打印全文
Processo nº 300/2018 Data: 10.05.2018
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.


SUMÁRIO

1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.

2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo

Processo nº 300/2018
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. B (B), com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no art. 56° do C.P.M.; (cfr., fls. 68 a 83 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

*

Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da procedência do recurso; (cfr., fls. 85 a 87).

*

Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação (cfr. fls.68 a 83 dos autos), o recorrente solicitou a revogação do douto despacho recorrido e a sua substituição pela decisão de conceder a liberdade condicional por ele reunir todos os pressupostos, assacando-lhe o vício de violação do preceito no n.°2 do art.468° do CPP.
Quid juris?
*
No dia de hoje, constitui jurisprudência firme que a concessão da liberdade condicional depende do preenchimento cumulativo de todos os pressupostos, quer formais quer substanciais, consignados no art.56° do CPM, bastando a não verificação de qualquer um para se negar o pedido da liberdade condicional (a título exemplificativo, Acórdão do TSI no Processo n.°195/2003).
Importa recordar que a liberdade condicional não é uma medida de clemência ou de recompensa por mera boa conduta prisional, e serve na política do C.P.M. um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o recluso possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão. (Acórdão do TSI no Processo n.°50/2002)
Daí decorre que se, não obstante um comportamento prisional adequado, pelo passado do recluso e perspectivas de reintegração se não se formula um juízo de prognose favorável a uma regeneração e se teme pelas razões de prevenção geral. (Acórdão do TSI no Processo n.°225/2010)
Ainda se inculca reiteradamente que cada situação deve ser observada em concreto e caso a caso, num circunstancialismo de modo, tempo e lugar próprios, analisando de forma crítica a personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo se vai reinserir na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo ainda constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social. (Acs. do TSI nos Processos n.°225/2010 e n.°404/2011)
Envolvendo conceitos indeterminados de prognose, as alíneas a) e b) do n.°1 do art.56° dotam aos julgadores certa margem de livre apreciação na interpretação e na valorização, pelo que a convicção de não verificação dos pressupostos subjectivos só poderia ser neutralizado se houvesse uma exemplar e excelente evolução activa da personalidade do recluso durante a execução da prisão, e não um mero comportamento passivo cumpridor das regras básicas de conduta prisional. (Acórdão do TSI no Processo n.°9/2002)
Em esteira das sensatas jurisprudências supra citadas, e ressalvado elevado respeito pela opinião diferente, inclinamos a entender que o ora recorrente ainda não reúne, nesta altura, os dois pressupostos substanciais prescritos no n.°1 do art.56° do CPM, do cujo preenchimento cumulativo depende necessariamente a concessão da liberdade condicional.
Ora, impõe-se, desde já, ter presente que o recorrente estava viciado do consumo de droga que é, como se sabe e a regra de experiência vem mostrando, um vício difícil de ser abandonado, e de outro lado, ele ainda não consegue arranjar um emprego para ganhar a sua vida.
Assim, acompanhamos a prudente preocupação do MM° Juiz a quo no que diz respeito à prevenção especial, no sentido de que «被判刑人與他人共同實施了一項「販毒罪」,屬於嚴重罪行且犯罪的故意程度高,加上以往有吸食毒品習慣,顯示其守法意識薄弱,且自控能力不足。故此,雖然被判刑人服刑期間在學習方面表現積極,亦一直參與獄方的工作坊和活動,但考慮到其以往的生活狀況、犯罪情節,以及行為不法性的嚴重程度,本法庭認為尚需再予以觀察,方能確信倘釋放被判刑人,其能抵禦犯罪所帶來的金鐘收益及毒品的誘惑,踏實地向正當的人生目標前進,並以對社會負責任的方式生活及不再犯罪。因此,本案現階段尚未符合《刑法典》第56條第1款a)項的要件。»
E afigura-se-nos cristal e bem fundada a sua preocupação dedicada à prevenção geral, que inculca «在一般預防方面,本案中被判刑人所觸犯的販毒罪屬嚴重犯罪,……,對社會安寧及法律秩序均構成嚴重的影響。眾所周知,毒品對人體健康的損害、完整家庭的破壞及對社會的危害性都非常嚴重,而且社會上吸毒及販毒的行為出現越趨年輕化的情況。考慮到本特區日益嚴重及年輕人化的毒品犯罪,以及年輕人受毒品禍害而對社會未來所造成的不良影響,普遍社會成員不能接受販賣毒品荼毒他人的被判刑人被提前釋放。倘本法庭現時作出假釋決定,將是對信賴法律、循規守紀的社會成員的另一次傷害,同時亦會動搖法律的威攝力,更甚者,將對潛在的犯罪份子釋出錯誤信息,令澳門成為毒品的集散地。因此,本法庭認為本案現階段尚未符合《刑法典》第56條第1款b)項的要件。»
Nestes termos, não obstante se militarem, nos autos, umas circunstâncias favoráveis ao recorrente, não podemos deixar de aderir à posição do MM° Juiz a quo. Pois, como bem observou o MM° Juiz a quo, existe ainda a séria dúvida de que o recorrente tenha já adquirido a estável capacidade de conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem ir cometer crime; e prevê-se razoavelmente que a colocação dele em liberdade nesta altura não é compatível com a paz social.
De qualquer modo, importa ter presente que é generalizadamente consabido que em termos comparativos, as sanções penais da ordem jurídica da RAEM são mais benevolentes. Daí que Macau deve tentar todo o esforço para evitar a desastre de ser destino ou “paraíso” de delinquentes.
Nesta linha de perspectiva, e dado ser manifesta a improcedência da arguição de violação do preceito no n.°2 do art.468° do CPP, resta-nos entender que não tem cabimento a pretensão da recorrente, e não merece censura alguma o douto despacho em escrutínio.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso”; (cfr., fls. 94 a 95-v).

