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Processo nº 265/2018 Data: 10.05.2018
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Acidente de viação.
Espécie de pena.
Medida de pena.
Atenuação especial.
Pena acessória.



SUMÁRIO

1. A “sinistralidade rodoviária”, ainda que devida à (mera) negligência dos utentes da via pública, tem vindo a adquirir proporções (extremamente) preocupantes, e em face das suas consequências, muitas vezes, duradouras, permanentes, trágicas e/ou mortais, (muito) fortes são as necessidades de prevenção (geral) deste tipo de ilícitos, especialmente em casos de “culpa exclusiva” de um dos intervenientes e “lesões graves” do(s) outro(s), tornando inadequada a opção por uma pena de multa.

2. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art. 65°, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.

3. A atenuação especial da pena só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, – e não para situações “normais”, “vulgares” ou “comuns”, para as quais lá estarão as molduras normais – ou seja, quando a conduta em causa se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.

4. O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detectar incorrecções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na detecção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exacto da pena que, decorrendo duma correcta aplicação das regras e princípios legais, ainda se revele proporcionada.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo

Processo nº 265/2018
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, arguido com os sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenando pela prática como autor material de 1 crime de “ofensa grave à integridade física por negligência”, p. e p. pelo art. 142°, n.° 3 e 138°, al. c) do C.P.M. e art. 93°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão suspensa na sua execução por 2 anos, na condição de, no prazo de 1 mês, pagar à R.A.E.M. a quantia de MOP$10.000,00, e na pena acessória de inibição de condução por 9 meses; (cfr., fls. 398 a 406 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformado, o arguido recorreu.

Motivou para concluir afirmando o que segue:

“ 1ª
O presente recurso vem interposto do douto acórdão de fls. 398 a 406 dos presentes autos proferido pelo tribunal recorrido que condenou o arguido, ora recorrente, como autor material de um crime de ofensa grave à integridade física, por negligência, p. e p. pelo artigo 142°, n.° 3 do Código Penal (CP), conjugado com o artigo 138°, al. c) do mesmo Código e o artigo 93°, n.° 1 da Lei do Trânsito Rodoviário (Lei n.° 3/2007), na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos sob condição do pagamento por parte daquele de uma contribuição no valor de MOP 10,000.00 a favor da RAEM.

Foi ainda o arguido condenado na pena acessória de inibição de condução por 9 meses, não devendo conduzir durante esse período sob pena de incorrer num crime de desobediência qualificada.
3a
A decisão judicial acima descrita não colhe a aquiescência do ora recorrente, sendo que a motivação do presente recurso incide sobre o regime da atenuação especial da pena que deveria ter sido acolhido pelo tribunal recorrido no caso sub judice e, bem assim, sobre a medida da pena e a pena acessória de proibição de condução que também lhe foi aplicada.

No âmbito da determinação da medida da pena, a medida concreta é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais, como decorre do artigo 65º, n.°s 1 e 2 do CP.

A quantificação da culpa e da intensidade das razões de prevenção, em função das quais se vão dimensionar as correspondentes molduras, faz-se, naturalmente, através de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, podendo a pena ser especialmente atenuada quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena (cfr. artigo 65° do CP).

O regime da atenuação especial da pena é regulado nos artigos 66° e 67° do CP, sendo que o uso do faculdade extraordinária deste regime pressupõe um acervo de circunstâncias anteriores, coevas ou posteriores ao crime que, notoriamente, diminuam a culpa, a ilicitude ou as necessidades de punição.

Em benefício do ora recorrente, provaram-se diversas circunstâncias atenuantes.

O arguido confessou de forma plena, integral e sem quaisquer reservas todos os factos de que vinha acusado, de livre e espontânea vontade, assumindo plenamente a responsabilidade dos seus actos, logo em sede de declarações na Polícia de Segurança Pública (cfr. fls. 32) e perante o Ministério Público (cfr. fls. 53) como em sede de audiência de julgamento – cfr., Recorded on 06-Dec-2017 at 15.19.28 (2517H^8W00620121), de 05m50seg a 21m30seg –, contribuindo assim decisivamente para a descoberta da verdade material dos factos constantes da acusação.

