Processo nº 927/2017
(Autos de recurso civil)
Data: 17/Maio/2018
Assuntos: Marca
Parte contrária no recurso judicial
Concorrência desleal
SUMÁRIO
Se for interposto recurso judicial de decisões do Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia e se se entender que o provimento deste recurso pode prejudicar os interesses de algum interessado, é necessário assegurar o direito do contraditório do respectivo visado.
Assim, o facto de não ter intervindo oportunamente no procedimento administrativo não significa que o interessado (na recusa do registo de marca) perdeu o direito de intervir no posterior recurso judicial de decisões cujo provimento poderá prejudicar os seus interesses.
A concorrência desleal é toda aquela actuação contrária às normas e usos honestos da actividade económica, designadamente aquela que seja idónea a criar confusão entre produtos ou serviços de diferentes agentes económicos e o que configure aproveitamento da reputação empresarial de outrem.
A consequência da concorrência desleal traduz-se num desvio de clientela, pelo que, para se poder afirmar que o concorrente pretende fazer concorrência desleal ou que esta é objectivamente possível, é necessário provar a existência de conexão entre o comportamento do concorrente e o desvio de clientela.
Uma vez que os factos provados não permitem inferir uma situação objectiva de concorrência desleal, muito menos conseguem revelar qualquer intencionalidade por parte do recorrido particular, não se pode concluir que haja concorrência desleal.
O Relator,
________________
Tong Hio Fong
Processo nº 927/2017
(Autos de recurso cível)
Data: 17/Maio/2018
Recorrente:
- A
Recorrido:
- B
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
B, com sinais nos autos, interpôs junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM recurso judicial do despacho da Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual dos Serviços de Economia, que recusou o registo das marcas N/99476 e N/99477 (“XXX”), para os produtos nas classes 17ª e 19ª.
Por sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base, foi julgado procedente o recurso e concedido o registo das marcas N/99476 e N/99477.
Inconformada, deduziu A, sociedade comercial com sede na Dinamarca, com sinais nos autos, na qualidade de parte contrária, dois recursos jurisdicionais para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1º Recurso:
“a. O Tribunal a quo veio dar razão ao então Recorrente B de que a resposta ao presente recurso apresentada em nome da A deve ser desentranhada por não gozar de legitimidade processual para intervir.
b. O Tribunal a quo fundamenta a decisão na sua interpretação dos n.º 4 e 5 do art. 214º do RJPI ao defender que o facto de a A não ter reclamado dos pedidos de registo em causa lhe veda intervenção no processo de registo em sede de recurso judicial contra o despacho de recusa dos pedidos de registo das marcas em apreço.
v. Os comandos legais contidos no n.º 4 e 5 do no art. 214º do RJPI são claros ao determinarem que a intervenção no processo do interessado é permitida se este provar já ter requerido o respectivo registo em Macau ou o faça simultaneamente com a Reclamação.
d. Ora, os n.º 4 e 5 do art. 214º do RJPI apenas concretizam as condições para recusar determinado pedido de registo com fundamento em marca notória ou de prestígio e nada mais, não limitando a intervenção em sede de recurso à apresentação de reclamação.
e. Por outro lado, o art. 211º do RJPI epigrafado “Reclamação e Contestação” não estipula qualquer consequência processual para o caso de não se reclamar (ou contestar) relativamente de determinado pedido de registo, nada dizendo, designadamente, quanto a intervenção em sede de recurso judicial de marca.
f. Mais, o art. 279º do RJP prevê que “Havendo Parte Contrária, esta é citada para, querendo, responder no prazo de um mês” – com efeito, a intervenção da Parte Contrária não é delimitada pelo facto de ter havido ou não reclamação no processo de registo de marca, mas sim por um conceito de legitimidade muito mais amplo e adequado do que o defendido pelo Recorrente e Tribunal a quo.
g. Chama-se a atenção para o n.º 2 art. 41º do Código de Propriedade Industrial de Portugal quando à legitimidade para recorrer, de acordo com o qual “A título acessório, pode ainda intervir no processo quem, não tendo reclamado, demonstre ter interesse na manutenção das decisões do Instituto Nacional de Propriedade Industrial”
h. Infere-se da disposição supracitada que as pessoas que intervêm a título acessório só o podem fazer argumentando a favor das decisões do INPI objecto de recurso e não para se opor a elas (“Propriedade Industrial”, Código de Propriedade Industrial Anota de José Mota Maia, Volume II, Almedina, pág. 134 e 135, Janeiro de 2005).
i. O acima explanado vai de encontro ao previsto no art.º 276º do RJPI, o qual dita que “Têm legitimidade para interpor recurso judicial das decisões da DSE o requerente ou titular do direito de propriedade industrial em causa, os reclamantes, bem como os sucessores de ambos e, em geral, qualquer pessoa que seja directa e efectivamente prejudicada pelas referidas decisões”.
j. Os artigos transcritos encontram-se em sintonia, resultando de ambos o reconhecimento de legitimidade processual activa a todos quantos possam ser directamente prejudicados pela decisão, normas essas que devem ser interpretadas igualmente no sentido de abrangerem a legitimidade processual passiva e a intervenção de qualquer interessado.
k. Sendo certo que a A pretende que o despacho de recusa da DSE dos dois pedidos de registo do Recorrente se mantenha, deve pois ser relevado o seu interesse em intervir no processo em sede de recurso, em defesa dos seus interesses directos relevantes (como resulta do despacho da DSE e do conteúdo da resposta ao recurso que apresentou) na qualidade de Parte Contrária ou de Interessado titular de interesse relevante.
