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Processo nº 331/2018 Data: 17.05.2018
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Cessação da relação de trabalho.
Contravenção laboral.
Forma de processo.
Despedimento.
Justa causa.



SUMÁRIO

1. O processo contravencional é o próprio para o julgamento da (eventual) prática de uma infracção laboral na cessação da relação de trabalho.

2. Constitui, em geral, justa causa para a resolução do contrato qualquer facto ou circunstância grave que torne praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho; (cfr., art. 68°, n.° 2 da Lei n.° 7/2008).

O relator,

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José Maria Dias Azedo


Processo nº 331/2018
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. X MACAU – LISTAS TELEFÓNICAS LDA. (X黃頁有限公司), com os restantes sinais dos autos, vindo, a final, a ser condenada pela prática de uma contravenção, p. e p. pelo art. 77° e 85°, n.° 3, al. 5) da Lei n.° 7/2008, (“Lei das Relações de Trabalho”), na pena de multa de MOP$5.000,00 e no pagamento de MOP$292.800,00 de indemnização à ofendida A; (cfr., fls. 228 a 234 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformada, a arguida recorreu para – em síntese – imputar à decisão recorrida o vício de “erro na forma de processo” e “errada aplicação do direito”, pedindo a sua consequente absolvição; (cfr., fls. 258 a 265).

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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 268 a 273).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou também o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“Submetida a julgamento em processo contravencional laboral, foi a ora recorrente “X Macau – Lista Telefónica, Ld.a” condenada na multa de MOP $5,000.00 (cinco mil patacas), como autora de uma contravenção prevista e punível pelos artigos 77.° e 85.°, n.° 3, alínea 5), da lei 7/2008, bem como no pagamento de uma indemnização de MOP $292.800.00 (duzentas e noventa e duas mil e oitocentas patacas) à trabalhadora A.
Inconformada, vem interpor recurso da decisão condenatória, em cuja motivação e respectivas conclusões sustenta não ser o processo contravencional o próprio para dirimir o litígio em questão, pondo também em causa a existência da contravenção pela qual foi punida e verberando o arbitramento oficioso da reparação, pedindo a anulação do processado e a sua absolvição da instância e da contravenção em que foi condenada.
Na sua minuta de resposta, o Ministério Público na primeira instância pronuncia-se pela improcedência do recurso, rebatendo os argumentos avançados pela recorrente e defendendo a manutenção do julgado.
Também nós temos por insubsistentes os fundamentos em que a recorrente alicerça a sua pretensão recursória.
Tal como a DSAL configurou o caso e o Ministério Público o aceitou e introduziu em juízo, estava em causa a prática de uma contravenção laboral. Na verdade, imputava-se à recorrente a falta de pagamento, no prazo de 9 dias após ter feito cessar a relação de trabalho com A, da importância indemnizatória que a esta era devida, nos termos dos artigos 77.°, 70.° e 69.°, n.° 4, da Lei 7/2008, falta que, à face do artigo 85.°, n.° 3, alínea 5), da mesma lei, constitui contravenção punível com multa de MOP $5.000.00 a $10.000.00 (cinco mil a dez mil patacas).
Pois bem, nos termos do artigo 2.°, n.° 3, alínea 1), do Código de Processo do Trabalho, as infracções de preceitos legais ou regulamentares reguladores das relações de trabalho que constituam contravenção seguem os termos do processo contravencional regulado neste Código, ou seja, o estatuído nos artigos 89.° e seguintes do Código de Processo do Trabalho, exactamente como sucedeu.
A circunstância do dissídio relativo à cessação do contrato de trabalho mediante resolução poder ser dirimido em processo declarativo comum, em nada briga com a possibilidade de apuramento da conexa responsabilidade contravencional. E o processo próprio para apurar esta é, como vimos, o processo contravencional.
No âmbito deste, por força do princípio da adesão da acção civil à acção penal – que entre nós constitui regra, quer no processo penal, quer no processo contravencional laboral, como se extrai dos artigos 60.° e seguintes do Código de Processo Penal e 100.° e seguintes do Código de Processo do Trabalho –, pode não só ser formulado pedido de indemnização civil, como pode, na ausência desse pedido, o juiz arbitrar indemnização reparatória.
O processo e a sua tramitação obedeceram aos cânones legais, tendo a recorrente desfrutado de todas as garantias que o processo dispensa aos arguidos para preparar a sua defesa, que, nos termos das disposições dos artigos 89.° do Código de Processo do Trabalho e 386.° do Código de Processo Penal, podia ser apresentada em audiência.
Nenhum reparo há a dirigir a quanto foi decidido nesta matéria, pelo que improcede o primeiro fundamento do recurso.
Depois, a recorrente assevera que nenhuma contravenção foi cometida.
Basta ter presente a matéria de facto dada como provada, que não foi posta em causa, para concluir que também nenhuma razão lhe assiste neste particular. Essa materialidade integra inequivocamente a contravenção que lhe ia imputada e pela qual foi condenada.
Igualmente soçobra este fundamento do recurso.
Finalmente, a recorrente insurge-se contra o arbitramento oficioso da reparação.
Diz que é de afastar a aplicação do artigo 100.° do Código de Processo do Trabalho, porquanto este remete para as alíneas do artigo 74.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, e no caso não se deve considerar preenchida a alínea c) deste artigo 74.°, n.° 1, pois, afirma, não foram respeitados os critérios da lei civil, a nível de prova. Além disso, a sentença padece de falta de fundamentação, nessa parte, já que não elenca quaisquer danos e procede a um simples cálculo aritmético não sustentado nem explicado.
Mais uma vez, a recorrente está equivocada. Confunde pedido cível em acção contravencional, que se rege pelas regras previstas no artigo 101.° e seguintes do Código de Processo do Trabalho, com o arbitramento oficioso de reparação, que, em processo contravencional laboral, deve obedecer às exigências do artigo 100.° do Código de Processo do Trabalho, que inquestionavelmente estavam preenchidas, aí incluídos os requisitos do artigo 74.°, n.° 1, do Código de Processo Penal e a garantia do contraditório na produção da prova.
Por outro lado, e no que tange ao dano e à fundamentação, está bom de ver que consistindo o dano no resultado ou nas consequências negativas na esfera jurídica de uma pessoa da violação dos seus direitos e interesses … quer de natureza patrimonial quer não patrimonial – Manuel Trigo – Lições de Direito das Obrigações, Textos Jurídicos, Faculdade de Direito da Universidade de Macau 2014 –, no caso ele substancia-se no montante legalmente devido pelo despedimento sem justa causa, que a recorrente devia ter pago e não pagou à trabalhadora. Como esse montante é calculado através de uma fórmula matemática fornecida pela lei, que é aplicada ao valor do salário, a densificação da fundamentação basta-se com o apuramento do salário e com a operação de cálculo matemático, como foi feito e a que a recorrente nenhum erro aponta.
Claudica também este último fundamento do recurso.
Improcede manifestamente o argumentário da recorrente, o que deve levar ao improvimento do recurso, se não mesmo à sua rejeição”; (cfr., fls. 313 a 315).

