Processo nº 98/2018
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 24 de Maio de 2018
ASSUNTO:
- Contrato de trabalho
- Denúncia unilateral
SUMÁRIO:
- Salvos os casos excepcionais previstos nas als. 1) e 2) do nº 5 do artº 18º da Lei nº 7/2008, tanto o empregador como o trabalhador podem fazer cessar unilateralmente a relação de trabalho, sem necessidade de aviso prévio ou alegação de justa causa e sem direito a qualquer indemnização rescisória.
- Se o legislador permite a denúncia unilateral do contrato de trabalho no período experimental sem necessidade de invocação da justa causa, então, por maioria de razão, também o pode fazer antes.
- Pois seria ilógica admitir a denúncia unilateral do contrato de trabalho no primeiro dia do período experimental, mas já não a admite antes.
- Se assim fosse, então em vez de denunciar antes, basta aguardar o início do período experimental e denuncia logo no primeiro dia ou no dia seguinte.
O Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 98/2018
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 24 de Maio de 2018
Recorrente: A (Autora)
Recorrido: B (Réu)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por sentença de 16/11/2017, julgou-se improcedente a acção interposta pela Autora A.
Dessa decisão vem recorrer a Autora, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. Por sentença datada de 16 de Novembro de 2017 (objecto do presente recurso), entendeu o Tribunal a quo absolver o Recorrido do pedido formulado pela ora Requerente na sua Petição Inicial, porquanto, no seu entender, em suma, o contrato de trabalho estabelecido e firmado entre as partes ainda não se encontrava em vigor na altura em que o Recorrido resolveu o referido contrato, pelo que não impendia sobre este qualquer obrigação de conceder um aviso prévio à Recorrente para esse efeito.
2. A dinâmica factual com relevo para a presente causa foi delimitada pelo Tribunal a quo nessa mesma sentença, para cujo teor respeitosamente se remete V. Exas..
3. O mesmo Tribunal considerou que "durante o período entre 27 de Setembro de 2012 e 14 de Dezembro de 2012, o contrato laboral entre Autora e Réu (ora Recorrente e Recorrido, respectivamente) ficou válido mas ainda não produziu os efeitos, rigorosamente digamos", assim como que "[...] a obrigação de aviso prévio constitui um dever relacionado com a efectiva prestação do trabalho que, como tal, não se produz efeitos antes de o contrato laboral entrar em vigor", premissas essas que a Recorrente respeitosamente reputa como erradas e contrárias ao normativo vigente.
4. O contrato de trabalho é um negócio jurídico bilateral, nominado e típico, caracterizando-se ainda como um negócio jurídico obrigacional, de cariz sinalagmático e intuito personae, encontrando-se sujeito às normas e princípios aplicáveis ao Direito das Obrigações, nomeadamente aos princípios da liberdade contratual e pacta sunt servanda (cfr. artigos 399.º e 400.º do Código Civil), devendo ser pontualmente cumprido pelas partes, as quais se encontram juridicamente vinculadas ao mesmo.
5. Ainda que as partes estabeleçam um hiato temporal entre a celebração (e o início da eficácia jurídica) do contrato de trabalho e o começo da prestação de trabalho (isto é, da relação factual entre as partes), tal estipulação em nada belisca a vigência e/ou eficácia jurídica do contrato de trabalho em apreço, o qual se afigura juridicamente eficaz e vigente desde a data da sua celebração.
6. O legislador gizou o instituto da resolução do contrato de trabalho como uma faculdade que qualquer dos contraentes pode exercer, regra geral, de forma livre (ad nutum, ad libitum), com a ressalva de que tal faculdade não pode ser exercida de forma imediata, antes sendo exigido à parte que lance mão de tal instituto que respeite o aviso prévio legal ou contratualmente fixado (cfr. n.º 2 do artigo 72.º da LRT).
7. Desse modo, pretendeu-se acautelar a outra parte contra uma cessação intempestiva do contrato de trabalho vigente.
8. Ora, atendendo às concretas funções que o Recorrido iria desempenhar e à responsabilidade inerente ao cargo, as partes fixaram contratualmente um prazo de 3 meses para o aviso prévio a conceder no caso de resolução do contrato de trabalho sem justa causa, quer por parte do trabalhador, quer por parte do empregador (cfr. n.º 3 do artigo 72.º da LRT).
