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Processo n.º 372/2018
(Recurso em matéria laboral)

Data: 7 de Junho de 2018

ASSUNTOS:

- Exames (médicos) complementares no âmbito do CPT
- Fundamentação da decisão

SUMÁRIO:

I - O artigo 73º/3 do Código de Processo do Trabalho (CPT) não fala de diligências complementares ou diligências tendentes aos esclarecimentos dos exames médicos anteriores, mas sim de exame médico. Mais, o número 3 do artigo 73º utiliza a expressão em plural “exames complementares”, o que significa que o Tribunal pode ordenar realizar-se justificadamente os exames médicos que entender necessários para a boa decisão da causa (3ª perícia ou 4ª perícia médica).

II - As provas obtidas através das perícias médicas estão sujeitas à livre apreciação do julgador, à luz do artigo 512º (valor da segunda perícia) do CPC (aplicável aqui subsidiariamente por força do disposto no artigo 1º do CPT).

III – Demonstrando a sentença que o julgador não se limitou a homologar o exame complementar, mas fez uma análise crítica dos elementos clínicos constantes nos autos e, face ao teor do relatório do exame complementar (relatório onde é feita "uma síntese das informações dos outros relatórios médicos dos autos"), veio a fixar as incapacidades do sinistrado e o seu grau de desvalorização, tal decisão está devidamente fundamentada e como tal não merece censura.

IV – Quando o Tribunal a quo explicou, na decisão recorrida, de forma escorreita e com uma fundamentação completa, o seu raciocínio e a simples leitura atenta da decisão permitiria à Recorrente entender as razões aduzidas pelo Tribunal, não existia omissão alguma naquele raciocínio. A Recorrente pode discordar daquela fundamentação, mas a mesma não é reconduzível a uma nulidade da decisão.

O Relator,

________________
Fong Man Chong









Processo n.º 372/2018
(Recurso em matéria laboral)

Data : 7/Junho/2018

Recorrente : Companhia de Seguros de X, S.A. (Ré)
(X保險股份有限公司)