l. Deve ser assegurada a intervenção no processo de todos aqueles que sejam titulares de direitos relacionados com o objecto do processo e que possam vir a ser prejudicados com a decisão – neste caso, a atribuição do direito exclusivo ao registo das marcas em causa.
m. A intervenção no processo de recurso deve levar em consideração a existência de interesse processual que a legitime.
n. A apreciação do interesse deve ser aferida em relação às circunstâncias observadas no momento da interposição do recurso, nomeadamente dos argumentos contidos no despacho de recusa.
o. In casu, não tendo a A reclamado, terá todavia pedido registo para a marca “XXX”, conforme se demonstrou na resposta ao recurso e Doc. 1 que ora se junta.
p. Nos n.º 4 e 5 do art. 214º do RJPI por “processo” se deve entender todo o processo de registo de marca, desde o pedido até decisão final e definitiva, i.e., englobando a fase de recurso judicial.
q. In casu, a decisão impugnada versa sobre interesses privados antagónicos de ambas as partes e a recusa tem por base a probabilidade de ocorrência de concorrência desleal devido à precedência de direitos da A sobre marca idêntica pré-existente, correndo-se o risco de as marcas registandas serem atribuídas a terceiro.
r. A intervenção da A no processo justifica-se por lhe dizer directamente respeito, e da procedência do recurso, ou seja, da concessão do registo às marcas, poderem advir prejuízos para a sua actividade, só assim se assegurando a justa composição do litígio em respeito pelos interesses das partes envolvidas no processo.
s. Embora não tenha reclamado dos pedidos de registo em causa, a intervenção da A no processo de recurso é sempre permitida em sede de recurso de marca, por esta ser titular de um interesse obviamente relevante, já que a recusa das marcas teve por base fundamento relacionado directamente com ela – o despacho de recusa da DSE é peremptório quando refere a A para recusar as marcas – pelo que deve ser-lhe dada oportunidade de se pronunciar quanto a registo que irá afectar e prejudicar profundamente a sua actividade económica não só em Macau, mas a nível internacional.
t. Andou mal o Tribunal a quo quando ao ordenar a citação da A de seguida, a mando da Recorrente, acaba por a “expulsar” do processo, procedendo a interpretação manifestamente infeliz dos comandos legais que cita, na parca justificação que apresenta.
u. Deve o Tribuna ad quem reconsiderar a posição da A nos autos, visto a sua intervenção no processo não lhe ser vedada por lei e por ser de todo relevante ser levada em conta a sua posição, vertida na resposta que apresentou, cujo articulado deve ser admitido, nos termos do art. 275º e ss do RJPI.
Nestes termos e contando com o douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juízes, por estarem reunidos os pressupostos para o presente Recurso de Revisão, requer-se, muito respeitosamente, seja o mesmo considerado procedente e, em consequência:
i) A decisão recorrida revogada, substituindo-se por outra que reconheça legitimidade à A para intervir no recurso judicial de marca contra a decisão que concedeu registo aos pedidos de registo das marcas em apreço, admitindo o seu articulado de resposta, como é de JUSTIÇA!”
Ao recurso respondeu B nos seguintes termos conclusivos:
“A. A Recorrente vem reagir contra o despacho judicial proferido pelo Tribunal a quo, que decidiu pela ilegitimidade processual da mesma Recorrente, o que claramente faz por entender que: “(…) andou mal o Tribunal a quo quando…, a mando da Recorrente (B), acaba por a “expulsar” (A) do processo, procedendo a interpretação manifestamente infeliz dos comandos legais (…)”. (cfr. a fls. 13, alínea t) das conclusões das alegações do recurso)
B. A Recorrente não se conforma, nem entendeu que o Tribunal a quo proferiu uma decisão perfeitamente justa e em obediência ao estrito princípio da legalidade, alegando até que, essa instância, procedeu a uma interpretação manifestamente infeliz dos comandos legais.
C. E, vai daí, tenta construir a sua defesa fazendo uma interpretação incorrecta do comando previsto no artigo 276º do RJPI, bem sabendo que o preceito se reporta apenas à legitimidade para interpor recurso judicial das decisões da DSE, não sendo possível estendê-lo, como o faz, à legitimidade para interpor recurso das decisões do Tribunal a quo que recaíram sobre decisões da DSE e,
D. Invoca, ainda, que: “(…) In casu, não tendo a A reclamado, terá todavia pedido o registo para a marca “XXX” (…)”, remetendo-nos para o doc. 1 que junta (cfr. a fls. 12, alínea o) das conclusões das alegações do recurso), o qual compulsado, indica que o pedido foi formulado em 14 de Fevereiro de 2017, sendo certo que teria de ter tido lugar no prazo de dois meses a contar da data da publicação do pedido do ora Recorrido, no Boletim Oficial, nos termos do n.º 1 do artigo 211º conjugado com o n.º 4 e o n.º 5 do artigo 214º, do RJPI.
E. Acontece que é matéria de facto assente nos autos, que em 14-05-2015, o ora Recorrido (B) formulou pedido de registo da marca mista XXX para os produtos nas classes 17ª e 19ª, que tomaram os números, N/99476 e N/99477 e que esses pedidos foram publicados no BORAEM, n.º 26-II Série, de 01/07/2015, logo, a “A” fez o pedido, cerca de um ano e meio depois do prazo devido.
F. Aliás, a “A”, litiga de má-fé porque não pode desconhecer que para efeitos de poder afastar o princípio do direito de prioridade no registo, deveria ter reclamado e solicitado o registo de marca obstativa, o que efectivamente não aconteceu, na medida em que não deu, em devido tempo, entrada dos pedidos de registo da marca XXX, para os produtos nas classes 17ª e 19ª, que tomaram os números, N/99476 e N/99477.
