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Processo nº 397/2015
(Autos de recurso jurisdicional)

Data: 24/Maio/2018

Assuntos: Pedido de inscrição no Fundo de Pensões
Caducidade do direito à inscrição

SUMÁRIO
Preceitua o n.º 3 do artigo 259.º do ETAPM que “a inscrição é facultativa para os agentes e para o pessoal nomeado em comissão de serviço que não disponha de lugar de origem nos quadros dos serviços públicos, devendo aquela ser requerida até 60 dias a contar da posse ou da assinatura do respectivo instrumento contratual.”
No caso vertente, as interessadas na inscrição apenas formularam pedido de fornecimento de impressos de inscrição, e não pedido de inscrição no Fundo de Pensões. São duas realidades distintas.
Dispõe o n.º 1 do artigo 76.º do Código do Procedimento Administrativo que “salvo nos casos em que a lei admite o pedido verbal, o requerimento inicial dos interessados deve ser formulado por escrito…”.
Sendo assim, ainda que se concebesse a existência de algum pedido verbal (de inscrição), mas não tendo aquele sido formulado por escrito, não se poderia considerar iniciada a marcha do procedimento administrativo.
Também não se vislumbra que as interessadas foram impedidas de formular por escrito, em tempo útil e junto do Fundo de Pensões o seu pedido de inscrição no regime de aposentação e sobrevivência.
Não tendo as interessadas formulado o pedido de inscrição no prazo de 60 dias a contar da posse ou da assinatura do respectivo instrumento contratual, nem que as mesmas foram impedidas de o apresentar em tempo útil, caducado se encontra o direito à inscrição no Fundo de Pensões, ao abrigo do n.º 3 do artigo 259.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
   
   
O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo nº 397/2015
(Autos de recurso jurisdicional)