9. Por força dos princípios supra elencados e demais disposições legais aplicáveis ao caso concreto, para que qualquer uma das partes pudesse proceder à resolução sem justa causa, de forma lícita, do contrato ora em apreço, teria de respeitar o aviso prévio contratualmente estabelecido entre ambas.
10. O aviso prévio tem como desiderato permitir ao empregador a substituição do trabalhador, protegendo a organização económica-produtiva da empresa, que poderia ficar afectada com a saída extemporânea e imediata do trabalhador.
11. O Recorrido, ao actuar da forma que actuou (cfr. Facto Provado 12 supra transcrito), mais não fez do que proceder à resolução unilateral do contrato de trabalho que o vinculava à Recorrente em total desrespeito das normas legais aplicáveis.
12. A Recorrente viu-se privada de um recurso humano de extrema importância face às qualificações técnicas e experiência que apresentava, o qual, apesar de ainda não ter prestado o seu efectivo serviço, já se havia comprometido contratualmente com a Recorrente, o que fez com que esta tivesse abandonado o mercado de trabalho na procura de um qualquer outro trabalhador com características semelhantes ao Recorrido, com o qual a Recorrente efectivamente contava e havia depositado confiança na sua efectiva prestação laboral, privação essa que se deve exclusivamente à actuação do Recorrido.
13. A violação das normas ínsitas no n.º 2 e 5 do artigo 72.º da LRT, nos artigos 399.º e 400.º do Código Civil, assim como da Cláusula 8 dos Termos Complementares do Contrato de Trabalho ("Supplemental Employment Terms Agreement"), não só tornam ilícita a resolução do contrato de trabalho sem justa causa operada pelo Recorrido, como conferem à Recorrente o direito a ser indemnizada nos termos oportunamente peticionados na sua Petição Inicial.
14. Por mero dever de patrocínio, sempre se dirá que a situação descrita nos presentes Autos jamais poderá configurar uma situação de denúncia do contrato de trabalho no período experimental, uma vez que o período experimental apenas se inicia com a prestação efectiva de trabalho e não com a assinatura do contrato.
15. Inexiste assim, no caso concreto, a liberdade de desvinculação a que alude o artigo 18.º da LRT.
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O Réu B respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 162 a 168 dos autos, cujo teores aqui se dão por integralmente reproduzidos, pugnando pela improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
1. A Autora é uma sociedade comercial que se dedica a instalar, operar e gerir jogos de fortuna ou azar em casino e outras actividades conexas.
2. Em 17 de Setembro o Réu comunicou à Autora que aceitava a proposta de contrato de trabalho que lhe havia sido apresentada pela Autora por carta datada de 28 de Agosto de 2012, remetida ao Réu por correio electrónico em 29 de Agosto de 2012 e, em 27 de Setembro de 2012, o Réu assinou o contrato de trabalho.
3. A proposta de contrato de trabalho foi formulada pela Autora na sequência de negociações e conversações entre as partes, quer antes do envio da proposta pela Autora, quer depois.
4. O Réu foi contratado para exercer as funções de Director Executivo para Optimização dos Trabalhadores (“Executive Director Workforce Optimization”), do departamento de Análise Estratégica, com a categoria B2 (cláusulas 1, 2 e 3 do contrato de trabalho).
5. Foi acordado entre as partes o pagamento de um salário mensal de MOP$103,773.00 (cláusula 10. (a) do contrato de trabalho).
6. Foi acordado entre as partes que a lei de Macau se aplicaria ao contrato de trabalho (cláusula 15 do contrato de trabalho).
7. O contrato de trabalho celebrado entre as partes inclui ainda um anexo intitulado Termos Complementares do Contrato de Trabalho (“Supplemental Employment Terms Agreement”), que rege com detalhe vários aspectos da relação laboral.
8. Nos termos da cláusula 8 dos Termos Complementares do Contrato de Trabalho, o trabalhador pode resolver o contrato de trabalho sem causa dando três meses de pré-aviso ou, em substituição do pré-aviso, três meses de salário mensal.
9. A data de início de funções não foi definida no contrato, porquanto o Réu tinha na altura um vínculo contratual com outra empresa, vínculo esse que teria de cessar antes de poder assumir as suas novas funções.