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Nada obstando, cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados na sentença recorrida a fls. 228-v a 231, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem a arguida recorrer da sentença que a condenou pela prática de uma contravenção, “despedimento sem justa causa”, p. e p. pelo art. 77° e 85°, n.° 3, al. 5) da Lei n.° 7/2008, (“Lei das Relações de Trabalho”), na pena de multa de MOP$5.000,00 e no pagamento de MOP$292.800,00 de indemnização à ofendida dos autos.

Coloca três questões.

A primeira, quanto à “forma de processo”.

A segunda, quanto à “inexistência da (prática da) infracção” que lhe é imputada por existência de justa causa para o despedimento da sua trabalhadora/ofendida.

E, a terceira, quanto à “adequação da indemnização” arbitrada.

Passa-se a apreciar.

–– No que toca à “primeira questão”, cremos que o recurso não procede, sendo de se dar aqui como reproduzido o que em sede de Resposta e Parecer do Ministério Público vem consignado.

De facto, não se nos apresenta existir o alegado “erro na forma de processo”, necessária não sendo uma “acção de processo comum do trabalho” para se apreciar da “causa da extinção da relação de trabalho” existente entre arguida e referida ofendida, e, nomeadamente, se houve “despedimento – com ou sem – justa causa” (e sem observância dos seus pressupostos legais).

Reconhece-se que a referida “acção”, como é natural, tem outro processado.

