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Processo nº 1125/2017
(Autos de recurso cível)

Data: 3/Maio/2018

Recorrente:
- A(Autora)

Recorrida:
- B Limitada (Ré)

Objecto do recurso:
- Despacho que determinou a suspensão da instância

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
Corre termos no Tribunal Judicial de Base uma acção declarativa comum sob a forma de processo ordinária, em que é Autora A e Ré B Limitada.
Foi pedida pela Ré a suspensão da instância, e foi deferido o pedido.
Inconformada, interpôs a Autora recurso ordinário para este Tribunal, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“I. Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido pelo Tribunal Judicial de Base a fls. 503 a 505 dos autos, que determinou a suspensão da instância até trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida no Recurso Contencioso que corre termos no Tribunal de Segunda Instância sob o n.º 179/2016.
II. Nos presentes autos não se verifica uma causa prejudicial – a decisão desta causa não está parcialmente dependente da que venha a ser proferida no Recurso Contencioso supra identificado, conditio sine qua non para que a suspensão da presente acção possa ser decretada, como efectivamente foi.
III. O Tribunal a quo incorre em erro na aplicação do direito, por violação e incorrecta aplicação das normas jurídicas que servem de fundamento à decisão recorrida, mormente o disposto no n.º 1 do artigo 223º do CPC.
IV. A decisão da presente acção não está dependente do julgamento de nenhuma outra acção já proposta, qual seja da decisão que venha a ser proferida no Recurso Contencioso que corre termos no Tribunal de Segunda Instância sob o n.º 179/2016.
V. A decisão do Exmo. Senhor Chefe do Executivo é uma decisão administrativa.
VI. As decisões administrativas não transitam em julgado, pela elementar razão de que não resultam de um julgamento.
VII. Não se trata de uma questão de mera semântica, pois a Ré pretendia usar a linguagem processual para a decisão administrativa com o intuito de distrair o intérprete do essencial: a eficácia ou ineficácia imediata de decisão.
VIII. Essa decisão de declaração de caducidade é definitiva e executória, facto que não é controvertido.
IX. A Ré na sua contestação não impugnou a decisão nos tribunais administrativos.
X. Sendo a decisão definitiva e executória, é imediatamente eficaz, como resulta do disposto no artigo 22º do Código do Processo Administrativo Contencioso, e essa eficácia só pode ser suspensa mediante procedimento judicial próprio, qual seja, o pedido de suspensão de eficácia do acto.
XI. A Ré reconhece que o seu pedido de suspensão de eficácia foi alvo de uma decisão do indeferimento, o que significa que os Tribunais da RAEM ainda não emitiram nenhuma decisão que suspendesse essa eficácia.
XII. A decisão foi, é, e nunca deixou de o ser, eficaz.
XIII. A declaração de caducidade da concessão em causa produziu os seus efeitos na ordem jurídica, efeitos que nunca deixaram de se verificar por via de qualquer decisão judicial.
XIV. A concessão, para todos os efeitos jurídicos, caducou!
XV. Não se verifica nenhum nexo de prejudicialidade entre os presentes autos e os aludidos autos de impugnação contenciosa administrativa promovidos pela Ré, ora Recorrida.
XVI. Não existe nenhuma dependência da presente acção com as acções administrativas (recursos ou acções em sentido próprio) interpostas ou propostas pela Ré, ora Recorrida.
XVII. O desfecho do referido Recurso Contencioso não se reflecte no objecto da presente acção, nem o condiciona.
XVIII. A decisão de mérito que nestes autos vier a ser tomada é totalmente independente e autónoma daquela que virá a ser proferida nesse Recurso Contencioso.
XIX. Sendo eficaz a declaração de caducidade na ordem jurídica, torna-se automática, objectiva e definitivamente impossível a prestação da Ré, ora Recorrida, no âmbito da relação material controvertida nos presentes autos, por culpa exclusiva daquela.