G. Razão pela qual andou bem o Tribunal a quo ao dar sem efeito a citação efectuada no presente recurso e ao mandar desentranhar o articulado de resposta à ora Recorrente, não a considerando parte contrária para efeitos do artigo 279º, n.º 1, do RJPI, tanto mais que, não sendo esta titular da marca XXX na RAEM, é para os devidos efeitos legais um terceiro, isto é, parte ilegítima no recurso judicial interposto pelo ora Recorrido.
H. A decisão judicial proferida pelo Tribunal a quo é clara e fundamenta-se, para além de mais, no seguinte:
“(…) A lei é rigorosa quanto à intervenção dos interessados nos recursos judiciais, pois só determinados interessados “qualificados” como tal é que o permita que intervir.
Tanto o n.º 4 como o n.º 5 do disposto no artigo 214º do RJPI prevêem que só o reclamante e que já tenha requerido em Macau o respectivo registo ou o faça simultaneamente com a reclamação é que o permita intervir nos respectivos processos.
Ora, uma vez que “A” não reclamou nem solicitou o registo na fase da reclamação, ela não pode intervir nos presentes autos como parte contrária.
Assim, assiste razão o recorrente quanto ao invocado ilegitimidade da interessada “A”, uma vez que não é considerada como parte contrária (…)”.
I. Atenda-se, ainda, que na decisão de recusa proferida pela DSE, o que está em causa é a apreciação pelo Tribunal da validade do novo despacho proferido pela mesma Direcção de Serviços, que não acatou a douta sentença de 23 de Maio de 2016, proferida no âmbito do processo que correu termos sob o n.º CV2-16-0019-CRJ, no Tribunal Judicial de Base e que,
J. Vem, desta feita, invocar que o ora Recorrido, pretenderia fazer concorrência desleal ou que esta seria possível, independentemente da sua intenção, argumentos que não encontram o mínimo de correspondência, nem no espírito, nem na letra do RJPI, tanto mais que a possibilidade de transferência de reputação da marca alheia, para os produtos a marcar com a marca registanda, implicaria o registo da marca XXX na RAEM, ou que produtos com essa marca fossem comercializados na RAEM pela “A”, o que a DSE não logrou provar.
K. Por tudo o que foi dito e provado, quer em sede administrativa, quer em sede dos dois recursos judiciais de primeira instância, a ora Recorrente “A” não deve ser considerada parte contrária no presente processo.
L. Tanto mais que, a ora Recorrente apenas se dispõem a intervir, após a interposição do recurso judicial em causa pelo ora Recorrido, o qual tem por objecto a apreciação do mérito do despacho da DSE, datado de 28 de Setembro de 2016, que veio recusar novamente o pedido das marcas N/99476 e o n.º N/99477.
M. Razão pela qual, uma coisa é certa, a ora Recorrente não é titular da marca XXX na RAEM, sendo por isso e para efeitos do artigo 279º, n.º 1 do RJPI um terceiro, isto é, parte ilegítima no recurso judicial interposto pelo ora Recorrido.
Do Pedido
Nestes termos e contando com o douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juízes, requer-se, muito respeitosamente, que seja considerado improcedente o presente Recurso e que, em consequência, seja mantido o despacho judicial, como é de JUSTIÇA!”
*
2º Recurso:
“a. O Tribunal a quo revogou o despacho de recusa das marcas registandas por essencialmente entender as mesmas não promovem actos de concorrência desleal.
b. O Tribunal a quo alega que se a marca “XXX” não está registada em Macau e se não reclamou do registo das marcas registandas, então não pode gozar de reputação em Macau.
c. Dos autos resulta de forma inabalável que existe uma reputação séria da marca “XXX” pertencente à Recorrente, tanto no exterior como em Macau, a qual legitima a recusa de registo através do instituto da concorrência desleal, independentemente da notoriedade da marca, qualidade que lhe deve ser reconhecida.
d. A Recorrente é titular do registo da marca “XXX” noutras jurisdições para produtos idênticos e afins nas classes 17 e 19.
e. Tendo igualmente dado entrada em Macau dos pedidos de registo para a marca “XXX” nas classes 17 e 19, os quais adoptaram os números N/120226 e N/120227.
f. O Tribunal a quo deveria ter valorizado o facto de a DSE ter, desde logo, pedido a referida autorização ao Recorrente, por ter associado de imediato uma entidade à outra - o que é demonstrativo desse risco de confusão.
g. Estando também errado ao afirmar que a DSE não demonstrou a reputação da marca “XXX” da Recorrente. O tribunal a quo não apresentou justificação suficiente para concluir que a prova reunida pela DSE não demonstra tal reputação, e é evidente que a DSE explora exaustivamente esse fundamento de recusa na decisão.
h. A DSE está correcta quando afirma que o uso e registo das marcas registandas configuram perigo de se confundir a origem comercial (confusão entre as duas entidades) dos produtos em causa.
i. Permitir que o Requerente da marca registanda, idêntica a outra já em uso no mercado pela Recorrente, se arrogue o direito de usar e registar essa marca em Macau, visando o mesmo sector de mercado, a mesma clientela, ultrapassa em muito as limites ditados pelas normas e usos honestos da actividade económica.
j. O facto de a Recorrente não ter reclamado ao pedido de registo não obsta a que as marcas sejam recusadas em seu favor. Mesmo se assim não fosse, na hipótese de as marcas virem a ser concedidas ao Requerente poderia sempre requerer-se a anulação do registo das marcas.
k. O fundamento de recusa da prática de concorrência desleal é aplicável in casu, visando-se evitar que um agente parasitário se apodere se marca alheia utilizando-a no mercado, a custa do seu criador original.
l. Deve, pois, ser mantida a decisão de recusa da DSE por ter concluído justa e adequadamente da possibilidade da prática de concorrência desleal por parte do Requerente das marcas.