Data: 24/Maio/2018

Recorrente:
- Conselho de Administração do Fundo de Pensões de Macau

Recorridas:
- A, B e C

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, B e C, com sinais nos autos, recorreram contenciosamente para o Tribunal Administrativo do acto praticado pelo Conselho de Administração do Fundo de Pensões de Macau, de 19.7.2010, que confirmou, por sua vez, o acto praticado pela Presidente daquele Conselho no sentido de indeferir a inscrição dos recorrentes no Fundo de Pensões com efeitos retroactivos desde 18.6.2007.
Por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, foi julgado improcedente o recurso.
Pelos recorrentes foi interposto recurso jurisdicional da decisão, tendo o Tribunal de Segunda Instância concedido provimento ao recurso.
Entretanto, uma vez que foi suscitada pela entidade recorrida aquando da dedução da contestação a excepção de caducidade do direito à inscrição, mas como ainda não houve decisão sobre tal questão, ordenou o Tribunal de Segunda Instância a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo com vista a apreciar a questão de caducidade do direito à inscrição no Fundo de Pensões ao abrigo do disposto no artigo 259.º, n.º 3 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
Por decisão proferida pelo Tribunal Administrativo, foi julgada improcedente a excepção invocada e, em consequência, anulado o acto recorrido do Conselho de Administração do Fundo de Pensões.
Inconformada, dela interpôs a entidade recorrida recurso jurisdicional, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“i. Constitui o objecto do presente recurso a douta decisão do Tribunal Administrativo de fls. 310 a 315 que determinou, por não procedência da excepção de caducidade de direito, a anulação do acto recorrido do Conselho de Administração do Fundo de Pensões, proferida em cumprimento do douto acórdão do TSI de 24 de Julho de 2014, proferido nos autos de recurso jurisdicional com o Processo n.º 1014/2012 (emergentes dos autos de recurso contencioso administrativo n.º 735/10-ADM do Tribunal Administrativo).
ii. A decisão ora recorrida tinha como a única questão (jurídica) a conhecer pelo Tribunal “a quo”, a caducidade do direito de inscrição no Fundo de Pensões ao abrigo do art.º 259º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM).
iii. Ao contrário do que se entende na sentença recorrida, a entidade recorrida e ora recorrente teve o cuidado de impugnar os factos alegados pelas recorrentes, nomeadamente através dos seus articulados n.ºs 7, 8, 9, 10, 13, 14, 15, 16, 44 e 45 e na respectiva Conclusão, alíneas E, F, I, J, II e JJ.
iv. A questão de caducidade do direito de inscrição, ora em apreciação neste recurso, foi suscitada precisamente pela entidade recorrida e ora recorrente na referida Contestação, quando ao impugnar os alegados factos vertidos pelas recorrentes nos articulados 2 e 3 da p.i.
v. Segundo o comando legal definido no art.º 54º do CPACM, a falta de contestação ou de impugnação implica a confissão dos factos alegados pelo recorrente, excepto quando estejam em manifesta oposição com a defesa considerada no seu conjunto, não seja admissível confissão sobre eles ou resultem contraditados pelos documentos que constituem o processo administrativo instrutor.
vi. No presente caso, além de se verificar a impugnação dos factos alegados e vertidos nos articulados 2 e 3 da p.i., os mesmos estão ainda em manifesta oposição com a defesa considerada no seu conjunto, não sendo admissível confissão sobre eles ou resultem contraditados pelos documentos que constituem o processo administrativo instrutor, uma vez que, compulsando os respectivos processos administrativos instrutores das recorrentes (já juntos aos autos), não se encontra nenhum elemento que aponta pela existência dos alegados pedidos de inscrição no Fundo de Pensões (ou os alegados pedidos de fornecimento de formulários)! (cfr. vide art.º 8º da Contestação)
vii. Tratando-se de facto negativo – não existência de pedido de inscrição/fornecimento de formulário de inscrição no Fundo de Pensões, e perante a impugnação deduzida oportunamente na Contestação apresentada, conforme o acima exposto, cabe às recorrentes o ónus de prova – no sentido de provar pela existência/formulação dos pedidos de inscrição ora em discussão, e não pode o Tribunal “a quo”, ao proferir a ora decisão recorrida, pura e simplesmente chegar à conclusão nos termos que se conclui na mesma decisão.
viii. Quer as próprias recorrentes, quer o Mm.º Juiz do Tribunal “a quo”, reconhecem que não se apresentaram, dentro do prazo legal de 60 dias fixado no n.º 3 do art.º 259º do ETAPM, os pedidos de inscrição no Fundo de Pensões ora em questão.
ix. Efectivamente, as recorrentes apenas se encontram a inscrever-se, pela primeira vez, no Fundo de Pensões para efeitos do Regime de Pensão e Sobrevivência em 15.09.2009.
x. Perante tal facto e realidade, as recorrentes apenas fizeram o esforço com o intuito de “justificar” a apresentação tardia dos pedidos de inscrição já em 2009, ou melhor dizendo a extemporaneidade dos pendidos de inscrição, alegando que houvesse feito, na altura, “pedidos verbalmente” formulados através de funcionário do Centro de Formação solicitando formulários para efeitos de inscrição no Fundo de Pensões.
xi. Já na Contestação apresentada pela entidade recorrida e ora recorrente, e em especial, nos seus articulados n.ºs 7, 8, 9, 10, 13, 14, 15, 16, 44 e 45 e na respectiva Conclusão, alíneas E, F, I, J, II e JJ foram contrariados os factos alegados pelas recorrentes nos art.ºs 2 e 3 da p.i.
xii. Tal como foi exposto pela entidade recorrente na Contestação, art.ºs 13º, 14º, 15º e 16º, não seria compreensível como podiam as recorrentes dar como formulados “verbalmente” os seus pedidos de inscrição no Fundo de Pensões, e por outro lado, receberam e inscreveram-se, através do Cofre dos Assuntos de Justiça, boletins de inscrição no Fundo de Segurança Social inscrevendo-se nesse mesmo regime?
xiii. Nos termos do n.º 9 do art.º 259º do ETAPM, “Os Trabalhadores que, nos termos dos n.ºs 1 e 3, não possam ser inscritos no Fundo de Pensões de Macau ou, os que podendo, não exerçam essa faculdade, são obrigatoriamente inscritos no Fundo de Segurança Social.”
xiv. A inscrição no Fundo de Segurança Social é diferente e incompatível com o Regime de Aposentação e Sobrevivência e o Regime de Previdência dos Trabalhadores dos Serviços Públicos.
xv. Seria mais difícil de compreender que as recorrentes, aquando das suas inscrições no Fundo de Pensão pela primeira vez em 15.09.2009 na sequência da nomeação definitiva como juízes do tribunal da primeira instância da RAEM, não levantaram problema à alegada inscrição que, conforme as mesmas recorrentes, supostamente, havia sido verbalmente procedido em 2007, altura em que eram estagiários do Curso de Formação de Magistrados.
xvi. Em bom rigor, não houve (nem podia haver) nenhum pedido verbal de inscrição no Fundo de Pensões, o que se pode admitir, por mera hipótese, que houvesse verbalmente pedidos de informações através de alguém da parte do Centro de Formação Jurídica e Judiciária e nem mais.