XX. Pelo que não se verifica qualquer fundamento para que seja decretada a suspensão da instância nos presentes autos,
XXI. Nos processos que correm termos nesse Tribunal sob o n.ºs CV2-16-0061-CAO, CV2-16-0060-CAO, CV2-16-0063-CAO e CV1-16-0055-CAO, em tudo semelhantes aos presentes autos, com pedidos e causas de pedir idênticas, este douto Tribunal a quo indeferiu a suspensão das respectivas instâncias, que havia sido requerida pelo Ré, ora Recorrida.
XXII. É inequívoco que a decisão desta acção não está parcialmente dependente da que venha a ser proferida no Recurso Contencioso que corre termos no Tribunal de Segunda Instância sob o n.º 179/2016, não se verificando nenhuma causa prejudicial.
Neste termos e nos demais de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente Recurso nos termos supra explanados, revogando-se a douta decisão recorrida e, em consequência, ser substituída por outra douta decisão que indefira a requerida suspensão da presente instância.
Assim fazendo V. Exas. A costumada JUSTIÇA!”
*
Devidamente notificada, ofereceu a Ré contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:
“1. O Venerando Tribunal de Segunda Instância (TSI) já se pronunciou sobre a questão em discussão no presente Recurso através dos doutos Acórdãos proferidos no âmbito do Proc. N.º 610/2017 e no âmbito do Proc. n.º 615/2017, ambos de 28/09/2017.
2. Com efeito, de acordo com a douta lição de ambos os acórdãos, as acções ali intentadas em primeira instância contra a Recorrida – e que são fundamentalmente idênticas à presente acção – dependem da decisão a proferir no Recurso Contencioso de Anulação n.º 179/2016, podendo tal decisão destruir o fundamento dessas acções ordinárias.
3. Por isso, decidiu o TSI decretar a suspensão de tais acções enquanto não transitar em julgado a decisão a proferir no âmbito do Recurso Contencioso.
4. Efectivamente, neste processo, a Autora ora Recorrente pretende que seja declarado resolvido o contrato-promessa celebrado com a Ré ora Recorrida e que, consequentemente, esta seja obrigada a indemnizá-la, pagando o sinal recebido em dobro e restituindo-lhe tudo o que recebeu em execução do contrato-promessa.
5. Como causa de pedir, alega, desde logo, a existência de uma impossibilidade de cumprimento definitivo e culposo do contrato-promessa: no seu entendimento, o cumprimento deste acordo tornou-se impossível por causa imputável à Ré, que não concluiu no prazo acordado o aproveitamento do terreno em causa, originando a declaração de caducidade da concessão e a reversão desse terreno para a RAEM, decretadas pelo Despacho do Chefe do Executivo de 26 de Janeiro de 2016.
6. Neste quadro, constitui um facto constitutivo determinante da situação jurídica que a Recorrente pretende fazer valer em primeira instância a perda da disponibilidade jurídica da Recorrida sobre o terreno onde a fracção a adquirir iria ser edificada, efeito produzido pelo referido Despacho do Chefe do Executivo.
7. Sendo também facto integrante da causa de pedir a imputabilidade desse efeito jurídico a uma conduta culposa da Recorrida, que, no entendimento da Recorrente, deu causa à declaração de caducidade da concessão, ao não cumprir, por responsabilidade sua, o prazo de aproveitamento do terreno fixado no contrato.
8. Ora, a esta luz, tendo em conta a pretensão deduzida neste processo e a causa de pedir em que tal pretensão se funda, é evidente a existência de um nexo de prejudicialidade entre a presente acção e o recurso contencioso de anulação em que se impugna o Despacho do Chefe do Executivo de 26 de Janeiro de 2016 (recurso que corre termos no TSI com o n.º 179/2016).
9. Com efeito, a procedência deste recurso contencioso, eliminando da ordem jurídica o acto administrativo que produziu o efeito extintivo da relação contratual em apreço, é susceptível de “destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda”, integrando-se, assim, naquela que é a definição típica de uma situação de prejudicialidade.
