Processo nº 337/2017
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 24 de Maio de 2018
Descritores:
- Revisão de sentença
- Divórcio
- Regulação do poder paternal
SUMÁRIO:
I. Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.
II. Quanto aos requisitos relativos à competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do nº1, do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.
Proc. nº 337/2017
Acordam no Tri9bunal de Segunda Instância da RAEM
I - Relatório
A, divorciada, nacional de Singapura, portadora do Passaporte da República da Singapura n.º XXX, emitido pelas Autoridades da República da Singapura, válido até 22 FEV. 2021, e com morada de contacto em Macau, na XXX,
Requereu contra: -----
- B, divorciado, de nacionalidade Chinesa, portador do Passaporte da República Popular da China n.º XXX, emitido pela Embaixada da República Popular da China em Singapura, válido até 24 SET 2018, com a última morada conhecida em Macau, na XXX”----
A revisão de duas sentenças proferidas no Tribunal de Justiça Familiar da República de Singapura, uma que decretou o divórcio entre ambos, outra que atribuiu o exercício do poder paternal à requerente sobre a filha comum, e lhe atribuiu direito a alimentos.
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Citado editalmente, o requerido é representado pelo Magistrado do Ministério Público, que não contestou.
*
Cumpre decidir.
***
II – Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
***
III – Os Factos
1 – No tribunal de justiça familiar da República de Singapura foi proferida em 7/07/2015 a seguinte sentença provisória de divórcio entre requerente e requerido:
«Processo n.º FC/D 949/2015 Entre
Doc. N.º FC/IJ 2777/2015 A
Arquivado: 08 -Julho-2015 09:34 AM (NRIC N.º XXX)
Data da Ordem: 07-Julho-2015 Autora
Feito por: XXX e
Juiz de Distrito de Câmaras B
(Passaporte da China n.º XXX)
Réu
JULGAMENTO INTERCALAR
1. Indicações do casamento ao qual este Julgamento Intercalar se relaciona (o casamento)
a. Data e local da cerimónia e casamento: 4-Janeiro-2001, Estados Unidos
b. Data e local do registo do casamento: 4-Janeiro-2001, Estados Unidos
2. Juízo provisório concedido nas câmaras
a. Partes presentes
i. Não aplicável
b. Pronunciamento pelo Juiz:
i. A Autora provou suficientemente o conteúdo das declarações da reivindicação
ii. e que o casamento é dissolvido pelo motivo que:
O Réu tem se comportado de tal forma que a Autora razoavelmente não tem a expectativa de voltar a viver com o Réu
a menos que seja mostrado causa suficiente para o tribunal no prazo de 3 meses a contar da data do presente Julgamento, porque tal julgamento não deve ser final
3. Pedidos adicionais feitos:
a. Parágrafos 7(b), 7(c), 7(d), 7(e), 7(f), 7(g) e 7(h) das declarações da reivindicação são adiadas para serem ouvidas nas Câmaras
(assinatura ilegível)
XXX
SECRETÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA FAMILIAR
SINGAPURA»
2 – No dia 17/11/2015 foi convertido em definitiva referida sentença, nos seguintes termos:
«Processo n.º FC/D 949/2015 Entre
Doc. N.º FC/IJ 2777/2015 A
Arquivado: 17 -Novembro-2015 02:12 PM (NRIC N.º XXX)
Data da Julgamento final: 17-Nov-2015 Autora
05.46PM e
B
(Passaporte da China n.º XXX)
Réu
CERTIDÃO DO JULGAMENTO FINAL (DIVÓRCIO)
Como não foi mostrada nenhuma causa suficiente para o Tribunal no prazo de 3 meses desde do Acórdão Intercalar concedido em 07-Julho-2015, por que tal julgamento não foi final, certifica-se que:
1. A cerimónia de casamento em 4-Janeiro-2001 nos Estados Unidos entre A (NRIC N.º XXX) e B (Passaporte da China n.º XXX) está dissolvido.
2. O Acórdão Intercalar concedido em 07-Julho-2015 é final nesta data.
(assinatura ilegível)
XXX
SECRETÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA FAMILIAR
SINGAPURA»
3 – No mesmo tribunal de Singapura foi proferida seguinte ordem do tribunal:
«Processo n.º FC/D 949/2015 Entre
Doc. N.º FC/ORC 5369/2015 A
Arquivado: 12-Novembro-2015 10:50 AM (NRIC N.º XXX)
Data da Ordem: 04-November-2015 Autora
Feito por: XXX e
Juiz do Distrito B
(Passaporte da China n.º XXX)
Réu
ORDEM DO TRIBUNAL
1. Natureza da audiência na Câmara
Família - Assuntos auxiliares
2. Partes presentes na audiência
Conselho dos Autores
3. Pedidos feitos:
a. A Autora terá a custódia exclusiva, cuidados e controle da criança do casamento, C (f) com acesso razoável ao Réu.
