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Processo nº 319/2018(I)
(Autos de recurso penal)
(Incidente)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. No âmbito dos presentes Autos de Recurso Penal proferiu o ora relator a seguinte “decisão sumária”:

“Relatório

1. Por Acórdão do T.J.B. de 01.03.2018, decidiu-se condenar B (B), arguido com os sinais dos autos, como autor da prática de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, (com as alterações introduzidas pela Lei n.° 10/2016), na pena de 7 anos de prisão; (cfr., fls. 270 a 276-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformado, vem o arguido recorrer para dizer (apenas) que “excessiva” é a pena que devia ser reduzida para uma pena de 5 anos de prisão; (cfr., fls. 285 a 290).

*

Respondendo, considera o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 292 a 293-v).

*

Admitindo o recurso com efeito e modo de subida adequadamente fixados, vieram os autos a este T.S.I., onde, em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“Recorre B do acórdão exarado a fls. 270 e seguintes dos autos, que o condenou na pena de 7 anos de prisão, como autor material de um crime de tráfico de droga, previsto e punível pelo artigo 8.°, n.° 1, da Lei 17/2009, na redacção que foi dada pela Lei 10/2016.
Na motivação do recurso insurge-se contra a medida da pena, que considera excessiva.
Na sua minuta de resposta, o Ministério Público na primeira instância pronuncia-se pela improcedência do recurso, rebatendo os argumentos avançados pelo recorrente.
Também nós temos por insubsistentes os fundamentos em que o recorrente se louva para defender o abaixamento da pena.
Importa notar, desde logo, que esta se situou abaixo do meio da moldura abstracta e não apresenta desfasamento relevante com a bitola habitualmente usada nos tribunais da Região Administrativa Especial de Macau. Perante esta constatação, e tendo presentes as finalidades de prevenção que presidem à determinação das penas, sendo certo que, no campo do tráfico, a finalidade de prevenção geral tem especial acuidade em Macau, não se pode considerar que se esteja face a um excesso injustificado de pena.
Depois, importa notar que o argumento concreto que o recorrente enfatiza, na tentativa de sustentar o abaixamento da pena, se mostra insubsistente. Insurge-se, na verdade, contra a circunstância de ter sido afirmado, no acórdão, que as consequências do crime são graves. E explica este seu desacordo afirmando que apenas houve tentativa de venda e que as drogas encontradas na sua posse nunca afluíram a Macau nem constituíram perigo para a sociedade de Macau.
Só que não há dúvida de que a droga foi introduzida em Macau, proveniente de Hong Kong. O recorrente, estrangeiro, logrou trazer de Hong Kong para Macau, a quantidade de droga apreendida e examinada, o que nos leva para o campo do tráfico transfronteiriço, que é aquele que verdadeiramente permite a afluência e disseminação de droga pelo mercado de Macau. Assim, as consequências do crime não podem deixar de ser tidas por maléficas e graves, dada a entrada em Macau e o potencial de perigo que isso representou para a sociedade.
Enfim, ponderadas que se mostram, pelo acórdão recorrido, todas as circunstâncias que podiam influir na determinação da pena, e dada a elevada intensidade do dolo e atendendo ao grau de ilicitude que o tribunal teve por bem computar em médio, crê-se que a pena não padece do excesso que lhe vem atribuído.
De resto, e como temos vindo a repetir, os parâmetros em que se move a determinação das penas, adentro da chamada teoria da margem de liberdade, não são matemáticos, devendo aceitar-se a solução encontrada pelo tribunal do julgamento, a menos que o resultado se apresente ostensivamente intolerável, por desajustado aos fins das penas e à culpa que as delimita, o que não é o caso.
Ante quanto se deixa dito, improcede manifestamente a motivação do recurso, não havendo reparos a apontar ao acórdão recorrido, pelo que o nosso parecer vai no sentido da rejeição do recurso ou, quando assim se não entenda, no sentido de lhe ser negado provimento”; (cfr., fls. 342 a 343).

*

Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 272 a 274-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou como autor da prática de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, (com as alterações introduzidas pela Lei n.° 10/2016), na pena de 7 anos de prisão.