Porém, o “processo contravencional”, no âmbito do qual foi proferida a sentença recorrida, não deixa de ser um meio processual no qual não deixou a ora recorrente de ter todos os direitos de defesa a todos assegurados em processos desta natureza, e foi o processo adequado e próprio atenta, especialmente, a sua origem: uma denúncia/queixa na D.S.A.L. que, no âmbito das suas atribuições e competências, efectuou a sua instrução e que, em momento oportuno, apurada a transgressão laboral e terminados os prazos para o pagamento voluntário da multa aplicada, remeteu o auto a Tribunal, (cfr., art. 92° da Lei n.° 7/2008), onde, pelo Ministério Público foi requerido o julgamento da arguida nesta forma de processo (por indiciada estar a sua prática de uma “contravenção laboral”; cfr., art. 2°, n.° 3, alínea 1) do C.P.T.).

Por outro lado, cabe notar que neste T.S.I. já se apreciaram recursos de decisões proferidas em sede de “processo contravencional” onde, em causa estavam, igualmente, (eventuais) infracções laborais em consequência de “despedimentos ilegais”; (cfr., v.g., os Acs. de 27.04.2012 e de 27.10.2016, Procs. n.°s 6/2012 e 715/2016).

Dito isto, e claros nos parecendo os motivos da solução que se deixou adiantada, avancemos.

–– Em relação ao “despedimento”, cremos que tem a recorrente razão, não se mostrando de acolher o considerado pelo Tribunal recorrido.

Com efeito, em síntese, resulta da matéria de facto dada como provada que a trabalhadora:
- acusou dois colegas de trabalho da prática do crime de “furto/roubo”, o primeiro, em voz alta e na presença de pessoas estranhas à empresa, e o segundo, na sequência do incidente anterior, sendo este seu superior hierárquico; e,
- recusou-se a pedir desculpa ao seu superior e, seguidamente, quando confrontada com uma “carta de advertência”, recusou, também, a sua recepção.

E, perante isto, constatando-se que foi despedida após a “segunda recusa”, cremos que a assinalada “sequência de factos” constitui a uma evidente e grave – e reiterada – violação do “dever de respeito”, que não pode deixar de tornar a subsistência da aludida relação laboral impossível.

Como se vem entendendo: “Constitui, em geral, justa causa para a resolução do contrato qualquer facto ou circunstância grave que torne praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho; (cfr., art. 68°, n.° 2 da Lei n.° 7/2008)”, considerando-se também que “A justa causa de resolução de contrato de trabalho, nos termos do art. 68º da Lei das Relações de Trabalho (Lei nº 7/2008) desenvolve-se em torno de duas condições: Por um lado, o facto/circunstância deve ser grave; Por outro lado, deverá tornar praticamente impossível a subsistência da relação laboral”; (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 27.04.2012, Proc. n.° 6/2012, de 29.05.2014, Proc. n.° 137/2014 e de 18.09.2014, Proc. n.° 442/2014).

Também recentemente se decidiu que: “A conduta da trabalhadora geradora de conflitos com os superiores hierárquicos, com um utente do Réu, criadora de mau ambiente de trabalho e integradora de uma ameaça de prática de crime, indubitavelmente abala e quebra a confiança que, necessariamente terá de existir entre trabalhador e empregador e cria legitimamente, no espírito deste último, a dúvida sobre a idoneidade da conduta futura daquela, tornando inexigível a manutenção da relação de trabalho e constitui motivo, justa causa de despedimento”; (cfr., o Ac. da Rel. de Guimarães de 19.04.2018, Proc. n.° 931/17).

Por fim, note-se, também, que em causa está uma conduta que não deixa de integrar a prática de “factos injuriosos” para os efeitos do art. 69°, n.° 2, al. 8), da Lei n.° 7/2008, e que, como sabido é, constituem “justa causa para a resolução do contrato por iniciativa do empregador”.

Nesta conformidade, e constatada a “justa causa” para o despedimento da ofendida dos autos, inexiste a “infracção” que à arguida foi imputada, motivos não havendo para a sua condenação, o que, por sua vez, não deixa de tornar injustificada a indemnização arbitrada; (cfr., cit. art. 69°, n.° 3).

Outra questão não havendo a apreciar, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso, absolvendo-se a arguida da decisão condenatória proferida.

Sem custas, (dada a isenção do Ministério Público).

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 17 de Maio de 2018
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 331/2018 Pág. 16

Proc. 331/2018 Pág. 15