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Processo n.º 844/2017
(Recurso em matéria cível)

Data: 31 de Maio de 2018

ASSUNTOS:

- Reconvenção contra terceiros
- Intervenção principal provocada

SUMÁRIO:

I - Não é qualquer ligação ou relação entre a pretensão da Autora e a pretensão da Ré que permite que seja deduzida reconvenção, havendo forçosamente que verificar-se algum dos requisitos de ordem objectiva em satisfação da exigência legal de uma determinada conexão entre o pedido da Autora e o pedido reconvencional, traduzido em qualquer uma das alíneas do nº 2 do artigo 218º do CPC.
II – Entre os requisitos processuais e substantivos destacam-se os substanciais que exigem um nexo substancial entre o pedido da reconvenção e o fundamento da acção e da defesa.
III - Em certos casos é possível deduzir reconvenção contra o Autor e contra terceiro.
IV - Se a Ré é demandada por alegado incumprimento contratual, mas se na sua contestação invoca a nulidade do contrato celebrado, alegando uma simulação entre a demandante e um terceiro que tivesse agido em nome ou em representação da Ré para encobrir um empréstimo de dinheiro para jogo, então à contestante é possível deduzir reconvenção contra a Autora e essa terceira pessoa, apesar de esta não ser parte do processo, desde que requeira o respectivo incidente de intervenção principal provocada.

O Relator,

____________________
Fong Man Chong
















Processo n.º 844/2017
(Recurso em matéria cível)

Data : 31/Maio/2018

Recorrente : A Limitada
  (A有限公司)

Objecto do Recurso : Despacho que indeferiu o pedido reconvencional
   e o incidente de intervenção principal provocada
(駁回反訴請求及誘發主參加的聲請)
*
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    I - RELATÓRIO
A Limitada (A有限公司), 上訴人,認別資料詳載於卷宗內,由於不服原審法院於2017年1月26作出之判決 (案卷編號 : CV1-16-0040-CAO), 根據《澳門民事訴訟法典》第1款及第591條之規定提起平常上訴,其上訴結論如下:
A. 被上訴判決 (卷宗第1109頁及其背頁)以被反訴人B,C及D非為原告,且有關問題構成一個新的法律關係為理由,駁回被告提出的請求第伍項(反訴請求之一);以及,基於該請求被駁回而駁回相關人仕的誘發主參加;顯然錯誤適用及違反法律。

反訴的可受理性
B. 《澳門民事訴訟法典》第218條第2款a)規定,遇有被告之請求基於作為訴訟或防禦依據之法律事實;反訴予以受理。
C. 該規定體現追求公正原則及訴訟經濟原則,有效避免法院就相互有密切聯繫的訴作出相互矛盾的判決;
D. 「作為訴訟依據之法律事實」就是訴因1,而只有當起訴的請求及反訴的請求源自同一訴因(即同一法律事實 - 訴訟或防禦依據)時,反訴才可予受理:
E. 本案的爭訟標的源於一份提供酒店住宿合約;
F. 原告以被告不履行該提供酒店住宿合約為由請求一筆賠償;而上訴人(被告)則以該合同屬原告與其他被反訴人之間的虛偽行為 - 以供房合約為名,實為借款協議 - 為由請求宣告合同無效;
G. 原告的請求與上訴人的反訴請求均建基於同一合約;
H. 既然被上訴法院沒有駁回反訴的另一項請求(即請求第肆項) :宣告涉案的供房合約因屬虛偽行為而無效,並將會就同一合約審理是否因虛偽行為而無效;
I. 那麼,請求第伍項無疑係基於作為訴訟或防禦依據之法律事實,源自同一訴因(即同一法律事實 - 訴訟或防禦依據) - 該合同的虛偽,因此,符合法律規定,請求第伍項(反訴請求之一)就應予受理。

