--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------------
--- Data: 26/04/2018 ---------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. José Maria Dias Azedo -----------------------------------------------------------------
Processo nº 260/2018
(Autos de recurso penal)
(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)
Relatório
1. A ou A1 ou A2 (A或A1或A2), com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no art. 56° do C.P.M.; (cfr., fls. 176 a 185 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).
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Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 187 a 188-v).
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Em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“Inconformado com o despacho de 14 de Fevereiro de 2018, que lhe recusou a liberdade condicional, dele recorre o recluso A, também conhecido por A2 e A1.
Na sua motivação de recurso, sustenta que todos os requisitos exigidos para a concessão da almejada liberdade condicional estavam preenchidos, pelo que, ao denegá-la, a decisão recorrida teria efectuado uma incorrecta apreciação dos pressupostos materiais para tanto necessários, em violação do artigo 56.°, n.° 1, do Código Penal.
Na sua contraminuta de recurso, o Ministério Público pronuncia-se pelo acerto da decisão recorrida, que deve ser mantida.
Está em causa saber se estão ou não preenchidos os requisitos materiais de que a lei faz depender a concessão da liberdade condicional.
É sabido que a liberdade condicional é de aplicação casuística, dependendo a sua concessão do juízo de prognose indiciador de que o recluso vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em consonância com as regras de convivência, bem como da ponderação da compatibilidade entre a libertação antecipada e a defesa da ordem jurídica e da paz social. Trata-se, no fundo, de verificar se estão satisfeitas as exigências de prevenção especial e de prevenção geral, tal como imposto pelo artigo 56.°, n.° 1, do Código Penal.
No caso vertente, inclinamo-nos para considerar que ainda persistem dúvidas em matéria de prevenção especial, tal como assinalou o despacho recorrido.
O recorrente, apesar do bom comportamento registado em contexto prisional e de uma ocupação do tempo que pode considerar-se profícua, não forneceu indicadores claros que apontem para uma expiação da pena subordinada ao arrependimento sincero. Não solveu as custas nem outros encargos decorrentes dos variados ilícitos criminais praticados, tal como nada demonstrou, em termos de planeamento do respectivo pagamento. Além disso, a falta de perspectivas de apoio familiar ou de proximidade e de emprego ou ocupação válida não lhe auguram uma reinserção social fácil, dada a propensão que a sua personalidade evidencia para a prática de ilícitos criminais. Torna-se, pois, difícil arriscar um juízo de prognose favorável sobre a sua reinserção na sociedade em conformidade com as regras de convivência, como acabou por concluir o despacho recorrido.
Depois, há que não perder de vista a questão da prevenção geral. Prevenção geral positiva ou de integração, enquanto exigência de tutela do ordenamento jurídico, que se manifesta primordialmente no momento chave da aplicação da pena, mas que não pode menosprezar-se na avaliação das condições de concessão da liberdade condicional – cf. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, parágrafos 283 e 852.
Também deste ponto de vista, e ponderando o círculo de interesses no âmbito dos quais se projectou a conduta danosa do recorrente, nomeadamente através das repetidas situações de usura e de reentrada ilegal, bem como a importância desses interesses para Macau e a sua economia, é possível acompanhar as considerações aduzidas no despacho recorrido para julgar não satisfeito o requisito da prevenção geral.
Em conclusão, a decisão recorrida efectuou uma ponderação equilibrada dos aspectos a considerar na concessão da liberdade condicional, em consonância com os comandos do artigo 56.° do Código Penal, pelo que, na improcedência da argumentação do recorrente, deverá ser negado provimento ao recurso”; (cfr., fls. 237 a 238).
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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):
– A ou A1 ou A2, ora recorrente, deu entrada no E.P.C. em 10.11.2015, para cumprimento de uma pena única de 3 anos e 5 meses de prisão, resultado do cúmulo jurídico das penas que lhe foram aplicadas em 4 processos, nos quais foi condenado pela prática de crimes de “usura para jogo”, “reentrada ilegal”, “falsificação de documentos” e “desobediência”;
– em 18.02.2018, cumpriu dois terços de tal pena, expiando-a em 08.04.2019;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, tenciona voltar a viver com a sua família em Hong Kong.
Do direito
3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do art. 56° do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.
Cremos que manifesto é não se lhe pode reconhecer razão.
Vejamos.
— Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:
“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. n.° 1).
“In casu”, atenta a pena única que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 10.11.2015, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.
Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.
Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).
Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 14.12.2017, Proc. n.° 1069/2017, de 25.01.2018, Proc. n.° 14/2018 e de 22.03.2018, Proc. n.° 205/2018, podendo-se também sobre o tema ver o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 540/16).
Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.
Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?
Como se deixou adiantado, temos para nós que de sentido negativo terá de ser a resposta.
De facto, (e não se olvidando a relativa proximidade do términus da pena), inviável se nos mostra o necessário juízo de prognose favorável, pois que o ora recorrente, não é primário, incorrendo, novamente, e não obstante isto, na prática sucessiva, de ilícitos criminais pouco tempo após as suas anteriores condenações, não aproveitando as oportunidades concedidas, insistindo em regressar a Macau, não obstante expulso e proibido de o fazer, para voltar a delinquir, tendo sido arguido e condenado no âmbito de 6 processos, (cfr., C.R.C., a fls. 102 a 125), revelando, assim, uma personalidade avessa ao direito e com clara tendência para a prática de ilícitos que, aqui, importa ter presente e ponderar.
Por sua vez, e tendo também em conta os “tipos” e “natureza” dos crimes cometidos, importa acautelar a repercussão de tal “criminalidade” na sociedade, o que equivale a dizer que não podem ser postergadas as exigências de tutela do ordenamento jurídico, (cfr., F. Dias in “Dto Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), havendo igualmente que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada”, impondo-se, também por isso, uma reafirmação social mais intensa da validade das normas jurídicas violadas; (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106 e o Ac. da Rel. do Porto de 10.01.2018, Proc. n.° 417/15).
Assim, em face das expostas considerações, e manifesto sendo que verificados não estão os pressupostos do art. 56°, n.° 1, al. a) e b) do C.P.M., há que decidir em conformidade.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, decide-se rejeitar o recurso.
Pagará o recorrente a taxa de justiça que se fixa em 3 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 26 de Abril de 2018
José Maria Dias Azedo
Proc. 260/2018 Pág. 12
Proc. 260/2018 Pág. 11