Processo nº 641/2017
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 24 de Maio de 2018
Descritores:
- Revisão de sentença
- Adopção
SUMÁRIO:
I. Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa na revisão de sentença, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.
II. Quanto aos requisitos relativos à competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.
III. É de confirmar a decisão de Tribunal competente de Taiwan que decreta a adopção de um interessado nascido na RAEM, mesmo maior, desde que não se vislumbre qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública da RAEM ou qualquer obstáculo à sua revisão.
Proc. nº 641/2017
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – Relatório
A, de sexo masculino, solteiro, nascido em …, de nacionalidade chinesa, residente na…, Macau, titular do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau, n.º …, requereu contra----
1. B, de sexo masculino, solteiro, maior, nascido em …, residente na …, Cidade de Taipei; e
2. C, de sexo masculino, solteiro, maior, com a última residência conhecida sita em Macau, já abandonou Macau, estando ausente em parte incerta; e
3. D, de sexo feminino, solteira, maior, ora residente na…, Cidade de Taipei.
Revisão e Confirmação da Sentença que decretou a sua adopção pelo requerido B.
*
O requerido C afirmou a fls. 61 que não queria contestar e os restantes, citados, remeteram-se ao silêncio.
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O digno Magistrado do MP não se opôs ao deferimento do pedido.
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão bem representadas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os Factos
1 – O requerente é filho biológico do 2º requerido C e da 3ª requerida D.
2 - Pelo Gabinete de Registos e Agregados Familiares de Xindian, da cidade de Taipei, Taiwan, foi emitido o seguinte certificado em 8/03/2017:
TRASLADO DO REGISTO DE AGREGADO FAMILIAR
(ACTUALIZADO)
N.º do agregado familiar: A5886090 Categoria: Família em convívio
Endereço: Beco Heping n.º 003, junto à Rua Minsheng, Travessa 156, n.º 23, 3º andar, Distrito de Xindian, Cidade de Xinbei
Alteração do dono da família e movimentos do agregado familiar: Em 23 de Dezembro do ano de 103 da República da China, o dono anterior A demitiu-se, passando a ser a nova dona da família D.
Designação: Membro do agregado familiar
Data de nascimento: 21 de Agosto do ano de 72 da República da China
Nome: E N.º do Bilhete de Identidade de Residente da República da China: …
Pai: C Mãe: D
Pai adoptivo: B
Local de nascimento: Macau Ordem de nascimento: Segundo filho
Serviço militar: Soldado permanente da reserva
Notas: Residia em Macau. Entrou no território da República da China no dia 20 de Agosto do ano de 88 da República da China. Efectuou, pela primeira vez, registo de agregado familiar em 5 de Março do ano de 90 da República da China. No dia 22 de Julho do ano de 102 da República da China, foi adoptado por B, vindo a requerer-se o registo da adopção no dia 8 de Março do ano de 106 da República da China. Devido à adopção, acordaram em usar o apelido do pai adoptivo, tendo-se requerido em 8 de Março do ano de 106 da República da China a alteração do nome original A. Alterou-se o nome original A no dia 8 de Março do ano de 106 da República da China, em razão de adopção.
A recolha, o tratamento e a utilização dos dados ora prestados devem observar o disposto na Lei da Protecção de Dados Pessoais.
Com o Certificado de Residente, pode-se requerer a emissão de traslado do registo de agregado familiar de forma gratuita via o site da Autoridade de Certificado do Ministério do Interior. (A parte abaixo está em branco)
(Estampilhas Fiscais: vide o original)
Página: 1/1
Entidade emissora: Gabinete de Registo de Agregados Familiares de Xindian da Cidade de Taipei
O traslado desta parte do registo está conforme aos dados do registo de agregado familiar.
O Director do Gabinete de Registo de Agregados Familiares, X
Aos 8 de Março do ano de 106 da República da China
N.º 007134 (Wu) da Série Xin Bei Dian Hu Teng
3 – Em 29/11/2013, no Tribunal Distrital de Taipei, Taiwan, foi proferida sentença que decreta a adopção do requerente A pelo 1º requerido B.