10. Como resulta pacífico na jurisprudência, “sempre que numa acção se ataca ou acto ou facto jurídico que é pressuposto necessário de outra acção”, “aquela será prejudicial em relação a esta” (cfr. Acórdãos do STJ de 30/04/2002 (Proc. n.º 02A323) e de 13/11/2008 (Proc. n.º 08B3526)).
11. É exactamente isso o que sucede no caso em apreço: a declaração de caducidade da concessão é o pressuposto central da presente acção; ora, se esse acto jurídico, que não está ainda consolidado na ordem jurídica, é objecto de uma acção impugnatória que está pendente, então esta acção será necessariamente causa prejudicial em relação àquela.
12. A virtualidade de uma efectiva e real influência desse recurso neste litígio resulta ainda da circunstância de a Recorrente invocar, como fundamento constitutivo da sua causa de pedir, a imputabilidade à Ré da pretensa impossibilidade de cumprimento, o que constitui uma das questões em apreciação no recurso contencioso de anulação.
13. A suspensão da instância também não será de recusar mesmo quando a Recorrente invoca, como fundamento subsidiário da pretensão de resolução do contrato-promessa e condenação da Ré no pagamento de uma indemnização, a perda do interesse na prestação, com base uma alegada situação de mora culposa, imputável à Recorrida.
14. Efectivamente, a perda de interesse é uma figura que permite a conversão da mora culposa em incumprimento definitivo, passando o devedor a estar sujeito às consequências desse incumprimento.
15. Assim, ressalvada diversa opinião, no caso em apreço, para que um (pretenso) atraso no cumprimento do contrato-promessa fosse imputável à Ré era necessário que o atraso na execução do edifício a implementar no Lote “P” lhe fosse censurável, resultando do seu comportamento – só nesse caso se poderia concluir haver uma situação de mora que poderia ser convertida em incumprimento definitivo por perda do interesse do credor.
16. Ora, como se referiu, uma das questões em apreciação no recurso contencioso de anulação – e que compete à jurisdição administrativa dirimir – é exactamente a de saber se a não conclusão do aproveitamento no prazo fixado resultou da conduta da Ré ou, ao invés, se ficou a dever à actuação da RAEM.
17. Assim, a apreciação de tal recurso tem, pois, uma efectiva e real influência na configuração de um pressuposto em que assenta, de forma decisiva, a alegação subsidiária da perda de interesse na prestação.
18. Acresce que, mesmo que não se reconhecesse essa relação de prejudicialidade – o que só por mera cautela de patrocínio se admite – nunca poderia este Tribunal julgar a presente acção limitando-se a apreciar o fundamento subsidiário da causa de pedir.
19. A causa de pedir subsidiária serve para fundar a pretensão da Recorrente quando a causa de pedir principal não proceda; ela não serve para fundar uma decisão judicial quando a causa de pedir principal esteja dependente do julgamento de um outro processo já proposto, por forma a evitar uma suspensão de instância que, nessas circunstâncias, se impõe.
20. Assim o relembram as doutas lições dos dois Acórdãos de 28/09/2017 proferidos por esse Venerando TSI que supra se referem.
21. Em suma, estão verificados os pressupostos para a suspensão da instância por verificação de uma causa prejudicial, suspensão essa que não só se justifica como se impõe, tendo em conta a intensidade que assume no caso a relação de prejudicialidade entre os dois processos.
Nestes termos e nos mais de direito aplicável, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser negado provimento ao presente Recurso e confirmada a douta decisão recorrida assim se fazendo, serenamente, Justiça.”
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Está provada a seguinte factualidade com relevância para a decisão do recurso:
Por despacho n.º 160/SATOP/90, publicado no 2.º Suplemento ao n.º 52 do Boletim Oficial de 26 de Dezembro de 1990, foi concedido à B Limitada um terreno designado por lote “P”, na zona de aterros da Areia Preta.
O contrato de concessão foi revisto através do despacho n.º 19/2006, publicado na II Série do Boletim Oficial n.º 9, de 1 de Março de 2006.