xvii. Efectivamente, a inscrição no Fundo de Pensões para efeitos do Regime de Pensão e Sobrevivência não se faz por meros pedidos verbais, quer para o pessoal cuja inscrição seja obrigatória, quer para os trabalhadores cuja inscrição seja facultativa, como é o caso das recorrentes (cfr. n.ºs 2 e 3 do art.º 259º do ETAPM).
xviii. Nos termos do n.º 3 do art.º 259º do ETAPM, “A inscrição é facultativa para os agentes e para o pessoal nomeado em comissão de serviço que não dispunha de lugar de origem nos quadros dos serviços públicos, devendo aquela ser requerida até 60 dias a contar da posse ou da assinatura do respectivo instrumento contratual.”
xix. Pela interpretação do aludido art.º 259º, e em conjugação dos seus n.ºs 2, 3 e 5, a inscrição (tanto obrigatória como facultativa) é processada pelos serviços que paguem os vencimentos, pois, cabem estes instruírem os pedidos de inscrição enviando ao Fundo de Pensões os pedidos bem como toda a documentação necessário para efeitos da inscrição.
xx. E já após efectuada a inscrição no Fundo de Pensões, ainda a respectiva compensação para o regime de aposentação nos termos do n.º 5 do art.º 259º do ETAPM (sendo 18% pela Administração e 9% pelo do subscritor a descontar mensalmente por retenção de fonte, sobre o vencimento único acrescido dos prémios de antiguidade).
xxi. E no caso sub judice, não foi assim que aconteceu, nem que houvesse pedidos verbalmente formulados.
xxii. São realidades completamente diferentes: i) o mero pedido de informação sobre a inscrição no Fundo de Pensões, ii) o pedido de fornecimento de formulários do pedido de inscrição, iii) a formulação verbal de pedido de inscrição no Fundo de Pensões, e iv) pedido de inscrição devidamente formulado nos termos dos dispostos no art.º 259º ETAPM.
xxiii. A existência ou não de formulário de inscrição no Fundo de Pensões não impede as recorrentes exercer o direito que se consideram titulares, dentro do prazo legal de 60 dias.
xxiv. Tal formulário de inscrição no Fundo de Pensões não é exigido por lei e só para facilitar os interessados, podendo o mesmo ser obtido na “site” do Fundo de Pensões, ou as recorrentes redigirem requerimentos próprios.
xxv. Quanto aos princípios de boa-fé, de colaboração, cooperação e de lealdade citados na douta sentença ora recorrida, importa sublinhar que não estão em causa tais princípios jurídicos no caso ora em apreciação, pois, a Administração Pública, e neste caso, o Fundo de Pensões tem consciência e tem agido, no relacionamento com os cidadãos, com observância dos mesmos princípios de direito expressamente consagrados no Código de Procedimento Administrativo (CPA).
xxvi. A questão principal é que o Fundo de Pensões está também sujeito ao princípio da legalidade, isto é, agir em estrito conformidade com a lei, nomeadamente, o CPA, o art.º 259º do ETAPM e as demais disposições legais aplicáveis, no cumprimento e exercício das competências e funções que a lei lhe incumbe, nomeadamente no processamento da inscrição do regime de aposentação.
xxvii. E cabendo, em simultânea, aos interessados o cumprimento do princípio de iniciativa, além dos princípios versados na sentença recorrida.
xviii. Não se verifica, no caso em apreço, nenhuma situação de violação do princípio de boa-fé nem do princípio de lealdade, visto que o direito de inscrição no Regime de Pensão e Sobrevivência ora em causa foi judicialmente reconhecido por acórdão desse Venerando Tribunal de Segunda Instância de 24 de Julho de 2014, tendo o Tribunal Administrativo que julgou a causa em primeira instância, acolhido o entendimento da entidade recorrida negando o provimento do recurso contencioso administrativo então interposto.
xxix. Pelos fundamentos acima expostos, na óptica da entidade recorrente, a sentença recorrida padeceu dos seguintes vícios insanáveis de invalidade nomeadamente, pela violação e errada aplicação das disposições legais sobre o ónus de prova, designadamente, os art.ºs 334º, 335º, 336º, 337º do Código Civil e os art.ºs 86º e 87º do Código do Procedimento Administrativo, a violação e errada aplicação do art.º 259º do ETAPM, sobretudo do seu n.º 3, a violação e errada aplicação do art.º 54º do CPACM, e ainda pela falta e/ou insuficiência de fundamentação, contradição entre matéria de facto e a fundamentação, erro de julgamento, violando e aplicando erradamente os dispostos nas alíneas b), c) e d) do n.º 1 do art.º 571º do Código de Processo Civil.
O que importam a declaração de nulidade ou anulação por esse Venerando Tribunal de Segunda Instância.
Nestes termos, e nos demais de direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exa. deverá proceder-se a excepção de caducidade do direito e consequentemente, considerar procedente o presente recurso, e anulando a douta sentença recorrida, indeferindo os pedidos de inscrição em causa por extemporaneidade, com as demais consequências legais, fazendo assim a habitual Justiça!”
*
Devidamente notificadas, responderam as recorridas ao recurso, pugnando pelo seu não provimento.
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O Digno Procurador-Adjunto do Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
“A partir do trânsito em julgado do douto Acórdão de fls. 182 a 210 dos autos, torna-se consolidada a prudente decisão decretada pelo Venerando TSI, que proclamou: «…, é de concluir que, mesmo com a entrada em vigor da Lei n.º8/2006 que introduziu o regime de providência na função pública, a inscrição facultativa no Fundo de Pensões, prevista no artº 259º/3 do ETAPM, se mantém em vigor em relação aos magistrados estagiários que não disponham de lugar de origem nos quadros dos serviços públicos da RAEM, uma vez que a inscrição facultativa só fica revogada em relação ao pessoal em geral nomeado em comissão de serviço ao abrigo do disposto no artº 23º/1 do ETAPM.»
Neste mesmo Acórdão, o Venerando TSI ordenou «a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo a fim de apreciar a questão da alegada caducidade do direito da inscrição no Fundo de Pensões ao abrigo do disposto no artº 259º/3 do ETAPM.»
Por sua vez, na douta sentença de fls. 310 a 315, o MMº Juiz a quo decidiu inverificada a caducidade arrogada na contestação, argumentando que «O facto vertido no artº 2 da P.I., em bom rigor, na sua substância, não foi impugnado pela recorrida.» e, enfim, dando por provado tal facto.
Nas alegações de fls. 325 a 340 dos autos, o ora recorrente Fundo de Pensões assacou, à dita sentença, a ofensa das disposições legais sobre o ónus de prova (designadamente os arts. 334º a 337º do CC, bem como arts. 86º e 87º do CPA), a errada aplicação do n.º 3 do art. 259º do ETAPM e do art. 54º do CPAC, e ainda a violação nas alíneas b) a d) do n.º 1 do art. 571º do CPC.
Quid juris?
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Procedendo à leitura cuidadosa da criteriosa sentença em crise, não nos resta margem para dúvida de que o MMº Juiz a quo especifica os seus fundamentos de facto e de direito, os quais estão em coerência lógica com a decisão, e a sentença recorrida se circunscreve a conhecer da questão respeitante à caducidade suscitada na contestação, por isso não existe nem excesso de pronúncia nem omissão da mesma.
