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Proc. nº 3/2017
Recurso Contencioso
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 14 de Junho de 2018
Descritores:
     - Renovação da autorização de residência
     - Requisitos
     - Presunção de inocência
     - Princípio do inquisitório
     - “Déficit instrutório”
     - Princípio da proporcionalidade

SUMÁRIO:

I - A renovação da autorização de residência depende, segundo o estipula o art. 22º do Regulamento Administrativo nº 5/2003, da verificação dos pressupostos e requisitos previstos na lei de princípios e nesse regulamento. Ora, a lei ali mencionada é, precisamente, a Lei nº 4/2003.

II - A Administração, através da entidade competente para tal, não tem que fazer um exercício de verificação de cada um dos requisitos previstos nos arts. 4º e 9º deste diploma, nem o tribunal pode impor-lho. Assim, basta que algum deles se verifique, para que a autoridade administrativa possa utilizar os seus poderes públicos adequados. E foi o que aconteceu na situação em apreço.

III - A presunção de inocência plasmado no art. 29º da Lei Básica e no art. 49º, nº2, do CPP é um princípio válido, especialmente, no âmbito do processo penal, mas que fora dele tem um valor mitigado, conforme o demonstram, por exemplo, os arts. 578º e 579º do CPC. No quadro de uma actividade administrativa, onde estão presentes razões de interesse público relevantes, os actos de vida do cidadão podem ter uma relevância diferente daquela que as leis criminais conferem.

IV - Quando existe “deficit instrutório”, ele não vale autonomamente como vício do acto. Ou seja, não se diz que o acto é inválido porque houve “deficit instrutório”, embora se possa dizer que o acto pode vir a ser julgado inválido por não ter considerado todos os factos possíveis, precisamente por instrução deficiente. Quer dizer, a carência de elementos instrutórios o que pode é fazer resvalar o caso para a existência de um quadro factual imperfeito ou incompleto da realidade, apto, portanto, a preencher o vício do erro sobre os pressupostos de facto.

V - O acto que nega a renovação de residência, para se falar em violação do princípio da adequação e proporcionalidade, e assim ser anulado, deve ter incorrido em grave, manifesto, ostensivo erro no exercício dos poderes discricionários, sob pena de o tribunal não o poder sindicar.

Proc. nº 3/2017

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
A, do sexo feminino, casada, de nacionalidade chinesa, residente no XX, edf. XX, XXº andar XX, Macau,---
Recorre contenciosamente do despacho do Secretário para a Segurança de 25/10/2016, que indeferiu o seu pedido de renovação de residência na RAEM.
Na petição inicial formulou as seguintes conclusões:
“1. No dia 17/11/2017, a recorrente recebeu a notificação do DSM da PSP nº 300109/CESMREN/2016P, informando que o Exmº Sr. SEF, conforme parecer constante no relatório do DSM, proferiu, no dia 25/10/2016, despacho de indeferimento do pedido de renovação de residência da recorrente.
2. O presente recurso judicial foi interposto devido ao acto administrativo recorrido padecer dos vícios seguintes: Erro na aplicação da lei, violou o princípio da proporcionalidade e o princípio da adequação e foi absolutamente irracional o exercício do poder discricionário.
3. Quanto ao erro na aplicação da lei, compilado o despacho supracitado, com concordância e citação do parecer constante no relatório complementar emitido pelo DSM da PSP nº 300050/CESMREN/2016P, a entidade recorrida alegou especialmente que devido ao crime de furto envolvido pela recorrente, pelo que decidiu indeferir o pedido de renovação apresentada pela recorrente.
4. Nos termos do artº 22º, nº 1 e artº 1º do RA nº 5/2003 sobre Lei nº 4/2003 – Princípios gerais do regime de entrada, permanência e autorização de residência. No artº 9º dessa lei apresenta vários factores necessários a considerar para autorização de residência em Macau, com o objectivo de permitir que a autoridade competente, aquando da tomada de decisão pudesse considerar os vários aspectos, a fim de obter uma decisão mais adequada, e não apenas considerar particularmente por um só factor. Além disso, o artº 9º da Lei nº 4/2003, não está rigidamente prescrito que a falta de qualquer um dos factores, obriga o indeferimento da autorização.
