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Processo nº 524/2017
(Autos de recurso contencioso)

Data: 3/Maio/2018

Assuntos:
  - Alteração da situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização de residência temporária na RAEM
  - Falta de cumprimento do dever de comunicação

SUMÁRIO
A autorização de residência temporária é concedida a indivíduos não residentes que satisfaçam os requisitos previstos no Regulamento Administrativo n.º 3/2005, e estes indivíduos devem manter, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização.
No caso de extinção ou alteração da situação, o interessado deve cumprir o dever de comunicação, no prazo de 30 dias a contar da data da extinção ou alteração; e o não cumprimento, sem justa causa, dessa obrigação poderá implicar o cancelamento da autorização de residência temporária.
Na medida em que o recorrente constituiu uma segunda hipoteca sobre o mesmo bem imóvel com base no qual lhe havia sido conferida a autorização de residência temporária na RAEM, passando o montante total garantido por essas duas hipotecas a ser superior à diferença entre o valor de mercado do imóvel no momento da aquisição e o montante mínimo estabelecido na lei, é cominado com o cancelamento da sua autorização de residência.
Não tendo sido feita a devida comunicação ao IPIM ou apresentada qualquer justa causa para a sua omissão, não se vislumbra qualquer erro manifesto ou grosseiro no uso de poderes discricionários pela Administração ao decidir pelo indeferimento da renovação de residência temporária do recorrente.
A personalidade jurídica das sociedades comerciais não se confunde com a dos sócios.
Não obstante o recorrente ser o único sócio duma sociedade comercial, mas sendo entidades jurídicas diferentes e possuindo patrimónios distintos, o investimento efectuado por aquela sociedade não se pode repercutir na esfera jurídica do recorrente.
     
     
O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo nº 524/2017
(Autos de recurso contencioso)

Data: 3/Maio/2018

Recorrente:
- A

Entidade recorrida:
- Secretário para a Economia e Finanças

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, solteiro, titular do passaporte da Indonésia, com sinais nos autos, notificado do despacho do Exm.º Secretário para a Economia e Finanças de 25 de Abril de 2017, que indeferiu a reclamação por si apresentada, interpôs o presente recurso contencioso de anulação do referido despacho, formulando as seguintes conclusões:
“1. 被上訴所針對之批示 – 經濟財政司司長於2017年4月25日作出批示,該批示是:『同意建議』,該批示刊於澳門貿易投資促進局第00613/GJFR/2017號建議書,該建議書載有B高級技術員於2017年3月22日繕立的陳述,C投資居留暨法律處代經理所作出的意見及D主席所作出的建議。
2. 司法上訴人不認同被上訴批示所陳述的內容及其依據,遂提出本司法上訴。
3. 司法上訴人A,男性,是以購買不動產方式來申請澳門居留的,並於2007年提出,其具有下列的申請要件:
I) 一項位於澳門水坑尾街XXXX的不動產(澳門物業登記局標示編號為XXX,業人登錄編號為XXXXXX(G),當年的價值為HKD$1,260,000.00,相等於MOP$1,297,800.00,於2007年2月28日購買,且同時向【F銀行有限公司澳門分行】作出貸款HKD$760,000.00,物業登記局的抵押登錄編號為XXXXXC;
II) 一項在【澳門F銀行】存有定期存款HKD$500,000.00;
III) 具有第3/2005號行政法規第三條第一款(三)規定的資格。
4. 經過【澳門貿易投資促進局】的審查(卷宗編號為:P1594/2008/02R),因符合第3/2005號行政法規之規定,司法上訴人A於2009年批准臨時居留澳門的許可,並於2009年9月3日取得了澳門非永久性居民身份證,編號是149XXXX(X),並承諾於臨時居留許可存續期間擁有「法定投資額」。
5. 在申請時,司法上訴人所持有的澳門水坑尾街XXXX被評定價值為澳門幣$1,299,690.00。
