卷宗編號:945/2017
(對澳門以外地方之法院或仲裁員所作裁判之審查案)
日期:2018年5月3日
主旨:離婚裁判之審查及確認
裁 判 要 旨
一. 對澳門以外法院裁判須符合澳門《民事訴訟法典》第1200條所列之各項要件,其中a及f項所述之內容由法院依職權作出認定(見同一法典第1204條)。
二. 如卷宗所載資料,或因履行審判職務獲悉其中存在不符合上引第1200條b, c, d及e項一要件之事宜,法院不應確認有關裁判。
三. 由於澳門《民法典》第1635條亦允許訴訟離婚,故澳門以外的法院作出之離婚判決並不違反澳門法律體系之基本原則,亦無侵犯澳門特地區之公共秩序。
四. 對於訴訟離婚作出之判決之確認,本法院無需作實體審查。
五. 在符合澳門《民事訴訟法典》第1200條規定之的情況下,對由葡萄牙Vila Real法院作出之離婚判決應予與確認。
裁判書製作法官
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馮 文 莊
Processo n.º 945/2017
(Revisão de Sentença do Exterior de Macau)
Data : 3/Maio/2018
Requerente : A
Requerida : B
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ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I – RELATÓRIO
A, Requerente, de nacionalidade chinesa, identificada nos autos, vem nos termos dos artigos 1199º e seguintes do CPC propor ACÇÃO DE REVISÃO E CONFIRMAÇÃO DE SENTENÇA PROFERIDA POR TRIBUNAIS DO EXTERIOR DE MACAU contra,
B, Requerida, identificada nos autos, o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:
1. Por sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Vila Real (Extinto) em Portugal, em 12/12/2011, foi decretado o divórcio entre os aqui requerente e requerida (Doc. 1)
2. Decisão Judicial essa que foi notificada.
3. Sendo que o referido divórcio proveio de demanda da requerida contra o requerente, que, aliás, não apresentou qualquer contestação (vide Doc. 1).
4. Muito embora o aqui requerente tivesse sido devida e regularmente citado (vide Doc. 1).
5. Da decisão que decretou o divórcio não foi interposto qualquer recurso, pelo que a mesma transitou em julgado em 21/1/2012 (vide Doc. 1).
6. A mencionada sentença consta de documento cuja autencidade e inteligência não deve haver dúvidas, provém de tribunal competente, não pode ser objecto de excepções, não contém decisão contrária aos princípios da ordem pública e não ofende as disposições do direito privado da RAEM (cfr. artigo 1200° do CPC)
7. É competente o Tribunal de Segunda Instância, salvo o devido respeito, para apreciação do presente pedido, atento o disposto no artigo 36°, alínea 13) da Lei de Bases da Organização Judiciária.
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Foi oportunamente citada a Requerida, que não deduziu qualquer oposição.
O Digno. Magistrado do Ministério Público pronuncia-se no sentido de não se vislumbrar obstáculo à revisão em causa.
Foram colhidos os vistos legais.
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II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é o competente internacionalmente, em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, dispondo de legitimidade ad causam.
Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
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III - FACTOS
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes (conforme o teor da sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Vila Real, Portugal, Processo n.º 491/09.4TBVRL – divórcio sem consentimento do outro cônjuge):
1. A Autora e o Réu casaram no dia 12 de Novembro de 1989, com convenção antenupcial, na Paróquia de Nossa Senhora de Fátima, concelho de Macau.
2. A Autora e o Réu têm 3 filhos menores, C, nascida em Macau, em 15de Dezembro de 1990, D, nascida em Macau, em 22 de Dezembro de 1991 e E, nascido na freguesia de Lordelo, concelho de Vila Real, em 11 de Novembro de 2000.
3. A Autora e o Réu são proprietários do Prédio Urbano sito na XXXX, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real sob o número XXX, a qual é a casa de morada de família e cujo uso a Autora já requer que lhe seja atribuído.
4. Uma vez que nela habita com os filhos do casal, não tendo outra residência, e sendo certo que o Réu dela não necessita uma vez que tem residência em Macau.