5. Porém, a entidade recorrida no seu despacho apenas considerou o artº 9º, nº 2, al. 1 da Lei nº 4/2003, com remissão do artº 4º, nº 2, al. 3 da mesma Lei, alegando ter havido fortes indícios de que a recorrente chegou a praticar crime, desconsiderando outros factores importantes estipulados no artº 9º, nº 2, al. 2 a 6 e nº 3 da Lei nº 4/2003, pelo menos, o aludido despacho indeferiu o pedido, sem ter feito as respectivas análises (incluindo o parecer constante no relatório que foi totalmente transcrito), pelo que violou o disposto no artº 9º, nº 2, al. 2 a 6 e nº 3 da Lei nº 4/2003.
6. A recorrente no ano de 2013 através da forma de união com seu cônjuge que é residente de Macau, foi autorizada a sua permanência em Macau, no início quando os dois contraíram casamento, a razão fundamental, foi porque a recorrente aceitou fazer a vida e permanecer com seu marido em Macau. Caso a renovação da residência da recorrente for indeferida, a separação de vida do casal em duas terras causa inevitavelmente a impossibilidade de manter o amor e a relação conjugal entre ambos.
7. Além disso, a recorrente e seu marido têm um filho menor com 3 anos de idade chamado B, presentemente está particularmente sob os cuidados da recorrente, quanto ao seu marido, o seu horário de trabalho é incerto, pelo que, é-lhe impossível e incapaz de cuidar devidamente o seu filho. Se o pedido de renovação de residência for indeferido, para além de carecer alguém para tomar conta do seu filho menor, ela terá que separar-se do seu filho, a sua família dificilmente poderá viver em união, assim sendo, em certa medida, irá afectar o desenvolvimento do seu filho menor.
8. Por outro lado, a recorrente tem trabalho e rendimento estável em Macau, se o pedido de renovação de residência for indeferido, irá causar directamente e inevitavelmente à recorrente a perda do emprego, perda do tempo de serviço e rendimento, afectando o seu desenvolvimento pessoal e direcção na vida futura, assim como, prejudica gravemente a situação económica da família.
9. Além disso, conforme consta no ponto 5 do relatório nº 21140/CESMREN/2016P, vemos que a recorrente residiu quase o ano inteiro em Macau, sendo Macau o centro da sua vida. Em conclusão do supracitado, a recorrente preenche os factores constantes no artº 9º, nº 2, al. 2 a 6 da Lei nº 4/2003.
10. Por outro lado, o processo envolvido pela recorrente da prática do crime de furto, o caso está, neste momento, na fase de inquérito, a recorrente até hoje ainda não foi acusada pelo MP, nem foi condenada, portanto devia nos termos do artº 29º e artº 82º da LB e artº 49º, nº 2 do CPP, presumir a inocência de qualquer pessoa antes da condenação.
11. A recorrente foi acusada de estar envolvida num caso de furto, todavia, tal facto e qualificação da conduta está a aguardar a investigação e confirmação da entidade judicial, quanto ao trabalho de investigação é da competência do MP, e nesta fase o MP ainda não obteve conclusão da legalidade e validade dos respectivos indícios, provas e declarações, além disso, presentemente este processo está na fase de inquérito, cujo teor e provas estão sob sigilo, nestes termos, a entidade não tem condição de ter um juízo completo e adequado sobre o caso.
12. A entidade recorrida sem ter acesso directo das provas supracitadas, designadamente não viu pessoalmente a câmara de visionamento, nem ouviu a recorrente em declarações sobre o caso, e na situação de sem ter investigado particularmente o caso, ora vem determinar que a recorrente “houve fortes indícios” na prática da conduta, isto violou o artº 86º, nº 1 do CPA.