Entende que “excessiva” é a pena que lhe foi imposta, pedindo a sua alteração e substituição por uma pena de 5 anos de prisão, (não questionando a “decisão da matéria de facto” ou o seu enquadramento jurídico-penal que também não merece nenhum reparo da nossa parte e que por isso se mantém na sua íntegra).

Porém, e como já se deixou adiantado, patente é a improcedência do recurso, pouco se mostrando de acrescentar ao já exposto no douto Parecer do Ministério Público que aqui se dá como reproduzido.

Seja como for, não se deixa de dizer o que segue.

Pois bem, ao crime de “tráfico” pelo arguido cometido, e dado que ocorrido em Março de 2017, cabe (agora) a pena de 5 a 15 anos de prisão; (cfr., art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, alterada pela Lei n.° 10/2016).

Como sabido é, a “determinação da medida concreta da pena”, é tarefa que implica a ponderação de vários aspectos.

Nos termos do art. 40° do C.P.M.:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

Por sua vez, e atento o teor art. 65° do mesmo código, onde se fixam os “critérios para a determinação da pena”, tem este T.S.I. entendido que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 07.12.2017, Proc. n.° 998/2017, de 08.02.2018, Proc. n.° 30/2018 e de 12.04.2018, Proc. n.° 166/2018).

É também sabido que com os recursos não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de 1ª Instância em matéria de determinação da pena, e que esta deve ser confirmada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legais atendíveis; (cfr., v.g., os Acs. do Vdo T.U.I. de 03.12.2014, Proc. n.° 119/2014 e de 04.03.2015, Proc. n.° 9/2015).

Acompanhando o Tribunal da Relação de Évora temos igualmente considerado:

“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 13.07.2017, Proc. n.° 522/2017, de 26.10.2017, Proc. n.° 829/2017 e de 30.01.2018, Proc. n.° 35/2018).

No mesmo sentido decidiu este T.S.I. que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).

E, como recentemente se tem igualmente decidido:

“O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16).

“O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detectar incorrecções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na detecção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exacto da pena que, decorrendo duma correcta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Guimarães de 25.09.2017, Proc. n.° 275/16).

Aqui chegados, que dizer da pena de 7 anos de prisão fixada para o crime de “tráfico”?

No caso, temos pela frente um arguido natural de Hong Kong, onde já foi condenando em pena de prisão de 4 meses, e que vem a Macau como visitante para se dedicar ao “tráfico de estupefacientes”, agindo com dolo directo e intenso, muito elevado sendo o grau de ilicitude da sua conduta, até porque, como da matéria de facto se colhe, o arguido já se vinha dedicando a esta actividade há algum tempo, tendo – no ano de 2017 – traficado por 6 vezes estupefaciente, não se tratando assim de uma “situação pontual” ou “ocasional”.

Face aos graves malefícios e prejuízos que o crime de “tráfico de estupefacientes” causa para a saúde pública, e, atento o aumento dos índices deste tipo de criminalidade, evidentes se mostram as fortes razões de prevenção criminal.

E, nesta conformidade, atento o que se deixou exposto, ponderando nas “quantidades” de estupefaciente em questão, tendo presente a moldura penal aplicável, (e na pena concreta fixada, a dois anos do mínimo, e a 8 do seu máximo), muito fortes sendo as necessidades de prevenção criminal, evidente nos parece que a decisão do Colectivo do T.J.B. não merece qualquer censura, sendo assim de se confirmar a pena aplicada, nos termos que a seguir se decide.

Decisão

4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o presente recurso.

Pagará o arguido a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
(…)”; (cfr., fls. 345 a 351 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Oportunamente, veio o arguido reclamar do decidido, insistindo no entendimento que em sede do seu recurso tinha deixado exposto; (cfr., fls. 357 a 362).