Recorrido : A (Autor) , patrocinado pelo MP
 (A)
*
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    I - RELATÓRIO
Companhia de Seguros de X, S.A. (Ré) (X保險股份有限公司), Recorrente, devidamente identificada nos autos, não se conformando com a sentença do TJB, proferida no processo LB1-14-0214-LAE, datada de 09/01/2018, que condenou a Ré/Recorrente a pagar ao Autor/Recorrido a quantia de MOP$365,688.90 a título de indemnização por Incapacidade Temporária Parcial (IPP) e Incapacidade Temporária Absoluta (ITA), veio, em 19/01/2018, interpor recurso para este Tribunal de Segunda Instância, com os fundamentos constantes de fls. 263 a 271, tendo formulado as seguintes conclusões :
1. O presente recurso vem interposto do douta sentença que homologou o resultado do exame complementar do apenso (LBl-14-0214-LAE-A), fixando a indemnização no montante de MOP365.688,90.
2. A lei processual laboral não admite uma terceira perícia médica, cabendo somente duas perícias médicas destinadas a avaliar e a fixar a incapacidade.
3. O exame complementar destina-se a corrigir insuficiências ou divergências de opinião médica, mas não constitui uma perícia médica com capacidade para fixar o resultado da decisão judicial e não pode sobrepor-se às perícias realizadas.
4. O tribunal não pode afastar-se da conclusão da junta médica devendo dar preferência ao relatório da maioria da opinião médica por forma a garantir a imparcialidade.
5. O acórdão funda-se na decisão do apenso que acolheu o resultado do exame complementar e não justifica a decisão relativamente à fixação definitiva de IPP e ITA decorrente do exame complementar, não explica, não elucida, não esclarece a razão, pelo que nesta parte de decisão é escassa, insuficiente e não fundamentada.
6. A lei não permite uma terceira perícia médica e o exame complementar não é susceptível de alterar o resultado da junta médica, a decisão homologatória do apenso não fundamenta, e, o acórdão ao decidir de forma diversa do resultado obtido na junta médica igualmente não fundamenta, suscitando vício por insuficiência acerca da opção tomada no que respeita à fixação de IPP e ITA diversa da obtida na junta médica.
* * *
A (A), Recorrido, representado oficiosamente pelo Ministério Público, tendo sido notificado do recurso interposto pela Recorrente Companhia de Seguros de X, S.A., apresentou a resposta com o seguinte teor:
O Ministério Público vem, em patrocínio do A, responder ao recurso da Ré, "Companhia de Seguros de X, S.A" interposto da douta sentença que a condenou a pagar ao A a indemnização de MOP $ 365,688.00.
A recorrente põe em causa o montante da indemnização fixado na douta sentença por não concordar com as incapacidades fixadas ao A na referida sentença, concretamente 10% de IPP e 314 dias de ITA, dizendo a Ré; expressamente, que "o recurso cinge-se à homologação do resultado do exame complementar".
Entendemos não assistir razão à recorrente
Ao contrário do que alega a Ré a douta sentença recorrida não "homologou o resultado do exame complementar".
O que o Tribunal fez foi, analisando os vários relatórios médicos juntos aos autos e a descrição das lesões e incapacidades do sinistrado descritos no exame complementar, fixar o grau de incapacidades do sinistrado.
O exame complementar está previsto no artigo 73, n.º 3 do CPT que dispõe que "o juiz pode ainda, se o considerar necessário à boa decisão da causa, determinar a realização de exames complementares ou requisitar pareceres técnicos", após a realização da Junta Médica.
E diz o artigo 74 que "realizados os exames, o juiz fixa a natureza da incapacidade e o grau de desvalorização".
Defende a recorrente que "a função do exame complementar é prestar esclarecimentos complementares".
Porém o que diz a lei é que esses exames se realizam se o juiz entender que eles são necessários à boa decisão da causa.
"Esclarecimentos" podem ser pedidos aos peritos que realizam as juntas médicas.
Um exame complementar é isso mesmo, um "exame", no caso, médico. Ora um exame não pode ser um mero esclarecimento de exames feitos por outrem...
Aliás "esclarecimentos" foram, neste processo, pedidos e dados pelos Exmos peritos que intervieram na Junta Médica".
Porque não foram considerados suficientes para permitir ao Mmo Juiz "fixar a natureza da incapacidade e o grau de desvalorização" - é que o Mmo Juiz entendeu necessário pedir ao "Exmo Sr. Director do Departamento/Serviço de Ortopedia do H.C.S,J.".
A Mma Juíza, ao contrário do que diz a Ré, não se limitou a homologar o exame complementar.
O que a Mma Juíza fez foi a análise crítica dos elementos clínicos constantes nos autos e face ao relatório "mais objectivo" (e exaustivo dizemos nós), do exame complementar, relatório onde é feita "uma síntese das informações dos outros relatórios médicos dos autos", fixou as incapacidades do sinistrado e o seu grau de desvalorização.