Acresce que o arguido é primário, não tendo antecedentes criminais, como resulta do certificado de registo criminal datado de 23/11/2017 de fls. 378 dos presentes autos.
10ª
Mais acresce que o arguido está sinceramente arrependido dos actos que cometeu e, bem assim, ficou especialmente afectado pelas consequências do seu acto, como se comprova pelo facto de o arguido ter visitado o assistente no hospital, pedindo-lhe desculpa e dispondo-se inclusivamente a indemniza-lo, conforme depoimento prestado pelo arguido e pelo próprio assistente em julgamento – cfr. suporte digital, Recorded on 06-Dec-2017 at 15.19.28 (2517H^8W00620121), de 05m50seg a 21m30seg (quanto ao arguido) e de 22m15seg a 25m05seg (quanto ao assistente).
11ª
Requerendo-se assim a V. Exas. se dignem confirmar essas declarações prestadas pelo arguido e pelo assistente em julgamento, com referência às passagens da gravação acima assinaladas.
12ª
Acresce ainda que já decorreu algum tempo entre a data da prática dos factos (12/08/2015) e a da punição (9/01/2018), mais de dois anos, mantendo o arguido boa conduta durante todo este período de tempo como se infere do certificado de registo criminal acima identificado.
13ª
Ora, o Tribunal deveria ter aplicado o regime previsto nos artigos 66º e 67º do CP, atenuando especialmente a pena.
14ª
O Tribunal a quo deveria ter valorado aquelas circunstâncias anteriores e posteriores do crime – como sejam a confissão expressa de forma livre, espontânea, plena e integral, o sincero arrependimento, o facto do arguido ter ficado especialmente afectado e de ser primário e a sua boa conduta antes e depois da prática do crime – de forma a concluir que esses factores diminuíram a ilicitude do facto, a culpa do agente e a necessidade da pena.
15ª
Concluindo-se que a pena de 1 ano e seis meses de prisão que foi fixada pelo Tribunal “a quo” mostra-se exagerada em função das circunstâncias atenuantes acima discriminadas que, notoriamente, diminuem a culpa, a ilicitude e as necessidades de punição.
16ª
Ora, tomando em consideração que o limite máximo da pena de prisão prevista na lei para o crime em causa não é superior a 3 anos (vide, artigo 142º, n.º 3 do CP), deveria ter sido aplicada ao arguido meramente uma pena de multa, dentro dos limites referidos no n.° 1 do artigo 45° do CP, a coberto do preceituado no artigo 67°, n.° 1, al. d) do mesmo Código que prevê precisamente, nessa situação, a substituição da pena de prisão por multa.
17ª
Considerando-se como adequada, justa e equilibrada a aplicação ao arguido, ora recorrente, de uma pena de multa em valor não superior MOP 22,500.00 (i.e., pena de 150 dias de multa à taxa diária de 150 patacas, ou seja, MOP 22,500.00) atenta a natureza do crime em causa, à personalidade do arguido, às circunstâncias atenuantes acima discriminadas e à sua situação económica e familiar.
18ª
A decisão recorrida violou assim o disposto nos artigos 45°, 66° e 67° do CP.
19a
Caso V. Exas. entendam não aplicar o regime da atenuação especial da pena, sempre se dirá que a pena aplicada ao arguido é excessiva, desproporcionada e desajustada.
20a
As finalidades da pena são, nos termos do artigo 45° do CP, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo que, na determinação da pena, o juiz começa por determinar a moldura penal abstracta e, dentro dessa moldura, determina depois a medida concreta da pena que vai aplicar, para, de seguida, escolher a espécie da pena que efectivamente deve ser cumprida.
21ª
Nos termos do artigo 65°, n°s 1 e 2, do CP, a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, em cada caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a seu favor ou contra ele.
22ª
Na determinação da medida da pena a aplicar ao arguido pelo crime que cometeu, há que ponderar, nomeadamente, o grau da ilicitude da sua conduta e a gravidade do crime cometido, aqui em apreciação, atendendo ao modo de actuação e consequências da respectiva conduta e ainda a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo daquele crime, deponham a seu favor ou contra ele.