4 – A sentença tem o seguinte teor:
Decisão em Matéria Civil do Tribunal Distrital de Taipei de Taiwan
N.º 174 da Série Yang Shen do Ano de 102
Requerente/Adoptante: B
Residente na …, Cidade e Taipei Procurador para recepção: D residente na…, Cidade de Taipei
Requerente/Adoptado: A
Residente na …, Distrito de Xindian Cidade de Xinbei
Domiciliado na…, Cidade de Taipei
Em relação ao pedido de aprovação da adopção deduzido pelas partes acima identificadas, este Tribunal decide o seguinte:
DISPOSITIVO
É aprovado o vínculo de adopção estabelecido entre B (de sexo masculino, nascido em… do ano de 44 da República da China, titular do Bilhete de Identidade de Residente n.º …) e A (de sexo masculino, nascido em… do ano de 72 da República da China, titular do Bilhete de Identidade de Residente N.º…), no dia 22 de Julho do ano de 102 da República da China, enquanto adoptante e adoptado.
Custas de requerimento pelos requerentes, fixando-se em mil novos dólares taiwaneses.
FUNDAMENTAÇÃO
I. Resumo do pedido: B, adoptante (nascido em … do ano de 44 da República da China), querendo adoptar A, adoptado (nascido em … do ano de 72 da República da China), celebrou com este, por escrito, acordo de adopção, em 22 de Julho do ano de 102 da República da China. Por esse motivo, veio pedir que fosse aprovada a adopção.
II. Nos termos do art.º 1079.º do Código Civil, a adopção deve constituir-se por escrito e submeter-se à aprovação do tribunal. O tribunal não aprova a adopção quando a mesma se funde em motivos que conduzam à nulidade, à anulabilidade ou que se mostrem contrários a outras leis. No que diz respeito à idade do adoptante, está expressamente previsto no art.º 1073.º, para. 1), primeira parte do Código Civil que o adoptante deve ser, pelo menos, 20 anos mais velho do que o adoptado. De acordo com o art.º 1076.º-1, para.s 1) e 2) do Código Civil, para a adopção de uma criança, é necessário o consentimento dos seus pais, salvo nos casos seguintes: 1) quando um ou ambos os pais não cumpram os seus deveres de proteger, educar e alimentar o filho, ou se recusem a dar consentimento por outros motivos manifestamente desfavoráveis ao filho; 2) quando um ou ambos os pais sejam incapazes de fazer declaração de vontade. O consentimento referido no parágrafo anterior deve ser reduzido a escrito e reconhecido por notário, salvo se tiver sido requerida ao tribunal a aprovação da adopção, caso em que o consentimento pode ser prestado em juízo de forma verbal, ficando registado em acta para os devidos efeitos. Em consonância com o art.º 1079.º-2 do Código Civil, quando o adoptado seja maior, o tribunal não aprova a adopção se se verificar algumas das hipóteses seguintes: 1) com a adopção, se pretenda eximir-se de um dever jurídico; 2) atentas as circunstâncias, a adopção se mostre desfavorável aos progenitores do adoptado; 3) haja outras razões relevantes que permitam afirmar que foi desrespeitada a finalidade da adopção. Tendo em conta os traslados dos registos de agregados familiares do adoptante e do adoptado, o acordo de adopção e o consentimento para a adopção, assim também o consentimento da mãe biológica do adoptado reconhecido por notário, e atendendo a que o adoptante e o adoptado foram ouvidos em juízo, acredita-se que os factos alegados pelos requerentes são verdadeiros. Foram devidamente ponderados por este Tribunal os factores seguintes: está em causa a adopção de um maior; os requerentes já chegaram a um acordo, que foi reduzido a escrito; a mãe biológica do adoptado, D, deu o seu consentimento; enquanto o seu pai biológico, C, tem paradeiro desconhecido há muitos anos, além de nunca ter cuidado do adoptado, o que, conjugado com as alegações nos autos do adoptado e da sua mãe biológica, toma evidente que o mesmo não cumpriu os seus deveres de proteger, educar e alimentar o filho, podendo dispensar-se o seu consentimento. Assim sendo, estão verificados no caso vertente todos os requisitos legais supramencionados. Ademais, não se detecta por este Tribunal quaisquer circunstâncias que, nos termos do art.º 1079.º-2 do Código Civil, obstem à aprovação da adopção, nem outras que causem a nulidade, a anulabilidade ou que se mostrem contrárias à lei. Nestes termos, aprova-se a adopção, proferindo a decisão constante do dispositivo.
III. Fundamentos da atribuição das custas: o art.º 97.º da Lei da Família, o art.º 21.º, para. 1), primeira parte e o art.º 23.º da Lei da Jurisdição Voluntária, o art.º 85.º, para. 1) do Código de Processo Civil.