Convém não perder da vista que de acordo com as jurisprudências consolidadas, a inexactidão e/ou inexistências de factos dados por provados, bem como a errada aplicação ou interpretação de disposições legais integram na categoria de erro de julgamento que é bem distinto dos vícios consagrados nas alíneas b), c) e d) do n.º 1 do art. 571º do CPC.
Nesta linha de vista, e sem prejuízo do respeito pela melhor opinião em sentido diferente, colhemos que não se verifica in casu nenhum dos vícios prescritos nas alíneas b), c) e d) do n.º 1 do art. 571º do CPC, sendo inevitavelmente descabida a arguição do recorrente FPM nesta parte.
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Ora, mediante o pedido de anulação do acto identificado na petição inicial, o que as três recorrentes contenciosas pretenderam, no fundo, é o reconhecimento do direito à contagem, para efeitos de aposentação e sobrevivência, do tempo em que durava o curso de formação e estágio para ingresso na magistratura judicial e do M.ºP.º, reconhecimento que já foi tentado nos requerimentos referidos nos arts. 5º e 11º da petição.
Repare-se que este «reconhecimento» reiteradamente rogado pelas recorrentes contenciosas depende da existência, na data do requerimento aludido no art.11º da petição, do direito à recuperadora contagem do dito período. O que é fundamental é que o decurso do prazo previsto no n.º 3 do art. 259º do ETAPM não determinara a extinção deste direito, dado que é objectivamente assente a inobservância deste prazo legal.
Nesta óptica, afigura-se-nos que são constitutivos do mesmo direito reivindicado pelas recorrentes contenciosas os factos alegados no art. 2º da petição, no sentido de «……, 故曾透過法律及司法培訓中心職員向澳門退休基金會口頭要求提供作出退休及撫卹登記表格,惟當時法律及司法培訓中心職員轉述澳門退休基金會的口頭答覆,稱退休及撫卹登記已被廢止,故沒有有關表格可予提供。» À luz do preceito no n.º 1 do art. 335º do CC, cabe às recorrentes contenciosas o ónus de prova destes factos constitutivos.
O percurso da sentença sob sindicância deixa-nos à impressão de o MMº Juiz a quo nunca exigir ao FPM o ónus de prova dos factos integrativos daquela caducidade. Daí que, a nosso ver, a sentença recorrida não infringe arts. 334º a 337º do CC nem arts. 86º e 87º do CPA.
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Na sentença em escrutínio, o MMº Juiz a quo julgou inverificada a caducidade do direito de inscrição no FPM. Como suporte factual da sua decisão, deu por provados os factos alegados nos arts. 2º e 3º da petição inicial, com mais essencialmente os seguintes dois argumentos:
De um lado, «O facto vertido no artº 2 da P.I., em bom rigor, na sua substância, não foi impugnado pela recorrida.», dado que «A inexistência de registo, de resto, considerado onde deve ser considerado, ou seja, no plano probatório, não significa, naturalmente, que o pedido em causa não tivesse sido feito e negado pela AP, até porque, segundo cremos e é do senso comum, os pedidos verbais em regra não são registados.»
E por outra banda, «Temos, pois, para nós, que a referida negação está, de resto, em coerência com a posição formal da recorrida de que as recorrentes não teriam direito à desejada inscrição, posição verbalizada conforme se refere no artº 2 da p.i. e confirmada pela decisão formal do FP posta em crise nestes autos.»
Salvo elevado respeito pela opinião diferente, entendemos que é proficiente e racionalmente sustentado o julgamento da matéria de facto pelo MMº Juiz a quo, cuja conclusão culminante consubstancia-se em considerar provados os factos alegados nos arts. 2º e 3º da petição, nomeadamente os de que «……, 故曾透過法律及司法培訓中心職員向澳門退休基金會口頭要求提供作出退休及撫卹登記表格,惟當時法律及司法培訓中心職員轉述澳門退休基金會的口頭答覆,稱退休及撫卹登記已被廢止,故沒有有關表格可予提供。»
Pela nossa parte, não se descortina a violação do disposto no art. 54º do CPAC assacada à sentença in questio. Pois bem, o MMº Juiz a quo não considerou ou afirmou que o FPM, por omissão da impugnação, tivesse confessado os factos dados por provados. O que o levou àquela conclusão sobre factos provados é a sua interpretação da contestação do FPM, sendo tal interpretação traduzida nos dois argumentos supra transcritos.
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Ora, o facto provado de «……, 故曾透過法律及司法培訓中心職員向澳門退休基金會口頭要求提供作出退休及撫卹登記表格,惟當時法律及司法培訓中心職員轉述澳門退休基金會的口頭答覆,稱退休及撫卹登記已被廢止,故沒有有關表格可予提供» implica que, dentro do prazo estabelecido no n.º 3 do art. 259º do ETAPM, as recorrentes contenciosas manifestaram a vontade de fazer inscrição no FPM para efeitos de aposentação e sobrevivência, e foram impedidas de efectuar a inscrição pelo FPM.
Deste modo, e também tomando em conta o argumento alegado no art. 3º da petição, inclinamos a sufragar o douto entendimento do MMº Juiz a quo, no sentido de ser incensurável que as recorrentes contenciosas não fizeram a inscrição no FPM dentro do referido prazo legal.
Nesta linha, não podemos deixar de acompanhar a conclusão a quedo MMº Juiz a quo, asseverando expressamente: «Destarte não será pela procedência da questão em apreço que o direito das recorrentes não se manterá incólume conforme substancialmente reconhecido pela douta decisão do TSI.» O que nos imbui a impressão de que a sentença recorrida não infringe o preceituado no n.º 3 do art. 259º do ETAPM.
No entanto, cabe-nos acrescer que o exercício da função nos leva a saber e conhecer os empenhos e dedicações do FPM em prossecução e defesa dos interesses públicos. Assim, acreditamos que a recusa dele em fornecer os boletins às recorrentes não implica a inobservância ao princípio de boa fé, deve ser interpretada no sentido de manter a coerência e a fidelidade da sua constante posição.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pelo não provimento do presente recurso jurisdicional.”
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Está em crise a seguinte decisão recorrida:
“Resulta da douta decisão do TSI as recorrentes, enquanto magistradas estagiárias, têm o direito a inscreverem no Fundo de Pensões de Macau ao abrigo do artº 259º nº 3 do ETAPM.
Por conseguinte, a parte verdadeiramente substancial e que deve sempre sobrelevar à forma no limite permitido pela lei, está substantivamente esclarecida e decidida.
Em cumprimento da douta decisão do TSI importa apenas conhecer no quadro da presente decisão a questão da caducidade do direito de inscrição no Fundo de Pensões ao abrigo do predito preceito.
E para isso entende o Tribunal já estar em condições de decidir por ter para o efeito lastro factual suficiente, operando-se para tal conclusão a necessária interpretação do que articulado a propósito foi e se tal matéria, a benefício do que de substancial releva, deve ser considerada provada para suporte da decisão projectada (artº 54 do CPACM).
A matéria relevante para a projectada decisão está circunscrita no artº 2 e 3 da P.I. que, em defesa antecipada, é utlizada pelas recorrentes para justificar o motivo pelo qual não foram as respectivas inscrições no Fundo de Pensões requeridas no prazo a que alude o artº 259 nº 3 do ETAPM.
O facto vertido no artº 2 da P.I., em bom rigor, na sua substância, não foi impugnado pela recorrida.