10. Em 17 de Setembro de 2012, o Réu comunicou à Autora que iria iniciar funções em 14 de Dezembro de 2012, o que a Autora aceitou.
11. À aceitação dos termos do contrato de trabalho por partes do Réu seguiram-se ainda diversos contactos entre as partes, destinados a acertar todos os detalhes necessários para que o Réu iniciasse funções, designadamente no que respeita à documentação necessária.
12. No dia 06 de Dezembro de 2012, o Réu informou a Autora de que tinha mudado de ideias e de que não iria iniciar funções na "SCL", sigla que designa a C LIMITED, sociedade cotada na Bolsa de Hong Kong e que é, de forma indirecta, a accionista dominante da Autora.
13. As partes acordaram no prazo de três meses para o aviso prévio, quer para a resolução sem justa causa por parte do empregador, quer por parte do trabalhador.
14. As funções atribuídas ao Director Executivo para Optimização dos Trabalhadores são complexas e constam do documento anexo designado “Job Description of Executive Director Workforce Optimization”.
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III – Fundamentação
O Tribunal a quo julgou a acção improcedente nos seguintes termos:
“…
No caso sub judice, a divergência das partes limita-se à solução jurídica relativamente a aviso prévio.
Questão a decidir:
- Se o trabalhador tem que cumprir a obrigação de aviso prévio no período entre a celebração do contrato laboral e a data do início das funções (ou seja, a efectiva prestação de trabalho), e caso se entenda pela positiva, determinar o montante indemnizatório.
Vejamos.
Ficou provado que as partes celebraram o contrato laboral em 27 de Setembro de 2012 e foi acordado que o Réu iria iniciar funções em 14 de Dezembro de 2012 (cf. Factos provados 2 e 10). No dia 6 de Dezembro de 2012, o Réu informou a Autora de que tinha mudado de ideias e de que não iria iniciar funções (cf. Facto provado 12).
Durante o período entre 27 de Setembro de 2012 e 14 de Dezembro de 2012, o contrato laboral entre Autora e Réu ficou válido mas ainda não produziu os efeitos, rigorosamente digamos.
Pelo menos, os deveres de pagamento de retribuições e de prestação de trabalho não se vinculavam as partes, que nenhuma das partes põe em causa. Mais, no período referido, os seguintes direitos, deveres e garantias ainda não produziram efeitos: obediência à entidade patronal no que respeita à execução e disciplina no trabalho; velar pela conservação e boa utilização dos bens relacionados com o trabalho; promover ou executar todos os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa.
Deste modo, durante o período entre a celebração do contrato laboral e a data do início das funções não produzem efeitos todos os direitos, deveres e garantias relacionados com a efectiva prestação de trabalho.
Quanto à obrigação de aviso prévio, o artigo 72.º da Lei 7/2008 prevê:
1. Havendo justa causa para resolver o contrato, a parte que a invoca não necessita de dar um aviso prévio para fazer cessar a relação de trabalho.
2. A resolução do contrato sem justa causa é feita com o prazo de aviso prévio fixado no contrato, não podendo este prever prazos a observar pelo trabalhador superiores aos do empregador.
3. Na falta de estipulação contratual sobre os prazos de aviso prévio ou na estipulação de um prazo inferior ao previsto no presente número, a resolução do contrato é feita com um aviso prévio de:
1) Quinze dias, na resolução por iniciativa do empregador;
2) Sete dias, na resolução por iniciativa do trabalhador.
4. A inobservância do aviso prévio por parte do empregador dá ao trabalhador o direito à remuneração de base correspondente ao número de dias do aviso prévio em falta, o qual é calculado para efeitos da sua antiguidade.
5. A inobservância do aviso prévio por parte do trabalhador dá ao empregador o direito a receber uma indemnização de montante igual ao da remuneração de base correspondente ao número de dias do aviso prévio em falta.
A obrigação de aviso prévio no contexto da cessação do contrato pelo trabalhador tem como justificação a protecção ao empregador por forma a permitir-lhe a substituição do trabalhador, para que a organização económico-produtiva não fique prejudicada com a saída imprevisível e imediata do trabalhador. A consequência da inobservância do aviso prévio legalmente previsto é a da obrigação de pagamento da retribuição correspondente ao período do aviso prévio que se encontre em falta.
