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Proc. nº 919/2017
(Autos de Recurso Jurisdicional Contencioso Administrativo)

Data: 26 de Abril de 2018

Assunto:
- Não suprimento da irregularidade detectada
- Rejeição do recurso

SUMÁRIO:
- Tendo o Recorrente sido convidado por duas vezes para identificar com precisão a autoria do acto sindicado e mantendo a mesma irregularidade na terceira petição apresentada, não resta outra alternativa senão a rejeição do recurso nos termos do nº 4 do art.º 51.º do C.P.A.C.
O Relator,

Ho Wai Neng








Proc. nº 919/2017
(Autos de Recurso Jurisdicional Contencioso Administrativo)

Data: 26 de Abril de 2018
Recorrente: AXXX
Objectodo Recurso: Despacho que rejeitou o recurso

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por despacho de 02/06/2017, o Tribunal Administrativo da RAEM rejeitou o recurso contencioso interposto pelo Recorrente AXXX.
Dessa decisão, vem o Recorrente interpor o presente recurso jurisdicional, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
A. O ora recorrente possui legítimos direitos que não foram considerados nem salvaguardados pela Administração da R.A.E.M.
B. O acto de indeferimento da pretensão do A. ora Recorrente, proferido pelo despacho de 3 de Fevereiro, já referenciado no presente recurso, e comunicado pelo ofício 03659/005/CEM/SAL/2017, de 22 de Fevereiro, é um verdadeiro acto administrativo, que produz efeitos negativos na esfera jurídica do A. ora Recorrente, e como tal merece e deve ser apreciado em sede de recurso contencioso pelo Tribunal Administrativo da R.A.E.M.
C. O indeferimento da petição inicial com basa em questões processuais formais, abstendo-se o tribunal de conhecer a questão de fundo, que é a apreciação e análise do acto administrativo e seus efeitos na esfera jurídica do ora recorrente, representa na prática, uma verdadeira denegação de justiça para o ora recorrente.
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O Ministério Público é de parecer pela improcedência do presente recurso contencioso, a saber:
   “Para os devidos efeitos, perfilhamos inteiramente a sensata jurisprudência que inculca: A delimitação objectiva de um recurso jurisdicional afere-se pelas conclusões das alegações respectivas (art.589°, nº3, do CPC). As conclusões funcionam como condição da actividade do tribunal "ad quem" num recurso jurisdicional que tem por objecto a sentença e à qual se imputam vícios próprios ou erros de julgamento. Assim, se as alegações e respectivas conclusões visam sindicar algo que não foi sequer discutido, nem decidido na 1ª instância, o recurso terá que ser julgado improvido. (vide. Acórdão do TSI no processo n.º98/20l2)
   Em esteira, e tendo em conta as conclusões nas alegações (vide fis.117 a 122 dos autos), basta-nos indagar se a o douto despacho de rejeição da MMª Juiz a quo incorre em «denegação de justiça», cujos elementos constitutivos e tipicidade estão definidos no n.º1 do art.333° do Código Penal?
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   Tendo recebido o ofício n.º03659/005/CEM/SAL/2017 (doc. de fls.9 a 10 dos autos), o recorrente apresentou a petição inicial enfermada inegavelmente das deficiências descritas pela MMª Juiz a quo no despacho do fls.76 dos autos, no mesmo despacho foi concedido o prazo de 10 dias ao recorrente para ele aperfeiçoar a petição inicial, com a cominação explícita de «sob pena de ser rejeitado o presente recurso (…)».
   Acontece que a 2ª petição inicial repetiu que «Pelo que, vem o ora recorrente requerer a V. Exª que seja anulado o despacho proferido pelo Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais», padece também as «imprecisões e ambiguidade relativo ao objecto bem como ao pedido apuradas da nova p.i.» mencionadas no despacho do fls.97 e verso.
   Mais uma vez lhe foi concedido, nesse referido despacho, o prazo de 10 dias para aperfeiçoar a petição inicial, com a advertência explícita de «sob pena de ser rejeitado o presente recurso (…)». Eis o segundo despacho de convite para aperfeiçoamento da segunda petição inicial.