Na verdade a este facto reagiu o Fundo de Pensões através do artº 8 da sua douta contestação. Nos termos deste art.8 não resulta a negação de que as recorrentes, na segunda metade de Junho de 2007, tivessem recebido do Cofre dos Assuntos de Justiça os boletins de inscrição no regime de providência dos trabalhadores dos serviços públicos, como não resulta directamente negado que foram pedidos verbalmente, via Centro de Formação, os boletins de inscrição no FP à recorrida. Igualmente não está directamente negado que foi transmitido pelo Fundo de Pensões, verbalmente e via Centro de Formação, a negação da entrega de tais boletins e com a informação de que fora revogado o regime de aposentação e sobrevivência.
O que se refere no artº 8º da contestação é que não há registo no FP de que foi requerido o fornecimento dos ditos boletins de inscrição para inscrição no regime de aposentação e sobrevivência. Trata-se, pois, de coisa substancialmente diferente da negação directa do facto alegado, da negação de que tal pedido tenha ocorrido, ao invés correspondendo, isso sim, a alegação de um meio de prova que a recorrida poderia juntar (o registo e do qual não consta o pedido em causa) e para contraprova do que em causa está (justificação da não observância do predito prazo previsto no artº 259º nº 3 do ETAPM).
A inexistência de registo, de resto, considerado onde deve ser considerado, ou seja, no plano probatório, não significa, naturalmente, que o pedido em causa não tivesse sido feito e negado pelo FP, até porque, segundo cremos e é do senso comum, os pedidos verbais em regra não são registados.
Pelo exposto, com o fundamento que antecede, é tendo por provado o que do artº 2 da p.i consta que, também, alicerçaremos a nossa decisão.
Vejamos então, não olvidando que a Administração moderna é pessoa de bem, devendo actuar na sua relação com os administrados de boa fé e de forma cooperante, tudo em homenagem aos princípios que consubstanciam conquistas civilizacionais e que não podem ser objecto qualquer de retrocesso: princípio da colaboração e boa fé (os funcionários, no exercício da sua actividade, devem colaborar com os administrados, segundo o principio da boa fé, tendo em vista a realização do interesse da comunidade ou de dado cidadão concreto, outrossim visando fomentar a sua participação na realização da actividade administrativa) e princípio da lealdade (a Administração deve agir de forma leal, solidária e cooperante).
Nos termos do artº 259º nº 3 do ETAPM, normativo que é basilar no quadro da presente decisão, “a inscrição é facultativa para os agentes e para o pessoal nomeado em comissão de serviço que não disponha de lugar de origem nos quadros dos serviços públicos, devendo ser requerida até 60 dias a contar da posse ou da assinatura do respectivo instrumento contratual” .
Como resulta da matéria da decisão substancial destes autos, as recorrentes fizeram o seu formal requerimento de inscrição no FP ao abrigo do citado precito, enquanto magistradas estagiárias, para além do prazo nele consignado.
Terá por isso caducado o respectivo direito?
Cremos que não.
Na verdade as recorrentes foram, em face do que supra se considerou como assente, limitadas na sua “vontade de acção” e pela negação de cooperação da Administração, negação essa feita verbalmente via Centro de Formação. Os boletins negados são o instrumento idóneo e necessário à inscrição omitida no prazo supra referido. Sendo negados pela AP não é censurável a omissão em causa sob pena de se poder configurar uma possível situação de “abuso de direito”.
A AP deve proceder de uma forma leal e cooperante quando os meios, para que o administrado pratique um qualquer acto a seu benefício, estão na sua disponibilidade. A AP deve franquear esses meios e deve proceder à idónea informação de como se acede aos mesmos.
Mais, deve fazê-lo de forma ainda mais consistente quando tal lhe é pedido, ainda que entenda que o administrado não tem direito ao que no instrumento requerido vai materializar. Não pode é negar o “meio”, como o fez no caso concreto, com o argumento de que o direito que se pretende fazer valer não assiste ao administrado. Isso é “coisa” para surgir noutro momento e de forma fundamentada.
De resto, no quadro do seu dever de cooperação e lealdade, existindo o direito em causa, como o TSI reconhece que existe, deve ela própria criar as condições materiais e informativas necessárias para que o mesmo seja competente e esclarecidamente exercido pelo administrado. A AP, não se deve olvidar, existe para servir a comunidade e não para se servir, a AP é uma emanação do interesse colectivo enquanto tal (e particular enquanto componente desse interesse colectivo e com ele concordante) e está ao seu serviço.
A experiência comum ou o conhecimento geral diz-nos, pelo aos funcionários públicos, que, nos casos como que viveram as recorrentes, ou seja, início de funções (no caso, exasperantes, exigentes e absorventes), a AP faculta os elementos necessários ao aceso aos direitos que ao administrado funcionário assistem, tudo de resto em observância também daqueles princípios supra aludidos.
Foi isso que o Centro de Formação, exemplarmente, tentou concretizar, ao fazer o pedido verbal referido no artº 2 da P.I., outrossim facultando os elementos necessários à inscrição das recorrentes no regime de previdência dos trabalhadores dos serviços públicos (Lei 8/2006).
Temos, pois, para nós, que a referida negação está, de resto, em coerência com a posição formal da recorrida de que as recorrentes não teriam direito à desejada inscrição, posição verbalizada conforme se refere no artº 2 da p.i. e confirmada pela decisão formal do FP posta em crise nestes autos.
     Portanto, não tendo acesso aos boletins, na nossa óptica não pode ser censurável a omissão das recorridas e quanto ao prazo de inscrição desejado pois, como é regra, tal é formalmente materializado neles, dado que a recorrida reconhece na parte final do artº 8 da contestação ao admitir que afinal o boletins é fornecido.
Na prática, as recorrentes, como já se foi referindo, ficaram impedidas de fazer o pedido no prazo previsto no citado preceito, podendo-se afirmar que a omissão releva de ausência de “vontade acção”, aqui se chamando à colação conceito bem conhecido da teoria geral do negócio jurídico (por conseguinte também dos actos jurídicos).
Mais, ainda menos censurável é a omissão se considerarmos que as recorrentes se encontravam no âmbito de um curso de extrema exigência e exasperação, dado de conhecimento genérico, que, em boa verdade, “coarcta ou limita a disponibilidade” de se pensar ou prever situações para além do que é objecto da referida actividade, em concreto relacionadas com burocracias necessárias à obtenção de benefícios de que não se conhecem os contornos rigorosos, tudo salvo se houver cooperação da AP, de resto como ocorreu em relação ao Centro de Formação conforme vertido no artº 2 da p.i. e em relação à disponibilização dos boletins para inscrição na regime de previdência dos trabalhadores dos serviços públicos.
Destarte não será pela procedência da questão em apreço que o direito das recorrentes não se manterá incólume conforme substancialmente reconhecido pela douta decisão do TSI.
Não procedendo a excepção apreciada, a decisão do TSI opera os seus efeitos na plenitude, ficando esclarecidamente reconhecido o direito das recorrentes em se inscreverem no Fundo de Pensões.
Nessa medida anula-se o acto recorrido do Conselho de Administração do Fundo de Pensões.
Sem custas.
Registe e notifique.”

