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Processo n.º 231/2018
(Recurso em matéria laboral)

Data: 26 de Abril de 2018

ASSUNTOS:

- Indemnização da Incapacidade Temporária Absoluta (ITA) resultante de acidente de trabalho
- Pagamento de quantia indemnizatória em excesso e sua possível compensação com outro crédito da mesma natureza laboral
- Dever de indicar na decisão condenatória, em processo laboral, as contas parcelares e finais, incluindo o montante líquido que o responsável finalmente deve pagar



SUMÁRIO:

I – O pagamento em excesso, feito pela Seguradora, a título da indemnização da Incapacidade Temporária Absoluta (ITA), a favor da trabalhadora/vítima, deve ser “descontado” na sentença final. Ou seja, quando esta fixa um período da ITA mais curto do que aquele em que a Seguradora pagou (em função do período de tratamento), a título de indemnização, ao abrigo do disposto no artigo 52º do DL nº 40/92/M, de 14 de Agosto, a quantia paga em excesso deve ser abatida na sentença final.

II - Quanto à natureza da indemnização fixada no artigo 52º do DL nº 40/95/M, de 14 de Agosto, ela pode ter uma natureza provisória, mas também pode não ter, seja como for, tais indemnizações são pagas sempre de 15 em 15 dias enquanto se mantêm os pressupostos aí indicados. Daí pode afirmar-se que no momento de pagamento e de recebimento da quantia, esta é quase sempre provisória, pois, só depois, na fase final, quando o Tribunal fixar definitivamente a incapacidade é que sabe se tal pagamento é definitivo ou não e se a conta está certa ou não.

III - O nº 3 do artigo 62º do Código de Processo de Trabalho (CPT) (aprovado pela Lei nº 9/2003, de 23 de Junho) prevê um mecanismo ambivalente, cujo objectivo é exigir que o julgador, logo que tenha dados assentes, proceda à respectiva rectificação, independentemente da natureza da indemnização em causa. O que abrange naturalmente a hipótese prevista no artigo 52º do DL acima citado. Compreende-se que assim seja, porque, em matéria de acidente de trabalho, as indemnizações não têm por objectivo premiar alguém, quem quer que seja, mas sim visa reparar o dano sofrido, na justa medida e no momento oportuno.

IV - Quando o artigo 61º do DL citado preceitua “os créditos respeitantes às prestações estabelecidas neste diploma são inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis e gozam dos privilégios creditórios consignados na lei geral como garantia das retribuições do trabalho, tendo preferência relativamente a esta na classificação legal” deve entender-se que tais restrições só valem até ao limite do crédito que assiste ao sinistrado do acidente de trabalho, a parte excessiva não está restringida por este normativo. Deve ser esta a interpretação dada à norma em análise, que melhor se adapta à ratio legis e aos interesses que o citado diploma visa acautelar.

V – O artigo 14º do CPT manda: “o juíz deve, até à audiência de discussão e julgamento:
     (…)
     2. Nas acções que tenham por objecto o cumprimento de obrigação pecuniária, o juíz deve orientá-las por forma a que a sentença, se for de condenação, possa fixar em quantia certa e importância devida.”.
Esta expressão “ quantia certa e importância devida” exige que, na sentença condenatória, em processo laboral, deva indicar-se expressamente as contas parcelares e finais (montante líquido) que a Seguradora (ou responsável) deve pagar ao sinistrado. Assim se dá cumprimento ao disposto no artigo 14º do CPT e artigo 560 do CPC.


O Relator,

________________
Fong Man Chong
Processo n.º 231/2018

Data : 26/Abril/2018

Recorrente : Companhia de Seguros de X, S.A. (Ré)
(X保險有限公司)

Recorrida : A (Autora)
 