13. Salvo o devido respeito por opinião diferente sobre direito, mas a recorrente é de posição contrária à da entidade recorrida, aliás, antes do MP terminar o trabalho de inquérito, ora vem reconhecer que o caso “houve fortes indícios” da prática do crime, foi de facto precipitado, razão porque nesta fase nem sequer atingiu “indícios suficientes”, ora como pôde haver “fortes indícios”. Se bem que admitimos a entidade Administrativa goza do seu poder discricionário, contudo, este poder não é arbitrário e sem limite, é preciso cumprir conforme as regras de juízo estipuladas na lei, tal como o juízo sobre “indícios suficientes” e “fortes indícios”, necessita de cumprir o estipulado no Código Processo Penal, além disso, a entidade recorrida carece de provas directas, suficientes e com força jurídica, assim sendo, a conclusão obtida pela entidade recorrida fez com que aplicasse erradamente e incorrectamente a lei.
14. Além do mais, este foi o único crime de furto envolvido pela recorrente, nos termos do artº 197º, nº 3 e 105º e seguintes do CP estipula, quando o procedimento criminal depender de queixa, pode através de acordo particular com o ofendido, este declarar a desistência ou extinção da acção. O processo supracitado está ainda na fase de inquérito, muito provavelmente, em breve, o ofendido vai desistir da queixa e fica extinto o respectivo procedimento, isto é, a recorrente, muito provável, não vai ser condenada. Ora se o legislador entende que os prejuízos causados à sociedade por tal acto, são de menor gravidade, tendo a entidade recorrida indeferido o pedido de renovação de residência da recorrente, sem dúvida que interpretou mal o sentido da lei.
15. Presentemente por causa da recorrente estar envolvida num caso que ainda não foi confirmado e sem ter julgado pela entidade judicial, ou até poderá ser desistido por parte do ofendido, ora vem indeferir o pedido de renovação apresentada pela recorrente, sem dúvida que esta decisão é injusta. A recorrente reside em Macau há vários anos, além disso, até à presente data, nunca teve qualquer antecedente criminal. Mais ainda, o caso envolvido pela recorrente já decorreu há mais de um ano, ela sempre teve bom comportamento, é empenhada no trabalho, ao mesmo tempo, cuida da família e até à presente data nunca mais envolveu em outros casos ou tem outro processo pendente. Compilados os dados da corrente acima referidos, podemos verificar que ela tem boa personalidade, pois mesmo que lhe seja autorizada a permanência em Macau, podemos ter um juízo de prognose que ela não irá violar a lei de Macau, nem vai praticar actos que causam prejuízos à paz social de Macau.
16. Segundo consta no processo, o DSM da PSP propôs autorizar o respectivo pedido até obter nova informação da entidade judicial sobre o caso envolvido pela interessada ou aguardar até ao próximo pedido de renovação para tratar devidamente o seu pedido de residência, esta opinião preenche o princípio da proporcionalidade previsto no artº 5º, nº 2 do CPA. De facto, a forma de tratamento adoptada no supracitado parecer, é a prática adoptada pelo respectivo departamento para tratar na generalidade dos casos análogos, assim sendo, a recorrente também devia obter o mesmo tratamento.
17. Pelo exposto, a entidade recorrida no seu despacho de indeferimento do pedido de renovação apenas considerou o caso envolvido pela recorrente, desconsiderando outros factores importantes estipulados na lei. Assim sendo, nos termos do artº 21º, nº 1, al. d) do CPAC e 124º do CPA, o acto recorrido praticado pela entidade recorrida violou o artº 9º da Lei nº 4/2003, pelo que deve ser anulado.
18. Violou o princípio da proporcionalidade e adequação previsto no artº 5º, nº 2 do CPA, o princípio da proporcionalidade como limitação é formado por três subprincípios, respectivamente princípio da adequação ou idoneidade, princípio da necessidade ou exigibilidade e princípio da proporcionalidade em sentido restrito. Tal como o entendimento do acórdão do recurso penal do TUI nº 38/2012, “de acordo com este princípio, as limitações de direitos e interesses das pessoas devem revelar-se idóneas e necessárias para garantir os fins visados pelos actos dos poderes públicos.”