*

Corridos os vistos legais dos Mmos Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.

*

Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):

– B, ora recorrente, deu entrada no E.P.C. em 28.10.2013, para cumprimento de uma pena de 6 anos e 6 meses de prisão que lhe foi aplicada pela prática de 1 crime de “tráfico ilícito de estupefacientes”;
– em 28.02.2018, cumpriu dois terços de tal pena, expiando-a em 28.04.2020;
– em caso de vir a ser libertado, irá viver com a sua família, em Macau.

Do direito

3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do art. 56° do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Vejamos.

— Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:

“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).

Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. n.° 1).

“In casu”, atenta a pena que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 28.10.2013, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.

Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).

Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 25.01.2018, Proc. n.° 14/2018, de 22.03.2018, Proc. n.° 205/2018 e de 19.04.2018, Proc. n.° 272/2018, podendo-se também sobre o tema ver o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 540/16).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Tendo presente o que se deixou consignado, e ponderando nos contornos da situação em questão, cremos que de sentido positivo deve ser a resposta.

De facto, o recluso ora recorrente, já em fase de inquérito confessou e colaborou com as autoridades policiais na investigação, identificando o seu fornecedor e viabilizando a sua detenção, o qual veio a ser julgado e condenado, possibilitando também, a apreensão de uma porção de estupefaciente, tendo, também, em audiência, confessado os factos na íntegra e sem reservas.

Por sua vez, era primário antes da condenação na pena que cumpre, demonstrando arrependimento pela sua conduta – v.d., v.g., as várias cartas juntas aos autos e o parecer da técnica de serviço social – tem tido um “bom comportamento prisional” – vd., Parecer do Director do E.P.C. – possuindo também vontade e apoio da família (que o visita) para levar uma “vida nova”.

Assim, cremos pois que se mostra verificado o pressuposto do art. 56°, n.° 1, al. a) do C.P.M., ou seja, viável se nos apresenta o necessário “juízo de prognose favorável” quanto à sua futura vida em liberdade.

E sem esquecer a “natureza” do crime cometido, ponderando na quantidade de estupefaciente em questão, (aliás, reflectida na pena aplicada), no período de pena já expiado, (quase 4 anos e 6 meses), e no que falta cumprir, (menos de 2 anos), e tendo presente a “tónica” que, no caso, nos merece a “postura processual” do ora recorrente, crê-se que viável é atender-se à pretensão em questão, considerando-se igualmente verificados os pressupostos do art. 56°, n.° 1, al. b), desde que ao recorrente se fixem certas obrigações que terá que observar.

Dest’arte, em face das expostas considerações, e verificados se mostrando de considerar os pressupostos do art. 56°, n.° 1 do C.P.M., há que revogar a decisão recorrida, concedendo-se a liberdade condicional ao ora recorrente, devendo o mesmo observar o programa que lhe vier a ser fixado pelos Serviços de Reinserção Social, devendo-se apresentar mensalmente, na P.S.P., com início no dia seguinte ao da sua libertação, ficando proibido de frequentar casinos e devendo comprovar, nos autos, e no prazo de 3 meses, a sua ocupação profissional, (sob pena de, eventual, revogação da agora concedida liberdade condicional).

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam julgar procedente o recurso, concedendo-se a pretendida liberdade condicional nos exactos termos consignados.

Sem custas.

Passem-se os competentes mandados de soltura.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Envie-se cópia à P.S.P. e aos Serviços de Reinserção Social.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 10 de Maio de 2018

(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng

(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa


Proc. 300/2018 Pág. 2

Proc. 300/2018 Pág. 3