6. 司法上訴人A於2011年6月15日因獲得續期而更新了『澳門非永久性居民身份證』,該證有效期至2014年6月21日。
7. 司法上訴人A由於以澳門地區為其常居地,自2009年開始,已在澳門地區建立其“事業”及“人際關係”。
8. 首先,司法上訴人A在澳門於2009年9月9日設立【E有限公司】(E Limited),商業登記編號為XXXXX(SO),公司地址設於澳門南灣大馬路XXXX,營業活動為房地產投資,資本額註記為MOP$25,000.00。
9. 根據【E有限公司】商業登記證明所顯示,司法上訴人為唯一的股東及行政管理機關成員。
10. 與此同時,司法上訴人A一直有為澳門水坑尾街XXXX支付每月銀行按揭供款,直至2011年6月份,僅僅尚欠約『港幣八萬多元』而已。
11. 由於司法上訴人A看好澳門的物業投資巿場,除了本身的資金外,司法上訴人A亦將澳門水坑尾街XXXX進行銀行加按,目的是再在澳門作出投資。
12. 於是,司法上訴人A將同一不動產再向【澳門F銀行】進行『不動產借貸抵押』,抵押金額為HKD$500,000.00,並於2011年6月21日作出『抵押登記』。
13. 換言之,在2011年6月21日,澳門水坑尾街123號XXXX存在兩項抵押借貸,但合共的金額約為港幣五十八萬多元。
14. 但同時,在司法上訴人於2014年提出其臨時居留續期之申請時,其擁有澳門兩個不動產的業權,其投資價值更多於相關法律所要求的條件。
15. 司法上訴人認為被上訴批示所依據第00613/GJFR/2017號建議書所載的陳述及建議,存有違反【適度及適當原則】、【對事實之認定出現明顯錯誤】、【錯誤理解法律內容】的瑕疵,致使被上訴批示亦沾有該等瑕疵,構成可『被撤銷』的結果,甚或被宣告『無效』的情況。
16. 無可否認,司法上訴人在2011年6月21日以澳門水坑尾街XXXX進行銀行加按,金額為HKD$500,000.00的行為,確實是一項法律行為,且對原有以此不動產作為『臨時居留許可的續期』的要件,屬於法律狀況變更的情況。
17. 而司法上訴人未有向【澳門貿易投資促進局】作出提前通知,是司法上訴人的“疏忽”,但這個疏忽屬於可原諒的狀況。
18. 因為,司法上訴人藉此次借貸而獲取得的款項,以作為其企業【E有限公司】名義承購澳門沙格斯大馬路XXXX的不動產單位。
19. 事實上,該筆款項亦是支付了承購澳門沙格斯大馬路XXXX不動產的部份『定金』支付款項。
20. 而司法上訴人亦以【E有限公司】名義,於2012年6月12日簽署了不動產買賣公文書並予以登記,以港幣$3,690,000.00元承購了澳門沙格斯大馬路XXXX不動產(物業標示編號為XXXXX,業權人編號為XXXXXXG)。
21. 【E有限公司】擁有這個房地產,一直維持至現在。
22. 那麼,不論是從直接層面,又或是間接層面,司法上訴人在澳門進行的投資是「有增無減」的。
23. 根據第3/2005號行政法規核准的《投資者、管理人員及具特別資格技術人員臨時居留制度》第十八條規定狀況的變更:“一、利害關係人須在臨時居留期間保持居留許可申請獲批准時被考慮的具重要性的法律狀況。二、如上款所指法律狀況消滅或出現變更,臨時居留許可應予取消,但利害關係人在澳門貿易投資促進局指定的期限內設立可獲考慮的新法律狀況,又或法律狀況的變更獲具權限的機關接受者,不在此限。三、為適用上款的規定,利害關係人須在法律狀況消滅或出現變更之日起計三十日內,就法律狀況的消滅或變更向澳門貿易投資促進局作出通知。四、不依時履行上款規定的通知義務又無合理解釋者,可導致臨時居留許可被取消。”
24. 上述條文中“保持居留許可申請獲批准時被考慮的具重要性的法律狀況”的概念,司法上訴人理解為屬同一法律第三條所規定的“要件”。
25. 可惜的是,司法上訴人沒有就此事按第3/2005號行政法規第十八條第三款規定,在出現變更之日起計三十日內,向【澳門貿易投資促進局】作出相關事宜的通知。
26. 雖是如此,司法上訴人已就“加按”一事向【澳門貿易投資促進局】作出了前面的“解釋”,目的是在澳門再投資,以及不懂相關情況而疏忽作出通知。
27. 在這事件上,司法上訴人還可以做什麼事情,經反覆細閱《投資者、管理人員及具特別資格技術人員臨時居留制度》的內容,沒有履行通知義務又無合理解釋者,“可”導致臨時居留許可被取消。
28. 換言之,這個“可”字取決於【澳門貿易投資促進局】及被上訴實體是否接納司法上訴人作出的“解釋”,而決定是否對司法上訴人的臨時居留許可作出取消。
29. 【澳門貿易投資促進局】B高級技術員在第00613/GJFR/2017號建議書作出的結論,如下:“綜上所述,因申請人於2011年6月21日至2015年8月26日期間將用作申請依據之不動產向銀行作超額抵押貸款,致使原獲批臨時居留許可的法律狀況變更,沒有維持其最初申請獲批准時被考慮的前提,亦沒有依法於法定期間內書面通知本局有關法律狀況變更,故建議經濟財政司司長駁回申請人的聲明異議,維持於2016年10月28日作出不批准申請人A臨時居留許可續期申請的批示。”
30. 從上述的內容獲得C投資居留暨法律處代經理及D主席的“贊同”及“同意”。
31. 但整個內容均沒有指出,對於司法上訴人就沒有適時作出的通知所作出的解釋,表達“接納”或“不接納”。
32. 這明顯構成不適當的情況。
33. 即使在駁回批示已包含了不接納解釋的含意,但沒有具體指出司法上訴人作出的“加按行為”所構成的法律狀況變更,是否可影響達至對司法上訴人的臨時居留續期申請不予批准的程度?
34. 至少,站在司法上訴人的立場,即使不考慮司法上訴人作出加按行為的目的是加強在澳門作出的投資,單純在行為本身,也不應達至對司法上訴人的臨時居留續期申請不予批准的地步。
35. 所以,被上訴批示沾有違反【適度及適當原則】的情況。
36. 因此,被訴批示應予被撤銷,又或是,其瑕疵達此嚴重程度,應被宣告無效。
另一方面:
37. 被上訴批示所依據的另一事實,就是被上訴實體認為司法上訴人提出“加按行為”的原因,是作為司法上訴人以【E有限公司】的名義所作出的投資,不符合第3/2005號行政法規第一條(四)的規定。
38. 司法上訴人對此深表驚呀!認為被上訴實體所依據的事實,尤其是由繕立建議書的人士,未能掌握澳門《商法典》對於「一人有限公司」的設立及其權力制度的理解。
39. 本案中,司法上訴人作為【E有限公司】的『唯一股東』及『唯一行政管理機關成員』,他就是公司的「唯一權利人」- 見《商法典》第390條規定。
40. 換言之,【E有限公司】於澳門的投資,就應視為司法上訴人在澳門的投資。
41. 明顯地,被上訴實體所依據的建議書的陳述,出現了【對事實之認定出現明顯錯誤】的情況。
42. 當然,我們不能評價被上訴實體依據建議書作出陳述的法律觀點,因為,我們尊重不同法律學者及專家對此的自身詮釋,但同時需要表示不能認同 – “以「自然人」名義,與以『一人有限公司』持有資產的區別,除了是獨立的法律人格不一樣外,所承擔的法律責任後果有所區別外,基本上是一致的。”
43. 當中,尤其是對於自身資產的投入、處分及運用,有關的行使是一致性的。
44. 所以,對於被上訴批示所依據的建議書在第3點第4)項的陳述,明顯出現了【對事實之認定出現明顯錯誤】的情況,致使在綜合分析時,作出了錯誤的決定。
45. 亦因此,使被上訴批示沾有嚴重的瑕疵,構成可撤銷的情況,又或是,可被宣告無效的後果。
最後,還想一談相關法律的本意問題:
46. 第3/2005號行政法規所核准《投資者、管理人員及具特別資格技術人員臨時居留制度》的立法精神是什麼?