非訴訟主體作為被反訴人的適法性
J. 反訴顯然可針對其他非訴訟主體;這不僅有主流學說支持 - “…Se o pedido reconvencional envolver outros sujeitos que, de acordo com os critérios gerais aplicáveis à pluralidade de partes, possam associar-se ao reconvinte ou ao reconvindo, pode o réu suscitar a respective intervenção provadada, nos termos do disposto no artigo 326º2, “…a que a reconvenção, que deve ser dirigida sempre contra o autor, envolva também outras pessoas que, de acordo ocm os critérios gerais aplicáveis à pluralidade de partes, possam associar-se aos litigantes ou intervir ao lado deles3.”,《澳門民事訴訟法典》第213條第1款也明確了這種可能性。
K. “任一當事人得召喚有權參加有關訴訟之利害關係人,聯同其本人或聯同他方當事人一同參加訴訟”(《澳門民事訴訟法典》第267條第1款)
L. 反訴是在答辯中提出但又獨立於答辯的自主請求。
M. 為常有效及適當地產生反訴請求的效力(合同無效,以及,因無效而生之返還),反訴必然要針對爭議之實體關條中的所有主體,在虛偽行為中就是所有虛偽人,故不涉及欠缺消極正當性(尤其就共同訴訟而言)。
N. 既然反訴己非常明確針對了原告(第一被反訴人)及其他爭議之實體關係中的主體(起訴狀中的主體以外的第三人),當然是藉反訴誘發第二被反訴人主參加本訴訟。
O. “召喚他人參加訴訟,僅得於參加人仍可透過專門訴辯書狀提出自發參加時,在本案之訴辯書狀中提出或以獨立之聲請提出;但不影響第二百一十三條、第二百七十一條第一款及第七百六十二條第二款規定之適用”(《澳門民事訴訟法典》第268條第1款)
P. “如因某人不參與訴訟而裁定某一方當事人不具正當性,則在該裁判確定前,原告或反訴人得依據第二百六十七條及隨後數條之規定召喚該人參加訴訟”(《澳門民事訴訟法典》第213條第1款)
Q. 法律沒有就誘發主參加的要式或用語作任何要求,既本反訴同時針對了原告以外的第三人,應視為藉反訴誘發該等人主參加本訴訟。
R. 因此,應受理非訴訟主體的B,C及D作為被反訴人。

誘發主參加
S. 假如上訴法院不認為本反訴同時針對了其他被反訴人即視為藉反訴誘發該等人主參加,而認為誘發主參加有必要分開及獨立主張;為著判決產生應有的效力(供房合同因虛偽而無效及因不當得利之返還),且獲判如所講,亦應批准誘發B,C及D主參加。
* * *
Foram colhidos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.

