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Processo nº 338/2018 Data: 10.05.2018
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.


SUMÁRIO

1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.

2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.

O relator,

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José Maria Dias Azedo


Processo nº 338/2018
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no art. 56° do C.P.M.; (cfr., fls. 70 a 85 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

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Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 87 a 88).

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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação (cfr. fls.70 a 85 dos autos), o recorrente solicitou a revogação do douto despacho recorrido e a sua substituição pela decisão de conceder a liberdade condicional, assacando-lhe a violação do preceito no n.°1 do art.56° do CPM, por entender que ele reunir todos os pressupostos.
Antes de mais, subscrevemos as concisas explanações da ilustre Colega na douta Resposta (vide. fls.87 a 88 dos autos).
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No dia de hoje, constitui jurisprudência firme que a concessão da liberdade condicional depende do preenchimento cumulativo de todos os pressupostos, quer formais quer substanciais, consignados no art.56° do CPM, bastando a não verificação de qualquer um para se negar o pedido da liberdade condicional (a título exemplificativo, Acórdão do TSI no Processo n.°195/2003).
Importa recordar que a liberdade condicional não é uma medida de clemência ou de recompensa por mera boa conduta prisional, e serve na política do C.P.M. um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o recluso possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão. (Acórdão do TSI no Processo n.°50/2002)
Daí decorre que se, não obstante um comportamento prisional adequado, pelo passado do recluso e perspectivas de reintegração se não se formula um juízo de prognose favorável a uma regeneração e se teme pelas razões de prevenção geral. (Acórdão do TSI no Processo n.°225/2010)
Ainda se inculca reiteradamente que cada situação deve ser observada em concreto e caso a caso, num circunstancialismo de modo, tempo e lugar próprios, analisando de forma crítica a personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo se vai reinserir na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo ainda constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social. (Acs. do TSI nos Processos n.°225/2010 e n.°404/2011)
Envolvendo conceitos indeterminados de prognose, as alíneas a) e b) do n.°1 do art.56° dotam aos julgadores certa margem de livre apreciação na interpretação e na valorização, pelo que a convicção de não verificação dos pressupostos subjectivos só poderia ser neutralizado se houvesse uma exemplar e excelente evolução activa da personalidade do recluso durante a execução da prisão, e não um mero comportamento passivo cumpridor das regras básicas de conduta prisional. (Acórdão do TSI no Processo n.°9/2002)
No caso sub judice, quanto à prevenção especial, a MMa Juiz a quo aponta prudentemente: «就本案囚犯的情況,尤其在一般預防方面,按照判刑卷宗之已證事實,本身為香港居民的囚犯與其餘兩名同伙是有預謀地來澳實施盜竊計劃,鎖定位於漁人碼頭內販售高端品牌手袋的店舖為目標,並隨即於來澳的翌日清晨七時許到達現場作案,先由一名同伙進入正處於關閉且上鎖狀態的店舖,並以預先準備的行李箱盛裝搜掠之手袋及其他財物,而囚犯及另一名同伙則在外徘徊把風,各人之後按計劃先後離開漁人碼頭並返回所租住的酒店匯合,接著迅速於同日早上九時許帶同裝著盜竊所得之行李箱經外港碼頭離開澳門,案中店舖被盜取之名貴手袋共十個,每個單價由三萬多港元至十五萬多港元不等,連同其他被盜之財物,被害店舖之損失合共逾澳門幣一百五十萬元,且至今仍未獲支付賠償。由此可見,囚犯是處心積累作案,其犯案故意程度及有關不法性均相當高,所犯之罪具高度反社會性及社會危害性,且情節嚴重,其所為對法律所要保護的法益及社會治安造成相當負面的影響,嚴重危害到公民的財產安全和社會的安寧,同時亦對澳門作為安全旅遊城市之形象帶來衝擊,實應予以強烈譴責。»
E chegou a concluir que «考慮到澳門社會的現實情況,提早釋放囚犯將引起相當程度的社會負面效果,妨礙公眾對被觸犯的法律條文之效力所持有的期望,故基於有需要對有關犯罪作一般預防的考慮,本法庭認為,提前釋放囚犯將有礙法律秩序的權威及社會的安寧,因此,不符合澳門《刑法典》第56條第1款b項所規定的給予假釋此一必備實質條件。»
Assim, não obstante se militarem, nos autos, umas circunstâncias favoráveis ao recorrente, mas, na esteira das persuasivas jurisprudências supra citadas, aderimos, sem reserva, à cristal preocupação da MMa Juiz a quo, no sentido de aquele ainda não preencher, por ora, os pressupostos consagrados no n.°1 do art.56° do CPM, designadamente, a colocação dele em liberdade nesta altura não é compatível com a paz social.
De qualquer modo, importa ter presente que é generalizadamente consabido que em termos comparativos, as sanções penais da ordem jurídica da RAEM são mais benevolentes. Daí que Macau deve tentar todo o esforço para evitar a desastre de ser destino ou “paraíso” de delinquentes.
Nesta linha de perspectiva, não podemos deixar de entender que não tem cabimento o pedido da recorrente, e não merece censura o douto despacho em escrutínio.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso”; (cfr., fls. 95 a 96-v).

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Corridos os vistos legais dos Mmos Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):

– A, ora recorrente, deu entrada no E.P.C. em 13.11.2015, para cumprimento de uma pena de 3 anos e 6 meses de prisão que lhe foi aplicada pela prática de 1 crime de “furto qualificado” e no pagamento da quantia de MOP$1.503.161,40 à ofendida dos autos;
– em 12.03.2018, cumpriu dois terços de tal pena, expiando-a em 12.05.2019;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, vai regressar a Hong Kong, de onde é natural, vivendo com a sua família, possuindo proposta de emprego como operário de montagem de estruturas de bambu.

Do direito

3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do art. 56° do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Vejamos.

— Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:

“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).

Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. n.° 1).

“In casu”, atenta a pena que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 13.11.2015, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.

Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).

Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 25.01.2018, Proc. n.° 14/2018, de 22.03.2018, Proc. n.° 205/2018 e de 19.04.2018, Proc. n.° 272/2018, podendo-se também sobre o tema ver o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 540/16).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Temos para nós que de sentido negativo terá de ser a resposta.

No caso dos autos, o crime de “furto qualificado” pelo ora recorrente cometido, ocorreu encontrando-se o mesmo em situação de “visitante”, agindo em conluio com outros (2) participantes, em conformidade com um plano traçado antes de viram a Macau, muito fortes sendo assim as necessidades de prevenção geral.

Por sua vez, atenta a pena em que foi condenado, a que cumpriu e o período da que falta expiar, e ponderando no prejuízo de MOP$1.503.161,40 causado, incompatível se apresenta, pelo menos, por ora, a pretendida libertação com a sua repercussão na sociedade, não se podendo postergar as exigências de tutela do ordenamento jurídico, (cfr., F. Dias in “Dto Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), havendo pois que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada”, impondo-se, também por isso, uma reafirmação social mais intensa da validade das normas jurídicas violadas; (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106 e o Ac. da Rel. do Porto de 10.01.2018, Proc. n.° 417/15).

Assim, em face das expostas considerações, evidente se nos apresentando que e verificado não está o pressuposto do art. 56°, n.° 1, al. b) do C.P.M., imperativo é decidir em conformidade.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Pagará o recorrente a taxa de justiça de 4 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 10 de Maio de 2018
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 338/2018 Pág. 16

Proc. 338/2018 Pág. 15