*
    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    I - RELATÓRIO
Companhia de Seguros de X, S.A. (Ré) (X保險有限公司), Recorrente, devidamente identificada nos autos, não se conformado com a sentença do TJB, proferida no processo LB1-16-0239-LAE, datada de 17/11/2017, que condenou a Ré/Recorrente a pagar à Autora/Recorrida a quantia de MOP216,000.00 a título de indemnização por incapacidade permanente parcial (IPP), veio, em 08/02/2018, interpor recurso para este Tribunal de Segunda Instância, com os fundamentos constantes de fls. 195 a 201, tendo formulado as seguintes conclusões :
l.º Vem o presente recurso da douta Sentença constante de fls. 170 a 171 dos autos que salvo o devido respeito por opinião diversa, viola os comandos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 62.º do C.P.T.
2.º O artigo 52.º n.º 2 do DL n.º 40/95/M obriga a Recorrente, enquanto seguradora, a proceder ao pagamento à vítima dos montantes devidos a título de incapacidade temporária antes que tal incapacidade possa ser avaliada por exame médico por perito médico nos termos do artigo 52.º do C.P.T., por junta médica, e definitivamente fixada em sede de sentença (artigo 70.º C.P.T.), o que confere, necessariamente, uma natureza provisória a tal indemnização, devendo a mesma ser revisitada quando da fixação a título definitivo da duração da incapacidade temporária a que se refere.
3.º É essa natureza necessariamente provisória que obriga à interpretação dos dispositivos contidos no artigo 62.º do C.P.T. no sentido de abranger, não só a indemnização provisória requerida pelas partes, mas também as indemnizações cuja obrigação legal de liquidação antecipada lhe conferem uma natureza necessariamente provisória.
4.º A rectificação da indemnização prevista no artigo 62.º n.º 3 do C.P.T. implica um julgamento não só no sentido da (des)necessidade do pagamento de quantias adicionais às que já foram satisfeitas a título provisório mas também no reconhecimento do crédito da entidade responsável pelo pagamento contra vitima quando tais quantias o hajam sido feitas em excesso - quando em cumprimento do disposto no artigo 52.º n.º 2 do DL n.º 40/95/M - conferindo, em tais situações, à entidade responsável o direito, nos termos do artigo 838.º e seguintes do Código Civil, à compensação do seu crédito contra outras quantias que a entidade responsável seja condenada a pagar à vítima.
5.º Ora, atendendo que ao abrigo da al. b) do n.º 1 do artigo 844.º do Código Civil, o crédito da Recorrente contra a Recorrida, resultante do pagamento em excesso de prestações por incapacidade temporária, é compensável com o crédito da Recorrida contra a Recorrente, decorrente da condenação no pagamento da indemnização no valor de MOP216.000,00 devida a título de incapacidade permanente, na medida em que ambos se referem a prestações estabelecidas na lei de acidentes de trabalho.
6.º Ao abrigo do disposto no artigo 62.º n.º 3 do C.P.T., o douto Tribunal a quo deveria, além de determinar que a Recorrida já mais nada haveria a pagar à Recorrida a título de I.T.A., também determinar a Recorrida devedora da Recorrente no montante de MOP166.000,00 a título do pagamento em excesso da indemnização por I.T.A. e conferindo à Recorrente o direito à compensação de tal crédito contra o pagamento da quantia de MOP216.000,00 à Recorrida a título da indemnização por I.P.P.