No relatório do exame complementar faz-se expressa referência a “limitações no encurvamento da região lombar”, "fraqueza nos movimentos de extensão do polegar e do tornozelo e ainda dores no joelho direito, e informa-nos que foi feito o "teste de Lasegue" para análise das dores lombares.
Tudo isto está ausente do relatório da Junta Médica ou dos seus "esclarecimentos" !!!
O "relatório" da Junta Médica de fls. 34, traduzido a fls. 51 limita-se a diagnosticar "entorse e contusão na região lombar, após o, que, sem qualquer comentário ou justificação "fixa" a IPP e a ITA...
E no esclarecimento de fls. 66 traduzido a fls. 70 os Exmos peritos "atribuem 5%" de IPP, "face à dor na região lombar"... Nenhuma alusão é feita às "limitações no encurvamento da região lombar", à "fraqueza nos movimentos de extensão do polegar e do tornozelo e ainda dores no joelho direito" detectados e descritos no exame complementar, exame feito por perito especialmente qualificado - o Director dos Serviços de Ortopedia do H.C.S.J. …
Saliente-se ainda que as alusões a limitações no joelho direito, já constavam do relatório do exame de fls. 142, do processo principal...
Em nosso entendimento, a douta sentença fez correcta aplicação da lei e, atentos elementos clínicos constantes dos autos fez correcta, e justificada, fixação da incapacidade do sinistrado e o seu concreto grau de desvalorização.
Pelo tudo o exposto deve ser negado provimento ao recurso e ser confirmada a douta sentença recorrida,
Assim se fazendo JUSTIÇA
* * *
Foram colhidos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
* * *
    II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
    III - FACTOS
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes conforme os elementos juntos aos autos:
     1. Provado o que resulta da decisão proferida a tal respeito nos autos apensos com o Nº LB1-14-214-LAE-A;
     2. O A. auferia, à data do acidente, uma remuneração mensal de MOP$ 20.570,00 (vinte mil quinhentas e setenta patacas);
     3. O A. nasceu em …;
     4. A responsabilidade, relativa a acidentes de trabalho, foi transferida para a Ré, pela entidade patronal do A., ao abrigo da apólice de seguro nª ..., com o período de validade de 01/07/2012 a 30/06/2013.
     5. Em 16 de Março de 2013, cerca das 17.15 horas, ocorreu um acidente no interior de uma sala de jogo do Casino X, propriedade da Companhia X Casino S.A., em Macau, quando o A. se encontrava a desempenhar as suas funções de “supervisor de croupier”, quando um cliente do casino, descontente com a acção de fiscalização do A., o agarrou pela mão esquerda e o puxou violentamente, várias vezes, provocando-lhe lesões no braço esquerdo, na zona lombar e no joelho direito.
     6. Na circunstância referida em 2) o A. foi conduzido ao Centro Hospitalar Conde de S. Januário, em Macau, onde recebeu assistência e tratamento médicos.
     7. Após o que continuou em tratamento ambulatório, na consulta externo na do Hospital Kiang Wu, em Macau, até 26/06/2015.
     8. Na circunstância referida em 2), advieram para o A. as lesões descri-tas nos autos de exame médico de fls.142 e nos elementos clínicos para que tal exame remete, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
     9. Em consequência da referida queda, o A. sofreu uma incapacidade temporária absoluta (I.T.A.) para o trabalho durante 314 dias (de 17/03/2013 a 24/01/2014).
     10. E 10% de incapacidade parcial permanente.
     11. O A. recebeu da sua entidade patronal a importância de MOP$ 293.554,50, relativa a 594 dias (de 17/03/2013 a 31/10/2014) de incapacidade temporária absoluta (I.T.A.).
* * *
    IV - FUNDAMENTAÇÃO
Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
“O Ministério Público, em representação do trabalhador A, propôs a presente acção contra a Ré COMPANHIA DE SEGUROS DE X, S.A., pedindo que, a final, seja a ré condenada a pagar à referida trabalhadora a quantia de MOP$ 471.037,80 quantia esta que corresponde à indemnização por I.P.P. e I.T.A. decorrentes do acidente de trabalho de que foi vítima, acrescida dos juros legais de mora até ao seu pagamento integral e efectivo.
***
Citada a ré, foi oferecida a contestação que se encontra junta a fls. 205 a 210 dos autos e que mereceu despacho judicial a fls. 244v. a 246.-
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal.
(…)
*
O DIREITO:
Ora, da factualidade assente, dúvidas não restam de que se trata de um caso de acidente de trabalho, visto que se provou toda a matéria de facto integradora do conceito legal de acidente de trabalho constante do artº 3º al. a) do DL nº 40/95/M, de 14 de Agosto.
E provado ainda o quantum das incapacidades sofridas pelo sinistrado, bem como os montantes referidos nos autos e já ressarcidas pela vítima.
Apesar ficou provado a entidade patronal tinha pago ao Autor o montante de MOP$293.554,50, a título da indemnização de I.T.A., porém não foi provado pago através da Ré.
Como a entidade patronal do Autor não faz a parte deste processo, não vamos reduzir esse montante no nosso caso concreto.