* * *
    II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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    IV – FUNDAMENTAÇÃO
Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
     Da inadmissibilidade do pedido reconvencional, na parte em que a Ré/Reconvinte pretende que B, C e D sejam condenados a indemnizá-la por enriquecimento sem causa:
     O artigo 274.°, n.º 1 do Código de Processo Civil diz que o Réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o Autor.
     Ora, o pedido reconvencional discriminado sob a alínea V da contestação não é dirigido contra a Autora mas apenas contra B, C e D.
     Por outro lado, no vertente caso importará ponderar apenas a aplicação da alínea a) do n.º 2 do artigo 218.° do Código de Processo Civil, por ser nela que se afirma que a reconvenção é admissível quando o pedido do Réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa.
     Ora, os factos alegados na contestação para consubstanciar a defesa da Ré (v.g. que o contrato de fornecimento de quartos não foi assinado por qualquer representante da Ré e, como tal, não a vinculará ou, pelo menos, deverá considerar-se nulo por ser um negócio simulado) não permitem, salvo melhor entendimento, fundamentar uma contra-acção que envolve outra causa de pedir, assente num mútuo, celebrado entre a Autora e terceiros, B, C e D, através do qual a primeira terá concedido à segunda um empréstimo em numerário no montante de HKD1.480.000,00, que, por sua vez, os pretensos reconvindos terão pago através do fornecimento de quartos no complexo hoteleiro mencionado nos autos, Tacto esse que se alega ter gerado prejuízos para a Ré e, consequentemente, permitido aos chamados um enriquecimento ilícito de HKD392.570,00.
     Esta materialidade consubstancia uma nova relação jurídica, com sujeitos completamente distintos (dado que não envolve directamente a Autora e nada é peticionado contra a mesma, como supra se constatou, dirigindo-se contra três sujeitos completamente estranhos à demanda inicial), e embora não seja completamente estranha à tese que a defesa sustenta, não emerge desses factos no sentido propugnado pela norma legal citada.
     Assim sendo, por se julgar inadmissível o pedido reconvencional discriminado sob o ponto V da contestação, não se admite igualmente o requerido incidente de intervenção principal provocada dos mencionados B, C e D.
     Custas pela Ré.
     Notifique.
     Macau, 26.01.2017
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O presente recurso consiste em analisar e resolver as seguintes questões:
1) - Admissível ou não a reconvenção deduzida pela Ré nos seus precisos termos?
2) - Admissível ou não o pedido da intervenção principal provocada, requerida pela Ré nos termos em que este pedido está formulado?
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Comecemos pela primeira questão.
A causa de pedir da Autora consiste no incumprimento culposo de um contrato de fornecimento de quartos pela Ré, vem agora pedir responsabilidade contratual contra a mesma. É esta relação jurídica configurada pela Autora.
Na defesa a Ré invoca os seguintes argumentos:
1) – Por excepção: A Ré argumentou que não celebrou o contrato alegado pela Autora, nem conferiu poderes representativos a terceiros para celebrar tal acordo, como tal ela é parte ilegítima na presente acção.
2) – Arguir nulidade do contrato: A Ré arguiu também a nulidade do contrato por este ter sido assinado por um terceiro sem poderes para tal. Portanto, é um acordo nulo que não vincula a Ré.
3) – Impugnar os factos alegados pela Autora: A Ré negou peremptoriamente os factos a ela imputados. No entanto, a Ré confessou 2 factos:
(i) Em Março de 2016, a Autora chegou a interpelar a Ré para cumprir o contrato de fornecimento de quartos;
(ii) A Ré chegou a fornecer efectivamente 1061 quartos à Autora.
4) – Deduzir reconvenção: Além disso, a Ré veio deduzir um pedido reconvencional contra mais 3 “sujeitos novos”, para além da Autora, que são:
(1) - B;
(2) - C; e
(3) - D.
Como causa de pedir a Ré invocou os seguintes factos: B, aproveitando a sua relação próxima com a Ré, chegou a fornecer quartos (da Ré) à Autora e cobrou preços, só que estes preços, em conluio com C e D, foram encaminhados para conta de terceiros, e não para a conta da Ré.
Com base nesta “história”, a Ré veio a formular um contra-ataque que visam os 3 sujeitos novos e a Autora.
Mas, repare-se, no articulado de contestação (directamente na parte em que a Ré pretendia deduzir reconvenção), não foi citado nenhum artigo normativo! Ou seja, não se percebe muito bem qual a causa de pedir que a Ré pretende invocar para contra-atacar a Autora e os “potenciais” reconvindos! Costuma dizer-se que dedução de reconvenção não é obrigatória, se a Ré quiser, poderá intentar uma acção autónoma contra a Autora. Sendo assim, a Ré tem de invocar uma causa de pedir. No caso em apreciação, pergunta-se, qual a causa de pedir que a Ré pretende invocar? A Ré limitou-se a contar “história” e atrás de “história”, perdendo o centro mais importante que devia agarrar!