Nestes termos e contando com o douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juízes, por estarem reunidos os pressupostos para o presente Recurso de Revisão, requer-se, muito respeitosamente, seja o mesmo considerado procedente e, em consequência:
i) A decisão recorrida seja revogada, substituindo-se por outra que recuse o registo às marcas registandas, como é de JUSTIÇA!”
A este segundo recurso respondeu B formulando as seguintes conclusões:
“I. A DSE, não acatou a decisão proferida na douta sentença, de 23 de Maio de 2016, que correu termos sob o processo n.º CV2-16-0019-CRJ, no Tribunal Judicial de Base. E,
II. Vem, mais de cinco meses após o trânsito em julgado da citada sentença, recusar, novamente, as marcas registandas, com o n.º N/99476 e o n.º N/99477, invocando desta feita e para o efeito “(…) a alínea c) do n.º 1 do artigo 9º, aplicável ex vi alínea a) do n.º 1 do artigo 214º do Regime Jurídico da propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 97/99/M, de 13 de Dezembro (…)” (cfr. doc. 1, informação n.º 357/DPI, de 28 de Setembro de 2016, que se tem aqui por integralmente reproduzido).
III. O então Recorrente e ora Recorrido, reagindo contra o citado despacho da DSE de 28 de Setembro de 2016, interpôs recurso para o Tribunal Judicial de Base, tendo sido proferida pelo tribunal a quo a decisão seguinte: “(…) Nestes termos e pelo tudo o exposto, o Tribunal julga o recurso procedente, devendo a DSE conceder o registo das marcas N/99476 e o n.º N/99477, se não havendo outro motivo que o obste para tal (…)” (cfr. a fls. 215 V., da sentença proferida nos autos à margem referenciados).
IV. Acontece que a “A”, ora Recorrente, vem reagir contra esta decisão, não obstante não poder desconhecer que não é parte contrária no âmbito deste processo, tanto mais que recorrer autonomamente do douto despacho judicial de fls. 211 e 212 dos autos, no qual o tribunal a quo também decidiu pela sua ilegitimidade processual.
V. A Recorrente insiste, sem razão, a coberto do que designa por “cautela de patrocínio”, em apresentar as presentes alegações sem ignorar que o objecto do Recurso Judicial consistiu na apreciação do Despacho da DSE de 28 de Setembro de 2016.
VI. Acontece que somente se esse recurso for julgado procedente, isto é, se for revogada o despacho judicial de fls. 211 e 212 dos autos, poderá o presente recurso ser apreciado, caso contrário, terá necessariamente de improceder por, a ora Recorrente, não ter legitimidade para o interpor, uma vez que foi considerada parte ilegítima.
VII. A decisão dessa matéria é fundamental, por a apreciação deste recurso estar dependente da resolução daquele outro, contudo a Recorrente “A”, adianta-se e recorre da douta sentença proferida pelo tribunal a quo, constante a fls. 213 e seguintes dos autos, sem que esteja reconhecida a sua legitimidade processual e sem que tenha sequer sido admitido o seu articulado de resposta, o qual foi mandado desentranhar, tentando consequentemente, fazer preterir o direito ao contraditório que assiste ao Recorrido.
VIII. Aliás, a “A”, litiga de má-fé, porque não pode desconhecer que para efeitos de poder afastar o princípio do direito de prioridade no registo, deveria ter reclamado e solicitado o registo de marca obstativa, o que efectivamente não aconteceu na medida em que não deu, nos termos do n.º 1 do artigo 211º conjugado com o n.º 4 e o n.º 5 do artigo 214º, do RJPI, em devido tempo, entrada dos pedidos de registo da marca XXX, para os produtos nas classes 17ª a 19ª, que tomaram os números, N/99476 e N/99477, nem tão pouco provou ser titular do registo da marca “XXX” noutras Jurisdições.
IX. Fê-lo, unicamente para tentar iludir este Venerando Tribunal e, consequentemente, beneficiar do efeito suspensivo do recurso, para impedir a execução, de imediato, da decisão vertida na douta sentença proferida pelo tribunal a quo, pondo em causa o registo sobre os pedidos formulados pelo Recorrido e pugnando pela manutenção do despacho de recusa da DSE.
X. De resto constata-se, também no caso sub judice que, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 223º do CPC, o tribunal deve ordenar a suspensão da decisão do presente recurso por este estar dependente da decisão de outro recurso já interposto, no qual o ora Recorrido já apresentou as suas contra-alegações.
XI. Conforme ensina o ilustre professor Alberto dos Reis, uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão daquela pode prejudicar a decisão desta, isto é, quando a decisão da primeira tira razão de ser à existência da segunda (Alberto dos Reis, Comentário, III, pág. 206).
XII. Daí que o artigo 226º, n.º 2 do CPC, estabeleça que se a decisão da causa prejudicial fizer desaparecer o fundamento ou razão de ser da causa que estiver suspensa, é esta julgada improcedente.
XIII. Analisando esta problemática, afirma, ainda, o professor Alberto dos Reis, Comentário, citado, pág. 269: «Segundo o Prof. Andrade, a verdadeira prejudicialidade e dependência só existirá quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental, como teria de o ser, desde que a segunda causas não é reprodução, pura e simples, da primeira (…).»