19. A recorrente foi acusada de ter cometido o crime de furto, cujo procedimento depende da queixa, a qualquer momento, através de acordo particular com o ofendido, este pode desistir ou extinguir o respectivo procedimento, os crimes semi-público, os danos causados à sociedade são relativamente menores, contudo, a entidade recorrida indeferiu o pedido de renovação da recorrente, sem dúvida que aplicou a lei de modo rígido.
20. Tal como foi referido, a entidade recorrida não considerou a recorrente em si e sua situação familiar, incluindo, ela nunca teve antecedentes, nem processos pendentes, o seu direito de união familiar, direito como mãe de cuidar do seu filho menor e direito à permanência, trabalho, salário e profissão.
21. Segundo consta no processo, o DSM da PSP propôs autorizar o respectivo pedido até obter nova informação da entidade judicial sobre o caso envolvido pela interessada ou aguardar até ao próximo pedido de renovação para tratar devidamente o seu pedido de residência, esta opinião preenche o princípio da proporcionalidade previsto no artº 5º, nº 2 do CPA. Tendo em conta os factores supracitados, uma vez que a recorrente não causa graves influências negativas à segurança, à paz e aos interesses sociais de Macau, além disso, tal acto afecta gravemente o direito pessoal da recorrente, pelo que a entidade recorrida indeferiu o pedido de renovação da recorrente, foi de facto inadequado e desnecessário, assim sendo, violou o princípio da proporcionalidade previsto no artº 5º, nº 2 do CPA.
22. Nos termos do artº 21º, nº 1, al. d) do CPAC e 124º do CPA, o acto recorrido praticado pela entidade recorrida violou o princípio da proporcionalidade e adequação, o exercício do poder discricionário foi absolutamente irracional, pelo que deve ser anulado.
23. A recorrente foi acusada de estar envolvida no crime de furto, tal processo está ainda na fase de inquérito, até à presente data o MP ainda não deduziu acusação contra a recorrente, nem foi condenada, bem como, a qualquer momento com a desistência do ofendido, o procedimento fica extinto. Além disso, a recorrente não tem antecedentes em Macau, nem tem processo pendente ou a aguardar julgamento em Macau, pelo que podemos razoavelmente reconhecer que a recorrente não causa influências negativas à segurança e à paz social de Macau.
24. Nos termos do artº 9º, nº 2 a 6 e nº 3 da Lei nº 4/2003, perante uma série de pressupostos e condições que permitem autorizar a renovação de residência da recorrente, a entidade recorrida não seguiu o espírito legislativo dessa lei, apenas por a recorrente estar envolvida no crime de furto, desconsiderou as demais circunstâncias do supracitado caso e a situação concreta, que por sua vez decidiu indeferir o pedido de renovação de residência da recorrente, evidentemente que a decisão supracitada ao fazer a coordenação entre o interesse público e o direito privado perdeu gravemente equilíbrio, foi absolutamente irracional no exercício do poder discricionário.
25. O exercício do poder discricionário atribuído por lei à entidade administrativa surgiu erro notório ou situação absolutamente irracional, que tem de ser apreciado judicialmente, nos termos do artº 21º, nº 1 al. d) do CPAC e artº 124º do CPA, deve ser anulado”
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A entidade administrativa contestou, pugnando pela improcedência do recurso.
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A seu tempo, apenas a recorrente apresentou alegações facultativas, reiterando no essencial a posição assumida na petição inicial.
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O digno Magistrado do MP emitiu o seu parecer final, com o seguinte teor:
“Objecto do presente recurso contencioso é o despacho de 25 de Outubro de 2016, da autoria do Exm.º Secretário para a Segurança, que, no seguimento de pareceres do Comandante do CPSP e do Chefe do Serviço de Migração, indeferiu a renovação da autorização de residência da recorrente A.