* * *
A, ora Recorrida, representada oficiosamente pelo Ministério Público, tendo sido notificado do recurso interposto pela recorrente Companhia de Seguros de X, S.A., apresentou a resposta com o seguinte teor:
O tribunal a quo fixou a incapacidade temporária absoluta da recorrida em 360 dias e o coeficiente de desvalorização da incapacidade permanente parcial da recorrida em 10%. Visto que a recorrida já recebeu MOP$346.000,00 como indemnização por incapacidade temporária absoluta, o tribunal a quo determinou que a recorrente não necessitava de pagar à recorrida quanto à indemnização por incapacidade temporária absoluta e condenou à recorrente o pagamento de MOP$ 216.000,00 a título de indemnização por incapacidade permanente parcial.
No presente recurso, a recorrente referiu que já pagou à recorrida a quantia de MOP$346.000,00 correspondente a indemnização por incapacidade temporária absoluta da recorrida em 692 dias e tendo em conta que a incapacidade temporária absoluta é fixada em 360 dias, significa que a recorrente pagou à recorrida a indemnização por incapacidade temporária absoluta mais do que devida e assim, tem o crédito sobre a recorrida. Visto que a indemnização de MOP$346.000,00 é efectuada antes da fixação da incapacidade temporária absoluta à luz do artigo 52.° do Decreto-Lei n.º 40/95/M que reveste a natureza provisória, nesta sede, a recorrente invocou o n.º 3 do artigo 62.° do Código de Processo do Trabalho que, na sua perspectiva, é aplicável no caso vertente devida à natureza provisória de indemnização efectuada e obriga o tribunal a rectificar a indemnização já feita e proceder-se à compensação de crédito existente na condenação de indemnização por incapacidade permanente parcial. Por conseguinte, a recorrente entende que a omissão de compensação pelo tribunal a quo viola os n.º 2 e 3 do artigo 62.° do Código de Processo do Trabalho e pede ao Tribunal de Segunda Instância a revogação da decisão recorrida e a substituição com a decisão que se proceda à compensação.
Tendo em consideração que a incapacidade temporária absoluta e a incapacidade permanente parcial apenas se fixam com a decisão do tribunal ou quando há acordo entre as partes, concordo com a natureza provisória da indemnização por incapacidade absoluta temporária efectuada à luz do artigo 52.° do Decreto-Lei n.º 40/95/M antes da fixação da respectiva incapacidade do sinistrado, cuja obrigação legal visa tutelar os interesses do sinistrado.
A questão nuclear é apurar se a natureza provisória de indemnização referida enquadra-se no artigo 62.°. Código de Processo do Trabalho, nomeadamente a rectificação oficiosa da indemnização por incapacidade de sinistrado prevista no seu n.º 3. Ora, logo o n.º 1 do artigo 62.º do Código de Processo do Trabalho define o seu campo de aplicação, delimitando a sua aplicação ao caso de indemnização provisória que seja fixada pelo juiz a requerimento de parte.
In casu, a indemnização efectuada pela recorrente à recorrida, apesar de ser provisória, por não ser fixada pelo tribunal mas antes ser uma obrigação legal, não se enquadra no artigo 62.º do Código de Processo do Trabalho. Assim sendo, o n.º 3 do artigo 62.º do Código de Processo do Trabalho invocado quanto à rectificação oficiosa de indemnização é inaplicável no caso vertente.
Por outro lado, não obstante a recorrente sufrague a aplicação extensiva do artigo 62.º do Código de Processo do Trabalho ao caso de obrigação legal de indemnização antecipada prevista no artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 40/95/M que é o caso vertente, não lhe assiste razão. Com efeito, enquanto a indemnização provisória strito sensu prevista no n.º 1 do artigo 62.º do Código de Processo do Trabalho deriva duma decisão judicial, neste enquadramento, os legisladores impõem o tribunal a rectificar a sua decisão quando fixar definitivamente a incapacidade do sinistrado, já o artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 40/95/M trata-se duma obrigação legal independentemente do requerimento e não deriva duma decisão judicial, pelo que não existe uma decisão judicial de indemnização a rectificar. Por conseguinte, pela ratio do artigo 62.º do Código de Processo do Trabalho, essa disposição legal é inaplicável no caso vertente.
É inequívoco que a recorrente tem o crédito sobre a recorrida, mas isso não significa que o tribunal deve proceder-se à compensação. Nos termos do n.º 1 do artigo 839.° do Código Civil, a compensação só se torna efectiva mediante a declaração de uma das partes à outra. No caso sub judice, não há nenhuma declaração de compensação por parte da recorrente, o tribunal a quo não pode proceder-se à compensação que não seja invocada. Devida à inexistência de compensação invocada, a análise de requisitos de compensação, incluindo o acórdão de direito comparada referido pelo recorrente, é desnecessária.
Pelo exposto acima, o caso vertente não se enquadra na rectificação oficiosa de indemnização prevista no n.º 3 do artigo 62.º do Código de Processo do Trabalho, nem houve nenhuma compensação invocada antes da decisão recorrida, a decisão recorrida sem operar a compensação de crédito não padece de nenhum vício, conclui-se que os fundamentos de recurso são improcedentes, e deve ser negado provimento ao recurso.
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Foram colhidos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
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    II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