XIV. Também na jurisprudência dos tribunais superiores portugueses encontramos diversos arestos que tratam desta matéria, citando-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-07-2005, consultável em www.dgsi.pt, Relator Conselheiro Araújo de Barros, onde se refere que “(…) a decisão de uma causa depende do julgamento de outra quando na causa prejudicial esteja a apreciar-se uma questão cuja resolução possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão ou outro pleito.”
XV. Pelo exposto, deverão ser julgadas improcedentes, as alegações apresentadas pela Recorrente e, consequentemente, as conclusões deste recurso não devem ser apreciadas por se verificar prejudicialidade justificativa da suspensão da instância, nos termos do n.º 1 do artigo 223º do CPC, por estar dependente da decisão de outro recurso.
Contudo e à cautela:
XVI. A DSE decidiu, em 28.09.2016, que a ora Recorrida pretende fazer concorrência desleal e veio recusar as marcas registandas, sem fundamentar como e em que termos, a identidade entre os produtos que as marcas registandas se destinam a assinalar e aqueles que “A” comercializa, podem configurar a possibilidade de transferência de reputação desta marca para os produtos a marcar com a marca registanda, tanto mais que esta não tem sinal semelhante registado em Macau.
XVII. Acresce que a DSE não se pode substituir ao interessado e, sem comprovar as buscas realizadas e o registo da marca XXX em várias jurisdições, e se deu ou não por verificados os critérios da recomendação conjunta da Assembleia da união de Paris e da Assembleia Geral da OMPI, para a aferição do estatuto de notoriedade da marca em causa, afastar sem mais o princípio do direito de prioridade no registo, “first to file, first to serve”, que assiste ao ora Recorrente de acordo com o RJPI, com o argumento deslocado e inaceitável de existência de perigo de concorrência desleal para os produtos que a “A” comercializa.
XVIII. Quando é sabido que o Recorrente solicitou os pedidos do registo da marca XXX em seu nome, em 14-05-2015 e que, a “A” não goza de qualquer direito à marca na RAEM.
XIX. Aliás, no caso dos autos, dúvidas não subsistem, como alude e bem a douta sentença do tribunal a quo a fls. 215, de que a Recorrente não pode gozar de protecção no âmbito do RJPI: “(…) Ora, se a alegada marca “XXX” de “A” ainda não se encontra registada em Macau e a mesma interessada nem sequer tinha reclamado aquando da base de reclamação, a referida marca (exterior) (não registada em Macau) não pode gozar de protecção no âmbito do RJPI, a não ser que se trate de uma marca de prestígio e notória cá no território (…)”, referindo logo de seguida que, “(…) A esse respeito, refere a DSE lapidarmente no seu relatório a fls. 18 que a marca “XXX” é uma marca de reputação, contudo, não logrou demonstrar esse facto, uma vez que não consta nos autos elementos para o tribunal formar a tal convicção de que a dita marca “XXX” é uma marca notória e de prestígio (…)”.
XX. Atenda-se que o regime estabelecido no RJPI pressupõe, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 214º, que a marca requerida só possa ser recusada quando “(…) constitua, no todo em parte essencial, reprodução, imitação ou tradução de outra notoriamente conhecida em Macau, se for aplicada a produtos ou serviços idênticos ou afins e com ela possa confundir-se, ou que esses produtos possam estabelecer ligação com o proprietário da marca notária”.
XXI. Mais, dos autos não resulta qualquer prova, nem foram apurados elementos factuais donde decorra ou se possa concluir que a “A” é titular da marca XXX e que esta dispõe de uma notoriedade tal, de forma a poder merecer protecção de marca não registada na RAEM ao ponto de inviabilizar os pedidos de registo das marcas registandas a favor da ora Recorrida por motivos de concorrência desleal.
XXII. Sendo de realçar que, a “A”, não provou ou sequer tentou provar, ser titular do registo de marca XXX noutros ordenamentos jurídicos, sendo certo que não fez prova da duração, extensão e áreas geográficas de promoção desta marca e nem tão pouco provou merecer protecção dentro da jurisdição da RAEM, por aqui ser notoriamente conhecida (cfr. artigo 214º, n.º 1, alínea b) do RJPI).
XXIII. Assim, não poderá relevar a favor da “A”, a excepção concedida à marca notória, e que se reconduz ao princípio da territorialidade previsto no artigo 4º do RJPI por, em regra, as marcas valerem apenas para o território do país ou região onde são reconhecidos e dentro do qual podem opor o conteúdo da sua protecção.
XXIV. Atenda-se, ainda, que os pedidos de registo de marca não podem ser recusados sem mais, com fundamento na alínea c) do n.º 1 do artigo 9º do RJPI, na medida em que a factualidade dada como assente pela DSE é manifestamente insuficiente para permitir concluir que “A”, que não reclamou nem solicitou o registo de marca obstativa, é titular da marca XXX.
XXV. Assim, somos a concluir que o tribunal a quo, na fundamentação jurídica utilizada respeita os comandos normativos acolhidos no Regime Jurídico da Propriedade Industrial vigente, tanto mais que, ao recusar ao Recorrido os pedidos de registo da marca XXX, a coberto de invocação de concorrência desleal, significaria a possibilidade de a DSE se valer in casu do exercício de um poder arbitrário, para violar quer o princípio da prioridade, quer o princípio da territorialidade do registo, subvertendo princípios basilares acolhidos no citado regime jurídico vigente na RAEM.
Do Pedido
Nestes termos e contando com o douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juízes, requer-se, muito respeitosamente, que:
A) Sejam julgadas improcedentes, as alegações apresentadas pela Recorrente e, consequentemente, as conclusões deste recurso não sejam apreciadas por se verificar prejudicialidade justificativa da suspensão da instância, nos termos do n.º 1 do artigo 223º do CPC, por estar dependente da decisão de outro recurso.