Na sua petição de recurso, a recorrente sustenta que o acto está viciado de erros na aplicação do direito, de violação dos princípios da adequação e proporcionalidade, padecendo também de total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, no que é contraditada pela entidade recorrida, que rebate a aventada ilegalidade do acto e pugna pela improcedência do recurso.
Vejamos.
O que determinou a recusa de renovação da autorização de residência foi a existência de fortes indícios da prática de crime de furto pela ora recorrente, cuja conduta foi considerada susceptível de pôr em causa a segurança e de hipotecar a confiança quanto ao cumprimento futuro da lei por parte da recorrente, tendo sido alinhados, como fundamentos de direito, os artigos 22.º, n.º 2, do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, e 9.º, n.º 2, alínea 1), e 4.º, n.º2, alínea 3), da Lei n.º 4/2003.
Cotneça por dizer a recorrente, na matéria relativa aos assacados erros na aplicação do direito, que a Administração só atendeu a um dos vários elementos a considerar na ponderação da decisão relativa à autorização de residência e sua renovação - concretamente o previsto na alínea 1) do n.º2 do artigo 9.º, com referência à alínea 3) do n.º2 do artigo 4.º da Lei 4/2003 - quando se lhe impunha que atendesse a todos esses elementos, nomeadamente aos previstos nas alíneas 2) a 6) do n.º 2 e no n.º 3, do referido artigo 9.º da Lei 4/2003.
Crê-se que não tem razão.
A decisão sobre autorização de residência e sua renovação, devendo levar em conta um conjunto de factores que a lei manda ponderar, não tem que traduzir necessariamente o sentido da maioria desses factores, como parece advogar a recorrente, que aliás não identifica a norma em que estriba o seu ponto de vista. Numa matéria tão sensível, em que pontuam valores ligados à segurança e à ordem pública, e onde o poder discricionário assume uma componente decisória essencial, toma-se óbvia a improcedência dum tal argumento.
Ainda adentro da temática do erro de direito, a recorrente versa a questão da violação da presunção de inocência.
Este princípio, previsto na Lei Básica, tem especial acuidade em processo penal, cujo Código o consagra igualmente, significando que, até ao trânsito em julgado da sentença condenatória, não devem recair sobre o arguido quaisquer juízos que pressuponham o efectivo cometimento dos factos delituosos, devendo até lá beneficiar da presunção de que é inocente.
Mas um tal princípio não pode ser levado ao ponto de impedir a própria investigação dirigida contra o arguido e a eventual dedução de uma acusação, pois isso seria a negação do próprio processo penal que lhe consagra esse estatuto de presumido inocente.
E se é assim em processo penal, também em sede de procedimento administrativo não podem os processos paralisar só porque o administrado beneficia da presunção de inocência. A ponderação, por parte da Administração, no exercício da sua actividade, da integração de conceitos ligados ao cometimento de crimes, como sejam os da existência de indícios ou de fortes indícios, em nada belisca a presunção de inocência dos arguidos. Tanto mais que é o próprio legislador quem, no âmbito do seu poder de conformação, comete à Administração essa incumbência de integração de conceitos, indispensável à actividade administrativa.
Também aqui falece razão à recorrente.
Afirma, seguidamente, que foi violado o princípio do inquisitório. E sustenta esta asserção na circunstância de ter sido formulado um juízo sobre a existência de fortes indícios do cometimento de um crime, sem que a Administração tivesse realizado qualquer diligência instrutória no sentido de apurar essa existência de fortes indícios e sem que o Ministério Público se tivesse pronunciado quanto a indícios.
Visto o processo instrutor, constata-se que a participação policial elaborada no seguimento da deslocação de um agente policial ao Hotel XX, chamado pela segurança do hotel - cf. tradução a fls. 55 e seguintes do apenso “traduções” -, contém os elementos necessários e suficientes para a formulação daquele juízo sobre indícios. Na verdade, aí se relata tudo quanto foi apurado pelo referido agente, quer no hotel, quer no Comissariado policial, para onde se deslocaram um gerente do hotel, a ora recorrente e o marido desta. Entre os elementos apurados sobressaem a versão transmitida pelo responsável do hotel, que pormenorizou os pontos relevantes para o esclarecimento da autoria da subtracção - versão segundo a qual, com base na detecção do desaparecimento de valores e nas diligências subsequentes, incluindo o visionamento de imagens do circuito interno de vídeo, de cuja gravação iria ser disponibilizada uma cópia, se obteve a conclusão de ter sido a ora recorrente a autora da subtracção, o que ela também admitiu perante esse responsável - bem como a confissão da própria recorrente na presença desse agente policial.