   Note-se lamentavelmente que a 3ª petição inicial insistiu em repetir literalmente que «Pelo que, vem o ora recorrente requerer a V. Exª que seja anulado o despacho proferido pelo Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais…, de que agora se recorre.»
   Não se deve perder da vista que nessa 3ª petição inicial, verifica-se igualmente repetição da seguinte passagem: Em resumo, por causa de violação do "os princípio de instrução oficiosa" e "por erro sobre os pressupostos de facto" do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais, o presente recurso contencioso pede a anulação do despacho do Chefe dos Serviços de Ambiente e Licenciamento, datado de 3 de Fevereiro de 2017, proferido no âmbito das suas competências funcionais ... , embora o ofício n.º03659/005/CEM/SAL/2017 lhe esclareça expressamente «competências subdelegadas».
   As sobreditas repetições na 2ª e na 3ª petição inicial patenteiam que o recorrente não prestou mínima atenção às deficiências que a MMª Juiz a quo lhe aclarou paciente e reiteradamente, e ignorou completamente a tolerância e generosidade da MMª Juiz a quo.
   Com respeito pela opinião diferente, parece-nos que as obscuridades e deficiências na identificação do acto recorrido e do respectivo autor, reiteradamente repetidos na 2ª e na 3ª petição inicial, são indiscutivelmente grosseiras, portanto não podem escapar do erro e negligência manifestamente indesculpáveis. O que nos faz acreditar tranquilamente que é legal e plenamente conforme com a ratio da alínea. f) do n.º2 do art.121.° do CPAC o despacho de rejeição decretado pela MMª Juiz a quo.
   Nesta linha de perspectiva, e em harmonia coma a pertinente e douta doutrina (M. Leal-Henriques, M. Sima Santos: Código Penal de Macau Anotações, Macau 1997, págs.934 a 937), colhemos que ao despacho da MMª Juiz a quo não pode ser assacada a «denegação de justiça», e o qual não ofende normativos ou princípios jurídicos.
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   Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso jurisdicional…”.
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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II – Fundamentação
O despacho recorrido tem o seguinte teor:
   “…
   Fls. 101 a 108:
   Em resposta do segundo convite de aperfeiçoamento, o recorrente vem apresentar nova p.i. nela se consegue destacar demais ambiguidade relativo à autoria do objecto processual, uma decisão tomada por despacho de 3 de Fevereiro de 2017, tal como se refere pelo recorrente no intróito da p.i..
   No art.º 13.º da p.i. a fls. 101 a 108, alega o recorrente que “Por todos estes factos relatados que mostrou o recorrente tem direitos e interesses legítimos e titularidade da referida sepultura, quanto ao requerido no requerimento apresentado em 14 de Outubro de 2016, mas o Chefe dos Serviços de Ambiente e Licenciamento do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM) fazer o indeferido pelo despacho 3 de Fevereiro de 2017, notificado ao ora recorrente em 22 de Fevereiro de 2017, de que agora se recorre, o Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM) não cumpriu com os procedimentos próprios e pressupostos para a instrução oficiosa, em erro total, já violou por erro sobre os pressupostos de facto.
   O despacho em questão é um verdadeiro acto administrativo que produz efeitos negativos na esfera jurídica do ora recorrente.
   Por ter negado ao ora recorrente um direito natural de legítimo proprietário da campa perpétua ARIP 1º*** situada no cemitério São Miguel Arcanjo e por ter negado e indeferido a pretensão do ora recorrente em proceder à colocação dos restos mortais do seu familiar BBB na referida campa perpétua.”
   De outro lado, no art.º 15.º o recorrente pede ao Tribunal “Pelos fundamentos considerados no presente recurso e pelos documentos juntos vem o ora recorrente requer a V Exa Meritíssimo juiz que o tribunal considere ilegal o acto de indeferimento proferido pelo Instituto para os Assunto Cívicos e Municipais ordenando aos serviços que procedam à autorização do que foi oportunamente requerido pelo ora recorrente permitindo assim a colocação dos restos mortais de BBB na campa perpétua RIP 1º*** do cemitério São Miguel Arcanjo em Macau e simultaneamente que seja proferida sentença na qual se reconheça que de acordo com os documento juntos e considerando os fundamentos do presente recurso, o ora recorrente que pertence à família XXX é o legitimo proprietário.”
