fracção e alteração do título constitutivo;
4. A Recorrente entende ter o Mmo. Juiz a quo laborado em erro de aplicação do direito, mais concretamente do art. 1321º do Código Civil, quanto à susceptibilidade legal de aquisição por usucapião de lugar de estacionamento que se integre em fracção autónoma habitacional, e quanto à autonomização do parque de estacionamento e criação consequente de uma outra fracção autónoma por decisão judicial;
5. Conforme decorre da memória descritiva de fls. 82 e segts. dos autos, o parque de estacionamento nº 75 objecto da vertente lide, sendo parte comum do edifício, encontra-se afecto ao uso exclusivo da fracção autónoma habitacional designada por "33K", pelo que terá que se considerar estar juridicamente inserido no espaço que é pertença do Autor B;
6. Tal parque de estacionamento é parte comum do condomínio, em face do disposto no art. 1324º, nº 1 alínea i) do Código Civil, é legal a sua afectação exclusiva ao uso do condómino proprietário da fracção designada por "33K", ao abrigo do disposto no nº 2 alínea b) do mesmo preceito legal, e pode o mesmo parque de estacionamento constituir uma fracção autónoma ao abrigo do disposto no art. 1315º, nº 2 e 3 ainda do Código Civil, por estar o respectivo espaço suficientemente delimitado e numerado, e ter saída própria para uma parte comum do condomínio;
7. Resulta do previsto no art. 1321º do Código Civil que o mesmo se limita a disciplinar e regular as situações de modificação do título constitutivo por impulso do proprietário, e não do possuidor, nada obstando que um condómino adquira por usucapião parte de uma coisa comum, ainda que sem acordo de todos os condóminos;
8. Nada impede assim que a autonomização do parque de estacionamento em causa nos vertentes autos se faça em virtude da sua aquisição por usucapião;
9. Relativamente à susceptibilidade de a criação de uma nova fracção autónoma, constituída pelo parque de estacionamento nº 75, ser efectuada através de uma decisão judicial, sendo certo que, segundo o art. 1321º do Código Civil, o título constitutivo da propriedade horizontal pode ser modificado por escritura pública, havendo acordo de todos os condóminos, a verdade é que esta regra, cuja abrangência respeita apenas à forma e declarações de vontades exigíveis para a alteração negocial da propriedade horizontal, não poderá ser obstáculo impeditivo a que quanto a uma parte comum susceptível de apropriação individual possa funcionar o instituto da usucapião;
10. Uma parte comum não pode ser transferida para a titularidade exclusiva de um dos condóminos por negócio jurídico, sem que todos os condóminos acordem nisso, mas a norma em causa não pode impedir o funcionamento das regras legais concernentes à usucapião, que poderão levar à aquisição por um dos condóminos da propriedade exclusiva de parte do prédio não imperativamente comum, com a inerente alteração substancial do objecto da propriedade horizontal a ser declarado por sentença judicial;
11. A decisão inserta no Despacho Saneador de indeferir liminarmente o pedido reconvencional da ora Recorrente violou o regime legal previsto no art. 1321º do Código Civil, devendo ser proferido douto Acordão por esse Venerando Tribunal que revogue tal decisão, determinando-se a admissão do pedido reconvencional e o normal prosseguimento dos autos, com consideração dos arts. 8º a 71º da Contestação da ora Recorrente na nova selecção da matéria de facto a ser efectuada pelo douto Tribunal a quo.
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O Autor B respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 534 a 537 dos autos, cujo teores aqui se dão por integralmente reproduzidos, pugnando pela improcedência do recurso.
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Por sentença de 05/05/2017, julgou-se a acção procedente e em consequência, condenou-se a Ré a reconhecer o Autor como titular do direito de uso exclusivo do parque de estacionamento nº 75 do prédio “Fortune Tower”, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 21438, a fls. G53 do Livro 38, com o nº 83168, situado no terreno junto à Avenida do Ouvidor Arriaga nºs 68 a 70-B e à Rua do Padre António Roliz nºs 32 a 46 e a entregá-lo ao Autor livre e devoluto de pessoas e bens.