Acresce ainda uma outra particularidade no caso sub judice: não obstante a Ré negar que B tivesse qualquer poder representativo da Ré, não sendo administradora, nem procuradora, mas conforme o contrato junto aos autos, este foi assinado pela B, com a firma de gerente-geral do “E Hotel” e com carimbo deste mesmo Hotel. Ora, está em causa um contrato de fornecimento de quartos, e não contrato de prestação única (uma só vez), com base no qual a Ré efectivamente forneceu 1061 quartos à Autora no período de Março a Dezembro de 2015 (facto 15º da PI). Os quartos estavam na “mão” da Ré, se esta não colaborasse como era possível dar cumprimento a tal acordo? Fornecendo sucessivamente e durante meio ano! Eis um elemento assaz relevante para perceber a “história” contada neste processo.
Uma outra coisa curiosa: como pode a Ré, em contestação, veio a afirmar que a F (o cheque foi passado pela Autora em nome da F, a pedido da B, segundo a versão da Autora) não chegou a receber tais quantias – vidé artigo 50º da contestação! Com que fundamento e com que qualidade é que a Ré pode afirmar peremptoriamente um facto de um terceiro? Sendo certo que a SJM ainda não foi chamada para intervir nestes autos!
São estes factos que nos apresentados, vamos ver como funcionam as coisas no mundo jurídico.
*
O artigo 218º (admissibilidade da reconvenção) do CPC estipula:
1. O réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor.
2. A reconvenção é admissível nos seguintes casos:
a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa;
b) Quando o réu se propõe obter a compensação ou tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
c) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.
3. Não é admissível a reconvenção, quando ao pedido do réu corresponda uma forma de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, salvo se a diferença provier do diverso valor dos pedidos ou o juiz a autorizar, nos termos dos n.os 3 e 4 do artigo 65.º, com as necessárias adaptações.
4. A improcedência da acção e a absolvição do réu da instância não obstam à apreciação do pedido reconvencional regularmente deduzido, salvo quando este seja dependente do formulado pelo autor.
Repita-se mais uma vez aqui, na contestação (artigo 33º a 57º do articulado) não foi indicado nenhum preceito legal como fundamento da reconvenção! Ou seja, o artigo 218º/2 do CPC tem várias alíneas, não se sabe qual é que a Ré pretende invocar para fundamentar a sua reconvenção! Eis um articulado eivado de vários vícios, que devia ser objecto de correcção e aperfeiçoamento!!!
Só nas alegações do recurso é que a Ré veio a inovar o artigo 218º/2-a do CPC.
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Saliente-se que não é qualquer ligação ou relação entre a pretensão da Autora e a pretensão da Ré que permite que seja deduzida reconvenção, havendo forçosamente que verificar-se algum dos requisitos de ordem objectiva em satisfação da exigência legal de uma determinada conexão entre o pedido do autor e o pedido reconvencional, traduzido em qualquer uma das alíneas do nº 2 do artigo 218º do CPC.
Quanto à questão de saber se a Ré, em sede de contestação, poderá ou não deduzir reconvenção contra terceiros, a doutrina e jurisprudência divergem-se, por exemplo:
- Diz-se sim no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 3/4/1987 (in BMJ, no.336, pág. 471);
- Dizem não no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24/7/1984 (in CJ, Tomo IV, pág. 42 e seguintes).
Falando da experiência de Portugal, importa realçar que, para acabar com esta querela doutrinal e jurisprudencial, o legislador de Portugal acabou por vir a alterar o regime de intervenção de terceiros no processo civil em 2013, adoptando uma posição mais permissiva em termos da intervenção de terceiros e de reconvenção contra “terceiros”. Eis um dado que merece alguma atenção dada a proximidade entre o sistema de processo civil de Portugal e de Macau.
No caso dos autos, se se pretendesse accionar a alínea a) do artigo 218º/2 do CPC, assim declara a Ré no recurso, o pedido da Ré teria de emergir dos mesmos factos jurídicos invocados pela Autora.
Este seria o caso de o pedido reconvencional se fundar na mesma causa de pedir – ou em parte da mesma causa de pedir – ou, então, de o pedido reconvencional se fundar nos mesmos factos – ou em parte dos mesmos factos – com os quais o R. deduz uma excepção ou, indirectamente, impugna os factos alegados na petição inicial.
A causa de pedir corresponde ao facto ou ao conjunto de factos materiais, concretos, de que emerge o direito que o autor quer fazer valer. Tratando-se de acção de indemnização por responsabilidade contratual, como é o caso, a causa de pedir é complexa, constituída pelo conjunto dos vários factos de que depende o direito à indemnização.
*