   Existe assim uma confusão sobre a autoria do acto, o mesmo pode ainda observar no n.º 3 das alegações e na parte final da peça em que o recorrente formula expressamente o pedido de anulação contra “o despacho proferido pelo Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais” (vide fls. 108 dos autos).
   No despacho do convite de aperfeiçoamento a fls. 97 e verso dos autos, foi invocada a ambiguidade relativa ao acto recorrido (objecto processual) o que conduziu ainda à imprecisão do pedido formulado, referindo expressamente que a decisão do indeferimento da inumação conjunta na sepultura n.º SM-1-0*** tomada pelo Chefe dos Serviços de Ambiente e Licenciamento do I.A.C.M. não é feita através do ofício datado de 22/02/2017. Logo, na segunda p.i. apresentada a fls. 90 a 96 dos autos, é indicada adequadamente como entidade recorrida o Chefe dos Serviços de Ambiente e Licenciamento do I.A.C.M..
   De facto, tal como se consta no ofício a fls. 9 e 10 dos autos, a decisão do indeferimento da inumação conjunta na sepultura n.º SM-1-0*** foi feita pelo Chefe dos Serviços de Ambiente e Licenciamento do I.A.C.M. em 03/02/2017, no uso das competências subdelegadas pelo Vice-Presidente do Conselho de Administração, CCC, no Despacho n.º 03/VPD/2016.
   Diz ainda no《Estatuto do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais》anexado à Lei n.º 17/2001《Criação do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais》, de 17 de Dezembro, o seguinte:
   “Artigo 1.º
   Natureza
   O Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais é uma pessoa colectiva de direito público, com a natureza de instituto público, incumbido pelo Governo da Região Administrativa Especial de Macau, adiante designada abreviadamente por RAEM, de servir a população, nos termos dos presentes Estatutos e das demais leis e regulamentos aplicáveis.
   Artigo 5.º
   Órgãos
   São órgãos do IACM:
   1) O conselho de administração;
   2) O conselho consultivo;
   3) A comissão de fiscalização.”
   Das disposições citadas podem resultar o I.A.C.M. não pode ser a entidade recorrida ou órgão administrativo demandado a que se refere o art.º 37.º do C.P.A.C..
   Dos expostos se pode concluir a confusão na identificação da autoria do acto verificada na terceira p.i. é de mera negligência manifestamente indesculpável do recorrente.
   Em face da irregularidade destacada outra vez na terceira p.i. apresentada, outra solução não deixa para o Tribunal senão a rejeitar o presente recurso, nos termos do art.º 51.º, n.ºs 1 e 4, todos do C.P.A.C..
   Custas pelo recorrente com taxa de justiça de 4UC.
   Registe e D.N..”.
Trata-se de uma decisão que aponta para a boa solução do caso.
Assim, ao abrigo do disposto do nº 5 do artº 631º do CPCM, é de negar provimento ao recurso, com os fundamentos constantes na decisão impugnada.
Quanto à suscitada questão da denegação de justiça, cumpre-nos dizer que nunca pode configurar a decisão da rejeição do recurso contencioso ora recorrida como uma situação de denegação de justiça.
Bem pelo contrário, foram dadas ao Recorrente duas oportunidades para identificar com precisão o objecto do presente Recurso Contencioso, só que, como bem observou o Dignº Magistrado do Mº Pº junto deste TSI, o próprio Recorrente “não prestou mínima atenção às deficiências que a MMª Juiz a quo lhe aclarou paciente e reiteradamente, e ignorou completamente a tolerância e generosidade da MMª Juiz a quo”.
*
III – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto, mantendo o despacho recorrido.
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Custas pelo Recorrente com 8UC taxa de justiça.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 26 de Abril de 2018.

(Relator)
Ho Wai Neng

(Primeiro Juiz-Adjunto)
José Cândido de Pinho

(Segundo Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong

Mai Man Ieng




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