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Processo n.º 383/2015 Data do acórdão: 2018-5-31 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– culpa concorrente pela produção do acidente de viação
– ultrapassagem de veículo pela esquerda
– art.o 38.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário
– ofensa negligente à integridade física
– responsabilidade penal
S U M Á R I O
No caso, houve concorrência dos dois condutores pela produção do embate entre os veículos respectivamente conduzidos, e não culpa exclusiva do condutor do motociclo envolvido que fez ultrapassagem do automóvel ligeiro do arguido pela esquerda ao arrepio do art.o 38.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário, pelo que a responsabilidade penal do arguido em sede da ofensa negligente à integridade física da passageira do motociclo não pode ser afastada, já que para efeitos de condenação penal nesse tipo legal de ilícito, não se exige que o agente tenha culpa exclusiva pela produção do acidente de viação, embora a concorrência da culpa já releve para efeitos de determinação da responsabilidade civil dos condutores intervenientes.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 383/2015
(Autos de recurso penal)
Arguido recorrente: A



ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com a sentença proferida a fls. 137 a 141v do Processo Comum Singular n.° CR1-14-0475-PCS do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou como autor material de um crime consumado de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo art.o 142.o, n.o 1, do Código Penal (CP) por que vinha pronunciado, na pena de cento e vinte dias de multa, à quantia diária de sessenta patacas, no total, pois, de sete mil e duzentas patacas de multa, convertível, se não paga nem substituída por trabalho, em oitenta dias de prisão, bem como na inibição de condução por três meses, veio o arguido A, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), imputando a essa decisão condenatória a violação dos art.os 14.o e 142.o, n.o 1, do CP (por entender ele, no essencial, na sua motivação de fls. 146v a 149 dos presentes autos correspondentes, que já cumpriu as regras de condução rodoviária naquela rua estreita, e agiu, pois, sem culpa, e que quem teve culpa exclusiva pela produção do acidente de viação dos autos foi o condutor do motociclo n.o MF-XX-X6 (porque esse condutor violou pelo menos o art.o 38.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário sobre a ultrapassagem pela esquerda de veículo), em relação a quem a ofendida, porém, declarou desistir da queixa), para pedir a sua absolvição.
Ao recurso respondeu o Ministério Público (a fls. 151 a 154 dos autos) no sentido de manutenção do julgado.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista, parecer (a fls. 162 a 163), pugnando pela manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
– a sentença ora recorrida estava proferida a fls. 137 a 141v dos autos, cujo teor integral (que inclui a respectiva fundamentação fáctica, probatória e jurídica) se dá por aqui inteiramente reproduzido;
– a explicação das razões de dedução do despacho de pronúncia consta de fls. 114 a 114v, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Da leitura da motivação do arguido, retira-se que este recorrente pretende, desde já, sindicar do resultado do julgamento de factos feito pela M.ma Juíza a quo, a respeito do facto provado 9.
Entretanto, após vistos em global e de modo crítico todos os elementos probatórios referidos na fundamentação probatória da sentença recorrida, não se vislumbra, para o presente Tribunal de recurso, que seja patente que o Tribunal sentenciador ora recorrido, aquando da formação da sua convicção sobre esse facto, tenha violado alguma norma jurídica sobre o valor legal da prova, ou violado alguma regra da experiência da vida quotidiana em normalidade de situações, ou violado quaisquer leges artis a observar no julgamento da matéria de facto, pelo que é de respeitar o resultado do julgamento desse facto feito pelo Tribunal recorrido nos termos permitidos pelo art.o 114.o do Código de Processo Penal.
E agora da questão da culpa pela produção do acidente:
A M.ma Juíza a quo explicou, na fundamentação da sua sentença, que o arguido tinha violado o dever de condução prudente, ao virar para a esquerda (cfr. as últimas duas linhas da página 6 da sentença, a fl. 139v).
O arguido discorda dessa conclusão tirada pela M.ma Juíza, alegando que para um homem médio colocado na situação concreta dele, a atenção a prestar antes de virar para a esquerda no entroncamento estradal dos autos é naturalmente posta no olhar para a via estradal à sua direita, pois ele tinha que acatar o sinal STOP, de maneira que se o condutor do motociclo não tivesse feito a manobra ilegal de ultrapassagem pela esquerda, o automóvel ligeiro conduzido pelo próprio arguido não teria embatido no motociclo.
Pois bem, para o presente Tribunal de recurso: o facto provado 3 evidencia que o condutor do motociclo n.o MF-XX-X6 estava realmente a fazer, na altura, uma manobra ilegal, qual seja, a de ultrapassagem do automóvel ligeiro do arguido pela esquerda, ao arrepio do disposto no art.o 38.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário, mas, por outro lado, o facto provado 9 sustenta a tese da M.ma Juíza a quo no sentido de ter o arguido violado o dever de condução prudente. Quer dizer, no caso dos autos, houve concorrência dos dois condutores em questão pela produção do embate entre os dois veículos, e não culpa exclusiva do condutor do motociclo MFXX-X6, pelo que a responsabilidade penal do arguido recorrente em sede da ofensa negligente à integridade física da passageira desse motociclo não pode ser afastada, já que para efeitos de condenação penal no tipo legal de ilícito em causa, não se exige que o agente desse delito penal tenha culpa exclusiva pela produção do acidente de viação, embora a concorrência da culpa já releve para efeitos de determinação da responsabilidade civil dos condutores intervenientes.
Naufraga, pois, o recurso, sem mais indagação por desnecessária.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pelo recorrente, com duas UC de taxa de justiça e mil e oitocentas patacas de honorários a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso.
Macau, 31 de Maio de 2018.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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