O prazo acordado para a concessão foi de 25 anos contados a partir de 26/12/1990.
C prometeu comprar à B Limitada a fracção habitacional 17.º andar “C” do edifício “XXX”, e esta lha prometeu vender, através de contrato-promessa de 7/3/2011.
Por acordo de 6.1.2015, a Autora, C e a sua mulher celebraram um contrato denominado “Contrato de Cessão da Posição Contratual no Contrato-Promessa de Compra e Venda”, pelo qual a Autora adquiriu a posição contratual então detida por C no aludido contrato-promessa.
O Chefe do Executivo, por despacho de 26/1/2016, declarou a caducidade da concessão do referido terreno por ter decorrido o prazo de 25 anos da concessão sem a recorrente ter realizado as obras a que se comprometeu contratualmente.
Contra tal despacho foi apresentado no TSI um recurso contencioso com o Processo n.º 179/2016, encontrando-se este actualmente pendente de recurso jurisdicional no TUI.
Pelo Tribunal a quo foi proferida a seguinte decisão recorrida:
“Da questão prévia ao saneamento e preparação do processo para julgamento – pendência de causa prejudicial:
A intentou contra B, LIMITADA a presente acção declarativa, sob a forma ordinária com base nos seguintes factos e argumentos (que se discriminam para melhor compreensão da questão sub judice):
- em 7 de Março de 2011, C e a Ré celebraram um contrato-promessa de compra e venda que recaiu sobre a fracção autónoma designada pela letra “17C”, correspondente ao 17º andar C, do Edifício em construção denominado “XXX”, sito na Areia Preta, s/n, Lote P, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número XXXXX-IX;
- o preço acordado no mencionado contrato foi de HKD$5.365.000,00, que já foi pago integralmente à Ré;
- no dia 6 de Janeiro de 2015, a Autora, C e a sua mulher celebraram um contrato denominado “Contrato de Cessão da Posição Contratual no Contrato-Promessa de Compra e Venda”, pelo qual a Autora adquiriu a posição contratual então detida por C no aludido contrato-promessa, cessão essa em que a Ré interveio e à qual deu a sua autorização;
- por decisão de Sua Excelência, o Chefe do Executivo da RAEM, de 26 de Janeiro de 2016, publicitada pelo Despacho do STOP n.º 6/2016, foi declarada a caducidade da concessão do terreno denominado lote P para o edifício denominado “XXX” por ter findado o prazo da concessão (25 de Dezembro de 2015);
- decorre da referida declaração de caducidade que a Ré ficou e está impossibilitada objectivamente, por culpa sua, de cumprir o contrato-promessa de compra e venda supra referido, celebrado com a Autora;
- por carta de 5 de Julho de 2016, face à impossibilidade definitiva da celebração da compra e venda prometida, por causa imputável à Ré, a Autora interpelou a Ré para que esta lhe pagasse, no prazo de 7 dias a contar da recepção;
- o montante de HKD$10.730.000,00 correspondente ao sinal de HKD$5.365.000,00, acrescido de igual montante;
- o montante de HKD$147.893,00, pago a título de imposto de selo;
- a Ré bem sabia que tinha de envidar todos os esforços para que o Governo não declarasse a caducidade da concessão pelo decurso do prazo, sem que tenha havido aproveitamento por culpa da Ré, como veio a acontecer:
- a Ré não logrou manter válida a referida concessão, impossibilitando dessa forma a declaração da escritura de compra e venda prometida, e não cumpriu o que era seu ónus, para poder realizar a prestação a que se obrigou no âmbito do contrato-promessa que celebrou com a Autora;
- o objecto do contrato-promessa só seria possível se a concessão se mantivesse válida.
Com base nesta materialidade, a Autora pede que seja declarado resolvido o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre a Autora, enquanto cessionária da posição contratual, e a Ré em 7 de Março de 2011, em virtude da impossibilidade de cumprimento definitiva e culposa por parte da Ré ou, subsidiariamente, com fundamento em perda do interesse da Autora em consequência da mora culposa da Ré.