47. 其中第一條(四)的中葡文是這樣表述的:中文表述:(四) 符合第三條所定要件的不動產購買人;葡文表述:4) Os adquirentes de bens imóveis que cumpram os requisites previstos no artigo 3º。
48. 換言之,不論中文版或葡文版,當中所採用的“載體”不一定是自然人,也可以是法人,或其餘的實體。
49. 只是,賦予投資居留資格的“個體”是針對“人”而言。
50. 這點也是符合同一法律第三條第一款規定請求給予臨時居留許可的「利害關係人」的要件。
51. 當中不存在任何衝突性。
52. 因此,被上訴批示僅僅以自然人作為第3/2005號行政法規第一條(四)及第三條規定可賦予臨時居留許可的利害關係人,出現了對法律理解的錯誤。
53. 司法上訴人認為,該等條文所賦予的臨時居留許可的個體,必須是「自然人」,但透過“載體”而達到符合臨時居留許可要的實體,則不一定是“自然人”,也可以是“法人”,又或是法律規定的某種『載體』。
54. 所以,被上訴批示的法律依據,明顯出現了對相關法律理解的錯誤,應予撤銷,又或被宣告無效。”
*
Regularmente citada, contestou a entidade recorrida, formulando as seguintes conclusões, pugnando pela improcedência do recurso:
“1. O acto administrativo impugnado no presente recurso (o indeferimento da reclamação) tem natureza meramente confirmativa.
2. Os actos administrativos meramente confirmativos são irrecorríveis.
3. A irrecorribilidade do acto conduz inelutavelmente ao indeferimento liminar da petição ou à rejeição do recurso.
4. Não foi demonstrada qualquer causa de nulidade do acto administrativo confirmado.
5. Há muito que caducou o direito de, com fundamento em anulabilidade, recorrer do acto confirmado.
6. Ao indeferir o pedido do recorrente a Administração actuou no uso de poderes discricionários.
7. O exercício de poderes discricionários, incluindo a obediência ao princípio da proporcionalidade, só é judicialmente sindicável em caso de erro manifesto ou total desrazoabilidade.
8. O recorrente não demonstrou que tenha havido erro manifesto ou total desrazoabilidade.
9. Além disso, no caso vertente a Administração estava limitada a deferir ou indeferir, não podendo graduar a decisão.
10. O recorrente confessa que não houve justa causa para o não cumprimento da obrigação prevista no art. 18º, n.º 3 do RA 3/2005, atribuindo-o a negligência ou desconhecimento da lei.
11. Ao constituir uma segunda hipoteca sobre o imóvel o recorrente violou a proibição prevista no art. 4º, n.º 1 do RA 3/2005.
12. Os direitos, obrigações e actos do recorrente não podem ser confundidos com os de uma sociedade comercial, e vice-versa, ainda que ele seja o único sócio da mesma.
13. A haver confusão entre a esfera jurídica do sócio e a esfera jurídica da sociedade, perderia qualquer sentido e utilidade o conceito de personalidade jurídica, e o sócio passaria a responder ilimitadamente pelas dívidas da sociedade por quotas.”
*
Oportunamente, o Digno Procurador Adjunto do Ministério Público emitiu o seguinte parecer em relação à excepção de irrecorribilidade do acto deduzida pela entidade recorrida:
“Prevê o n.º 1 do art. 31º do CPAC, o recurso contencioso é rejeitado com fundamento na natureza meramente confirmativa do acto recorrido quando o acto confirmado tenha sido objecto de notificação ao respectivo recorrente. Deste modo, consagra a irrecorribilidade contenciosa do acto meramente confirmativo, para impedir que se defraude a norma que fixa prazos peremptórios para o recurso contencioso de actos anuláveis (vide. os Acórdãos do Venerando TUI nos Processos n.º 22/2010 e n.º 7/2015).
O ilustre professor Freitas do Amaral fixa os seguintes requisitos de que depende a figura de acto meramente confirmativo: que o acto confirmado seja já definitivo, que o acto confirmado fosse do conhecimento do interessado, de modo a poder recorrer-se dele, que entre o acto confirmado e o acto confirmativo haja identidade de sujeitos, de objecto e de decisão. E, «Acrescente-se que para haver identidade de decisão importa não apenas a existência de identidade da resolução dada ao caso concreto, mas também a identidade da fundamentação da decisão e identidade das circunstâncias ou pressupostos da decisão. Se estas várias identidades se não verificarem, o segundo acto já não será simples confirmação do primeiro.» (cfr. Direito Administrativo, Vol. III, Lisboa 1989, pp. 233 a 234)
No caso sub judice, acontece que exarado pelo Exmº. Senhor SEF na Informação n.º 00613/GJFR/2017 (doc. no P.A.), o despacho recorrido consiste em negar provimento à Reclamação deduzida pelo ora recorrente, e confirmar o despacho de «同意建議» lançado na Informação n.º 1954/居留/2008/02R (doc. no P.A.) – eis o acto confirmado, e aquele o confirmativo.
