打印全文
Processo nº 304/2018 Data: 03.05.2018
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.


SUMÁRIO

1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.

2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo


Processo nº 304/2018
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no art. 56° do C.P.M.; (cfr., fls. 344 a 358 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

*

Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público pela improcedência do recurso, opinando mesmo no sentido da sua rejeição; (cfr., fls. 361 a 361-v).

*

Em sede de vista, juntou a Ilustre Procuradora Adjunta douto Parecer considerando também que o presente recurso devia ser julgado improcedente; (cfr., fls. 374 a 375-v).

*

Corridos os vistos legais dos Mmos Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.

*

Passa-se a decidir, (nos termos do estatuído no art. 19° do R.F.T.S.I.).

Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):

– por Acórdão do então T.C.G. de 29.11.1999, foi, A, ora recorrente, condenado pela prática como co-autor material e em concurso real de 1 crime de “violação de domicílio”, 1 crime de “rapto”, 1 crime de “homicídio qualificado”, 1 crime de “ofensa ao respeito devido aos mortos” e 1 outro de “arma proibida”, na pena única de 23 anos de prisão, e no pagamento solidário, com outros co-arguidos, de uma indemnização de MOP$750.000,00 e juros aos ofendidos dos autos;
– em 02.10.1998, e por factos relacionados com os supra referidos crimes, o recorrente deu entrada em estabelecimento de GUANGDONG, R.P.C., aí cumprindo pena até 09.12.2013;
– em 12.12.2014, deu entrada no E.P.C. para cumprimento do remanescente da pena de 23 anos em que foi condenado no Acórdão de 29.11.1999 do T.C.G., (ou seja, 7 anos, 9 meses e 23 dias de prisão);
– em 04.02.2015, e contabilizando-se a pena que expiou no Continente, atingiu os dois terços da pena única de 23 anos, vindo a expiar toda a pena em 05.10.2022;
– em caso de vir a ser libertado, irá viver com a sua família, em Macau.

Do direito

3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do art. 56° do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Vejamos.

— Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:

“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).

Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. n.° 1).

“In casu”, atenta a pena única que ao recorrente foi fixada, e contabilizado todo o período em que esteve em reclusão, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.

Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).

Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 14.12.2017, Proc. n.° 1069/2017, de 25.01.2018, Proc. n.° 14/2018 e de 22.03.2018, Proc. n.° 205/2018, podendo-se também sobre o tema ver o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 540/16).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Cremos que de sentido negativo deve ser a resposta.

Com efeito, (e independentemente dos demais), face aos tipos (e circunstâncias) dos crimes pelo ora recorrente cometidos, (o seu “impacto” na sociedade local, não deixando de causar fortes preocupações e repulsa social), atenta a pena em que foi condenado, e o período da que falta expiar, (cerca de 4 anos e 6 meses), há que ponderar na compatibilidade da pretendida libertação com a sua repercussão na sociedade, não se podendo postergar as exigências de tutela do ordenamento jurídico, (cfr., F. Dias in “Dto Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), havendo igualmente que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada”, impondo-se, também por isso, uma reafirmação social mais intensa da validade das normas jurídicas violadas; (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106 e o Ac. da Rel. do Porto de 10.01.2018, Proc. n.° 417/15).

De facto, não se pode olvidar que cometeu o ora recorrente, em comparticipação com outros 9 co-arguidos, vários crimes que, até pela sua forma de execução, são, (de certa forma), dos mais graves ocorridos e registados em Macau. (Tenha-se pois em conta que, in casu, está a conduta de 1 recluso que, em conjunto com outros co-arguidos, e actuando de acordo com um plano previamente engendrado para se enriqueceram ilicitamente à custa de terceiros, inicia com um “rapto”, efectuado na casa do próprio ofendido, que passa a ficar sequestrado, por vários dias, até a família acabar por pagar 1 resgate, e que após isso, com receio de serem identificados e para se tentar evitar a descoberta dos seus autores, decidem estrangular o ofendido, esquartejando e desmembrando, em seguida, o seu corpo, com o posterior despejo dos seus restos mortais em caixotes de lixo da cidade).

Acertada se nos afigura pois a posição do Ministério Público, onde, em sede de Parecer, nota que: “(…) tendo em consideração a gravidade dos crimes de rapto, de homicídio qualificado, de detenção de arma branca, de ofensa ao respeito devido aos mortos, e de violação de domicílio, cometidos pelo recorrente e a sua personalidade, pesando ainda, a análise de todos os elementos do caso concreto e a realidade social de Macau, concluímos que até ao momento existem razões para crer que a libertação antecipada do recorrente irá por em causa a confiança da comunidade no sistema jurídico e, consequentemente, provocar impacto social negativo”.

Assim, em face das expostas considerações, e verificado não se apresentando o pressuposto do art. 56°, n.° 1, al. b) do C.P.M., há que confirmar a decisão recorrida.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam julgar improcedente o recurso.

Pagará o recorrente a taxa de justiça de 4 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 03 de Maio de 2018
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Choi Mou Pan (附表決聲明)






上訴案第304/2018號

表决聲明
筆者認為,上訴人在本澳是初次犯罪之人,雖然其在澳門服刑時間相對縂刑期來說較短,但是,其在中國內地服刑的時間,由無期徒刑減為有期徒刑19年,然後又獲得1年8個月的減刑,直至刑滿出獄。而在本澳入獄至今的服刑表現良好,且得到家人支持其過新生活,故其應有能力去過負責任的新生活,而不再犯罪。顯然,從客觀條件上顯示上訴人在犯罪的特別預防方面已經有了積極的因素。
另一方面,我們也知道,假釋並不是刑罰的終結。它的最有效的作用就是在罪犯完全被釋放之前的一個過渡期讓罪犯能夠更好地適應社會,而完全的融入這個他將再次生活的社會。這種作用,尤其是對於上訴人這類已經受過近二十年牢獄之苦以及在監獄度過自己的青年時期的囚犯來說,在給予留下相對較長的假釋期間適應澳門這個在其服刑期間已經發生巨大變化的社會生活的情況下,往往比讓其完全服完所判刑罰更為有利。
我們不否認其犯下的罪行的罪過程度很高,但是,這些已經受到了應有的懲罰。在考慮假釋的決定時候,我們不能過分強調一般預防的重要性而忽視了特別預防的同等重要性,更不能走到讓人感到嚴重罪行沒有假釋的可能的印象的極端。否則,我們將徹底否定了假釋的立法精神。其實更重要的是,上訴人在獄中的表現良好,人格演變有很大的進步,尤其是經過在中國內地由於相同的犯罪事實的近20年牢獄生活而刑滿出獄的人格重塑,這反而讓我們相信,假若提早釋放,不會對維護法律秩序和影響社會安寧造成威脅而使公眾在心理上無法承受以及對社會秩序產生一種衝擊等負面因素。
綜合各種因素,上訴人具備了假釋的條件,應該裁定其上訴理由成立,而撤銷否決假釋的決定,給予假釋。
2018年5月3日,於澳門特別行政區
蔡武彬

Proc. 304/2018 Pág. 14

Proc. 304/2018 Pág. 13