    III - FACTOS
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes conforme os elementos juntos aos autos:
- Registou-se um acidente ocorrido em 6 de Abril de 2015 conforme o relatório de fls. 3, cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
- Foi feita conciliação conforme o teor de fls. 122 dos autos;
- As partes aceitaram na conciliação o seguinte:
     - Foi um acidente de trabalho
     - Existe nexo de causalidade entre o acidente e o dano;
     - A sinistrada recebia o salário diário de MOP750.00 à data do acidente;
     - As despesas do tratamento médico gastas são MOP$99,591.00, já totalmente liquidadas;
     - A Incapacidade temporária absoluta da sinistrada é fixada em 360 dias, mas a mesma já recebeu 692 dias, o que corresponde à MOP$346.000.00 já recebida pela sinistrada.
     - Tal responsabilidade já foi transferida para a Seguradora, ora Recorrente dos autos.
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    IV - FUNDAMENTAÇÃO
Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
在本勞動特別訴訟程序中,遇難人A、僱主實體X工程持有人B、X建築工程有限公司,及保險實體X保險有限公司於試行調解中未能達成完全和解,遇難人不認同法醫鑑定報告中416日暫時絕對無能力(ITA)期間,而保險實體不認同法醫鑑定報告中416日暫時絕對無能力期間及20%長期部分無能力(IPP)之減值,雙方均聲請組成會診委員會以進行鑑定。
除了上述部份以外,上述各方於試行調解中均接受以下內容:
- 是次事故屬於工作意外;
- 工作意外與侵害之間存在因果關係;
- 遇難人之基本工資為每日澳門幣750.00元;
- 是次意外所引致之醫療費用澳門幣99,591.00元已獲全數支付;
- 是次意外引致遇難人遭受暫時絕對無能力,已獲支付澳門幣346,000.00元,作為692日的賠償;
- 是次意外所引致的責任轉移至上述保險公司。
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透過會診委員會所進行之鑑定,三位鑑定人一致評定本案遇難人A的暫時絕對無能力之期間為360日,長期部分無能力減值為10%(第142頁,為著適當的效力,該會診鑑定報告內容視為完全轉錄)。
在接獲有關報告後,遇難人及保險實體提出異議(第152及背頁、第154至156頁)。
故此,本院去函要求會診委員會作出補充理由說明,該補充報告載於卷宗第165頁(為著適當的效力視為完全轉錄)。
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本院對此案有管轄權。
本訴訟程序形式恰當。
訴訟主體具有當事人能力、訴訟能力及正當性。
沒有妨礙審查本案實體問題之無效、抗辯及先決問題。
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本案就遇難人因工作意外所遭受的暫時絕對無能力期間及長期部分無能力減值所作的評定結果方面分別有卷宗第96頁之臨床法醫學鑑定書及第142及165頁之會診鑑定報告。前者評定遇難人的暫時絕對無能力的期間為416日、長期部分無能力減值為20%,後者一致評定本案遇難人的暫時絕對無能力期間為360日、長期部分無能力減值為10%。
其中,卷宗第96頁之臨床法醫學鑑定書評定遇難人長期部分無能力減值的依據,因右大腿肌肉萎縮依第40/95/M號法令附件無能力表第46條b)項1)規定評定10%,加上因腰痛及活動受限依同表第71條d)項1)規定評定10%,共20%。上述條文規定的分別是髖部肌肉單側性萎縮及坐骨神經輕度危象。而根據會診委員會後來所作的鑑定,遇難人右大腿無肌肉萎縮,委員會認為可能與理療成效有關,且亦未見有坐體神經壓迫體征,故僅因腰部有活動受限伴壓痛而根據上表第7條c)項1)規定評定10%。
會診委員會當中包括遇難人指定的其主診醫生,且三位鑑定人亦已在報告(包括補充報告)中說明訂定的理由,故卷宗第142及165頁之會診鑑定結果更具客觀性,予以採信。
基於各方在試行調解中所協議之事實以及上述會診鑑定報告之結果,配合卷宗所載的資料,證實遇難人所遭受之意外為工作意外,而其至被視為治愈之日,因上述意外遭受的暫時絕對無能力期間為360日;自被視為治愈之日,因上述意外遭受的長期部分無能力為10%。