Por definição legal da «reclamação» em sentido próprio (art. 145º, n.º 2/a) do CPA), há necessariamente identidade de sujeitos e de objecto entre o despacho confirmado e o recorrido, a Informação n.º 00613/GJFR/2017 e a n.º1954/居留/2008/02R tornam patente e concludente a identidade das resoluções nos dois despachos, e é indiscutível que o despacho confirmado é definitivo e chegou ao conhecimento do ora recorrente.
Daí flui que resta indagar se in casu os pressupostos do despacho confirmativo, objecto deste recurso contencioso, são idênticos aos do acto confirmado? Para tal efeito, importa desde logo realçar que o recorrente apresentou reclamação do referido acto confirmado e, respectivamente em 23/12/2016 e 30/12/2016, vários documentos.
Sem prejuízo do respeito pela opinião diferente, afigura-se-nos que os documentos prestados pelo recorrente para instruir à sobredita Reclamação não são manifestamente impertinentes e merecem apreciação pela Administração, sob pena de esta cair no erro sobre pressupostos de facto na modalidade de ignorar ou desconsiderar factos realmente existentes e relevantes à decisão (cfr. aresto do Venerando TSI no Processo n.º 412/2010). De outro lado, a Administração devia apreciar as questões suscitadas na Reclamação.
Nesta linha de consideração, inclinamos a entender que o despacho em escrutínio não constitui o acto meramente confirmativo e, assim, pode ser objecto do recurso contencioso, sendo de mérito as questões de saber se tal despacho eivar dos vícios que lhe sejam assacados pelo recorrente.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência da excepção deduzida na contestação sobre a irrecorribilidade do acto objecto do recurso em apreço.”
*
Posteriormente, apresentou o recorrente alegações facultativas, sustentando a posição assumida.
*
Findo o prazo para alegações, o Digno Procurador Adjunto do Ministério Público deu o seguinte douto parecer:
“Na petição inicial e nas alegações de fls. 66 a 77 dos autos, o recorrente assacou, ao despacho em escrutínio (vide. fls. 31 dos autos), a violação do princípio da proporcionalidade, o erro notório no julgamento de factos e o erro na interpretação do direito.
Quid juris?
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Prescreve o art. 18º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005: 1. O interessado deve manter, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização. 2. A autorização de residência temporária deve ser cancelada caso se verifique extinção ou alteração dos fundamentos referidos no número anterior excepto quando o interessado se constituir em nova situação jurídica atendível no prazo que lhe for fixado pelo Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau ou a alteração for aceite pelo órgão competente. 3. Para efeitos do disposto no número anterior, o interessado deve comunicar ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau a extinção ou alteração dos referidos fundamentos no prazo de 30 dias, contados desde a data da extinção ou alteração. 4. O não cumprimento sem justa causa da obrigação de comunicação prevista no número anterior, dentro do respectivo prazo, poderá implicar o cancelamento da autorização de residência temporária.
Ora, a experiência adquirida durante a vigência do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 revela-nos que a comunicação prevista no n.º 3 do art. 18º dota ao IPIM o mecanismo idóneo, adequado e eficiente para fiscalizar e controlar a observância, por qualquer interessado, ao dever de manutenção consignado no n.º 1 deste artigo. Daí perfilhamos a douta jurisprudência que inculca (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º 901/2012): «基於行政當局不可能具備足夠的資源在任何時間監察每一個案的投資者的法律狀況有否維持,因此法律規定投資居留的受益人有義務在投資內容有變更或消滅時,應適時通報行政當局以使行政當局執行法律的規定。» Na nossa óptica, nisto traduz-se a ratio do seu n.º 4 que prevê imperativa e peremptoriamente: «O não cumprimento sem justa causa da obrigação de comunicação prevista no número anterior, dentro do respectivo prazo, poderá implicar o cancelamento da autorização de residência temporária.»
No que respeite ao alcance deste n.º 4, a jurisprudência consolidada vem asseverando firme e peremptoriamente que a não manutenção da situação patrimonial de forma contínua durante o período da concessão da residência e a não comunicação injustificada, em 30 dias, da alteração da situação jurídica relevante, por parte do interessado, conferem à Administração o poder discricionário de cancelar a autorização de residência, ao abrigo do disposto no artigo 18º, n.º 4, do Regulamento Administrativo n.º 3/2005. (a título exemplificativo, vide. Acórdãos do TSI nos Processos n.º 579/2011 e n.º 118/2015, bem como os do TUI nos Processos n.º 28/2013, n.º 32/2013 e n.º 79/2015)
No caso vertente, a confissão espontânea do próprio recorrente e os registos prediais como documento autêntico provam plenamente que o recorrente nunca comunicou o IPIM da 2ª hipoteca por ele constituída no imóvel identificado no art. 10º da petição inicial, cuja aquisição se serviu da pedra fundamental da concessão da autorização de residência.
Bem, duas razões levam-nos a entender que a apontada 2ª hipoteca constitui a alteração da situação juridicamente relevante contemplada no n.º 3 do citado art. 18º. De um lado, é assente que a hipoteca é qualificada na categoria de acto de disposição e não no acto de administração ordinária, por acarretar encargo a certo imóvel. E de outro lado, tal 2ª hipoteca dada como garantia dum empréstimo de HK$500.000,00 determina que o efectivo investimento pelo recorrente no mencionado imóvel tenha caído em ser inferior a $1.000.000,00 patacas. Daqui decorre que incidia nele o dever de comunicar o IPIM desta 2ª hipoteca no prazo de 30 dias.