23ª
Analisando as operações efectuadas pela 1ª Instância quanto à determinação da espécie e medida da pena aplicada ao arguido, não podemos deixar de concluir que a pena que foi aplicada ao arguido é excessiva e desproporcional e viola o disposto nos artigos 40º e 65º do CP.
24ª
O acórdão recorrido não atendeu às circunstâncias do presente caso nem tão pouco à personalidade do arguido e às circunstâncias atenuantes acima referenciadas que, como vimos, justificava a aplicação de uma pena de multa na esteira, aliás, de decisões do mesmo tribunal em processos de natureza muito similar .
25ª
A título meramente exemplificativo, no processo crime que correu no TSI sob o número 59/2004, a arguida foi condenada pelo TJB apenas a uma pena de multa (no valor de MOP 38,500.00), pela prática do mesmo crime (crime de ofensa grave à integridade física, por negligência, emergente de acidente de viação) do qual resultaram graves danos para a vítima.
26ª
No processo crime que correu recentemente no TSI sob o número 93/2017, o arguido foi condenado pelo TJB apenas a uma pena de multa (no valo de MOP 31,500.00), pela prática do mesmo crime (crime de ofensa grave à integridade física, por negligência, emergente de acidente de viação, p. e p. pelo artigo 142º, n.º 3 do Código Penal (CP), conjugado com o artigo 138º, al. c) do mesmo Código e o artigo 93º, n.º 1 da Lei do Trânsito Rodoviário) do qual resultaram, de igual modo, graves danos para a vítima, designadamente uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 12%, quando, no presente caso, o assistente ficou a padecer de uma IPP inferior (de 8%).
27ª
O recorrente é primário e teve bom comportamento anterior e posterior à data dos factos constantes na acusação.
28ª
O recorrente confessou a verdade dos factos à Polícia, ao Ministério Público e em sede de julgamento, por iniciativa própria, de livre vontade e de forma espontânea, produzindo efeito relevante na descoberta da verdade, para além de se mostrar arrependido e estar especialmente afectado com o infeliz acidente.
29ª
Termos em que o recorrente deve ser condenado apenas numa pena de multa, de valor não superior a MOP 22,500.00 nos termos infra propostos, e não ser sujeito a qualquer pena de prisão.
30ª
Por último, o tribunal recorrido deveria ter fixado uma pena acessória de inibição de condução por apenas 4 meses, em vez de 9 meses, atendendo ainda à personalidade do arguido, às circunstâncias em que ocorreram os factos aqui em discussão e às próprias circunstâncias atenuantes que se verificaram no caso sub judice em prol do arguido.
31ª
Dispõe o artigo 94°, 1) da LTR (Inibição de condução pela prática de crimes) que é punido com inibição de condução pelo período de 2 meses a 3 anos, consoante a gravidade do crime, quem for condenado por (…) qualquer crime cometido no exercício da condução.
32ª
A inibição de conduzir veículos assume assim a natureza de uma verdadeira pena e está associada à prática de um crime.
33ª
Importa, agora, determinar a medida da pena acessória, que será fixada dentro da moldura penal abstracta – com um mínimo de dois meses e um máximo de três anos – de acordo com a culpa e as exigências de prevenção (geral e especial) e tomando em atenção todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra o arguido, fazendo-se, por isso, o mesmo raciocínio que se fez para graduar a pena principal.
34ª
Também aqui a pena acessória de inibição de condução de 9 meses que foi aplicada ao arguido é manifestamente excessiva, sendo que uma pena de 4 meses se mostra justa e adequada.
35ª
Assegurando-se assim o critério de prevenção geral de intimidação e um efeito de prevenção especial para emenda cívica do arguido”; (cfr., fls. 424 a 446).