此外,根據卷宗資料,遇難人出生於1965年11月10日,意外發生時49歲。
根據第40/95/M號法令第1條、第2條第1款、第3條a)項、g)項(2)目、h)項(1)目、第4條、第12條、第27條、第46條a)項及b)項、第47條第1款a)項及d)項、第54條第1款a)項、第62條及第63條規定,保險實體須支付遇難人澳門幣180,000.00元(MOP$750.00 X 2/3 X 360)暫時絕對無能力之賠償,以及澳門幣216,000.00元(MOP$750.00 X 30 X 96 X 10%)長期部分無能力之賠償。因遇難人已獲支付澳門幣346,000.00元作為暫時絕對無能力賠償,故保險實體無須再向遇難人支付暫時絕對無能力賠償。
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基於上述,本院決定如下:
- 訂定遇難人A之暫時絕對無能力之期間為360日;
- 訂定遇難人A之長期部分無能力之減值為10%;
- 裁定保險實體X保險有限公司無須向遇難人支付暫時絕對無能力之賠償;
- 裁定保險實體X保險有限公司須向遇難人支付長期部分無能力之賠償澳門幣216,000.00元。
訴訟費用由保險實體承擔。
利益值:澳門幣495,591.00元。
作出登錄及通知。
A questão consiste em saber se o pagamento em excesso, feito pela Seguradora, a título da indemnização da Incapacidade Temporária Absoluta (ITA), a favor da trabalhadora/vítima, deve ser “descontado” ou não na sentença final? Quando esta fixa um período da ITA mais curto do que aquele em que a Seguradora pagou (em função do período de tratamento), a título de indemnização, ao abrigo do disposto no artigo 52º do DL nº 40/92/M, de 14 de Agosto.
Simplificando a questão, conjugando os dados assentes do caso sub judice, a Seguradora pagou, a título de indemnização, 692 dias da ITA, mas o Tribunal veio a fixar em 360 dias em termos da ITA, aceitando o resultado constante do relatório médico-pericial.
Feitas as contas, 360 dias da ITA dá direito à vítima de receber uma quantia no valor de MOP$180,000.00 (cento e oitenta mil patacas) ((MOP$750.00 X 2/3 X360 (dias)), mas a vítima já recebeu da Seguradora a quantia de MOP$346,000.00, registando-se uma diferença MOP$166,000.00, que a Seguradora pagou em excesso.
Pergunta-se, esta parte em excesso não deverá ser descontada na sentença final? Para resolver esta questão, é preciso chamar intervir vários artigos constantes de diversos diplomas.
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I – 1ª questão: conjugação do regime do DL nº 40/92/M, de 14 de Agosto, com o do Código de Processo de Trabalho (CPT):
Toda a discussão anda à volta da norma do artigo 52º do citado DL, que tem a seguinte redacção (com epígrafe: pagamento das indemnizações por incapacidade temporária):
1. As indemnizações por incapacidade temporária absoluta ou parcial, são devidas enquanto o sinistrado se encontrar a receber tratamento hospitalar, ambulatório ou de reabilitação funcioal.
2. As prestações respeitantes às indemnizações referidas no número anterior são calculadas e pagas quinzenalmente.