Subsidiariamente, caso não proceda,
B) Seja julgado improcedente o presente recurso e, em consequência, mantida a douta sentença proferida pelo tribunal a quo, concedendo ao ora Recorrido o registo para a marca XXX, para os produtos nas classes 17ª e 19ª, que tomaram os números, N/99476 e N/99477, como é de JUSTIÇA!”
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença impugnada deu por assente a seguinte factualidade:
B em 14/05/2015 requereu os registos das marcas N/99476 e N/99477 para as classes 17ª e 19ª.
Foi publicado o pedido de registo no BO-RAEM, n.º 26-II Série, de 01/07/2015.
Não houve reclamação.
Não se encontra marca similar registada em Macau.
Por despacho de 26/01/2016, a DSE recusou os pedidos de registos das marcas N/99476 e N99477, o qual foi objecto do recurso jurisdicional que correu termos nos autos CV2-16-0019-CRJ, em que é recorrente também B.
A decisão judicial acima referida datada de 23/05/2016 concedeu parcialmente provimento ao recurso, entendendo em suma que não tendo o B relação contratual como agente ou representante do titular da marca estrangeira, não há lugar à aplicação do artigo 207º, n.º 1, al. c) do RJPI, em mandou a DSE para proceder ao exame substancial das marcas N/99476 e N/99477, se outro motivo para tal não obste.
Por despacho de 28, a DSE vem novamente recusar o registo das marcas N/99476 e N/99477, com base em perigo de concorrência desleal nos termos do artigo 9º, n.º 1, al. c), aplicável ex vi artigo 214º, n.º 1, al. a), por se entender que as marcas em causa fazem confundir com o sinal “XXX” pertencente à “A”.
O sinal “XXX” da “A” não se encontra registada em Macau.
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No primeiro recurso interposto pela recorrente A, insurge-se contra a decisão do Tribunal a quo que não admitiu a sua intervenção no recurso judicial interposto pelo recorrido B, por se entender não ser aquela parte contrária.
Está em causa a seguinte decisão recorrida:
«O artigo 214º, n.º 4 reza que “o interessado na recusa do registo …… só pode intervir no respectivo processo quando prove já ter requerido em Macau o respectivo registo ou o faça simultaneamente com o pedido de recusa”.
Por seu turno, o n.º 5, também reza que “o interessado na recusa do registo …… só pode intervir no respectivo processo quando prove já ter requerido em Macau o respectivo registo para os produtos ou serviços que lhe deram grande prestígio, ou o faça simultaneamente com a reclamação”.
Nos presentes autos, o objecto do recurso consiste na apreciação do mérito do despacho da DSE que recusou o pedido do registo das marcas do recorrente, tendo embora a DSE referido que “A” é titular de uma marca não registada em Macau mas registada no exterior de Macau.
A tal simples referência no despacho recorrido não torna “A” como parte contrária.
A lei é rigorosa quanto à intervenção dos interessados nos recursos judiciais, pois só determinados interessados “qualificados” como tal é que o permita intervir.
Tanto o n.º 4 como o n.º 5 do disposto no artigo 214º do RJPI prevêem que só o reclamante e que já tenha requerido em Macau o respectivo registo ou o faça simultaneamente com a reclamação é que o permita intervir nos respectivos processos.
Ora, uma vez que “A” não reclamou nem solicitou o registo na fase de reclamação, ela não pode intervir nos presentes autos como parte contrária.
Assim, assiste razão o recorrente quanto ao invocado ilegitimidade da interessada “A”, uma vez que não é considerada como parte contrária.
Nestes termos, dou sem efeito o despacho de citação à parte contrária exarado a fls. 157 e em consequência deve ser considerado como não escrita a resposta de fls. 164 a 194, desentranhando-as.
Notifique.»
Vejamos.
É verdade que a recorrente A, sendo interessada na recusa do registo das marcas em apreço, não provou ter requerido em Macau o respectivo registo das marcas nem o fez simultaneamente com o pedido de recusa, nos termos consagrados no n.º 4 e 5 do artigo 214.º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial.
Tal implica simplesmente que a mesma recorrente não pode intervir no respectivo procedimento administrativo de registo de marca, e foi assim que aconteceu, pois a recorrente A não chegou a apresentar reclamações ou intervir de qualquer forma no procedimento de registo de marca.
Não obstante, somos a entender que o facto de não ter intervindo no procedimento administrativo não significa que deixou de ter legitimidade para intervir no posterior recurso judicial.
No tocante à questão da legitimidade para interpor recurso judicial (legitimidade activa), o artigo 276.º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial deixa bem claro que “têm legitimidade para interpor recurso judicial das decisões da DSE o requerente ou titular do direito de propriedade industrial em causa, os reclamantes, bem como os sucessores de ambos e, em geral, qualquer pessoa que seja directa e efectivamente prejudicada pelas referidas decisões”.
Mas em relação à legitimidade passiva, a lei manda apenas citar a parte contrária para querendo responder ao recurso no prazo de 1 mês (artigo 279.º, n.º 1 do RJPI).
E quem deve figurar como parte contrária no recurso judicial?
Entende a decisão recorrida que, não tendo a recorrente A apresentado reclamação nem solicitado a sua intervenção na fase graciosa, não pode ser considerada como parte contrária e daí intervir no recurso judicial.
Sem embargo de melhor opinião, julgamos não ser a melhor solução.
A nosso modesto ver, a intervenção da recorrente no recurso judicial é necessária por lhe permitir exercer o seu direito ao contraditório.