Num caso semelhante (proc. nº686/2017, de 15/05/2018, em que as partes são as mesmas e se discute a mesmíssima matéria – contrato de fornecimento de quartos, nulidade do mesmo, contrato de mútuo), este TSI pronunciou-se no seguinte sentido:
“ (…)
2.2 - Como é sabido, a reconvenção obedece à observância de certos requisitos processuais e substantivos, sendo estes últimos característicos de um nexo entre o pedido da reconvenção e o da acção e a posição da defesa (Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., págs. 322 a 329; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, págs. 146 a 153; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3.ª ed., pág. 379; Castro Mendes, Direito Processual Civil, II vol., ed. da AAFDL 1978/79, págs. 292 a 312; José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, 2.ª ed., 2008, pág. 529).
Ora, se analisarmos os requisitos de admissibilidade da reconvenção plasmados no art. 218º do CPC, chegaremos à conclusão de que a reconvenção seria aqui totalmente admissível.
Com efeito, se a ré foi demandada por, alegadamente, não ter cumprido o contrato de fornecimento de alojamento celebrado entre si e a autora, faz parte da sua matéria de defesa alegar que, afinal de contas, aquilo que estava por detrás do contrato, no qual teve influência a intervenção de B, como sua (da ré-reconvinte) directora-geral, foi outra coisa: foi um contrato de mútuo de duas grandes somas de dinheiro que a autora teria concedido a esta, e cuja pagamento seria feito através de contrato de alojamento que conseguiu entre a autora e a ré, segundo o qual a ré (hotel) concederia à autora (agência de viagens e turismo) um elevado número de alojamentos a hóspedes angariados pela autora.
Ora, isto significa - de acordo com a tese que será necessário demonstrar em sede própria - que este contrato de prestação de alojamento (entre A. e Ré) foi celebrado para ocultar o verdadeiro contrato de empréstimo (entre A e directora da ré), cuja existência a ré e os seus sócios ignoravam. Contrato de fornecimento, aliás, de cerca de 120 mil alojamentos tomados a um preço inferior ao valor real que na época se praticava (logo, em prejuízo dos interesses da ré/reconvinte). E, ainda assim, o pagamento do valor estabelecido nesses contratos foi feito por cheque cuja beneficiária era a própria B e não a ré.
Sendo assim, na tese da reconvinte, o quadro de facto traçado é revelador de um fundamento de defesa perfeitamente possível, lógico, coerente e verosímil. Ora, se esta defesa é plausível e passível de prova (cfr. art. 335º, nºs 1 e 2, do CC; 412º, nº3, do CPC), então a situação descrita cabe no âmbito de previsão do art. 218º, nº1 e 2, al. a), do CPC, referente à admissibilidade de reconvenção.
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2.3 - Face à conclusão obtida no ponto anterior, parece claro que a reconvenção era possível contra a autora, até por ela, segundo a narração factual da contestação, ter participado na celebração do contrato alegadamente simulado.
E quanto à reconvinda B?
É certo que o art. 218º apenas permite a reconvenção “contra o autor”.
Ao contrário do que sucede, por exemplo, no CPC português, onde no nº4 do art. 274º4 é permitida a reconvenção de outros sujeitos que possam associar-se ao reconvinte ou ao reconvindo, através do pedido de intervenção principal provocada, no diploma de Macau tal não está expressamente contemplado.
Contudo, assim como em Portugal, antes da alteração ao art. 274º (que aconteceu com o DL nº 180/96, de 25/09), já se defendia que tal era possível, por igualdade de razões, não se vê motivo para se não defender em Macau idêntica solução, mesmo que não expressamente prevista (mas não expressamente proibida). Sobre o assunto, com muito interesse, dada a exposição das posições conhecidas na época, ver José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código …cit, pág. 532; tb. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual …cit, pág. 327. No sentido, aliás, dessa solução, entre nós, ver Viriato Lima, Manual de Direito Processual Civil, 2ª ed., pág.309-310; Cândida Silva Antunes Pires e Viriato Lima, Código de Processo Civil de Macau, II, pág. 59-60.
Isto significa que, no caso, a reconvenção seria possível contra B, na medida em que os contratos simulados a envolvem directamente, ao lado da autora. E como ela não é parte, só poderia vir a ocupar a posição de reconvinda através da intervenção principal provocada, sendo certo que a previsão do art. 267º, nº1 do CPC se aplica à situação descrita. Isto é, com a intervenção passaria a ocupar a posição de co-reconvinda em litisconsórcio com a autora (em sentido semelhante, ver Acs. da RC, de 10/12/2013, Proc. nº 390/12 e de 27/09/2011, Proc. nº 1687/09).
Ou seja, através da intervenção principal provocada, o terceiro requerido passa a assumir a posição de titular de uma situação subjectiva própria, paralela à invocada pelo autor reconvindo, gozando de todos os direitos de parte principal a partir do momento da sua intervenção. Por tal motivo, só depois da intervenção principal, desde que deferida, é que a reconvenção pode operar contra essa reconvinda.