A questão que se coloca no presente recurso jurisdicional consiste em saber se se verificou a caducidade do direito à inscrição no Fundo de Pensões ao abrigo do n.º 3 do artigo 259.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
Entende a decisão recorrida que não, na medida em que, não tendo as recorridas acesso aos impressos de inscrição, ficaram impedidas de fazer o pedido no prazo previsto no n.º 3 do artigo 259.º do ETAPM, pelo que não é censurável a omissão das recorrentes.
Vejamos.
Preceitua o n.º 3 do artigo 259.º do ETAPM que “a inscrição é facultativa para os agentes e para o pessoal nomeado em comissão de serviço que não disponha de lugar de origem nos quadros dos serviços públicos, devendo aquela ser requerida até 60 dias a contar da posse ou da assinatura do respectivo instrumento contratual.”
Segundo alegam as recorridas (artigo 2.º da petição de recurso), na segunda metade de Junho de 2007, o pessoal do Cofre dos Assuntos de Justiça forneceu às recorridas boletins de inscrição no regime de previdência dos trabalhadores dos serviços públicos.
Entretanto, as recorridas entenderam que, apesar de serem ainda estagiárias do Curso de Formação de Magistrados, a elas devia aplicar-se o regime de aposentação e sobrevivência dos magistrados, pelo que pediram verbalmente ao Fundo de Pensões de Macau, através de colaboração do pessoal do Centro de Formação Jurídica e Judiciária, o fornecimento de impressos de inscrição no regime de aposentação e sobrevivência.
Ainda segundo o alegado pelas recorridas, o Fundo de Pensões deu uma resposta verbal, transmitida através do pessoal do Centro de Formação Jurídica e Judiciária, no sentido de que o pedido não podia ser satisfeito, por o regime de aposentação e sobrevivência já ter sido revogado, não havendo, portanto, impressos a fornecer.
Por parte da entidade recorrida, disse na contestação (artigo 8º) que tendo pesquisado os registos de consultas recebidas pelo Fundo de Pensões durante o ano 2007, neles não constava qualquer assunto relacionado com o fornecimento de impressos de inscrição no regime de aposentação e sobrevivência e apresentado pelo pessoal do Centro de Formação Jurídica e Judiciária.
Mais disse que a inscrição no regime de aposentação e sobrevivência era facultativa, e não havia impressos oficiais para o efeito, quando muito existiam no site do Fundo de Pensões minutas de declaração para servir como referência.
Segundo o disposto no artigo 54.º do CPAC, a falta de contestação ou de impugnação implica a confissão dos factos alegados, salvo aqueles que estejam em manifesta oposição com a defesa considerada no seu conjunto.
Em bom rigor, face à posição assumida pela entidade recorrida na contestação, negando, nomeadamente, ter recebido do pessoal do Centro de Formação Jurídica e Judiciária quaisquer consultas relacionadas com o fornecimento de impressos de inscrição no regime de aposentação e sobrevivência, somos a entender que não podemos dar como provados os factos acima descritos e alegados pelas recorridas.
E mesmo que se considerasse provada a factualidade de que as recorridas formularam efectivamente pedido verbal dirigido ao Fundo de Pensões, através do pessoal Centro de Formação Jurídica e Judiciária, o tal pedido (fornecimento de impressos de inscrição no regime de aposentação e sobrevivência) também não teria a virtualidade de produzir os efeitos pretendidos pelas recorrentes.
Senão vejamos.
Em primeiro lugar, é bom de ver que o “pedido” a que se alude no artigo 2.º da petição de recurso consiste apenas num pedido de fornecimento de impressos de inscrição, e não pedido de inscrição no Fundo de Pensões. Em nossa modesta opinião, são duas realidades distintas.
Em segundo lugar, dispõe o n.º 1 do artigo 76.º do Código do Procedimento Administrativo que “salvo nos casos em que a lei admite o pedido verbal, o requerimento inicial dos interessados deve ser formulado por escrito…”.
Como observam Lino Ribeiro e José Cândido de Pinho1, “todo o requerimento deve ser escrito (…), só nos casos em que lei especial a admita é que o recorrente se poderá socorrer da formulação verbal”.
No caso vertente, ainda que se concebesse a existência de algum pedido verbal (de inscrição), mas não tendo aquele sido formulado por escrito, não se poderia considerar iniciada a marcha do procedimento administrativo.
Em terceiro lugar, ao contrário do afirmado na decisão recorrida, não se vislumbra qualquer dificuldade por parte das recorridas na formulação do pedido sob a forma escrita.
Melhor dizendo, e salvo o devido respeito, somos a entender que as recorridas nunca foram impedidas de formular por escrito, em tempo útil e junto do Fundo de Pensões o seu pedido de inscrição no regime de aposentação e sobrevivência.
De facto, podemos verificar que não existe qualquer modelo de impresso próprio e legalmente aprovado para efeitos de inscrição prevista no n.º 3 do artigo 259.º do ETAPM.
Ou seja, para exercer a faculdade prevista nessa disposição legal, basta haver uma simples declaração subscrita pelas recorridas.
Sendo assim, não se pode dizer que houve falha por parte do Fundo de Pensões, na medida em que o pedido de inscrição, a existir, não está dependente do fornecimento de impressos próprios pelo Fundo de Pensões.
Nestes termos, não tendo as recorridas formulado o pedido de inscrição no prazo de 60 dias a contar da posse ou da assinatura do respectivo instrumento contratual, nem que as mesmas foram impedidas de o apresentar em tempo útil, caducado se encontra o direito à inscrição no Fundo de Pensões, ao abrigo do n.º 3 do artigo 259.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
Aqui chegados, concede-se provimento ao recurso jurisdicional, julgando procedente a excepção de caducidade do direito invocada pela entidade recorrida.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso jurisdicional interposta pela entidade recorrida, revogando a decisão recorrida, e confirmando o despacho administrativo impugnado.
Custas pelas recorridas, com taxa de justiça em 6 U.C.
Registe e notifique.
***
RAEM, 24 de Maio de 2018
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
(com declaração de voto vencido)
Fui presente
Joaquim Teixeira de Sousa