*

Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 449 a 453-v).

*

Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“No douto Acórdão em escrutínio (cfr. fls.398 a 406 dos autos), o Tribunal a quo condenou o recorrente arguido na pena principal de um ano e seis meses de prisão com suspensão da execução durante dois anos, e a pena acessória de inibição da condução no período de nove meses.
O recorrente pediu, na Motivação (cfr. fls.424 a 446 dos autos), a substituição da pena de prisão pela pena de multa não superior a MOP$22,500.00 e a redução da dita pena acessória ao período de quatro meses, alegando a personalidade do arguido e circunstâncias de atenuação especial.
Em nome de circunstâncias de atenuação especial, o recorrente alegou ser primário, confessar espontaneamente e sem reserva os factos que lhe vieram ser imputados, existir actos demonstrativos do arrependimento sincero, ficar especialmente afectado pelas consequências da sua conduta e, afinal, ter já decorrido algum tempo sobre a prática do crime.
Sem embargo do respeito pela opinião diferente, subscrevemos as criteriosas explanações da ilustre Colega na Resposta (cfr. fls.449 a 453v dos autos), no sentido do não provimento do recurso em exame.
*
No ordenamento jurídico de Macau, a atenuação especial da pena é de aplicação excepcional, e não é qualquer das circunstâncias previstas no n.°2 do art.66° do Código Penal ou semelhantes logo capaz de accionar o regime de atenuação especial da pena, antes tem de apreciar todo o quadro da actuação do agente para ponderar a atenuação especial e encontrar a medida concreta da pena aplicável ao caso.
Pois bem, «Para poder beneficiar da atenuação especial da pena prevista no art.66.° do Código Penal, é necessário que se verifica uma situação de diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena, em resultado da existência de circunstâncias com essa virtualidade.» (A título exemplificativo, cfr. Acórdão do TUI no Processo n.°20/2004)
De outro lado, não deve perder da vista que para efeitos de atenuação especial da pena, o arrependimento só é relevante se se traduzir em actos concretos demonstrativos de tal sentimento (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.°34/2010), a mera colaboração com autoridade policial e a confissão não têm condão do arrependimento consignado na c) do n.°2 do art.66° do CPM.
Em harmonia com as prudentes jurisprudências retro aludidas, inclinamos a entender que os factos alegados pelo recorrente, incluindo a sua visita ao ofendido enquanto hospitalizado, não se dispõem da virtude de atenuação especial, visto que tais factos, sinteticamente valorados, não podem abalar a firmeza é precisão do juízo de «考慮到本案犯罪事實的不法程度屬較高,嫌犯犯罪的過失程度甚高» extraído pelo Tribunal a quo. Pois, ele não prestou assistência económica ao ofendido enquanto hospitalizado.
*
No vertente caso, vale salientar que o recorrente não impugnou a subsunção operada pelo douto Tribunal a quo, no sentido de aquele ter cometido um crime de ofensa grave à integridade física por negligência p.p. pelo preceito no n.°3 do art.142° do CPM em conjugação com as disposições na alínea e) do art.138° deste diploma legal e no n.°1 do art.93° da Lei n.°3/2007 (Lei do Trânsito Rodoviário). A agravação consagrada neste n.°1 do art.93° faz com que a moldura prescrita no n.°3 do art.142° do CPM passa a ser a pena de prisão de um a três anos ou a pena de multa.
Nestes termos, e tendo em conta a ilicitude, a culpa e a gravidade do dano provocado pelo recorrente, afigura-se-nos que não mostra injusta a pena principal aplicada pelo Tribunal a quo – a de um ano e seis meses de prisão com suspensão da execução durante dois anos, e é descabido o pedido da pena de multa no valor não superior a MOP$22,500.00.
À luz do disposto no n.°1 do art.94° da Lei n.°3/2007 (estabelecendo o período de dois meses a três anos da inibição de condução), parece-nos que a pena acessória de inibição da condução no período de nove meses é proporcional à ilicitude e à culpa, e é adequada para alcançar as finalidades da punição – a prevenção especial e a geral.
E no nosso prisma, não se descortina razão que possa sustentar a pretensão no sentido de ser condenado na pena acessória de inibição da condução durante apenas de 4 meses.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso”; (cfr., fls. 464 a 465-v).