É certo que com a formulação do pedido de reconvenção – dirigido contra a autora e B – no que respeita a este sujeito, terceiro por não ser parte na causa, não foi formulado nenhum requerimento de intervenção principal dessa pessoa estranha à relação processual.
Contudo, na tréplica, a ré deduziu expressamente o incidente de intervenção. E essa dedução tem que considerar-se tempestiva e formalmente irrepreensível (art. 268º, nº1, do CPC).
Isto quer dizer que, no momento em que foi proferido o despacho sindicado, a peticionada intervenção de B nos autos como reconvinda estava justificada.
Não se sufraga, portanto, o despacho nesta parte. (…)”
Pelo que, tendo em conta o sentido da evolução das legislações modernas e os entendimentos actualizados em função de realidade concreta de hoje, não nos repugna em acolher o raciocínio expendido no douto acórdão acima citado, admitindo-se a reconvenção nos termos formulados pela Ré, e assim procede o recurso nesta parte.
Uma nota lateral ainda, no artigo 20º da contestação a Ré citou a obra do Dr. Viriato Lima, (Manual de Direito de Processo Civil, CFJJ Macau, 2005, pág. 310), afirmando que este Autor diz que a lei macaense autoriza esta hipótese de dedução de reconvenção nessas situações! O que não é verdade! O que o autor disse é que a nova legislação de Portugal permite tais hipóteses, enquanto em Macau, tal hipótese é defensável, mas não resulta expressamente da letra da lei. Portanto, são duas coisas diferentes!
* * *
II - Questão de intervenção principal provocada:
Ora, na contestação a Ré veio a deduzir a intervenção principal provocada, pretendendo chamar intervir os 3 sujeitos “novos” já acima referidos:
(1) - B;
(2) - C; e
(3) - D.
Esta figura está regulado no artigo 267º (intervenção provocada) do CPC, que dispõe:
1. Qualquer das partes pode chamar a juízo os interessados com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
2. Nos casos previstos no artigo 67.º, pode ainda o autor chamar a intervir como réu o terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido.
3. O autor do chamamento alega a causa do chamamento e justifica o interesse que, através dele, pretende acautelar.
Conforme a “história” que nos é contada nos autos, a questão de chamamento de intervenção de terceiros também pode gerir alguma controvérsia, porque ela pode ser vista sob perspectivas diferentes.
Numa primeira perspectiva:
A primeira questão a formular-se é saber estes 3 sujeitos serão chamados para ser associados da Ré? Ou como associados da parte contrária, ou seja da Autora? A Ré não chegou a indicar expressamente este ponto!
Na primeira hipótese? A que título? Não nos parece ser esta hipótese, na medida em que a Ré está numa posição antagónica da dos “chamados”, porque entende que estes conjuntamente com a Ré fizeram conluio para “enganar” a Ré, ficando com as quantias que lhe não cabiam.
Na segunda hipótese? Para serem associados da Autora?
Nesta óptica de ver as coisas, não se percebe muito bem porque chamar intervir os 3 sujeitos novos, já que, conforme a relação configurada pela Ré, a Autora adiantou uma determinada quantia para obter 4000 quartos, e 1061 já foram requisitados pela Autora, agora está em causa é saber quem recebeu a quantia HK$$392,570.00(correspondente ao preço total de 1061 quartos).
Na perspectiva defendida também pela Ré, entende esta que os 3 sujeitos fizeram conluio com a Autora, simularam contrato de fornecimento de quartos, verdadeiramente se trata de um contrato de mútuo. Admitindo-se que isto seja verdadeiro, então:
- A Ré não é parte do contrato de mútuo em causa;
- O prejuízo que a Ré sofreu é fornecer “gratuitamente” 1061 quartos à Autora sem que tivesse recebido a contrapartida, ou seja, não cobrou os respectivos preços;
- A Ré continua a defender-se por argumento de que tais quantias adiantadas pela Autora não foram recebidas por ela, mas sim foram encaminhadas para a conta da F, facto confessado pela própria Autora (porque esta passou o cheque e em nome da F). Então quem devia ser chamado para intervir neste processo é a F, como associada da Autora, pois se vier a ser julgado procedente o pedido da Autora, então a chamada F será demandada a devolver à Autora tais quantias recebidas sem título legítimo.
*
Numa segunda perspectiva:
As coisas podem vistas sob outro prima, tal como vem exposto no douto acórdão proferido no processo nº 686/2017, já acima citado, em que se afirmou:
“(…)
     3 - Da intervenção principal
     Acerca da possibilidade do incidente já demos conta no ponto que antecede, pouco mais havendo a acrescentar.
     Trazer a directora da ré, B, à acção, através do incidente de intervenção principal provocada, era a única forma possível de a associar à autora, no sentido de ver declarados nulos os pretensos contratos de prestação de alojamento, face ao acordo simulatório convencionado entre a chamada e a autora.