Dessa decisão vem recorrer a Ré, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. Como se pode verificar do texto destas Alegações, no caso, há dois recursos interpostos pela 2.ª Ré, aqui Recorrente: um recurso interlocutório - do despacho saneador na parte em que indeferiu o pedido reconvencional por si apresentado - e um recurso da sentença final.
2. O recurso da sentença final só pode ser conhecido após ser conhecido o recurso interlocutório, conforme prescreve o art.º 628.°, n.º 1, do CPC.
3. No que se refere ao recurso da douta sentença final - sabendo que só será conhecido se for dado provimento ao recurso interlocutório -, a Recorrente, apenas, impugna a matéria de facto relativa à formulação de um facto dado por provado, qual seja, o que se encontra vertido na alínea g) dos factos provados, constantes da sentença a fls 486 a 491 dos autos.
4. Por força do princípio da livre apreciação das provas consagrado no art.º 558.º do CPC, como regra geral, o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; porém a matéria de facto assente de primeira instância pode ser alterada pelo Tribunal de Segunda Instância, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 629.º do CPC se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa.
5. A Recorrente pretende, pois, que a alínea g) dos factos provados seja reformulada por essa Alta Instância e, portanto, tenha a formulação em conformidade com o que foi alegado pelo Autor e, expressamente, confessado pela Recorrente, qual seja, "o Autor verificou que, a partir de Abril de 2012, o lugar de estacionamento n.º 75 começou a ser ocupado pelos veículos automóveis de matricula MN-10-XX e MK-17-XX".
6. Não há qualquer outro elemento nos autos que possa ter determinado que o douto Tribunal a quo tenha alterado a redacção desse facto fazendo constar "A partir de Abril de 2012, o lugar de estacionamento n.º 75 começou a ser ocupado pelos veículos automóveis de matricula MB-10-XX e MK-17-XX"
7. Esta alteração é relevante pois, da forma como se encontra elaborada - "A partir de Abril de 2012, o lugar de estacionamento n.º 75 começou a ser ocupado pelos veículos automóveis de matrícula MB-10-XX e MK-17-XX" -, intui-se que o Autor teve a posse do lugar de estacionamento em causa, logo que adquiriu a fracção autónoma K-33, em Fevereiro de 1990, o que não está em consonância com outros factos dados por provados e constam da douta sentença final.
8. Consta da Sentença final, nos factos dados por provados que, "em 13 de Julho de 1985, D vendeu esse lugar de estacionamento a C" (alínea l) dos factos provados) e que, "em 15 de Abril de 2002, este vendeu à R. A o dito lugar de estacionamento" (alínea m) dos factos provados), pelo que, tendo o Autor começado a questionar o seu direito ao lugar de estacionamento em Abril de 2012, dizem as regras da experiência comum, que o Autor esteve 22 anos sem exercer o direito de uso do sempre mencionado lugar de estacionamento.
9. A alteração desta matéria de facto só é relevante, caso o recurso interlocutório venha a ser considerado procedente e, em consequência, for admitido o pedido reconvencional apresentado pela 2.ª Ré, aqui Recorrente, com a elaboração, por parte do douto Tribunal a quo, não de uma nova selecção da matéria de facto mas, apenas, com o aditamento de alguns quesitos por forma a considerar o que foi alegado em sede de reconvenção.