5. A Autora e o Réu, vivem separados desde Outubro de 2003, data em que o Réu decidiu regressar a Macau, onde ficou por largo período, tendo feito uma primeira visita a Portugal para ver os filhos apenas em Abril de 2006, ou seja 2 anos e meio depois da separação.
6. Nessa altura foi evidente para o casal que não retomariam a vida conjugal, decisão que tomaram, em face da deterioração da relação, tendo o Réu após essa visita regressado novamente a Macau.
7. Cerca de 2 anos depois, o réu esteve novamente em Portugal, em Julho de 2008, mais uma vez para ver os filhos, regressando em seguida a Macau, mantendo-se a separação do casal.
8. Desde aquela altura que entre A Autora e o Réu inexiste comunhão de leito, não partilham refeições, nem quaisquer outras actividades familiares, não dividem rendimentos nem despesas, vivendo vidas completamente separadas.
9. Nas duas únicas visitas que o Réu fez a Portugal desde 2003 (Abril 2006 e Julho 2008), fê-lo exclusivamente com o intuito de ver os filhos, não havendo da sua parte nem da da autora qualquer intenção de retomar a vida conjugal.
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O Direito Aplicável:
- De harmonia com o disposto no artigo 1781 al. a) do C. Civil, na redacção da lei n.º 61/2008, de 31-10, é fundamento do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges a separação de facto por um ano consecutivo.
- De harmonia com o disposto no artigo 1782°, n.º 1 do Código Civil, há separação de facto, quando não existe comunhão de vida entre os cônjuges e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer.
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Compulsada a matéria de facto dada por assente constata-se que na presente acção se verificam os pressupostos para o decretamento do divórcio com base na separação de facto, porquanto autora e réu encontram-se separados de facto desde Outubro de 2003, não existindo entre autor e réu qualquer comunhão de vida, desde casa, cama, habitação, bem como não existe o propósito por parte da autora de restabelecer a vida em comum com o réu.
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Atento o facto da A. viver com os filhos na casa de morada de família não tendo outra residência será de atribuir o uso da mesma à autora.
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Atento todo o exposto profere-se a seguinte:
DECISÃO
Julga-se a presente acção procedente e decreta-se o divórcio entre B e A, declarando-se, em consequência, dissolvido o casamento que existe entre autora e réu.
Atribui-se o uso da casa de morada de família à Autora, até à partilha dos bens.
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Custas pelo Autora e Réu, na mesma proporção, atento o facto do divórcio na separação de facto.
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Registe, notifique e, oportunamente, dê cumprimento ao disposto nos artigos 78° e 79°, nºs 1 e 2 do Código de Registo Civil.
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III - FUNDAMENTOS
1. O objecto da presente acção é a revisão de sentença proferida em processo de divórcio pelo Tribunal Judicial de Vila Real, Portugal, de forma a produzir aqui eficácia. A decisão do objecto passa necessariamente pela análise das seguintes questões:
- Requisitos formais necessários para a confirmação;
- Colisão ou não com matéria da exclusiva competência dos Tribunais de Macau;
- Compatibilidade com a ordem pública;
2. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Com o Código de Processo Civil (CPC) de 1999, o designado privilégio da nacionalidade ou da residência - aplicação das disposições de direito privado local, quando este tivesse competência segundo o sistema das regras de conflitos do ordenamento interno - constante da anterior al. g) do artigo 1096º do CPC, deixou de ser considerado um requisito necessário, passando a ser configurado como mero obstáculo ao reconhecimento, sendo a sua invocação reservada à iniciativa da parte interessada, se residente em Macau, nos termos do artigo 1202º, nº2 do CPC.
A diferença, neste particular, reside, pois, no facto de que agora é a parte interessada que deve suscitar a questão do tratamento desigual no foro exterior à RAEM, facilitando-se assim a revisão e a confirmação das decisões proferidas pelas autoridades estrangeiras, respeitando a soberania das outras jurisdições, salvaguardando apenas um núcleo formado pelas matérias da competência exclusiva dos tribunais de Macau e de conformidade com a ordem pública.
Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade1, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.
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3. Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Autenticidade e inteligibilidade da decisão.