Na contestação, a Ré requereu que a presente acção seja suspensa, ao abrigo do artigo 223º do Código de Processo Civil, pelo facto de ter impugnado a aludida decisão administrativa – de declaração de caducidade da concessão do terreno denominado lote P para o edifício denominado “XXX” – através da instauração de um pedido de suspensão de eficácia do acto administrativo em questão e da interposição de um Recurso contencioso de anulação tendo por objecto esse mesmo acto, processo administrativo que corre termos sob o n.º 179/2016.
Cumpre decidir, sendo certo que se coloca, com acuidade, a questão suscitada pela Ré – de esta causa estar parcialmente dependente da decisão que venha a ser tomada no Recurso administrativo supra identificado.
É inegável que a Autora consubstancia a presente causa no facto de ter sido declarada a caducidade da concessão do terreno onde iria ser construído o edifício “XXX”. Como a mesma sustenta em várias passagens da sua petição inicial decorre da referida declaração de caducidade que a Ré ficou e está impossibilitada objectivamente, por culpa sua, de cumprir o contrato-promessa de compra e venda supra referido, celebrado com a Autora, assacando da Ré a responsabilidade de não ter envidado todos os esforços para que o Governo não declarasse a caducidade da concessão pelo decurso do prazo, concluindo que o objecto do contrato-promessa só seria possível se a concessão se mantivesse válida.
Ora, se a decisão de declaração de caducidade foi objecto de um Recurso contencioso de anulação, que se encontra pendente, não pode a Autora, salvo o devido respeito pela posição que assume, concluir que essa decisão é definitiva (no sentido de não poder ser revertida), embora seja imediatamente eficaz (executória), tendo em consideração o pedido de suspensão de eficácia do acto administrativo foi rejeitado por decisão já transitada em julgado.
Não vislumbramos qualquer razão plausível para afastar, à partida, a possibilidade de a Ré vir a obter vencimento no aludido recurso contencioso da anulação e que, em face desse vencimento, com a anulação do acto em questão, lhe seja permitido prorrogar o prazo de concessão e de aproveitamento do terreno e, consequentemente, retomar a construção do Edifício “XXX”, incluindo a construção da fracção autónoma objecto do contrato-promessa de compra e venda.
A verdade é que se o acto for anulado, a Autora perde a sua causa e pedir principal e este Tribunal não pode seleccionar e levar a julgamento factos que já estão a ser apreciados noutra jurisdição.
Concordamos, pois, com a Ré quando afirma que o desfecho do recurso contencioso de anulação se reflecte directamente no objecto da presente acção e condiciona, prejudicando em parte, a decisão que nestes autos possa vir a ser tomada quanto à sua pretensão.
Dispõe o artigo 223º, n.º 1 do Código de Processo Civil que “O tribunal poderá ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”.
Como refere o Prof. Alberto dos Reis (in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, Coimbra Ed. 1946, pág. 232) quando a suspensão se produz jussu judicis é ao magistrado que compete emitir juízo sobre o facto ou evento material e decidir, se em vista dele, deve ou não mandar suspender a instância.
E deverá fazê-lo quando esteja perante uma situação em que a decisão da causa que está a apreciar dependa, no todo ou em parte, da existência ou inexistência de uma relação jurídica que constitua também o objecto de outra causa pendente. Perante esta situação torna-se conveniente aguardar que essa causa seja decidida, uma vez que a decisão da primeira acção poderá destruir os fundamentos ou a razão de ser da segunda e, neste caso, impedir mesmo que se profira uma decisão de mérito.
Por tudo o que se deixa dito, julgamos que a decisão desta acção é parcialmente dependente da que venha a ser proferida no Recurso administrativo n.º 179/2016 do Tribunal de Segunda Instância pelo que determino a sua suspensão até ao trânsito em julgado da decisão que seja proferida naquele outro processo.
Notifique.”