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O Autor respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 519 a 520v dos autos, cujo teores aqui se dão por integralmente reproduzidos, pugnando pela improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
a) “Fortune Tower”, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 21438, a fls. G53 do Livro 38, com o nº 83168, situado no terreno junto à Avenida do Ouvidor Arriaga nºs 68 a 70-B e à Rua do Padre António Roliz nºs 32 a 46, com propriedade horizontal registada e constituída em 13 de Novembro de 1987;
b) Os lugares de estacionamento do dito edifício encontram-se assinalados nos 2º, 3º e 4º pisos do condomínio e são partes comuns do mesmo;
c) Cada lugar de estacionamento é marcado no pavimento com linhas contínuas e assinalados com números fixos;
d) O Autor é proprietário da fracção autónoma K do 33º andar – “K33” – do dito edifício, inscrito na matriz predial sob o art 70162 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 21438;
e) A dita fracção autónoma foi adquirida pelo Autor através da escritura pública de compra e venda de 12 de Fevereiro de 1990 lavrada no Livro de Notas nº 480, a fls. 83v a 85, do 1º Cartório Notarial da RAEM, pelo preço de MOP298.025,00;
f) Em 09 de Março de 1990, o Autor procedeu ao registo da dita fracção autónoma, pela inscrição nº 112161 a fls. 52v do livro G107;
g) A partir de Abril de 2012, o lugar de estacionamento nº 75 começou a ser ocupado pelos veículos automóveis de matrícula MB-10-XX e MK-17-XX;
h) E é proprietário do veículo automóvel de matrícula MN-10-XX;
i) A Ré A é proprietária do veículo automóvel de matrícula MK-17-XX;
j) O Autor enviou, através do seu mandatário judicial, uma carta registada com aviso de recepção ao E para lhe pedir a restituição do lugar de estacionamento nº 75, tendo o E recebido tal carta mediante termo de entrega;
k) Em 25 de Novembro de 1980, através da celebração de escritura pública de compra e venda, D adquiriu o imóvel referido em a);
l) Em 13 de Julho de 1985, D vendeu a C o lugar de estacionamento nº 89 do 2º andar, pelo preço de quarenta mil dólares de Hong Kong (HKD40.000,00), através da celebração de acordo de compra e venda, no qual ficou estipulado que “a planta será actualizada de acordo com a última planta aprovada pela DSSOPT”;
m) Em 15 de Abril de 2002, através de acordo, C vendeu à Ré A o dito lugar de estacionamento nº 89;
n) Através da memória descritiva das fracções autónomas junta ao título constitutivo do condomínio, foi atribuído o uso dos ditos lugares de estacionamento individuais aos proprietários das fracções autónomas do condomínio;
o) Entre os quais, o direito de utilização do lugar de estacionamento nº 75 foi atribuído à fracção autónoma “K33”, ou seja, à fracção autónoma pertença do Autor;
p) O lugar de estacionamento nº 89 a que se refere em l) e m) é o actual lugar de estacionamento nº 75 sito no 2º andar do Edf. Fortune Tower.
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III – Fundamentação
1. Do recurso interlocutório:
O despacho recorrido tem o seguinte teor:
“…
Ora, a 2.ª Ré pretende com o pedido reconvencional, fazer valer o direito por usucapião sobre uma parte comum em que através da memória descritiva foi atribuído o direito a uso a determinada fracção autónoma.
E o oponente C na sequência do pedido reconvencional supra, vem deduzir a oposição espontânea para também fazer valer o direito por usucapião do parque em causa e a formação de uma nova fracção autónoma em que incide o parque em causa
Salvo o devido respeito, parece-nos que o pretendido da 2.ª Ré e do oponente C que por via da aquisição originária - a usucapião- para reconhecer a propriedade de uma significativa parte de uma dada fracção autónoma do prédio "Fortune Tower", para o qual pretendendo também alterar o título constitutivo da propriedade horizontal respectiva, está em manifesta revelia do regime estatuído e disciplinador da propriedade horizontal.
Em sistema comparado, o acórdão do STJ de Portugal de 20-10-2011 diz que a propriedade horizontal é uma “figura jurídica nova, de um direito real novo que, embora moldado sobre os direitos reais à custa dos quais se formou, é mais do que a sua justaposição, reunindo uma teia de relações num complexo incindível de propriedade singular que recai sobre uma parte determinada de um prédio urbano e de compropriedade sobre outras partes dele, essenciais tanto à sua estrutura como à sua utilização funcional, quer dizer, ao exercício do domínio pleno sobre ele”- Cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO, A Tipicidade dos Direitos Reais, 1965, p. 195, CARVALHO FERNANDES, Lições de Direitos Reais, 2009, p. 335, MANUEL H. MESQUITA, A propriedade horizontal..., Separata da RDES, 53.