Em relação ao argumento de que a sua omissão de comunicação não era dolosa, mas de mero descuido e assim desculpável (art. 24º da petição inicial), acompanhamos inteiramente a iluminativa jurisprudência que tem proclamado que não é necessário ter conhecimentos jurídicos para saber quais as obrigações a que o interessado que obteve autorização de residência está sujeito para manter o seu estatuto, pelo que o invocado desconhecimento do regime jurídico de Macau não se pode afigurar como justa causa para incumprimento da obrigação de comunicação imposta por lei. (a título exemplificativo, o Acórdão do TUI no Processo 30/2013 e o do TSI no Processo n.º 96/2012)
Com efeito, «Face ao disposto nos artºs 18º e 19º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, a cessação da situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização de residência, sem que houvesse sido comunicada ao IPIM nem constituída nova situação jurídica atendível, no prazo de 30 dias contados desde a data da cessação, constitui o fundamento válido para o indeferimento do pedido de renovação da autorização de residência.» (cfr. Acórdãos do TSI nos Processo 619/2012 e n.º 737/2012)
Deste modo, e em obediência à consolidada jurisprudência respeitante ao poder discricionário, entendemos tranquilamente que o despacho em escrutínio não padece de erro manifesto, injustiça intolerável ou total desrazoabilidade, portanto, não ofende o princípio da proporcionalidade.
*
Com os argumentos aduzidos nos arts. 57º e 58º da petição, assacou o recorrente ainda o erro notório no julgamento de factos à conclusão exposta do Ponto 4) da parte «3. 就申請人所提交的聲明異議茲分析如下» da dita Informação n.º 00613/GJFR/2017 (doc. de fls. 30 a 31 dos autos), traduzido em «故“E有限公司”的投資不能計算在申請人的不動產投資額內。»
Ora, a Administração aceita ser verdade que a sociedade denominada «E有限公司» é unipessoal e o recorrente é o único sócio dessa sociedade, sem pôr em dúvida o investimento realizado pela mesma sociedade. E em bom rigor, os arts. 57º e 58º da petição não demonstram erro na cognição de factos processada pela Administração, e contêm em si apenas a inferência jurídica da sociedade unipessoal à luz do art. 390º do Código Comercial. Tudo isto implica que mesmo colida com este preceito legal, a conclusão de «故“E有限公司”的投資不能計算在申請人的不動產投資額內» não eiva do erro no julgamento de facto.
Bem, embora a sociedade «E有限公司» seja unipessoal e o recorrente seja o seu único sócio, mas, o investimento dessa sociedade não integra na esfera patrimonial do recorrente, nem se equivale ao investimento pessoal dele. Seja como for, o investimento efectuado pela dita sociedade não tem virtualidade de suprir, sanar ou compensar a depressão e a desvalorização do investimento pessoal pelo recorrente no referido imóvel para requerer e obter a autorização de residência. Daí que decorre que aquela conclusão de «故“E有限公司”的投資不能計算在申請人的不動產投資額內» não padece do erro de direito.
De outro lado, note-se que lançado na Informação n.º 00613/GJFR/2017 pelo Exmo. Senhor Secretário para a Economia e Finanças (dos. De fls. 30 a 31 dos autos), o despacho recorrido reza apenas «同意建議». Nos termos do disposto no n.º 1 do art. 115º do CPA, a expressa declaração de concordância implica que tal despacho absolve essa Informação e chama a si os fundamentos expostos na mesma Informação.
O que significa natural e necessariamente que o despacho atacado nestes autos se estribou no seguinte juízo conclusivo: «因申請人於2011年6月21日至2015年8月26日期間將用作申請依據之不動產向銀行作超額抵押貸款,致使原獲批臨時居留許可的法律狀況變更,沒有維持其最初申請獲批准時被考慮的前提,亦沒有依法於法定期間內書面通知本局有關法律狀況變更,故建議經濟財政司司長駁回申請人的聲明異議,維持於2016年10月28日作出不批准申請人A時居留許可續期申請的批示。»
Em termos sintéticos, é que o fundamento do despacho em causa se traduz em o recorrente não comunicar o IPIM da 2ª hipoteca constituída por si no imóvel identificado no art. 10º da petição, cuja aquisição formou a pedra fundamental da concessão da autorização de residência. O que traz consigo que a referida «故“E有限公司”的投資不能計算在申請人的不動產投資額內» não é fundamento do despacho em causa, pelo que qualquer eventual inexactidão desta conclusão é inócua.
*
Ora, prescreve o corpo do art. 1º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 que «Porem requerer autorização de residência temporária na Região Administrativo Especial de Macau, nos termos do presente diploma, as seguintes pessoas singulares não residentes» (sublinha nossa).
Nestes termos, o «adquirente» na alínea 4) deste art. 1º tem de ser interpretado no sentido de «pessoas singulares», não podendo ser pessoa colectiva. O que determina inevitavelmente o decaimento da arguição do erro de direito nos arts. 69º a 75º da petição inicial.
Em esteira da sensata jurisprudência que inculca «Face ao disposto nos artºs 18º e 19º do Regulamento Administrativo nº 3/2005, a cessação da situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão da autorização de residência, sem que houvesse sido comunicada ao IPIM nem constituída nova situação jurídica atendível, no prazo de 30 dias contados desde a data da cessação, constitui o fundamento válido para o indeferimento do pedido de renovação da autorização de residência», temos que o recurso em apreço não pode deixar de ser improcedente.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.”
*
O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, estão devidamente representadas e têm interesse processual.
Não existem nulidades, excepções nem questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão do recurso:
O recorrente requereu autorização de residência temporária na RAEM, mediante a aquisição de bens imóveis.
O recorrente adquiriu por escritura pública de 9.2.2007 a fracção autónoma E6, para habitação, sita em Macau, XXXX, pelo valor de HKD$1.260.000,00, convertível em MOP$1.299.690,00.
Nesta mesma data, o recorrente constituiu hipoteca sobre o referido imóvel, para garantia de facilidades bancárias no valor de HKD$760.000,00, equivalente a MOP$782.800,00.
A primeira autorização de residência temporária foi concedida ao recorrente em 25.6.2009. (fls. 41 e 42 do P.A.)