*
Por razões de economia processual, socorremo-nos do que este TSI já afirmou no âmbito do Processo nº 610/2017, nos seguintes termos transcritos:
“Na verdade, o TJB considerou que a invocada perda de interesse por parte da autora não carece do desfecho de qualquer das pretensões judiciais nos processos de recurso contencioso e de suspensão de eficácia.
Quanto a este aspecto, a decisão recorrida está certíssima. Efectivamente, face à razão trazida a terreiro pela autora, a perda de interesse radica na circunstância de, durante a sua vida, ela não querer ficar à mercê, nem do tempo - que até pode ser dilatado - que demorará a ser proferida a decisão judicial definitiva, nem da substância desta. Ou seja, a autora entende que a sua tutela jurídico-substantiva não pode ficar dependente das vicissitudes e contingências de um resultado judicial e, portanto, da incerteza acerca do eventual benefício ou adversidade que ela pode trazer-lhe, quer quanto ao momento em que tal vier a suceder, quer quanto aos efeitos substantivos e materiais que a própria decisão pode proporcionar-lhe.
Nada a censurar, pois, em relação a este ponto, uma vez que a perda de interesse por parte da autora é autónoma e não tem que ver com a decisão concreta que venha a ser tomada no âmbito do recurso contencioso, a qual tanto pode vir a ser de procedência, ou de improcedência.
*
2.1 - Já não comungamos da mesma solução quanto ao outro fundamento da causa. E recordemos que ele constitui o principal leitmotiv do petitório.
Note-se, com efeito, que a pretensão da autora da acção assentou principalmente na impossibilidade de cumprimento definitivo por parte da ré e só subsidiariamente na sua perda de interesse.
Portanto, uma vez que o pedido subsidiário se desliga do êxito ou inêxito do recurso, e que, por isso, ele não carece minimamente do resultado da dita causa prejudicial, restará atentar se, quanto ao pedido principal, a pendência do contencioso administrativo constitui, ou não, motivo para a suspensão da instância.
Vejamos.
*
3 – Estamos mais uma vez de acordo com o despacho impugnado, quando assevera que a suspensão por prejudicialidade carece de um juízo de necessidade. Isto é, aceitamos que a suspensão se justifica sempre que a resolução judicial prévia de uma causa (prejudicial) se mostra de todo necessária à sorte da outra (prejudicada). Dito de outro modo, a prejudicialidade importa uma relação de conexão essencial ou dependência de uma causa a outra quanto aos efeitos substantivos que ela pode estender ao litígio instalado entre as partes.
Já, porém não acompanhamos a solução do despacho quanto ao fundamento utilizado para negar a suspensão no caso concreto.
É que, como se sabe, para se apurar da prejudicialidade, uma causa depende da outra, para efeitos do art. 223º, nº 1, do CPC, quando na causa prejudicial se esteja a apreciar uma questão que pode influir decisivamente na outra, ao ponto de interferir na situação jurídica que se discute noutra. É isto mesmo que resulta, entre outros, dos Acs. do TUI de 17/06/2015, Proc. nº 33/15 e, no direito comparado, na magistral doutrina, Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, III, pág. 285. Portanto, desde que a solução dada a uma causa possa ter reflexos ponderosos na decisão a proferir em outra diferente, ou desde que a decisão da primeira possa destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda, sob o ponto de vista do efeito jurídico pretendido, ou possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão de outro pleito, ou quando numa acção se ataca um acto ou um facto jurídico que é pressuposto necessário de outra acção, então o caso é de prejudicialidade (neste sentido, v.g., Ac. do TSI, de 12/07/2012, Proc. nº 326/2011; no direito comparado, Ac. do STJ, de 13/04/2010, Proc. nº 707/09).
Ora, mergulhando rapidamente no caso dos autos, logo perceberemos que a causa de pedir da acção, no que ao pedido principal concerne, está relacionada com uma alegada impossibilidade (material e jurídica) de a ré poder cumprir o contrato-promessa de compra e venda, em virtude de não poder vender aquilo que nunca virá a existir, precisamente por não poder construir o objecto do negócio face à declaração de caducidade da concessão.