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Sobre este expediente, assim opinou o Exmo. Representante do Ministério Público:

“O recorrente B reclama para a conferência da decisão sumária de fls. 345 e seguintes, que rejeitou o seu recurso por manifesta improcedência.
Pelo acórdão exarado a fls. 270 e seguintes tinha sido condenado em primeira instância na pena de 7 anos de prisão, como autor material de um crime de tráfico de droga, previsto e punível pelo artigo 8.°, n.° 1, da Lei 17/2009, na redacção que foi dada pela Lei 10/2016.
Continua a clamar contra a pena aplicada em primeira instância e mantida na decisão sumária, reafirmando os argumentos expendidos na sua alegação de recurso, na tentativa de persuadir que a pena de 7 anos de prisão, que lhe foi aplicada, se mostra excessiva, e que haveria espaço para a reduzir para 5 anos.
Cremos que não lhe assiste razão.
Seja-nos permitido remeter, antes de mais, para o nosso parecer exarado a fls. 342 a 343 dos autos, em cujos considerandos deixámos expressos os motivos da nossa discordância quanto ao pretendido abaixamento da pena concreta. Aí foram rebatidos os argumentos da motivação do recurso e demonstrada a sua fragilidade enquanto causa da impetrada redução da pena, o que foi, aliás, transcrito e tido em conta na decisão sumária.
A esses considerandos, transcritos e levados em linha de conta na decisão sumária, acrescentou esta um conjunto apreciável de razões para justificar a adequabilidade e a manutenção da pena fixada em primeira instância, tendo para o efeito analisado e desmontado o argumentário do recorrente, com citação de variada e pertinente jurisprudência e chamando a atenção nomeadamente para as circunstâncias transfronteiriças em que ocorrera o crime de tráfico de droga pelo qual foi condenado, para os seus antecedentes, bem como para os graves malefícios e prejuízos para a saúde pública.
É de notar, no que aos prejuízos e malefícios toca – e dada a insistência do recorrente na inexistência de perigo para a sociedade de Macau, uma vez que a sua conduta não teria ido além duma tentativa de venda de droga em Macau – que o crime de tráfico de droga é considerado, pela generalidade da jurisprudência internacional, um crime de perigo abstracto, pelo que o bem jurídico genericamente protegido pelo tipo (saúde pública) sai lesado com a mera introdução da droga num determinado círculo, geográfico ou de pessoas, à margem do circuito legalmente autorizado.
Estes elementos, aqui sinteticamente relembrados, apontavam, de forma evidente, para a improcedência do recurso, tal como foi considerado a fls. 344, e, consequentemente, para a sua rejeição mediante decisão sumária, tudo conforme as disposições conjugadas dos artigos 410.°, n.° 1, e 407.°, n.° 6, alínea b), do Código de Processo Penal.
Daí que não haja reparo a dirigir à decisão sumária objecto de reclamação, cujo sentido deve ser mantido, indeferindo-se a reclamação”; (cfr., fls. 364 a 365).

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Por despacho do ora relator, foram os presentes autos conclusos para visto dos Mmos Juízes-Adjuntos e, seguidamente, inscritos em tabela para decisão em conferência; (cfr., fls. 366).

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Nada parecendo obstar, passa-se a decidir.

Fundamentação

2. No uso da faculdade que lhe é legalmente reconhecida pelo art. 407°, n°. 8 do C.P.P.M., vem o arguido reclamar da decisão sumária nos presente autos proferida.

Porém, mostra-se de concluir que evidente é que não se pode reconhecer mérito à sua pretensão, muito não se mostrando necessário aqui consignar para o demonstrar.

Com efeito, a decisão sumária agora reclamada apresenta-se clara e lógica na sua fundamentação – nela se tendo efectuado correcta identificação e tratamento das questões colocadas – e acertada na solução.

Na verdade, e pelos motivos que na referida decisão sumária se deixaram expostos, patente se mostra que justo e adequado foi o decidido no Acórdão do Colectivo do T.J.B. objecto do recurso pelo ora reclamante trazido a este T.S.I., o que, por sua vez, implica, a necessária e natural conclusão de que devia ser (totalmente) confirmada.

Dest’arte, e mais não se mostrando de consignar, já que se limitam o ora reclamante a repisar o já alegado e adequadamente apreciado da decisão sumária agora em questão, inevitável é a improcedência da reclamação apresentada.

Decisão

3. Nos termos que se deixam expostos, em conferência, acordam julgar improcedente a reclamação apresentada.

Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 3 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$800,00.

Registe e notifique.

Macau, aos 31 de Maio de 2018

(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng

(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
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