A ratio legis desta norma determina o sentido e a exactidão da decisão tomada pelo julgador, é o que importa ver antes de mais.
Quando a Seguradora pagou de mais, terá direito a pedir o reemsolso da parte excedente?
A Seguradora/Recorrente defende que sim, com fundamento legal no artigo 62º do Código do Processo de Trabalho (CPT), enquanto a Digna. Magistrada entende que este artigo não é aplicável, por a indemnização em causa, já paga pela Seguradora, não ter sido fixada pelo juíz, como tal não há lugar a tal “desconto”.
Quem tem razão?
O artigo 62º (fixação de indemnização provisória) do CPT tem o seguinte teor:
1. Sem prejuízo do disposto no n.º 7, o juiz, quando lhe seja requerido, fixa indemnização provisória.
2. Havendo acordo acerca da existência e caracterização do acidente de trabalho ou doença profissional, a indemnização provisória é a que for devida pela morte ou incapacidade atribuída pelo exame médico, com base na retribuição calculada nos termos da legislação sobre acidentes de trabalho e doenças profissionais, se outra não tiver sido reconhecida na tentativa de conciliação.
3. Tendo carácter provisório o grau da incapacidade fixado, o juiz rectifica a indemnização logo que seja conhecido o resultado final do exame médico que defina a incapacidade ou lhe reconheça natureza permanente.
4. Quando haja acordo acerca da existência e caracterização do acidente ou doença mas não quanto à transferência da responsabilidade, a indemnização provisória fica a cargo da seguradora cuja apólice abranja a data do acidente ou a do diagnóstico clínico da doença, e é paga pela entidade patronal, se não tiver sido junta apólice.
5. Nos casos a que se refere a parte final do número anterior em que não esteja determinada a entidade patronal ou em que esta se encontre em situação de comprovada insuficiência económica ou financeira, aplica-se o disposto no n.º 8 se não houver lugar à sua condenação nos termos do n.º 7.
6. Se não houver acordo quanto à existência ou caracterização do acidente ou doença, o juiz fixa a indemnização provisória com base nos elementos fornecidos pelo processo e de acordo com o disposto nos números anteriores, desde que, tendo resultado a morte ou incapacidade grave ou verificando-se a hipótese a que se refere a alínea 1) do n.º 1 do artigo 50.º, a considere necessária à vítima ou aos beneficiários legais.
7. É imediatamente condenada no pagamento da indemnização provisória a entidade que o juiz considere responsável, se os autos fornecerem elementos bastantes para o convencer de que a falta de acordo na tentativa de conciliação teve por fim evitar a condenação provisória; se no julgamento se confirmar essa convicção, a entidade é, a final, condenada como litigante de má fé.
8. Quando a indemnização provisória não for suportada por outra entidade, os montantes respectivos são adiantados ou garantidos pelo Fundo de Segurança Social, desde que deles necessitem a vítima ou os beneficiários legais.
Quid Juris?
Comecemos pela análise do DL nº 40/95/M.
O DL nº 40/95/M, de 14 de Agosto, é um diploma muito anterior ao CPT actual, sendo este último um diploma aprovado pela Lei nº 9/2003, de 23 de Junho, tem de fazer uma interpretação sistemática, lógica e actualista, quando se conjugam as normas destes 2 diplomas.
Quanto à natureza da indemnização fixada no artigo 52º do DL nº 40/95/M, de 14 de Agosto, ela pode ter uma natureza provisória, mas também pode não ter, seja como for, tais indemnizações são pagas sempre de 15 em 15 dias enquanto se mantêm os pressupostos aí indicados. Daí pode afirmar-se que no momento de pagamento e de recebimento da quantia, esta é quase sempre provisória, pois, só depois, na fase final, quando o Tribunal fixar definitivamente a incapacidade é que sabe se tal pagamento é definitivo ou não e se a conta está certa ou não.
A razão da norma visa essencialmente proteger e concretizar em tempo o direito e interesse do sinistrado, de forma a evitar que este, durante o período de tratamento, deixe de ter rendimento e assim enfrente dificuldades financeiras de vida, motivo pelo qual o legislador estipula que o sinistrado recebe quinzenalmente as indemnizações por incapacidade temporária.
Mas o valor desta indemnização pode ser sempre alterado em momento posterior, tanto para mais como para menos, pense-se, por exemplo, na hipótese prevista no artigo 49º do mesmo DL, conversão de incapacidade temporária em permanente, situação em que se obriga a reponderar o valor das indemnizações. Neste caso, as indemnizações anteriormente pagas são obviamente provisórias, porque determina um reajuste de contas a final. Situação semelhante é aquela em que o sinistrado venha a falecer durante o tratamento.
No caso, parece-nos que não existe grande problema ao nível do cumprimento do disposto no artigo 52º do citado DL, até que a Seguradora/Recorrente pagou mais do que aquilo que lhe incumbia.
Resta saber com que fundamento é que a Seguradora poderia pedir a parte excedente, que lhe não cabia suportar.
No fundo, cabe resolver 2 questões:
- Se a Seguradora tem direito ao reembolso da quantia paga em excesso?
- Caso afirmativo, com que mecanismo é que a Seguradora podia accionar para concretizar o seu direito?