*

Adequadamente processados, vieram os autos à conferência.

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Nada obstando, cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido, a fls. 400 a 401-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou como autor material da prática de 1 crime de “ofensa grave à integridade física por negligência”, p. e p. pelo art. 142°, n.° 3 e 138°, al. c) do C.P.M. e art. 93°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão suspensa na sua execução por 2 anos, e na pena acessória de inibição de condução por 9 meses.

Entende que o Acórdão recorrido padece de “excesso de pena”, pedindo a substituição da pena de prisão por uma pena de multa, assim como a redução da pena acessória de inibição de condução para outra de 4 meses.

Vejamos.

A matéria da “determinação da pena” é tarefa sujeita a critérios legais pré-determinados, (embora se nos afigure inevitável que, na sua execução, interferem, ainda que em percentagem reduzida, certos aspectos pessoais, subjectivos).

Prescreve o art. 40° do C.P.M. que:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

E, nos termos do art. 64° do mesmo C.P.M.: “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Ponderando na factualidade dada como provada, – que não vem impugnada nem merece qualquer alteração – retira-se que o acidente de viação dos autos se deveu à culpa única e exclusiva do arguido, (que não dando prioridade ao veículo motorizado conduzido pelo ofendido o abalroa com o seu veículo automóvel num cruzamento), e ponderando, nomeadamente, nas lesões por este sofridas em consequência do mesmo acidente, em virtude das quais ficou internado por cerca de 2 meses, ficando com impossibilidade para trabalhar por mais de 750 dias, tendo que suportar ainda uma incapacidade parcial permanente de 8%, entendeu o Tribunal a quo que, in casu, inadequada era a pena (alternativa) de multa, tendo optado pela de prisão.

E, atento o preceituado no dito art. 64° do C.P.M., afigura-se-nos que bem andou o Tribunal a quo, já que também nós entendemos que inadequada e insuficiente para as “finalidades da punição”, (cfr., art. 40° do C.P.M.), seria, no caso, uma pena de multa.

A “sinistralidade rodoviária”, ainda que devida à (mera) negligência dos utentes da via pública, tem vindo a adquirir proporções (extremamente) preocupantes, e em face das suas consequências, muitas vezes, duradouras, permanentes, trágicas e/ou mortais, (muito) fortes são as necessidades de prevenção (geral) deste tipo de ilícito, o que, em nossa opinião, e especialmente em casos de “culpa exclusiva” de um dos intervenientes e “lesões graves” do outros, torna inadequada a opção por uma pena de multa, (salientando-se, porém, que no caso em questão não se deixou de decretar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada).

Diz o recorrente que é “primário”, que “confessou os factos”, que estes já ocorreram há algum tempo, e que se mostra “arrependido”.

Porém, no caso, e sem prejuízo de melhor opinião, são essencialmente as (fortes) “necessidades de prevenção geral” que afastam a pretendida pena de multa, sendo de notar que o Tribunal a quo não deixou de ter em consideração todas as circunstâncias que eram favoráveis ao ora recorrente.

Não se olvida que (também) no caso dos autos se está perante uma “conduta negligente”.

Porém, não se pode também menosprezar o outro lado da medalha.

O do(s) ofendido(s) (e suas famílias) que, sem culpa nenhuma, por indevida distracção, falta de cuidado, e muitas vezes, (gritante) irresponsabilidade, se vem subitamente confrontados com situações de todos conhecidas, e que muitas vezes, transtornam por completo as suas vidas.