Portanto, só nos resta apreciar a questão da responsabilidade da Ré em relação ao montante em falta e que a Autor tem direito, devido a título de I.P.P. e I.T.A.
Assim, terá a Companhia Seguradora, ora Ré, por força do art.º 63º nº 1 do DL nº 40/95/M, de 15 de Agosto, de se responsabilizar pelo pagamento da indemnização resultante desse acidente de trabalho, a título de I.P.P. e I.T.A.
O cálculo deverá ser feito da seguinte forma, tendo em conta os valores fixados:
Quanto à I.T.A., como ficou provado que o Autor sofreu 314 dias de incapacidade temporária absoluta, segundo dos artigos, 1.º, 2.º, n.º 1, 3.º a) e h) (1), 4.º, 12.º, 27.º, 46.º, a), 47.º, n.º 1, a), 54.º, n.º1, a), 62.º e 63.º, todos do Regime Jurídico da Reparação por Danos Emergentes de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, aprovado pelo Decreto-Lei 40/95/M, o Autor tem direito a receber o montante de MOP$143.532,90 (MOP$20.570,00/30x 2/3 x 314dias).
Quanto à I.P.P., ponderando o salário auferido à data do acidente do Autor, a sua idade e a percentagem apurada, terá a Ré que pagar a quantia de relativa à indemnização por 10% de I.P.P. no montante de MOP$222.156,00 (20.0570.00x108x10%), nos termos artigos, 1.º, 2.º, n.º1, 3.º a) e g) (2), 4.º, 12.º, 27.º, 46.º, b), 47.º, n.º1, c) (4), d) e n.º3, a), 54.º, n.º1, a), 62.º e 63.º todos do Regime Jurídico da Reparação por Danos Emergentes de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, aprovado pelo Decreto-lei 40/95/M.
***
Pelo exposto, o Tribunal julga procedente parcialmente, por provada, a presente acção e, consequentemente, condena a Ré, COMPANHIA DE SEGUROS DE X, S.A., a pagar ao sinistrado A, a indemnização no montante de MOP$365.688,90 (trezentas sessenta e cinco mil seiscentas oitenta e oito patacas e noventa avos), sendo:
     - A título de I.P.P. a quantia de MOP$ 143.532,90;
     - A título de I.T.A. a quantia de MOP$ 222.156,00 e
     acrescida de juros moratórios à taxa legal a contar após da notificação da sentença até ao seu pagamento integral e efectivo.
Custas a cargo da Ré – Artº 376º nº 1 e 2, do C.P.C.
Registe e notifique.
*
Neste recurso são suscitadas essencialmente as seguintes questões que importa analisar e resolver:
1) – Legalidade da realização, à ordem do Tribunal, de uma 3ª perícia médica (exame complementar) para efeitos da fixação da Incapacidade Permanente Parcial (IPP) e Incapacidade Temporária Absoluta (ITA);
2) – Fundamentação suficiente ou insuficiente da sua decisão nos termos legalmente exigidos.
*
Comecemos pela primeira.
A Recorrente entende que a 3ª perícia médica carece de fundamento legal.
O MP, em representação do trabalhador, defende que a 3ª perícia médica tem por fundamento legal no artigo 73º do Código de Processo de Trabalho (CPT), aprovada pela Lei nº 9/2003, de 30 de Junho.
Vejamos então quem tem razão.
O artigo 73º (exame médico) do CPT estipula:
1. O exame médico tem natureza urgente e é realizado, sempre que possível, nas instalações do tribunal, sob a presidência do juiz.
2. A formulação de quesitos é facultativa, mas o juiz deve formulá-los, ainda que as partes o não tenham feito, quando a dificuldade ou complexidade do exame o justifique.
3. O juiz pode ainda, se o considerar necessário à boa decisão da causa, determinar a realização de exames complementares ou requisitar pareceres técnicos.
1) – Em primeiro lugar, o normativo acima citado não fixa expressamente o número dos exames que se pode realizar-se, compreende-se que assim seja, visto que as informações obtidas mediante exames médicos visam ajudar o tribunal formar a sua convicção na composição do litígio.
2) – Em segundo lugar, pode acontecer que, depois de realizados já dois exames médicos, certos aspectos ainda não foram suficientemente esclarecidos e justificados, ou até depois de realizar o 2º exame é que viriam a surgir novas questões, então justifica-se perfeitamente lançar mão de um novo exame.
3) –Em terceiro lugar, o artigo 73º/3 do CPT acima citado não fala de diligências compelementares ou diligências tendentes aos esclarecimentos dos exames anteriores, mas sim de exame médico. Mais, o número 3 do artigo 73º citado utiliza a expressão em plural “exames complementares”, o que significa que o Tribunal pode ordenar realizar-se justificadamente os exames que entender necessários para a boa decisão da causa. Ao contrário do que defende a Recorrente, a 3ª perícia não visa só para esclarecer as dúvidas emergentes das perícias médicas anteriormente feitas. Ora, a lei permite mais, permite menos. A norma em análise fala expressamente de exames complementares, não vemos obstáculo legal para não poder realizar-se a 3ª perícia ou 4ª perícia médica.
4) – Em quarto lugar, obviamente quando se decidir realizar uma 3ª perícia médica, tem de fundamentar a decisão por que razão existe tal necessidade e quais questões que se pretende ver esclarecidas nessa mesma 3ª perícia.