b. O nome do Réu será apagado como ocupante permitido do apartamento matrimonial no Bloco 651 Senja Link #11-38 Singapura 670651
c. O Secretário ou o Secretário Adjunto do Tribunal de Justiça Familiar sob a secção 31 do Acto da Justiça Familiar (2014) está habilitado a executar, assinar ou endossar todos os documentos necessários relativos à supressão, se necessário em nome do Réu se o Réu não o fizer
d. O Réu deverá pagar à Requerente S$6,000 por mês para a título de alimentos de cônjuge e S$3,000 por mês para a título de alimentos da criança, com efeitos a partir da data desta ordem e posteriormente no quarto dia de cada mês e o pagamento ser feito no POSB na conta conjunta 180-05172-4
e. Não tem autorização por parte da Autora para proceder à venda da propriedade de Shanghai (China, Shanghai, Pudong, Biyun Road) e propriedade de Macau, XXX, Macau
f. O Réu paga à Autora S$5,000 para o custo destes procedimentos
g. Liberdade de aplicar
(assinatura ilegível)
XXX
SECRETÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA FAMILIAR
SINGAPURA».
4 – Esta ordem foi alterada pelo mesmo tribunal de Singapura em 24 de Janeiro de 2017, nos seguintes termos:
«Processo n.º FC/D 949/2015
Sub Processo n.º FC/SUM 4240/2016 Entre
Doc. N.º FC/ORC 640/2017 A
Arquivado: 07-Fevereiro-2017 10:03 AM (NRIC N.º XXX)
Data da Ordem: 24-Janeiro-2017 Autora
Feito por: XXX e
Juiz do Distrito B
(Passaporte da China n.º XXX)
Réu
ORDEM DO TRIBUNAL
1. Natureza da Audiência na Câmara
Família - OS / Convocação (Juiz)
2. Partes Presentes na Audiência
i. Conselho dos Autores
3. Pedidos feitos:
1. O parágrafo 3 (d) e (f) da Ordem do Tribunal com a data de 4 Novembro de 2015 ser variado/separado e lido da seguinte forma:
a. O Réu deverá pagar à Autora a soma de S$1,022,300.00 compreendendo os seguintes montantes:
(i) S$75,300.00 sendo a título de alimentos em atraso até e incluindo Janeiro de 2017;
(ii) S$222,000.00 sendo a título de alimentos de montante fixo para a Criança do casamento.
Não haverá mais nenhum montante a título de alimentos a pagar para a Criança;
(iii) S$720,000.00 sendo a título de alimentos de montante fixo para a Autora. Não haverá mais nenhum montante a título de alimentos a pagar para a Autora;
(iv) S$5,000.00 sendo os custos devidos à Autora de questões acessórias da audiência de 4 de Novembro de 2015.
2. Nenhuma ordem sobre orações 2 e 3 da citação n.º FC/SUM 4240/2016.
1 Título da Agenda: Ordem provisória
Documento anexado:
(assinatura ilegível)
XXX
SECRETÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA FAMILIAR
SINGAPURA».
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IV – O Direito
Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos não se conhece do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Ora, os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação de divórcio entre requerente e requerido, que foi decretada por decisão proferida pelo tribunal competente da República de Singapura, bem como aquela outra que regula o exercício do poder paternal em relação à filha de ambos, de nome C e que atribui direito a alimentos à autora e à filha.
Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão que decidiu sobre o exercício do poder paternal do filho comum de ambos.
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública (cfr. art. 20º e 273º do C.C.). Com efeito, também o direito substantivo de Macau prevê o divórcio e a regulação do exercício do poder paternal.
Assim, cremos estarem reunidos os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.
Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e)) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos. Na verdade, o trânsito das decisões já ocorreu. As decisões foram proferidas por entidade competente e não versa sobre matéria exclusiva da competência dos tribunais de Macau, face ao que consta do art. 20º do Cód. Proc. Civil.
Também não se vê que tivesse havido violação das regras de litispendência e caso julgado ou que tivessem sido violadas as regras da citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.
Posto isto, tudo se conjuga para a procedência do pedido (cfr. art. 1204º do CPC).
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V - Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar as sentenças de divórcio e de regulação do exercício do poder paternal e de atribuição de alimentos à requerente e à filha de ambos (requerente e requerido) proferida pelo Tribunal de Justiça Familiar da República de Singapura, nos precisos termos acima transcritos.
Custas pela requerente.
T.S.I., 24 de Maio de 2018
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
337/2017 11