Processo nº 397/2015 (recurso jurisdicional do contencioso)
Recorrente: Conselho de Administração do Fundo de Pensões de Macau
Recorridas: Dras. A, B e C

DECLARAÇÃO DE VOTO VENCIDO
  
    Voto vencido o presente acórdão pelas razões seguintes:
I
     Subscrevo inteiramente a posição expendida no douto parecer do Digno. Magistrado do MP e na douta decisão do Tribunal Administrativo (TA), transcrita integralmente no presente acórdão no sentido de manutenção do decidido pelo TA.
II
Ao que fica exposto e justificado no aresto do TA, são ainda acrescentados os seguintes pontos:
1) – Quando foi instado para fornecer impressos para inscrição no fundo, o Fundo de Pensões (FP) respondeu que o regime de aposentação já se encontra revogado e não há formulários para fornecer às recorrentes, nitidamente o FP não agiu conforme aos padrões legais, porque, da forma como foi dada a resposta pelo FP podemos retirar duas consequências importantes:
- O FP sabe claramente que as Recorridas formularam pedidos da inscrição no fundo de pensões e para tal requereram os meios necessários.
- “Alguém” do FP deu uma resposta negativa (“resposta-não”) à pretensão recebida.
2) – Nesta passagem, nitidamente o FP não actuou numa forma conforme aos comandos legais. Pois, ainda que se admita que a pretensão deveria ser formulada por escrito, mas tendo em conta que o FP já recebeu a “declaração” manifestada pelas Recorridas de se inscrever no fundo de pensões, deveria orientá-las nos termos do disposto no artigo 78º do CPA, que dispõe:
1. (…)
2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, devem os órgãos e agentes administrativos procurar suprir as deficiências dos requerimentos de modo a evitar que os interessados sofram prejuízos por virtude de simples irregularidades ou de mera imperfeição na formulação dos seus pedidos.
3. (…).
Este número, lido em conjugação com o princípio da colaboração entre a Administração e os particulares, previsto no artigo 9º do CPA, vale para todas as situações em que à Administração é pedida alguma coisa, independentemente da forma como a pretensão é formulada.
O artigo 9º (princípio da colaboração entre a Administração e os particulares) do CPA estipula:
1. Os órgãos da Administração Pública e os particulares devem actuar em estreita cooperação recíproca, devendo designadamente:
a) Prestar as informações e os esclarecimentos solicitados, desde que não tenham carácter confidencial ou de reserva pessoal;
b) Apoiar e estimular todas as iniciativas socialmente úteis.
2. A Administração Pública é responsável pelas informações prestadas por escrito aos particulares, ainda que não obrigatórias.

3) – Não agindo assim, obviamente o FP não respeitou os normativos acima citados.
4) – Mais, nos termos do disposto no artigo 6º do Regulamento Administrativo nº 16/2006, de 20 de Novembro, o FP é “gerido” por um Conselho de Administração. O que significa que a pretensão das Recorridas devia ser objecto de discussão e deliberação por parte desse mesmo Conselho, enquanto órgão colegial. Para que a “resposta” dada seja válida, exige-se a verificação de certos requisitos, tais por exemplo, a presença de quórum e a votação validamente realizada e a existência de acta respectiva.
A falta desses elementos originaria nulidade dessa “resposta-não” (artigo 122º/1-g) do CPA).
5) - Mesmo na hipótese de que a competência indicada na alínea 5) do nº 1 do artigo 6º do citado Regulamento se encontre delegada na sua Presidente, esta tinha e tem a obrigação de tomar decisão com menção da origem do poder e de fundamentar a sua decisão, por estar em causa um direito fundamental dos trabalhadores da Função Pública. Não tendo agido desta maneira, o FP tem de assumir toda a responsabilidade daí decorrente. Ao fim e ao cabo, os trabalhadores da Administração Pública não deixam de ser trabalhadores normais, e como tal vale o princípio do favor laboratoris em matéria de interpretação das normas respeitantes aos direitos dos trabalhadores.
Eis uma leitura possível.
6) - Uma terceira leitura ainda possível: quando “alguém” deu tal “resposta-não” (facto este que ficou provado nos autos), esse “alguém” está a usurpar de poder ou a competência, por este poder pertencer ao Conselho de Administração ou à sua Presidente, no caso de haver delegação do poder para este efeito. Assim, mais uma causa geradora da nulidade da “resposta-não” dada pelo FP.
7) - Nesta óptica, o que se passa é que o “pedido” das Recorridas continuava a estar pendente, estava à espera da resposta do FP. E, a resposta expressa do FP só veio a dar-se na sequência do “impulso” das Recorridas mediante requerimentos escritos formais. Obviamente o que vale é a resposta expressa! Só que na resposta expressa o FP veio a invocar, entre outras coisas, a caducidade, o que não deixa de espelhar a sua actuação da má fé.
8) – Pergunta-se, então pode entrar em funcionamento aqui a regra de indeferimento ou deferimento tácito da pretensão? Entendemos que não, por estar em causa um direito potestativo (como demonstraremos mais adiante), e, tal direito foi exercido pelas suas titulares mediante declaração de vontade, que chegou à esfera do destinatário.
9) - Com esta pergunta somos levados a ponderar uma outra questão que se prende com a natureza do direito à inscrição no fundo de pensões.
O n.º 3 do artigo 259.º do ETAPM preceitua:
1. (…)
2.
3. A inscrição é facultativa para os agentes e para o pessoal nomeado em comissão de serviço que não disponha de lugar de origem nos quadros dos serviços públicos, devendo aquela ser requerida até 60 dias a contar da posse ou da assinatura do respectivo instrumento contratual.”