5) – Em quinto lugar, uma vez feitas as perícias, as provas assim obtidas estão sujeitas à livre apreciação do julgador, à luz do artigo 512º (valor da segunda perícia) do CPC (aplicável aqui subsidiariamente por força do disposto no artigo 1º do CPT), que preceitua:
A segunda perícia não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciadas pelo tribunal.
6) - A propósito desta matéria, afirmava o Prof. Alberto dos Reis: “nada obsta a que o juiz, sendo diversos os resultados a que os peritos chegaram nos dois arbitramentos, prefira o primeiro, quando entenda que este se coaduna melhor com os restantes elementos do processo e com as outras provas recolhidas”(A. dos Reis, CPC Anot., 4.º - 289).
7) - É jurisprudência corrente que os resultados do arbitramento não são alheios à livre apreciação do tribunal, e, daí, que não possa dizer-se que o colectivo está adstrito a ter que aceitar o resultado pericial com força probatória impeditiva de sobre ele se pronunciar, por aplicação do nº 2 do artigo 653º do CPC de 1961, que consagrava a mesma filosofia do artigo 512º do CPC de Macau, doutrina esta que continua a valer hoje em dia.
8) – Defende a Recorrente que "a função do exame complementar é prestar esclarecimentos complementares". Porém o que diz a lei é que esses exames se realizam se o juiz entender que eles são necessários à boa decisão da causa. "Esclarecimentos" podem ser pedidos aos peritos que realizam as juntas médicas. Um exame complementar é isso mesmo, um "exame", no caso, médico. Ora um exame não pode ser um mero esclarecimento de exames feitos por outrem.
Aliás "esclarecimentos" foram, neste processo, pedidos e dados pelos Exmos peritos que intervieram na Junta Médica".
Porque não foram considerados suficientes para permitir ao Mmo Juiz "fixar a natureza da incapacidade e o grau de desvalorização" - é que o Mmo Juiz entendeu necessário pedir ao "Exmo Sr. Director do Departamento/Serviço de Ortopedia do H.C.S,J.".
9) - Diz o artigo 74º do CPT que "realizados os exames, o juiz fixa a natureza da incapacidade e o grau de desvalorização".
A Mma Juíza não se limitou a homologar o exame complementar. O que a Mma Juíza fez foi a análise crítica dos elementos clínicos constantes nos autos e face ao relatório "mais objectivo" (e exaustivo dizemos nós), do exame complementar, relatório onde é feita "uma síntese das informações dos outros relatórios médicos dos autos", fixou as incapacidades do sinistrado e o seu grau de desvalorização.
7) – Pelo que, é de julgar improcedente o recurso nesta parte.
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Passemos agora para a segunda questão, fundamentação suficiente ou insuficiente da decisão do Tribunal a quo.
Ora, o Tribunal a quo afirmou, neste ponto:
“1. Provado o que resulta da decisão proferida a tal respeito nos autos apensos com o Nº LB1-14-214-LAE-A;
     1. O A. auferia, à data do acidente, uma remuneração mensal de MOP$ 20.570,00 (vinte mil quinhentas e setenta patacas);
     2. O A. nasceu em …;
     3. A responsabilidade, relativa a acidentes de trabalho, foi transferida para a Ré, pela entidade patronal do A., ao abrigo da apólice de seguro nª ..., com o período de validade de 01/07/2012 a 30/06/2013.
     4. Em 16 de Março de 2013, cerca das 17.15 horas, ocorreu um acidente no interior de uma sala de jogo do Casino X, propriedade da Companhia X Casino S.A., em Macau, quando o A. se encontrava a desempenhar as suas funções de “supervisor de croupier”, quando um cliente do casino, descontente com a acção de fiscalização do A., o agarrou pela mão esquerda e o puxou violentamente, várias vezes, provocando-lhe lesões no braço esquerdo, na zona lombar e no joelho direito.
     5. Na circunstância referida em 2) o A. foi conduzido ao Centro Hospitalar Conde de S. Januário, em Macau, onde recebeu assistência e tratamento médicos.
     6. Após o que continuou em tratamento ambulatório, na consulta externo na do Hospital Kiang Wu, em Macau, até 26/06/2015.
     7. Na circunstância referida em 2), advieram para o A. as lesões descri-tas nos autos de exame médico de fls.142 e nos elementos clínicos para que tal exame remete, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
     8. Em consequência da referida queda, o A. sofreu uma incapacidade temporária absoluta (I.T.A.) para o trabalho durante 314 dias (de 17/03/2013 a 24/01/2014).
     9. E 10% de incapacidade parcial permanente.
     10. O A. recebeu da sua entidade patronal a importância de MOP$ 293.554,50, relativa a 594 dias (de 17/03/2013 a 31/10/2014) de incapacidade temporária absoluta (I.T.A.).
(…)
O cálculo deverá ser feito da seguinte forma, tendo em conta os valores fixados:
Quanto à I.T.A., como ficou provado que o Autor sofreu 314 dias de incapacidade temporária absoluta, segundo dos artigos, 1.º, 2.º, n.º 1, 3.º a) e h) (1), 4.º, 12.º, 27.º, 46.º, a), 47.º, n.º 1, a), 54.º, n.º1, a), 62.º e 63.º, todos do Regime Jurídico da Reparação por Danos Emergentes de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, aprovado pelo Decreto-Lei 40/95/M, o Autor tem direito a receber o montante de MOP$143.532,90 (MOP$20.570,00/30x 2/3 x 314dias).
Quanto à I.P.P., ponderando o salário auferido à data do acidente do Autor, a sua idade e a percentagem apurada, terá a Ré que pagar a quantia de relativa à indemnização por 10% de I.P.P. no montante de MOP$222.156,00 (20.0570.00x108x10%), nos termos artigos, 1.º, 2.º, n.º1, 3.º a) e g) (2), 4.º, 12.º, 27.º, 46.º, b), 47.º, n.º1, c) (4), d) e n.º3, a), 54.º, n.º1, a), 62.º e 63.º todos do Regime Jurídico da Reparação por Danos Emergentes de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, aprovado pelo Decreto-lei 40/95/M.
1) Ora, a sentença é um acto uno, deve ser lida no seu todo, e não de modo fragmentário. Ela começou a elencar os factos provados com interesse para a decisão da causa.
No despacho de fls. 257, foram indicados os elementos com base nos quais foi formada a respectiva convicção e consequentemente elencados os factos assentes para a boa decisão da causa.
2) – Depois, na sentença, indicaram-se na primeira parte os factos assentes e na segunda parte começou a abordar juridicamente as questões levantadas.
3) – Nesta óptica, não podemos dizer que a sentença carece de fundamentação, ou esta é insuficiente. Neste ponto, o Digno. Magistrado do MP fez uma análise muito acertada, a que aderimos inteiramente:
A Mma Juíza, ao contrário do que diz a Ré, não se limitou a homologar o exame complementar.
O que a Mma Juíza fez foi a análise crítica dos elementos clínicos constantes nos autos e face ao relatório "mais objectivo" (e exaustivo dizemos nós), do exame complementar, relatório onde é feita "uma síntese das informações dos outros relatórios médicos dos autos", fixou as incapacidades do sinistrado e o seu grau de desvalorização.
No relatório do exame complementar faz-se expressa referência a “limitações no encurvamento da região lombar”, "fraqueza nos movimentos de extensão do polegar e do tornozelo e ainda dores no joelho direito, e informa-nos que foi feito o "teste de Lasegue" para análise das dores lombares.
Tudo isto está ausente do relatório da Junta Médica ou dos seus "esclarecimentos" !!!
O "relatório" da Junta Médica de fls. 34, traduzido a fls. 51 limita-se a diagnosticar "entorse e contusão na região lombar, após o, que, sem qualquer comentário ou justificação "fixa" a IPP e a ITA...
E no esclarecimento de fls. 66 traduzido a fls. 70 os Exmos peritos "atribuem 5%" de IPP, "face à dor na região lombar"... Nenhuma alusão é feita às "limitações no encurvamento da região lombar", à "fraqueza nos movimentos de extensão do polegar e do tornozelo e ainda dores no joelho direito" detectados e descritos no exame complementar, exame feito por perito especialmente qualificado - o Director dos Serviços de Ortopedia do H.C.S.J. …
Saliente-se ainda que as alusões a limitações no joelho direito, já constavam do relatório do exame de fls. 142, do processo principal...
Em nosso entendimento, a douta sentença fez correcta aplicação da lei e, atentos elementos clínicos constantes dos autos fez correcta, e justificada, fixação da incapacidade do sinistrado e o seu concreto grau de desvalorização.
4) – Pelo que, é de ver que, no caso em apreço, o Tribunal ponderou as questões em litígio e decidiu-as. Para tanto, indicou o Tribunal as razões de facto e de Direito que levavam à sua decisão.
Explicou o Tribunal, na decisão recorrida, de forma escorreita e com uma fundamentação completa, o seu raciocínio. A simples leitura atenta da decisão permitiria à Recorrente entender as razões aduzidas pelo Tribunal e compreender que não existia omissão alguma naquele raciocínio, com o qual podia, apenas, não concordar.
Em suma, com a fundamentação adoptada pela decisão recorrida ter-se-á de considerar que não ocorre nenhuma nulidade por omissão de pronúncia ou por contradição entre os fundamentos e a decisão.
A Recorrente pode discordar daquela fundamentação, mas a mesma não é reconduzível a uma nulidade da decisão. Evidência de que não existe nulidade alguma na decisão recorrida, pelo que a sua invocação é manifestamente improcedente e impertinente.
Por conseguinte, falece manifestamente a invocada nulidade da decisão por fundamentação insuficiente.
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Em síntese conclusive:
I - O artigo 73º/3 do Código de Processo do Trabalho (CPT) não fala de diligências complementares ou diligências tendentes aos esclarecimentos dos exames médicos anteriores, mas sim de exame médico. Mais, o número 3 do artigo 73º utiliza a expressão em plural “exames complementares”, o que significa que o Tribunal pode ordenar realizar-se justificadamente os exames médicos que entender necessários para a boa decisão da causa (3ª perícia ou 4ª perícia médica).