Parece não haver dúvidas de que se trata de um documento autêntico devidamente selado, certificando-se uma decisão judicial, proferida em 12/12/2011 (que transitou em julgado em 31/01/2012) pelo Tribunal Judicial de Vila Real, Portugal, num processo de divórcio litigioso, proposto pela Requerida contra o seu marido, ora Requerente, por ruptura conjugal e impossibilidade de recuperação do convívio e harmonia entre o casal, em particular no que respeita à parte decisória - dissolução do casamento -, sendo certo que é esta que deve relevar.2
4. Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, dispõe o artigo 1204º do CPC:
“O tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito”.
Tal entendimento já existia no domínio do Código anterior3, entendendo-se que, quanto àqueles requisitos, geralmente, bastaria ao requerente a sua invocação, ficando dispensado de fazer a sua prova positiva e directa, já que os mesmos se presumiam4.
É este, igualmente, o entendimento que tem sido seguido pela Jurisprudência de Macau.5
Ora, nada resulta dos autos ou do conhecimento oficioso do Tribunal, no sentido da não verificação desses requisitos que assim se têm por presumidos.
5. Já a matéria da competência exclusiva dos Tribunais de Macau está sujeita a indagação, implicando uma análise em função do teor da decisão revidenda, à luz, nomeadamente, do que dispõe o artigo 20º do CC:
“A competência dos tribunais de Macau é exclusiva para apreciar:
a) As acções relativas a direitos reais sobre imóveis situados em Macau
b) As acções destinadas a declarar a falência ou a insolvência de pessoas colectivas cuja sede se encontre em Macau.”
Ora, facilmente se observa que nenhuma das situações contempladas neste preceito colide com o caso sub judice, tratando-se aqui da revisão de um divórcio requerido apenas por um dos cônjuges e não contestado pela outra parte.
6. Da ordem pública.
Não se deixa de ter presente a referência à ordem pública, a que alude o art. 273º, nº2 do C. Civil, no direito interno, como aquele conjunto de “normas e princípios jurídicos absolutamente imperativos que formam os quadros fundamentais do sistema, pelo que são, como tais, inderrogáveis pela vontade dos indivíduos.”6
E se a ordem pública interna restringe a liberdade individual, a ordem pública internacional ou externa limita a aplicabilidade das leis exteriores a Macau, sendo esta última que relevará para a análise da questão.
No caso em apreço, em que se pretende confirmar a sentença que decretou o divórcio entre o ora requerente e a sua ex-esposa, não se vislumbra que haja qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública de Macau.
Aliás, sempre se realça que o nosso direito substantivo prevê a possibilidade de divórcio, quando o casamento chegou a um ponto em que já não é possível continuar, por comprovada intenção, munida por um ou dois, de dissolução da sociedade conjugal
Observa-se que a casa de morada da família foi entregue à Requerida e os bens a partilhar serão feitos noutro processo, conforme o que consta da sentença, objecto do pedido de revisão.
O pedido de confirmação de sentença do Exterior de Macau não deixará, pois, de ser procedente.
Tudo visto, resta decidir.
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V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em conceder a revisão e confirmação à decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Vila Real (Extinto) no Processo n.º 491/09.4TBVRL, em 12 de Dezembro de 2011 (que transitou em julgado em 31/01/2012), que decretou o divórcio entre o Requerente A e a Requerida B.
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Custas pelo Requerente.
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Registe e Notifique.
RAEM, 3 de Maio de 2018.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 - Alberto dos Reis, Processos Especiais, 2º, 141; Proc. nº 104/2002 do TSI, de 7/Nov/2002
2 - Ac. STJ de 21/12/65, BMJ 152, 155
3 - cfr. artigo 1101º do CPC pré-vigente
4 - Alberto dos Reis, ob. cit., 163 e Acs do STJ de 11/2/66, BMJ, 154-278 e de 24/10/69, BMJ, 190-275
5 - cfr. Ac. TSJ de 25/2/98, CJ, 1998, I, 118 e jurisprudência aí citada, Ac. TSI de 27/7/2000, CJ 2000, II, 82, 15/2/2000, CJ 2001, I, 170, de 24/5/2001, CJ 2001, I, 263 de 11/4/2002, proc. 134/2002 de 24/4/2002, entre outros
6 -João Baptista Machado, Lições de DIP, 1992, 254
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2017-945-Revisão-Sentença Estrangeira 11