Salienta ainda MANUEL H. MESQUITA que “o que há de especifico no direito de propriedade sobre as fracções autónomas é apenas o facto de sobre tal direito impenderem restrições que não derivam do regime normal do domínio mas que a lei estabelece ou permite em virtude de o objecto do direito de cada condómino se integrar num edifício de estrutura unitária, onde existem outras fracções pertencentes a proprietários diversos”.
Assim, denota que num prédio constituído em propriedade horizontal a posição jurídica dos respectivos titulares não é a mesma que a dos proprietários de prédios a ela não sujeitos, pois existem partes próprias e partes comuns, e, mesmo nas partes próprias, existem limitações sérias ao poder de alterar o seu conteúdo e objecto. Cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO, in Direitos Reais, 1971, p. 498: a propriedade horizontal é caracterizada como um novo direito real, de estrutura composta e complexa, que não corresponde exactamente à junção de propriedade plena sobre as fracções próprias com o regime da compropriedade das partes, comuns, havendo sérias limitações aos poderes e deveres numa noutra situação, desde logo a sujeição a um regime próprio de relações, poderes e deveres.
No direito real de propriedade horizontal a questão do domínio encontra-se repartida em vários sujeitos, os condóminos, entrelaçando-se os interesses de uns, de forma inseparável, com os interesses dos demais condóminos, através de regras próprias, sendo de destacar que não está na disponibilidade de um ou de vários deles, conseguire(em), só por si, a alteração do título de constituição desse tipo de propriedade.
Dispõe o artigo 1321.º do CCM que "o título constitutivo da propriedade, horizontal pode ser modificado mediante deliberação tomada pela unanimidade dos condóminos de todo o condomínio...”. Daí que é importante realçar que para a alteração do título de constituição, é indispensável que o mesmo título de constituição o permita ou a assembleia de condóminos se pronuncie e aprove as alterações sem qualquer oposição.
Note-se que, no caso sub judice, não estamos perante uma situação de constituição da propriedade horizontal por via de decisão judicial e com suporte na usucapião - permitida nos termos do artigo 1317.º do CCM, incluindo quanto a lugares de estacionamento (artigo 1315.º n.º 2 do CCM) - mas, ao invés, uma desejada alteração do título constitutivo.
Por outro lado, para a garantia de todos os cidadãos de que não ficam postos em causa interesses próprios protegidos (e.g. o direito à habitação, de saúde, higiene e de bem estar e o da defesa do ambiente) ou até mesmo outros interesses mais vastos da comunidade e que se encontram em ascensão (e.g., o urbanismo, o planeamento e o desenvolvimento da comunidade), exige-se que quer a constituição da propriedade horizontal quer as suas eventuais e posteriores alterações, sejam objecto de sindicalização e licenciamento pela autoridade competente,' por forma a garantir a sua conformidade às leis e regulamentos em vigor.
In casu, a alegada detenção pela 2.ª Ré dos lugares de estacionamento consubstanciando actos de posse porque assentes na prática reiterada, com publicidade de actos materiais de gozo e fruição do referido espaço, como sendo um direito próprios, ao longo do tempo, portanto com relevo para a usucapião, não tem, no entanto, vocação para que à luz dela se constituam outras fracções para além das que como tal estão identificados no título constitutivo.
É que, no âmbito do direito a reconhecer não pode extravasar o respectivo suporte sobre o qual a posse é exercida.
Assim, no domínio da propriedade horizontal, a usucapião, como fonte aquisitiva de direitos, só pode actuar nos estritos limites em que a propriedade horizontal se enquadra (art. 1187.º-a) do CCM. e nunca extravasá-la. Cfr. DGSI, acórdão do STJ de 13/12/2007, Processo n.º 07A3023).
Nestes termos, a usucapião só opera a aquisição do direito real por forma correspondente ao direito sobre o qual se exerce a posse.