A parte contrária aqui em causa assemelha-se à figura de contra-interessados prevista no artigo 39.º do Código de Processo Administrativo Contencioso1, em que são pessoas que podem ser afectadas pelo provimento do recurso.
Em boa verdade, se for interposto recurso judicial e se se entender que o provimento deste recurso poder prejudicar os interesses de algum interessado, é óbvio que temos que assegurar o direito do contraditório do respectivo visado.
Em anotação ao artigo 39.º do CPAC, observam Viriato Lima e Álvaro Dantas2, citando a doutrina de José Carlos Vieira de Andrade, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, que “a melhor doutrina assinala razões de natureza processual, nomeadamente tendentes a assegurar o princípio do contraditório, como justificativas da exigência da citação dos contra-interessados”.
No caso vertente, apesar de a recorrente A não ter intervindo no procedimento de registo de marca, mas não é difícil concluir que aquela passou a ser interessada, mais precisamente, parte contrária no recurso judicial, na medida em que, face ao conteúdo do despacho proferido pela DSE, ela pode ser directamente afectada pelo provimento do respectivo recurso.
Nestes termos, o facto de a recorrente A não ter intervindo oportunamente no procedimento administrativo não significa que perdeu o direito de intervir no posterior recurso judicial de decisões cujo provimento poderá prejudicar os seus interesses.
Pelo que, há-de conceder provimento a este primeiro recurso.
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Apreciemos o segundo recurso interposto pela mesma recorrente A.
A decisão recorrida tem o seguinte teor:
“Dispõe a al. a) do n.º 2 do art. 214º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial aprovado pelo DL n.º 97/99/M de 13 de Dezembro que o registo de marca é recusado quando se verifique qualquer dos fundamentos gerais de recusa da concessão de direitos de propriedade industrial previstos no n.º 1 do artigo 9º
O regime consagrado no artigo 9º, n.º 1, al. c) do RJPI, visa evitar o registo da marca que possa vir criar a situação de concorrência desleal.
Segundo Carlos Olavo, “… o interesse protegido pelas regras de concorrência é preservação de uma estrutura de mercado caracterizado por ser um mercado aberto …”
Quanto à concorrência desleal, anota-se que a concorrência desleal é a actuação contrária às normas e usos honestos da actividade económica, é designadamente aquela que seja idónea a criar confusão entre produtos ou serviços de diferentes agentes económicos e o que configure aproveitamento da reputação empresarial de outrem.
Um acto de concorrência será aquele que possa influenciar a clientela, influir sobre as opções no mercado. Há acto de concorrência sempre que uma empresa procura obter uma posição favorável na concorrência, embora tal se faça em detrimento das restantes. E a existência de concorrência não deixa de ser saudável no mundo dos negócios, dela beneficiando os empreendimentos, por via dela se melhorando a qualidade e a competitividade, bem como o consumidor.
Questiona-se o seguinte: influenciar que clientela? Clientela pertencente a quem?
Na óptica da DSE parece-nos que aponta para influenciar (ou com intenção de influenciar) a clientela de “A” que alegadamente ser titular da marca “XXX” registada no exterior e não em Macau.
Ora, se a alegada marca “XXX” de “A” ainda não se encontra registada em Macau e a mesma interessada nem sequer tinha reclamado aquando da fase de reclamação, a referida marca (exterior) (não registada em Macau) não pode gozar de protecção no âmbito do RJPI, a não ser que se trate de uma marca de prestígio e notória cá no Território.
Marca notória é a marca que adquiriu um tal renome que se tornou geralmente conhecida por todos aqueles, produtores, comerciantes ou eventuais consumidores, que estão mais em contacto com o produto, e como tal reconhecida. (cfr. Carlos Olavo, in ob. cit., p. 55)
Marca de prestígio é aquela que es destina a assinalar produtos ou serviços de excepcional e muito elevado grau de qualidade e de excepcional reputação entre especialistas e que motiva uma grande atracção ou sugestão psicológicas sobre os consumidores para aquisição dos bens que assinala.
É o prestígio dos bens a assinalar e a capacidade invulgar de criar desejo de consumo (sugestão) e de canalizar (atracção) que confere a qualificação de prestígio à marca.
É precisamente essa notoriedade ou prestígio que obsta à confusão dos serviços por ela assinalados, não havendo perigo de os consumidores pensarem tratar-se de um serviço oriundo do mesmo fornecedor ou que estes se encontram associados, uma vez que qualquer consumidor sabe distinguir as duas marcas, não existindo, portanto, reprodução ou imitação de marca.
A esse respeito, refere a DSE lapidarmente no seu relatório a fls. 18 que a marca “XXX” é uma marca de reputação, contudo, não logrou demonstrar esse facto, uma vez que não consta nos autos elementos para o tribunal formar a tal convicção de que a dita marca “XXX” é uma marca notória e de prestígio.
Destarte, não subsistindo a razão da recusa por parte da DSE, deve julgar procedente o recurso e conceder o registo das marcas N-99476 e N-99477 se não havendo outro motivo que o obste para tal.”
Defende a recorrente que a marca “XXX” goza de reputação em todo o mundo, incluindo em Macau, ou melhor, entende que se trata de uma marca de prestígio, a qual legitima a recusa de registo através do instituto da concorrência desleal.
Salvo o devido respeito, julgamos não assistir razão à recorrente.
De facto, não logrou a recorrente A demonstrar, através de elementos factuais, que a marca “XXX” de que é titular goza de boa reputação junto aos consumidores, incluindo os de Macau.