Com estas perguntas somos obrigados a regressar ao CPT, particularmente ao artigo 62º do CPT, ao nível da sua interpretação, importa realçar o seguinte:
1) – Quer o nº 2, quer o 3 do citado artigo, fala-se só das indemnizações, não se distingue indemnização de incapacidade temporária ou permanente, mas a epígrafe do artigo fala da indemnização provisória.
2) – O nº 3 prevê um mecanismo ambivalente, cujo objectivo é exigir que o julgador, logo que tenha dados assentes, proceda à respectiva rectificação, independentemente da natureza da indemnização em causa. O que abrange naturalmente a hipótese do artigo 52º do DL citado. Compreende-se que assim seja, pois, em caso de acidente de trabalho, as indemnizações não têm por objectivo premiar alguém, quem quer que seja, mas sim visa reparar o dano sofrido, na justa medida e no momento oportuno.
No caso em apreciação, a indemnização de 692 dias da ITA paga pela Seguradora tem um carácter naturalmente provisório, porque a sinistrada teria de vir a ser submetida ao novo exame médico para fixar definitivamente a ITA, o que veio a suceder. Feito o exame, a decisão foi no sentido de 360 dias da ITA. É esta decisão final que releva.
Nesta óptica, quando o Tribunal proferiu a decisão final, devia proceder à respectiva rectificação nos termos do artigo 62º do CPT. Parece-nos que foi feito isto, só que o Tribunal a quo não chegou a completar o seu trabalho, ficou a meio termo feito, porque não chegou a apresentar a conta final ao nível da importância que a Seguradora tem de pagar finalmente, ponto este que demonstraremos mais adiante.
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II – 2ª questão: compensação de um crédito com um outro no mesmo processo laboral:
Uma outra questão levantada neste recurso é a de saber se pode haver lugar ou não à compensação, ou seja, levanta-se a questão de saber se a quantia paga em excesso pela Seguradora, a título da indemnização da ITA, pode ser usada para “compensar” outra dívida, de outra natureza, que a Seguradora tem para com a mesma sinistrada?
A Seguradora/Recorrente defende que sim, enquanto o MP entende que não.
Salvo o merecido respeito, não podemos seguir a posição do MP.
Ora, nesta matéria importa reter o artigo 61º do citado DL, que consagra:
“Os créditos respeitantes às prestações estabelecidas neste diploma são inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis e gozam dos privilégios creditórios consignados na lei geral como garantia das retribuições do trabalho, tendo preferência relativamente a esta na classificação legal.”
Por hipótese, o sinistrado tem direito a receber 50, mas efectivamente recebeu 100, supõe-se que a Seguradora viria a ser declarada falida, os credores desta última não pode reclamar tal 50 que foi pago em excesso? Parte que já não cabe no direito do sinistrado!
Por isso, quando o artigo 61º do DL fala de “créditos respeitantes às prestações estabelecidas neste diploma...” deve entender-se até ao limite do crédito que assiste ao sinistrado, a parte execessiva não está restringida por este normativo. Cremos que deve ser esta a interpretação dada à norma em análise, a qual melhor se adapta à ratio legis e aos interesses que o citado DL visa proteger.
Nesta óptica, em nome do princípio da economia processual, não nos repugna que pode haver lugar à “compensação” (sui generis), desde que a parte compensatória não ofende os limites do crédito laboral.
Pelo que, a parte excessiva do crédito pode ser penhorável, alienável e renunciável, sob pena de se cair numa situação de enriquecimento sem causa, por quem recebeu quantias de mais e sem esse direito.
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III – 3ª questão: regras especiais de natureza processual em matéria laboral:
Um outro argumento invocável, para bem fundamentar a nossa posição, tem a ver com a filosofia legislativa inerente ao sistema de processo de trabalho, estamos a referir-nos ao artigo 70º, que, fugindo às regras gerais do processo civil, permite que o Tribunal condene em valor superior ao pedido e em objecto diferente do peticionado. Tudo isto permite-nos concluir que, no processo laboral, o julgador tem maior espaço de manobra e liberdade em julgar os factos e tomar decisões mais adequadas aos interesses do sinistrado de acidente de trabalho.
Pelo exposto, é do nosso entendimento que, com base no nº 3 e do artigo 62º do CPT, o julgador deve rectificar as contas na sentença final.
Por outro lado, o artigo 14º do CPT manda:
     1. O juíz deve, até à audiência de discussão e julgamento:
     (…)
     2. Nas acções que tenham por objecto o cumprimento de obrigação pecuniária, o juíz deve orientá-las por forma a que a sentença, se for de condenação, possa fixar em quantia certa e importância devida.