No caso em apreço, devido a que o trabalhador ainda não iniciou funções, a empregadora não podia contar com a disponibilidade daquele para o trabalho. Portanto, não existe a situação da substituição do trabalhador para a manutenção do trabalho.
Afigura-se-nos, assim, que a obrigação de aviso prévio constitui um dever relacionado com a efectiva prestação do trabalho que, como tal, não se produz efeitos antes de o contrato laboral entrar em vigor.
Logo, inexistindo tal obrigação não pode ser reconhecido à empregadora o direito à indemnização previsto pelo artigo 72.º da Lei 7/2008.
Sem necessidade de conhecer a excepção peremptória deduzida pelo Réu.
*
IV. Decisão
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção improcedente e em consequência absolve-se o Réu do pedido.
Custas pela Autora.
Registe e notifique…”
Salvo o devido respeito, não se nos afigura que a sentença recorrida mereça alguma censura ou reparação.
Como é sabido, nos termos do artº 66º da Lei das Relações de Trabalho da RAEM (Lei nº 7/2008), a denúncia é uma das formas legais da cessação do contrato de trabalho.
Ao abrigo do disposto do artº 74º da citada Lei, as partes podem denunciar o contrato de trabalho durante o período experimental, nos termos do disposto no artigo 18.º.
Por sua vez, os nºs 4 e 5º do artº 18º da Lei nº 7/2008 dispõe que:
Artigo 18.º
Período experimental
1. ...
2. ...
3. ...
4. Durante o período experimental, qualquer das partes pode denunciar o contrato sem alegação de justa causa, não havendo direito a qualquer indemnização por cessação do contrato.
5. A denúncia do contrato não está sujeita a aviso prévio durante o período experimental, salvo se:
1) As partes assim o acordarem por escrito, não podendo o acordo prever períodos de aviso prévio superiores aos constantes na presente lei para a cessação do contrato de trabalho fora do período experimental;
2) O período experimental tiver durado mais de noventa dias, caso em que as partes têm de dar um aviso prévio de sete dias.
6. ...
Como se vê, salvos os casos excepcionais previstos nas als. 1) e 2) do nº 5 do artº 18º da Lei nº 7/2008, tanto o empregador como o trabalhador podem fazer cessar unilateralmente a relação de trabalho, sem necessidade de aviso prévio ou alegação de justa causa e sem direito a qualquer indemnização rescisória.
No caso em apreço, o Réu fez cessar o contrato de trabalho celebrado com a Autora antes de iniciar as suas funções, ou seja, antes do período experimental começar.
Será que por isso não podemos aplicar as regras de denúncia do contrato de trabalho previstas para o período experimental?
Ora, se o legislador permite a denúncia unilateral do contrato de trabalho no período experimental sem necessidade de invocação da justa causa, então, por maioria de razão, também o pode fazer antes.
Pois seria ilógica admitir a denúncia unilateral do contrato de trabalho no primeiro dia do período experimental, mas já não a admite antes.
Se assim fosse, então em vez de denunciar antes, basta aguardar o início do período experimental e denuncia logo no primeiro dia ou no dia seguinte.
Não ignoramos que tendo em conta a função do período experimental, que é justamente para as partes, no seu decurso, poderem apreciar o interesse na manutenção da relação de trabalho, a jurisprudência portuguesa tem entendido que a denúncia unilateral não pode ser exercida de forma abusiva, isto é, exercida fora dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (cfr. Ac. do STJ, de 09/09/2015, proferido no Proc. nº 499/12.2TTVCT.G1.S1, in www.dgsi.pt).
Trata-se duma regra geral do exercício do direito prevista no artº 326º do CC.
No caso sub justice, a Autora, após a contestação do Réu, pediu a ampliação da causa de pedir na perspectiva do exercício abusivo do direito por parte do Réu, pedido esse que foi indeferido pelo Tribunal a quo (fls. 133 e verso dos autos).
A referida decisão do indeferimento não foi objecto de qualquer recurso, pelo que já transitou em julgado.
Assim, nem podemos discutir no presente processo a existência ou não do abuso de direito por parte do Réu.
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Tudo visto, resta decidir.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a sentença recorrida.
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Custas pela Autora.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 24 de Maio de 2018.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
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