E, sendo tais factos públicos e notórios, óbvio é que perante os mesmos adequada não é uma atitude passiva, ou meramente tolerante…

Continuemos.

Pois bem, ao crime pelo arguido cometido – em virtude de ser um “crime cometido no exercício da condução” – cabe a pena de 1 ano e 1 mês a 3 anos de prisão (ou pena de multa de 130 a 360 dias); (cfr., art°s 142°, n.° 3 e 138°, al. c) do C.P.M. e art. 93°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007).

E, como se deixou relatado, foi o recorrente condenado na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, (na condição de, no prazo de 1 mês, pagar à R.A.E.M. o quantum de MOP$10.000,00).

E, também aqui, no que toca à “medida da pena”, cremos que nenhuma censura merece o decidido.

Temos entendido – e motivos não vislumbramos para o deixar de fazer – que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 07.12.2017, Proc. n.° 998/2017, de 08.02.2018, Proc. n.° 30/2018 e de 12.04.2018, Proc. n.° 166/2018).

No que toca à “atenuação especial da pena”, tem também sido entendimento deste T.S.I. que “A atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, – e não para situações “normais”, “vulgares” ou “comuns”, para as quais lá estarão as molduras normais – ou seja, quando a conduta em causa se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 28.09.2017, Proc. n.° 812/2017, de 16.11.2017, Proc. n.° 751/2017 e de 30.01.2018, Proc. n.° 344/2017-I).

Tratando desta “matéria” tem-se entendido que a figura da “atenuação especial da pena” surgiu em nome de valores irrenunciáveis de justiça, adequação e proporcionalidade, como necessidade de dotar o sistema de uma verdadeira válvula de segurança que permita, em hipóteses especiais, quando existam circunstâncias que diminuam de forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer uma imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva, a possibilidade, se não mesmo a necessidade, de especial determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto, por outra menos severa.

No caso, ponderando nas “circunstâncias do acidente” (e sem olvidar o que pelo recorrente alegado vem), não se nos apresenta ser uma situação “especial”, “excepcional” ou “extraordinária”, de forma a justificar uma atenuação especial da pena nos termos do art. 66° do C.P.M..

Por sua vez, tendo presente a atrás referida moldura penal, e estando a pena aplicada a 5 meses do seu mínimo, evidente é que inexiste margem para qualquer redução.

Cabe aqui consignar também que como decidiu o Tribunal da Relação de Évora:

“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 13.07.2017, Proc. n.° 522/2017, de 26.10.2017, Proc. n.° 829/2017 e de 30.01.2018, Proc. n.° 35/2018).

No mesmo sentido decidiu este T.S.I. que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).

E, como se tem igualmente decidido:

“O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16).

“O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detectar incorrecções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na detecção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exacto da pena que, decorrendo duma correcta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Guimarães de 25.09.2017, Proc. n.° 275/16).

Ora, face ao que se deixou consignado, cremos pois que, na parte em questão, censura não merece a decisão recorrida.

–– Quanto à “pena acessória”.

À situação dos autos cabe a pena acessória de inibição de condução por um período de 2 meses a 3 anos; (cfr., art. 94° da Lei n.° 3/2007).

E, sem embargo do muito respeito por melhor opinião, e tal como sucedeu em relação à “pena principal”, também aqui se nos apresenta que motivos não há para qualquer redução.

Com efeito, também aqui a pena aplicada está a 7 meses do seu mínimo legal e a mais de 2 anos do seu limite máximo, não nos parecendo que seja uma pena (evidentemente) desproporcionada e que justifique qualquer reparo.

Dest’arte, e tudo visto, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Custas pelo arguido com a taxa de justiça que se fixa em 6 UCs.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 10 de Maio de 2018
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 265/2018 Pág. 30

Proc. 265/2018 Pág. 1