Daqui resulta que, à luz do comando legislativo citado, a conta da indemnização fixada na sentença deve ser exacta e determinada.
Esta expressão “quantia certa e importância devida” exige que, na sentença, deva indicar-se expressamente as contas parcelares e finais (montante líquido) que a Seguradora deve pagar.
Se o julgador na sentença não resolvesse todos os problemas ligados às contas, nomeadamente globalmente consideradas, poderia causar dificuldade ao sinistrado em termos de execução da sentença e concretização do seu direito, sob pena de o sinistrado poder ficar à espera por muito tempo para satisfazer o seu crédito.
A sentença recorrida, na parte decisiva, proclama (e apenas) o seguinte:
“(i) fixou a duração da incapacidade temporária absoluta (i.T.A.) de que a Autora, ora Recorrida, padeceu em 360 dias;
(ii) fixou o coeficiente de desvalorização da incapacidade permanente parcial (I.P.P.) desta em 10%;
(iii) que determinou que a Ré, ora Recorrente, não haveria nada à pagar à Recorrida a título de indemnização por I.T.A, e; (sublinhado nosso)
(iv) condenou a Recorrente, no pagamento à Recorrida da quantia de MOP216.000,00 a título de indemnização por I.P.P.”
É de verificar que o Tribunal a quo não chegou a indicar expressamente a conta final que a Seguradora/Condenada deve pagar à sinistrada. Uma situação semelhante invocável nesta circunstância é aquela em que alguém vai ao supermercado fazer compras, por exemplo de 20 artigos, em situações normais, ninguém vai pagar artigo por artigo e facturar artigo por artigo (salvo se o consumidor assim pede e a loja assim consente, por exemplo, para depois o adquirente ir reembolsar junto de diferentes pessoas, mas são hipóteses raras!). A factura contém o preço unitário de cada um dos produtos adquiridos e depois o preço total somatório que o adquirente tem de pagar à loja! Este método pode (e deve) ser adoptado na sentença final proferida no processo laboral, uma vez que nestes processos, senão todas as vezes, pelo menos, na maioria dos casos, terminam com a condenação de quantias, portanto, de números, então deve conter contas parcelares e contas finais! É esta razão, cremos que sim, que o legislador no artigo 14º do CPT fala de “quantia certa e importância devida”.
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Por outro lado ainda, o artigo 566º do CPC, ex vi do artigo 1º/1 do CPT, obriga a que a sentença tome em consideração factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da acção e que, segundo o direito substantivo aplicável, tenham influência sobre a existência ou conteúdo da relação material controvertida.
Eis mais um argumento jurídico para que o Tribunal declare a conta final aquando da prolação da decisão final.
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Resumindo e concluindo:
1) – Em primeiro lugar, quando estão reunidos todos os elementos necessários, o julgador deve indicar expressamente as contas parcelares e finais, e proceder à rectificações necessárias, quando sejam detectadas algumas irregularidades ou inexactidões, nos termos do disposto no artigo 62º do CPT;
2) – Em segundo lugar, quando o artigo 61º do DL fala de “créditos respeitantes às prestações estabelecidas neste diploma...” deve entender-se até ao limite do crédito que assiste ao sinistrado, a parte excessiva não está restringida por este normativo. A parte excessiva do crédito pode ser penhorável, alienável e renunciável, sob pena de se cair numa situação de enriquecimento sem causa, por quem recebeu quantias de mais e sem esse direito
3) Em terceiro lugar, as decisões proferidas nos processos laborais devem especificar os itens pelos quais o responsável vai condenado e fixar as contas finais de modo exacta e determinada, caso estejam reunidos os pressupostos necessários.
4) – Em quarto lugar, a sentença deve apurar-se o resultado final pelo qual o condenado tem de pagar ao sinistrado, de modo a dar cumprimento rigoroso ao preceituado no artigo 14º do CPT e artigo 560 do CPC.
Com o que fica exposto, e, na sequência do decidido pelo Tribunal a quo, indicado na parte decisiva sob o número 1 e 2 da sentença recorrida ((1) - Fixar a duração da incapacidade temporária absoluta (ITA) de que a Autora (Recorrida) padeceu em 360 dias; (2) - Fixar o coeficiente de desvalorização da incapacidade permanente parcial (IPP) desta em 10%), esta tem de ser alterada em função do raciocínio e argumentação por nós tecida até agora, passando a decidir da seguinte forma:
1) - Determinar que a Ré/Recorrente não tem de pagar mais à Recorrida, a título de indemnização por ITA, por esta já ter recebido da Seguradora/Recorrente/Ré a quantia total de MOP$346,000.00, sendo reconhecido o direito da Seguradora/Recorrente/Ré para reclamar a quantia no valor de MOP$166,000.00 (MOP$346,000.00 – MOP$216,000), quantia paga pela Seguradora/Recorrente/Ré em excesso, sem prejuízo da compensão indicada no número seguinte.
2) - Condenar a Recorrente/Ré a pagar à Recorrida a quantia de MOP216.000,00 a título de indemnização por IPP, sendo a quantia de MOP$166,000.00 compensada com o crédito referido no número 1) acima, ficando assim a a Recorrente/Ré condenada a pagar ainda à Recorrida/Autora a quantia de MOP$50,000.00 (cinquenta mil patacas) a título de indemnização por IPP, parte indemnizatória que falta por liquidar. Assim se condena a Seguradora/Recorrente/Ré nestes termos e neste iten.
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Tudo visto, resta decidir
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    V - DECISÃO
1. Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em conceder provimento ao recurso e revogar a parte recorrida da sentença, passando a decidir da seguinte forma:
2. Determinar que a Ré/Recorrente não tem de pagar mais à Recorrida, a título de indemnização por ITA, por esta já ter recebido da Seguradora/Recorrente/Ré a quantia total de MOP$346,000.00, sendo reconhecido o direito da Seguradora/Recorrente/Ré para reclamar a quantia no valor de MOP$166,000.00 (MOP$346,000.00 – MOP$216,000), quantia paga pela Seguradora/Recorrente/Ré em excesso, sem prejuízo da compensão indicada no número seguinte.
3. Condenar a Recorrente/Ré a pagar à Recorrida a quantia de MOP216.000,00 a título de indemnização por IPP, sendo a quantia de MOP$166,000.00 compensada com o crédito referido no número 1) acima, ficando assim condenada a Recorrente/Ré a pagar ainda à Recorrida/Autora a quantia de MOP$50,000.00 (cinquenta mil patacas) a título de indemnização por IPP, parte indemnizatória que falta por liquidar. Assim se condena a Seguradora/Recorrente/Ré nestes termos e neste item.
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4. Quanto ao demais, mantém-se o decidido
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Sem custas nesta instância.
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Registe e Notifique.
                 RAEM, 26 de Abril de 2018.
                 Fong Man Chong
                 Ho Wai Neng
                 José Cândido de Pinho
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