10) - Ora este artigo tem de ser interpretado em conjugação com vários diplomas legais que foram produzidos posteriormente, mormente os seguintes:
- A Lei nº8/2006, de 28 de Agosto (Regime de Providência dos Trabalhadores dos Serviços Públicos), quando esta entrou em vigor, os trabalhadores da Administração Pública deixaram de poder inscrever-se no fundo de pensões, salvo os magistrados judiciais e os magistrados do MP, e só eles hoje em dia, que ingressarão nos respectivos quadros, depois da entrada em vigor da Lei citada;
- A Lei nº15/2009, de 3 de Agosto (Disposições Fundamentais do Estatuto do Pessoal de Direcção e Chefia) (artigo 5º, principalmente), conjugada com o artigo 23º do ETAFP, que veio a alterar os regimes de provimento nas funções públicas, estipulando-se que, a partir da entrada em vigor desta lei, a figura de comissão de serviço passa a ser reservada quase exclusivamente para as situações de nomeação do pessoal para os cargos de direcção e chefia.
- Porém, existe uma situação especial, independentemente da natureza do vínculo pessoal em causa com a Administração (ou até sem esse vínculo), que é a dos estagiários que frequentam o curso de formação de magistrados para ingresso no quadro de magistrados judiciais e do MP, ao abrigo do disposto no artigo 8º/1 da Lei nº 13/2001 (Regime do curso e estágio de formação para ingresso nas magistraturas judicial e do Ministério Público), de 20 de Agosto, à luz do qual a frequência do referido estágio é feita em regime de comissão de serviço.
Conclusão que tiramos daqui é que a norma do artigo 259º do ETAFP tem de ser lida de forma correctiva.
11) - A relevância destes novos regimes consiste em permitir a conclusão de que o artigo 259º/3 do ETAFP, quando fala de “pedido”, verdadeiramente é apenas uma declaração de vontade!
12) - Porque, aos magistrados não é fornecida nenhuma opção em termos de regime de reforma e pensões, nesta óptica, qualificamos esse direito à inscrição no fundo de pensões como um direito potestativo, que nem sequer a Administração pode negar o seu exercício, quando o interessado está reunido dos pressupostos legalmente fixados e basta assim declarar a sua vontade (de inscrever no fundo de pensões).
Nesta matéria, ensinava o Prof. Baptista Machado:
“(...) Todo o direito potestativo atribui ao respectivo titular um poder jurídico materialmente conformador, isto é, um poder de, por vontade unilateral do seu titular, constutuir, modificar ou extinguir relações jurídicas. Assim, os direitos potestativos podem ser ocnstitutivos, modificativos ou extintivos (J. Baptista Machado, RLJ, 117º-201). É exercido mediante declaração unilateral receptícia e esta declaração é incondicional, uma vez feita e recebida esta mesma declaração a situação fica perfeitamente definitiva e, mais ainda, a alteração jurídica consuma-se (ob. cit., 206). Este direito consuma-se pelo seu próprio exercício (ob. cit., 207).”
13) – Note-se, ainda que o que está em causa é matéria de providência social, de regalias para reforma, de garantias sociais, e não para agora já, mas sim para certos anos de tempo de serviços depois, ou seja, tratando-se de matérias situadas no domínio de direitos das pessoas, as normas reguladoras devem ser interpretadas no seu sentido mais amplo possível, isso por um lado; por outro, o legislador sabe que, uma vez ingressados no quadro de magistrados, a estes não resta nenhuma outra alternativa senão a de inscrição no fundo de pensões, única saída e única opção (em bom rigor, não há opção!), será que o legislador, ainda nesta situação “potestativa”, obrigaria que os estagiários se inscrevessem primeiro na providência social somente para 2 anos e só para “experimentar” este regime? Uma coisa ilógica!
14) - O contra-argumento não vale, ou seja, para contrariar o nosso ponto de vista, invoca-se o argumento de que o período de estágio é um período transitório, não se sabe se os estagiários conseguem acabar o estágio com aproveitamento (de estudo) ou não (e consequentemente nomeados ou não para magistrados), então obriga-se que os estagiários optem primeiro pela providência social. É um argumento nulo, por, mesmo antes de criar o regime de providência social, os funcionários de nomeação provisória estavam também numa situação temporária, não se sabia, se após um ano de serviço, se eles viriam a ser nomeados definitivamente ou não! Situação quase idêntica à dos estagiários ! É de ver que este contra-argumento não valia nem vale hoje em dia.
15) – Nesta óptica, podemos afirmar com toda a segurança de que, quando foi pensado o regime de providência social, o legislador não chegou a pensar a situação dos estagiários, como tal cabe agora ao aplicador de direito tirar das normas aplicáveis o sentido lógico, sistemático, correcto e adequado à situação em apreço, tendo em conta todas as circunstâncias concretas rodeadas do caso e em conjugação com todos os princípios disciplinadores da matéria em discussão.
III
Nestes termos, salvo o merecido respeito, entendo que deve ser mantida a decisão do TA pelos fundamentos acima produzidos, negando-se provimento ao recurso interposto pelo FP.

RAEM, aos 24 de Maio de 2018.
Segundo Juiz-Adjunto

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Fong Man Chong

1 Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, FM e SAFP, pág. 437
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Recurso Jurisdicional 397/2015 Página 26