Posteriormente, em 21.6.2011, o recorrente constituiu nova hipoteca sobre a mesma fracção autónoma, para garantia de facilidades bancárias no valor de HKD$500.000,00.
O recorrente não logrou comunicar ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau o sucedido.
Por despacho de 28.10.2016 do Exm.º Secretário para a Economia e Finanças, foi indeferida a renovação da autorização de residência temporária do recorrente.
Na sequência deste despacho, apresentou o recorrente reclamação junto do Exm.º Secretário para a Economia e Finanças.
A 22.3.2017, foi elaborada a seguinte Proposta registada sob o n.º 00613/GJFR/2017: (fls. 4 a 6 do P.A.)
“投資居留暨法律處C代經理 閣下:

1. A,第1594/2008/02R號卷宗申請人,按照第3/2005號行政法規之規定,以購買澳門水坑尾街XXXX,價值1,299,690.00澳門元為依據獲批臨時居留許可續期至2014年6月21日。
2. 其後因申請人將用作申請依據之不動產向銀行超額抵押貸款,致使法律狀況變更,沒有維持其最初申請獲批准時被考慮的前提,亦沒有依法於法定期間內書面通知本局,故經濟財政司司長於2016年10月28日作出不批准申請人臨時居留許可續期申請的批示。
3. 本局於2016年11月8日透過公函將上述決定通知申請人(見附件1)。
4. 根據郵政局簽收回執,申請人於2016年11月16日簽收上述通知書(見附件1)。
5. 根據《行政程序法典》第149條規定,申請人須於十五日內提出聲明異議,本局於2016年11月30日收到聲明異議及隨後收到相關證明文件,故該聲明異議的提出適時(見附件2)。
5. 有關聲明異議的理據如下:
1) 申請人於2011年6月21日向G銀行作第二次抵押貸款500,000.00港元是為了在澳門作出投資,截至當日兩次按揭貸款才合共五十八萬多港元,並沒有損害或減少申請人獲得臨時居留許可續期的要件價值;但書面聽證函卻指申請人至2014年7月14日以申請依據之不動產抵押貸款435,000港元,指不動產的擔保額超出法定投資額是不符合事實的;況且申請人在2007年首次獲批居留許可時所持有的不動產已有760,000.00港元的抵押貸款;
2) 申請人在澳設立“E有限公司”,欲以該公司名義購入澳門沙格斯大馬路XXXX,價值3,690,000.00港元,因資金不足才於2011年6月21日向G銀行加按抵押貸款500,000.00港元;
3) 申請人因個人疏忽沒有就2011年6月21日的加按作出書面通知,但只基於其原代理人失職;
4) 截至2016年11月25日,申請人在中國銀行澳門分行的存款結餘等值3,023,816.22港元。
5) 除了增加投資外,申請人在澳門亦有捐獻,並附上文件佐證。申請人同時聲稱熱愛澳門。
3. 就申請人所提交的聲明異議茲分析如下:
1) 經查閱申請人卷宗相關資料,證實申請人於2007年將第1點所指用作申請依據的不動產向G銀行作抵押擔保登記760,000.00港元,後於2009年4月22日提交該銀行還款證明文件,證實至2009年2月27日上述借款尚餘97,699.62港元(等值100,630.60澳門元),其實際投資價值為1,199,059.40澳門元,故於2009年6月25日首次獲批臨時居留許可,申請人並承諾於臨時居留許可存續期間擁有法定投資額;
2) 然而申請人於2011年6月21日至2015年8月26日期間以上述同一不動產向同一銀行抵押貸款500,000.00港元(等值515,000.00澳門元),致使實際投資額少於壹佰萬澳門元,沒有維持其最初申請獲批准時被考慮的前提;
3) 申請人並沒有履行通知的義務;
4) 根據第3/2005號行政法規第一條(四)的規定,該行政法規對人的適用範圍是“符合第三條所定要件的不動產購買人”,而不是法人,故“E有限公司”的投資不能計算在申請人的不動產投資額內;
5) 捐獻和增加存款額並不是獲批臨時居留許可的要件。
4. 綜上所述,因申請人於2011年6月21日至2015年8月26日期間將用作申請依據之不動產向銀行作超額抵押貸款,致使原獲批臨時居留許可的法律狀況變更,沒有維持其最初申請獲批准時被考慮的前提,亦沒有依法於法定期間內書面通知本局有關法律狀況變更,故建議經濟財政司司長駁回申請人的聲明異議,維持於2016年10月28日作出不批准申請人A臨時居留許可續期申請的批示。
上述意見,呈上級考慮。”
Posteriormente, foi dado o seguinte parecer jurídico:
“因申請人於2011年6月21日至2015年8月26日期間將用作申請依據之不動產向銀行作超額抵押貸款,致使原獲批臨時居留許可的法律狀況變更,沒有維持其最初申請獲批准時被考慮的前提,亦沒有依法於法定期間內書面通知本局有關法律狀況變更,故建議經濟財政司司長駁回申請人的聲明異議,維持於2016年10月28日作出不批准申請人A臨時居留許可續期申請的批示。”
A 23.3.2017, o Presidente do Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau lavrou o seguinte despacho: (fls. 4 do P.A.)
“同意是項建議,呈經濟財政司司長 閣下批示。”
A 25.4.2017, pelo Exm.º Secretário para a Economia e Finanças foi proferido o seguinte despacho:
“同意建議。”
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O caso
Ao recorrente foi concedida autorização de residência temporária na RAEM, com fundamento na aquisição de bem imóvel.
Em 21.6.2011, o recorrente constituiu uma segunda hipoteca sobre o mesmo imóvel que serviu de fundamento à autorização de residência temporária, e não logrou aquele cumprir o dever legal de comunicação que lhe era exigido pelo artigo 18º do Regulamento Administrativo nº 3/2005.