     Uma vez admitido o incidente, e vindo a requerida a intervir nos autos ao lado da autora5, já o pedido reconvencional contra ambas (A e interveniente) podia ser analisado, com a apreciação do direito da interveniente, segundo o art. 270º, nº1, do CPC, desde que provados os respectivos factos da “causa petendi”.
     E este incidente não podia deixar de ser deferido, já que os contratos - alegadamente simulados - foram celebrados pela autora e pela ré, por intermédio da reconvinda Chen. Aliás, ainda segundo os fundamentos aduzidos pela reconvinte, a simulação só existiu por aqueles contratos esconderem contratos de mútuo de largas somas de dinheiro a essa reconvinda.
     Portanto, e como a reconvinte acha que, na simulação invocada, participaram a requerida Chen e autora, a intervenção principal em apreço está sob a mira directa do art. 267º, nºs 1 e 3, do CPC. Ou seja, justifica-se que a chamada intervenha nos autos para contrariar a imputação de nulidade dos contratos de prestação de alojamento (ao contrário da posição tomada pela reconvinte com assento em simulação) e, ainda, para se defender do pedido que contra si, enquanto reconvinda, foi dirigido de condenação a pagar à ré/reconvinte no montante de HKD$ 23.970.000,00.
     Portanto, também nesta parte o recurso merece proceder. (…).
Nesta óptica, não nos repugna em seguir o mesmo raciocínio expendido no douto arresto citado, admite-se a requerida intervenção principal provocada nos termos pedidos pela Ré, no nosso entender, devia chamar intervir nestes autos a F por razões já acima indicadas, mas não foi isto requerido, ponto este que não entramos em pormenor, porque está em causa um processo cível e em que se comanda o princípio dispositivo.
Pelo que, é de julgar procedente o recurso nesta parte, admitindo a requerida intervenção principal provocada nos termos solicitados.
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Síntese conclusiva:
I - Não é qualquer ligação ou relação entre a pretensão da Autora e a pretensão da Ré que permite que seja deduzida reconvenção, havendo forçosamente que verificar-se algum dos requisitos de ordem objectiva em satisfação da exigência legal de uma determinada conexão entre o pedido do autor e o pedido reconvencional, traduzido em qualquer uma das alíneas do nº 2 do artigo 218º do CPC.
II – Entre os requisitos processuais e substantivos destacam-se os substanciais que exigem um nexo substancial entre o pedido da reconvenção e o fundamento da acção e da defesa.
III - Em certos casos é possível deduzir reconvenção contra o autor e contra terceiro.
IV - Se a Ré é demandada por alegado incumprimento contratual, mas se na sua contestação invoca a nulidade dos contratos celebrados, alegando uma simulação entre a Demandante e um terceiro que tivesse agido em nome ou em representação da Ré para encobrir um empréstimo de dinheiro para jogo, então à contestante é possível deduzir reconvenção contra a Autora e essa terceira pessoa, embora esta não seja parte do processo, desde que requeira o respectivo incidente de intervenção principal provocada.
Tudo visto, resta decidir
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    V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em conceder provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido e, em consequência:
    1) - Deferir-se o pedido de intervenção principal provocada de B, C e D, devendo o juiz titular do processo, quando baixar o processo, processar o incidente nos termos do artigo 269º e seguintes do CPC.
    2) - Deferir-se, também, o pedido reconvencional formulado contra os reconvindos.
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Custas pela Autora:
    Na 1ª instância, pelo incidente, 4 UCs;
    No TSI, pelo recurso, 8 UCs.
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Registe e Notifique.
                 RAEM, 31 de Maio de 2018.
                 Fong Man Chong
                 Ho Wai Neng
                 José Cândido de Pinho
1 參見José Lebre de Freitas、João Redinha 及 Rui Pinto :《Código de Processo Civil, Anotado》,第10卷,第488頁數
2 VIRIATIO MANUEL PINHEIRO DE LIMA, Manual de Directo Processo Civil, CFJJ Macau, 2005, p. 310.
3 ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, SAMPRAIO E NORA, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, p. 327.
4 No Brasil também é expressamente admitida a reconvenção contra o autor e terceiros, no art. 343º, nºs 3 e 4º, do CPC.
5 Ainda que lhe seja reconhecido o direito de, em vez disso, se associar à própria ré (art. 269º, nº3, do CPC), o que é pouco verosímil neste caso concreto, ou até de não intervir, embora sempre com os efeitos resultantes da disciplina do art. 270º, nº2, do mesmo Código.
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2017-844-reconvenção-intervenção-principal 1