Preceitua a alínea c) do n.º 1 do artigo 214.º do RJPI que é recusado o registo de marca que, ainda que destinada a produtos ou serviços sem afinidade, constitua reprodução, imitação ou tradução de uma marca anterior que goze de prestígio em Macau, sempre que o uso da marca posterior procure tirar partido indevido do carácter distintivo ou do prestígio da marca.
Decidiu-se no Acórdão deste TSI, proferido no âmbito do Processo n.º 873/2009, o seguinte:
“As marcas notórias são as marcas muito conhecidas pelo público interessado, constituem assim excepções aos princípios do registo e da territorialidade. No entanto, por serem apenas muito conhecidas pelo público interessado, e não público em geral, ficam sempre sujeitas ao princípio da especialidade, ou seja, só beneficiam da protecção determinada em função do produto ou serviço especificamente comercializado – cf. artº 214º/1-b) do RJPI.
Ao passo que para ser apelidada marca de grande prestígio, é preciso que goze não só um maior grau de notoriedade em comparação com as marcas notórias, como também seja símbolo de grande qualidade e de boa imagem, junto do público em geral. Assim, as marcas de grande prestígio, enquanto tais, já fogem aos princípios do registo, da territorialidade e da especialidade, pois, além de não precisar de registo anterior num determinado território para beneficiarem de tutela jurídica, merece ainda a protecção alargada a produtos ou serviços não semelhantes ou afins – cf. artº 214º/1-c) do RJPI.”
Em boa verdade, sobre os elementos que se podem relevar para se concluir pelo prestígio da marca, releva, por exemplo, a quota de mercado, alcance geográfico, investimento na promoção, atenção da comunicação social, duração da utilização, etc…3
No caso vertente, não se logrou provar que a marca “XXX” é uma marca bem conhecida pelo público, muito menos uma marca de grande prestígio ou que goza de elevada reputação junto dos consumidores da RAEM ou de outros países.
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Por outro lado, também não entendemos que o caso dos autos se enquadra na situação de concorrência desleal.
Vejamos.
Segundo o art. 9º, n.º 1, alínea c) do RJPI, são fundamentos de recusa da concessão dos direitos de propriedade industrial, entre outras, o reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal, ou que esta é possível independentemente da sua intenção.
Porque a lei do regime jurídico da propriedade industrial não descreve as situações que configurem o quadro de concorrência desleal, haverá que pedir socorro ao Código Comercial, para o qual o simples acto de concorrência é o que se revele “objectivamente idóneo para promover ou assegurar a distribuição no mercado dos produtos ou serviços do próprio ou de terceiro” (artigo 156.º, n.º 2).
Como observa Luís M. Couto Gonçalves4: “a apreciação tem de ser mais ampla: para haver um acto desleal de confusão entre os produtos não basta a confusão entre os sinais distintivos mesmo que um deles se encontre registado. É necessário ainda que à usurpação de marca registada (o que implica um uso típico dos sinais) se junte ainda, por exemplo, a confusão objectiva dos produtos (para a qual pode não ser bastante a confusão dos sinais ou o seu uso típico), a relação de concorrência (e não um simples comportamento de mercado de um não concorrente) e a contrariedade de normas ou usos honestos comerciais (para além da violação da norma legal).”
A nosso ver, para chegar lá, é necessário provar a prática, pelo recorrido particular, de actos de concorrência e que estes sejam contrários às normas e usos honestos.
Existe autonomia entre a concorrência desleal e a violação dos direitos privativos da propriedade industrial, mas no caso vertente, salvo o devido respeito por melhor opinião, entendemos que apenas estamos no âmbito dos direitos da propriedade industrial, e não resulta da pouca matéria de facto constante dos autos na conclusão de que o recorrido particular tenha ou pretenda praticar actos de concorrência desleal.
Em boa verdade, a consequência da concorrência desleal traduz-se num desvio de clientela, pelo que, para se poder afirmar que o concorrente, neste caso o recorrido particular, pretende fazer concorrência desleal ou que esta é objectivamente possível, é necessário provar a existência de conexão entre o comportamento do concorrente e o desvio de clientela.
Ora bem, o que temos no presente caso é que a recorrente alega ser detentora da marca “XXX” em alguns países do mundo entretanto não chegou a efectuar o registo desta na RAEM antes do pedido de registo da mesma marca pelo recorrido.
Assim sendo, na medida em que os factos alegados e que se encontram provados não permitem inferir uma situação objectiva de concorrência desleal, muito menos conseguem revelar qualquer intencionalidade por parte do recorrido, não se pode concluir que haja concorrência desleal.
Posto isto, há-de negar provimento ao segundo recurso e confirmar a sentença recorrida.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao primeiro recurso interposto pela recorrente A, determinando que a mesma tem legitimidade para intervir no respectivo recurso judicial, e negar provimento ao segundo recurso, confirmando a sentença recorrida que concedeu o registo das marcas N/99476 e N/99477 se não houver outro motivo que a isso obste.
Custas pelas partes vencidas nos respectivos recursos, em ambas as instâncias, fixando-se o valor da causa em 500 U.C.
Registe e notifique.
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RAEM, 17 de Maio de 2018
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
1 Artigo 39.º CPAC: Têm legitimidade para intervir no processo como contra-interessados, as pessoas a quem o provimento do recurso possa directamente prejudicar.
2 Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, CFJJ, 2015, pág. 156
3 Cfr. Jorge Gonçalves, A Marca Prestigiada no Direito Comunitário das Marcas, Direito Industrial, Vol. V, Coimbra, Janeiro 2008, pág. 339 a 341
4 Luís M. Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, 2005, pág. 350 e 351
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Recurso cível 927/2017 Página 32