II - As provas obtidas através das perícias médicas estão sujeitas à livre apreciação do julgador, à luz do artigo 512º (valor da segunda perícia) do CPC (aplicável aqui subsidiariamente por força do disposto no artigo 1º do CPT).

III – Demonstrando a sentença que o julgador não se limitou a homologar o exame complementar, mas fez uma análise crítica dos elementos clínicos constantes nos autos e, face ao teor do relatório do exame complementar (relatório onde é feita "uma síntese das informações dos outros relatórios médicos dos autos"), veio a fixar as incapacidades do sinistrado e o seu grau de desvalorização, tal decisão está devidamente fundamentada e como tal não merece censura.

IV – Quando o Tribunal a quo explicou, na decisão recorrida, de forma escorreita e com uma fundamentação completa, o seu raciocínio e a simples leitura atenta da decisão permitiria à Recorrente entender as razões aduzidas pelo Tribunal, não existia omissão alguma naquele raciocínio. A Recorrente pode discordar daquela fundamentação, mas a mesma não é reconduzível a uma nulidade da decisão.
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Tudo visto, resta decidir

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    V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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Custas pela Recorrente nesta instância.
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Registe e Notifique.
                 RAEM, 7 de Junho de 2018.
                 Fong Man Chong
                 Ho Wai Neng
                 José Cândido de Pinho
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