Por parte da entidade recorrida, entendeu que, uma vez verificada a alteração da situação juridicamente relevante que fundamentou a autorização de residência temporária, bem como a falta de cumprimento do dever legal de comunicação, indeferiu o pedido de renovação da autorização de residência temporária do recorrente.
É este o acto recorrido.
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Acto meramente confirmativo
Defende a entidade recorrida que o acto recorrido, proferido na sequência da reclamação apresentada pelo recorrente, é um acto meramente confirmativo e, por isso, contenciosamente irrecorrível.
Preceitua o n.º 1 do artigo 31.º do Código do Processo Administrativo Contencioso que “o recurso é rejeitado com fundamento na natureza meramente confirmativa do acto recorrido quando o acto confirmado tenha sido objecto de notificação ao recorrente, de publicação imposta por lei ou de impugnação administrativa ou contenciosa interposta por aquele”.
Como observam Viriato Lima e Álvaro Dantas1, “…o acto meramente confirmativo é aquele que, emanado da mesma entidade, e dirigindo-se ao mesmo destinatário, repete o conteúdo de um acto anterior, perante pressupostos de facto e de direito idênticos, e sem que o reexame desses pressupostos decorra de revisão imposta por lei. O acto meramente confirmativo é um acto que mantém um acto definitivo anterior. Ao estabelecer a inimpugnabilidade dos actos meramente confirmativos visa-se, essencialmente, a tutela da estabilidade das situações jurídicas, uma vez que a mesma poderia ser posta em causa se se permitisse aos particulares impedir a consolidação dos actos anuláveis provocando novas decisões sobre o mesmo assunto.”
Para Freitas do Amaral2, para que um acto administrativo possa ser qualificado como meramente confirmativo, é necessário que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:
    - Que o acto confirmado seja definitivo;
    - Que o acto confirmado fosse do conhecimento do interessado, de modo a poder recorrer-se dele; e
    - Que entre o acto confirmado e o acto confirmativo haja identidade de sujeitos, de objecto e de decisão.
Ainda segundo o mesmo autor, “para haver identidade de decisão importa não apenas a existência de identidade da resolução dada ao caso concreto, mas também identidade da fundamentação da decisão e identidade das circunstâncias ou pressupostos da decisão. Se estas várias identidades se não verificarem, o segundo acto já não será simples confirmação do primeiro”.
Defende o recorrente que não há identidade de objecto nos dois despachos, confirmado e confirmativo, na medida em que foram suscitadas novas questões na reclamação.
Analisando o teor da reclamação, verifica-se efectivamente que nela foi suscitada questão nova que não tinha sido objecto de apreciação no primeiro acto administrativo, nomeadamente no tocante à questão de saber se o investimento feito por uma sociedade de que o recorrente é sócio deve ser considerado como investimento feito por ele próprio para os efeitos previstos no disposto no na alínea 4) do artigo 1.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005.
Sendo assim, ao contrário do que entende a entidade recorrida, somos da opinião de que o despacho proferido em 25.4.2017, ora em crise, não visa exclusivamente repetir o conteúdo do acto anterior proferido em 28.10.2016, por que os pressupostos de facto como os de direito não são totalmente idênticos em ambos os casos.
Desta forma, não havendo identidade das circunstâncias ou pressupostos da decisão, o despacho recorrido não é meramente confirmativo do primeiro acto, pelo que se julga improcedente a excepção de irrecorribilidade do acto suscitada pela entidade recorrida.
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Da violação do princípio da proporcionalidade
Confessa o recorrente que foi pedida a segunda hipoteca sobre a fracção autónoma e que não comunicou o facto ao Instituto para a Promoção do Investimento e Comércio de Macau.
Entretanto, refere que apresentou uma exposição ao mesmo serviço ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 18.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, explicando que com a tal hipoteca alargou substancialmente o seu investimento na RAEM.
Sendo assim, entende o recorrente que não tendo a Administração aceitado a justificação e, em consequência, indeferiu a sua renovação da autorização de residência temporária na RAEM, a decisão recorrida viola o princípio da proporcionalidade.
Vejamos.
Dispõe o artigo 18º do RA n.º 3/2005 o seguinte:
“1. O interessado deve manter, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização.
     2. A autorização de residência temporária deve ser cancelada caso se verifique extinção ou alteração dos fundamentos referidos no número anterior, excepto quando o interessado se constituir em nova situação jurídica atendível no prazo que lhe for fixado pelo Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau ou a alteração for aceite pelo órgão competente.
     3. Para efeitos do disposto no número anterior, o interessado deve comunicar ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau a extinção ou alteração dos referidos fundamentos no prazo de 30 dias, contados desde a data da extinção ou alteração.
     4. O não cumprimento sem justa causa da obrigação da comunicação prevista no número anterior, dentro do respectivo prazo, poderá implicar o cancelamento da autorização de residência temporária.”
A autorização de residência temporária é concedida a indivíduos não residentes que satisfaçam os requisitos previstos na lei, e estes indivíduos devem manter, durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização.
No caso de extinção ou alteração da situação, o interessado deve cumprir o dever de comunicação, no prazo de 30 dias a contar da data da extinção ou alteração; e o não cumprimento, sem justa causa, dessa obrigação poderá implicar o cancelamento da autorização de residência temporária.
Decidiu-se no Acórdão do TUI, no Processo nº 79/2015, o seguinte:
“…quando ocorra extinção ou alteração da situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão de autorização de residência, a Administração tem de cancelar a autorização de residência temporária. Não pode deixar de o fazer.