República da China, 29 de Novembro do ano de 102 da República da China
O Juiz do Juízo da Família, X
A presente cópia autêntica está conforme ao original.
A presente decisão produz efeitos a partir do trânsito em julgado.
No caso de não se conformar com o decidido, pode deduzir reclamação a este Tribunal no prazo de 10 dias a contar da recepção da decisão, contra o pagamento de NTD$1000 a título da taxa de reclamação.
República da China, 29 de Novembro do ano de 102 da República da China
O Escrivão Judicial, X
(Carimbo: vide o original)
5 – A sentença transitou em julgado, conforme certidão que se transcreve:
Certidão de Trânsito em Julgado da Decisão do Juízo da Família do
Tribunal Distrital de Taipei de Taiwan (2ª via)
A decisão proferida em 29 de Novembro do ano de 102 pelo Tribunal Distrital de Taipei de Taiwan no processo de aprovação de adopção, N.º 174 da Série Yang Shen do Ano de 102, em que eram requerentes B e outras pessoas, transitou em julgado em 2 de Janeiro do ano de 103.
República da China, 1 de Março do ano de 106 da República da China
* Note-se: Tratando-se de matéria relativa ao estatuto pessoal (v.g. a perfilhação, a adopção, o divórcio, a tutela, a curadoria, a alteração do apelido, etc.), é favor efectuar registo junto do órgão de registo civil o mais rápido possível.
O Juízo da Família do Tribunal Distrital de Taipei de Taiwan
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IV – O Direito
Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos não se conhece do fundo ou do mérito da causa, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Vejamos, então, os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação invocada pelo requerente. Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão do tribunal competente de Taiwan que decretou a adopção do requerente com observância dos preceitos legais em vigor aplicáveis à situação.
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública da RAEM (cfr. art. 20º e 273º do C.C.). Com efeito, também o direito substantivo de Macau prevê a adopção.
E mesmo que a adopção em Macau seja, em princípio, de menores, nada obsta a que o filho de cônjuge do adoptando possa ser adoptado, mesmo sendo de maior idade, como é o caso, desde idade inferior a 16 anos tenha estado, de direito ou de facto, ao cuidado do adoptante (art. 1830º, nº3, do CC). Portanto, a lei de Macau não afasta a possibilidade, dentro de certos condicionalismos, de adopção de pessoa maior, ao abrigo do nº3 do citado artigo. Aliás, esta questão da maioridade foi, igualmente, tratada na sentença revidenda, na qual foi concluído não haver motivos para negar a adopção. De resto, se a lei de Taiwan permite a adopção de maiores, também dentro de certos condicionalismos, que se deram por verificados, seria de pensar que nem sequer haveria motivo para a aplicação dessa lei, caso a adopção fosse aqui requerida, face ao disposto no art. 56º, nº2 e 3 do CC. Deste modo, por maioria de razão, não se vê fundamento bastante para se negar a revisão e conformação da sentença decretada pelo tribunal de Taipei segundo a lei de Taiwan.
Reunidos estão, pois, os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.
Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e)) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos.
Na verdade, os documentos juntos, nomeadamente a sentença revidenda proferida pelo tribunal de Taiwan, provêm da autoridade competente, não se mostrando haver qualquer obstáculo relativamente à sua autenticidade, nem óbice referente ao trânsito.
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No que se refere à matéria concernente à competência exclusiva dos Tribunais de Macau, entende-se que ela implica uma análise em função do teor da decisão em causa, face ao disposto no artigo 20º do CPC:
“A competência dos tribunais de Macau é exclusiva para apreciar:
a) As acções relativas a direitos reais sobre imóveis situados em Macau;
b) As acções destinadas a declarar a falência ou a insolvência de pessoas colectivas cuja sede se encontre em Macau.”
Ora, é bom de ver que nenhuma das situações estabelecidas no artigo transcrito servem aqui de impedimento à procedência da pretensão, na medida em que o seu objecto é uma sentença que decreta uma adopção, adopção essa que não mereceu oposição do MP.
Por tudo isto e porque também não se vê que tivesse havido violação das regras de litispendência e do caso julgado ou que tivessem sido violadas as regras da citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes, tudo se conjuga para a procedência do pedido (cfr. art. 1204º do CPC).
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão proferida pelo Tribunal Distrital de Taipei, Taiwan, que decretou a adopção de A por B, nos precisos termos acima transcritos
Custas pelo requerente.
T.S.I., 24 de Maio de 2018
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
641/2017 13