Isto é, deste encadeamento de factos e conexões invocados resulta muito claro que, para a autora, jamais a ré poderá celebrar o contrato de compra e venda face ao acto administrativo pressuposto que declara a caducidade da concessão do terreno pelo decurso do prazo geral do contrato da concessão.
Todavia, este raciocínio só estaria certo se o acto administrativo se tivesse já tornado firme. Mas não. Dele foi interposto recurso contencioso, cuja decisão se espera para muito breve nesta instância.
Ora, se no recurso contencioso a ré da acção “B” vier a sair vitoriosa, (em abstracto, é necessário admitir essa possibilidade) desaparece do horizonte o promontório imediato que a autora nesta acção ergueu como motivo para a impossibilidade de cumprimento. Com efeito, se o acto de declaração de caducidade for eliminado da ordem jurídica mediante a sua anulação judicial, fica aberto caminho livre para uma possível (é, pelo menos, em tese o que temos que admitir, hic et nunc, no quadro das mais diversas e plausíveis soluções de direito, sem nos comprometermos com nenhuma em particular) recuperação da situação actual hipotética da ré, que pode ser, admitamo-lo, a manutenção da possibilidade de construir aquilo que até agora não fez, afastando a tese da impossibilidade de cumprimento invocado pela autora na acção.
Neste sentido, estamos sinceramente convencidos de que a solução da referida causa (recurso contencioso) pode contribuir de forma decisiva para o desfecho da presente.
E se é assim que ajuizamos, então o outro argumento utilizado no despacho sob escrutínio - de que a decisão a tomar no âmbito do contencioso administrativo não faz caso julgado no âmbito cível da acção – não serve adequadamente propósitos fundamentantes da decisão a tomar sobre este tema. É que não se pode apelar, com o devido respeito, ao caso julgado, enquanto excepção dilatória, o qual até, como se sabe, pressupõe uma tríplice identidade: de “sujeitos”, “pedido” e “causa de pedir”. Essa é defesa que tem em vista impedir a repetição de uma causa face ao resultado de outra já decidida e, nesse sentido, vem sendo considerada como excepção com uma vertente negativa. Nada disso está em controvérsia.
Mas já pode estar uma outra vertente do caso julgado, que é a sua vertente de autoridade de caso julgado, que é aquela que surge nalguma doutrina e jurisprudência como modo de estender a eficácia do caso julgado onde, em princípio, ela não iria, face aos requisitos sabidos da excepção prevista nos arts. 416º e 417º do CPC (v.g, Viriato Lima, Manual de Direito Processual Civil, 2ª ed., págs. 377-378 e 553-554; Ac. do TSI, de 7/07/2016, Proc. nº 372/2016).
Quer dizer, embora de caso julgado nas sua função negativa se não possa falar da sentença do recurso contencioso em relação à presente acção (até porque lhe falta a imprescindível triangular identidade: partes, pedido e causa de pedir), já é, no entanto, possível invocar nesta a “decisão” que vier a ser definitivamente tomada no recurso contencioso e a sua “autoridade de caso julgado” (função positiva de caso julgado) quanto à razão para a não construção do objecto do contrato de promessa e quanto à eventual possibilidade de ainda construir o empreendimento face à judicial eliminação anulatória do acto, o que acaba por poder ter reflexos sobre a alegada impossibilidade de cumprimento.
Sendo assim, não achamos que existe obstáculo à suspensão.”
Sem embargo de melhor opinião, concordamos inteiramente com a solução a que se chegou no douto aresto, até a questão ali tratada era precisamente a mesma que ora nos preocupa.
Posto isto, por não se vislumbrar razão para alterar o entendimento exposto no texto transcrito, há-de negar provimento ao recurso interposto pela Autora.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pela Autora A, mantendo a decisão recorrida.
Custas pela Autora ora recorrente.
Registe e notifique.
***
RAEM, 3 de Maio de 2018
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fong Man Chong



Recurso Cível 1125/2017 Página 21