É nesse sentido que aponta a letra da norma “A autorização de residência temporária deve ser cancelada caso se verifique extinção ou alteração …”. Enquanto, no caso de falta de cumprimento da comunicação, a norma refere “O não cumprimento sem justa causa da obrigação de comunicação prevista no número anterior, dentro do respectivo prazo, poderá implicar o cancelamento da autorização de residência temporária”.
Neste caso, o conceito indeterminado - situação juridicamente relevante - não contém nenhum juízo de prognose, não havendo intenção de conferir margem de livre apreciação à Administração.
Por outro lado, os interesses envolvidos apontam inequivocamente no sentido de estarem em causa poderes vinculados. É que o pressuposto da concessão da autorização de residência temporária é, além do mais, a aquisição em Macau, sem recurso ao crédito e livres de quaisquer encargos, bens imóveis por preço não inferior a um milhão de patacas e cujo valor de mercado, no momento da aquisição, não seja igualmente inferior a um milhão de patacas.
Ora, de acordo com o n.º 1 do artigo 18.º, o interessado tem a obrigação de manter durante todo o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização.
Face à violação de tal obrigação, faz todo o sentido que a falta de manutenção da situação juridicamente relevante, seja cominada com o cancelamento da autorização de residência, não ficando na disponibilidade da Administração o poder de cancelar ou deixar de cancelar. Trata-se de uma violação maior, por fazer cessar os pressupostos em que assentou a concessão da autorização de residência, não uma simples falta de comunicação.
Em conclusão:
A competência prevista no artigo 18.º, n.º 2, do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 integra o exercício de um poder vinculado da Administração.
A competência prevista no artigo 18.º, n.º 4, do Regulamento Administrativo n.º 3/2005 integra o exercício de um poder discricionário da Administração.”
No caso sub judice, verifica-se que durante o período de residência temporária, a situação juridicamente relevante que esteve na base da concessão da autorização de residência foi alterada, na medida em que o recorrente constituiu uma segunda hipoteca sobre o mesmo bem imóvel com base no qual lhe havia sido conferida a autorização de residência temporária na RAEM, passando o montante total garantido por essas duas hipotecas a ser superior à diferença entre o valor de mercado do imóvel no momento da aquisição e o montante mínimo estabelecido na lei.
Segundo o Acórdão do TUI acima referido, o conceito indeterminado “situação juridicamente relevante” não contém nenhum juízo de prognose, não havendo intenção de conferir margem de livre apreciação à Administração, pelo que é um acto vinculado para a Administração.
Sendo assim, deixando o recorrente de manter, durante o período de residência temporária autorizada, a situação juridicamente relevante que fundamentou a concessão dessa autorização, nenhum reparo mereceu a decisão recorrida quanto a esta parte.

Por outro lado, verifica-se ainda que o recorrente não logrou comunicar o sucedido ao IPIM.
No âmbito da actividade discricionária da Administração, a desrazoabilidade a que alude o artigo 21.º, n.º 1, alínea d) do CPAC deve ser entendida de forma a deixar um espaço livre à Administração, salvaguardados os limites próprios do poder discricionário, nomeadamente os decorrentes dos princípios da imparcialidade, igualdade, justiça e proporcionalidade.
E no caso concreto, considerando que não foi feita a tal comunicação nem foi apresentada qualquer justa causa para a sua omissão, não se vislumbra erro manifesto ou grosseiro no uso de poderes discricionários pela Administração ao decidir pelo indeferimento da renovação de residência temporária do recorrente.
Improcede, pois, o vício apontado.
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Do erro do direito
Entende o recorrente que o investimento feito por uma sociedade por quotas unipessoal, de que o recorrente é o único sócio, deve ser considerado como investimento feito pelo próprio recorrente, para os efeitos previstos no disposto na alínea 4) do artigo 1.º do RA n.º 3/2005.
Trata-se, a nosso ver, de um entendimento errado.
Em boa verdade, a personalidade jurídica das sociedades comerciais não se confunde com a dos sócios, são pessoas jurídicas distintas.
As sociedades têm um património próprio e afecto aos seus fins, pelo que a posição jurídica dos sócios perante a sociedade, ou do único sócio no caso de sociedade por quotas unipessoal, não envolve um direito sobre os bens da sociedade.
É bom de ver ainda que nas sociedades por quotas, mesmo que sejam unipessoais, apenas o património da sociedade responde perante credores pelas dívidas da sociedade, encontrando-se a responsabilidade do sócio limitada ao montante do capital social.
No caso vertente, não obstante o recorrente ser o único sócio da sociedade “Superscene Investimento Sociedade Unipessoal Limitada”, mas sendo entidades jurídicas diferentes e possuindo patrimónios distintos, o investimento efectuado por aquela sociedade não se pode repercutir na esfera jurídica do recorrente.
Não merece censura o acto recorrido nesta parte.
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Mais entende o recorrente que o disposto na alínea 4) do artigo 1.º do RA n.º 3/2005 não abrange apenas pessoas singulares, mas também pessoas colectivas.
Como vimos acima, o investimento efectuado pela sociedade não se pode repercutir na esfera jurídica do recorrente, daí que a questão colocada pelo recorrente deixa de ter qualquer relevância.
Efectivamente, “adquirentes de bens imóveis” a que alude a alínea 4) do artigo 1.º do RA n.º 3/2005 abrangem apenas pessoas singulares e nunca pessoas colectivas, sendo que a interpretação do recorrente não corresponde minimamente nem ao texto nem ao espírito da lei.
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Em tudo o mais, julga-se improcedente o presente recurso contencioso.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso, mantendo o acto administrativo impugnado.
Custas pelo recorrente, com 10 U.C. de taxa de justiça.
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RAEM, 3 de Maio de 2018
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
Mai Man Ieng
1 Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, CFJJ, 2015, pág. 121 e 122
2 Direito Administrativo, Volume III, Lisboa, 1989, pág. 233 e 234
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Recurso Contencioso 524/2017 Pág. 34