No caso, o direito que se alega ter exercido é o da posse sobre uma parte física de uma fracção autónoma de que o A. também é titular, em prédio submetido ao regime de propriedade horizontal. Cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO, in Direitos Reais, 1971, p 336, “a usucapião é uma das formas de aquisição de direitos reais, pelo que, como a lei admite, pode operar, efectivamente, no âmbito da aquisição da propriedade horizontal, através da posse e do factor tempo. No entanto, o exercício dessa posse teria de ser em consonância com a estrutura do próprio direito, ao mesmo tempo complexo e composto,... pelo que a usucapião só pode operar na aquisição da fracção autónoma ou sua compropriedade, como um todo indiviso dentro da fracção autónoma, e nunca apenas actuando em parte de fracção autónoma (ob cit. p.498).
Ora, se na propriedade horizontal o direito de propriedade exclusiva só se pode exercer sobre fracções autónomas, perfeitamente individualizadas no título constitutivo e não sobre parte delas, logo, estando o lugar de estacionamento em causa inserida fisicamente no espaço que é pertença também do A., não pode a R. vir opor enquanto a situação de indivisibilidade se mantiver, o que só poderia vir a acontecer se entretanto se tivesse tornado possível a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal. Cfr. ARAGÃO SEIA, in Propriedade Horizontal, p. 55 e ss: também Acs. Do STJ in www.Dgsi.pt.de 23/09/2003, proc. n.º 03ª1835 (Nuno Carneira) e de 03/10/2006, proc. n.º 06ª2497 (Sebastião Póvoas): “... esse objectivo é legalmente impossível sem a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, área em que o Tribunal não pode actuar porque se exige acordo prévio de todos os condóminos”.
Destarte, não pode operar aqui a usucapião para adquirir a propriedade sobre aquela parte do lugar de estacionamento de um todo mais vasto que compõe dada fracção. Cfr. CARVALHO FERNANDES, in Lições de Direitos Reais p. 313 “relativamente a usucapião há uma particularidade a assinalar. Para além de se recordar que, naturalmente, a correspondente posse há-de traduzir-se num comportamento que seja equivalente ao que assumiria um condómino, em relação a uma certa unidade de um prédio urbano, vale também para a usucapião a exigência de requisitos legalmente impostos para a constituição da propriedade horizontal. Se eles se não verificam, tal como sustentámos noutro local, só pode ter-se como adquirida uma situação de compropriedade próprio sensu…”.
Trata-se duma decisão que está na mesma linha de solução que este Colectivo tenha seguido no Proc. nº 780/2016, onde, por acórdão de 19/01/2017, defendemos que os parques de estacionamento, sendo partes comuns do prédio, natureza esta estabelecida no respectivo registo do título constitutivo da propriedade horizontal, não são passíveis de apropriação individual, designadamente por meio da aquisição prescritiva, se e enquanto se mantiver inalterada esta natureza.
Assim, sem necessidade de demais delongas e ao abrigo do nº 5 do artº 631º do CPCM, negamos provimento ao recurso interlocutório com os fundamentos invocados na decisão recorrida.
2. Do recurso final:
Como a própria Recorrente reconhece, o recurso final só tem utilidade caso o seu recurso interlocutório merecer provimento.
Ora, como já supra negamos provimento ao recurso interlocutório, isto é, já decidimos que, ao nível do regime jurídico vigente, não é possível adquirir por usucapião os parques de estacionamento, integrados na parte comum do prédio constituído sob regime de propriedade horizontal, cujo uso é afectado exclusivamente a uma determinada fracção autónoma, a pretensão da Recorrente nunca pode proceder, independentemente haver ou não posse sobre o parque de estacionamento em causa.
Fica assim prejudicado o conhecimento deste recurso final.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
- negar provimento ao recurso interlocutório, confirmando o despacho recorrido; e
- não conhecer o recurso final por estar prejudicado o seu conhecimento.
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Custas apenas do recurso interlocutório pela Ré.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 10 de Maio de 2018.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
15
1047/2017