Perante estes dados, afigura-se que o juízo sobre os indícios foi formulado a coberto de uma base fáctica bastante, pelo que soçobra a aventada insuficiência instrutória.
Depois, a recorrente põe em causa o juízo que catalogou os indícios como fortes, o que sucedeu, diz, mesmo antes de o Ministério Público se haver sequer pronunciado sobre a existência de indícios suficientes para ser deduzida acusação.
A dedução de acusação pelo Ministério Público, com a suficiência de indícios que lhe está subjacente, não constitui uma condição a que a administração deva subordinar a emissão do seu juízo acerca da existência de fortes indícios. Aliás, no caso vertente, nem chegou a ser deduzida acusação, facto que se deve à superveniente falta de legitimidade do Ministério Público, em face da desistência de queixa, o que, nenhuma repercussão exercendo sobre o procedimento administrativo, não pode evidentemente condicionar a actividade administrativa e o juízo sobre a existência de fortes indícios que a lei comete à Administração. A circunstância de não ter havido acusação não significa, pois, que não haja indícios suficientes da prática do crime, tal como não significa que não haja indícios fortes dessa prática. Note-se, aliás, que os conceitos de fortes indícios e indícios suficientes se equivalem ao nível da exigência probatória do juízo de probabilidade em processo penal, pressupondo ambos uma convicção da probabilidade da futura condenação do arguido. No mesmo sentido opina Jorge Noronha Silveira, no seu trabalho intitulado “O conceito de indícios suficientes no processo penal português”, acessível através de www.odireitoonline.com, para quem as expressões processuais “indícios suficientes” e “fortes indícios” têm um alcance semelhante. Portanto, nada há a censurar ao acto recorrido por ter adoptado, como fortes, os indícios que se lhe depararam, mesmo sem estar escorado numa acusação penal por parte do Ministério Público.
Improcede também esta arguição.
Ainda no tocante aos designados erros na aplicação do direito, a recorrente diz que o seu pedido de renovação de residência foi indeferido com base num processo penal que foi arquivado sem ter conduzido a acusação, o que é injusto e viola o artigo 9.º da Lei 4/2003.
A recorrente parte duma premissa errada, substanciada na afirmação de que foi o processo penal que esteve na base do indeferimento decretado pelo acto. Não foi o processo penal que determinou o sentido do acto, mas sim o crime que lhe esteve subjacente. Mesmo que, por algum motivo, V.g. falta da necessária queixa, não tivesse sido instaurado processo penal, não estava a recorrente livre de ver apreciada administrativamente a sua conduta para efeitos de renovação da autorização de residência, desde que a Administração tomasse conhecimento da conduta e recolhesse os elementos indispensáveis à formulação do juízo relativo aos fortes indícios.
Soçobra também este fundamento do recurso.
A recorrente alinha ainda, como fundamentos do recurso, a violação dos princípios da adequação e da proporcionalidade, do mesmo passo que afirma que o acto padece de irrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários em que se moveu. Nesse sentido, considera que, em face dos elementos de que a Administração dispunha, a decisão de recusar a renovação da sua autorização de residência apresenta-se desproporcional, vistas as coisas à luz do confronto entre os interesses e direitos em presença. Também neste ponto não se crê que tenha razão.
O princípio da proporcionalidade, que é um corolário do princípio da justiça, obriga a que as decisões administrativas que colidam com direitos e interesses legítimos dos particulares apenas possam afectar as posições destes na justa medida da necessidade reclamada pelos objectivos a prosseguir. E não se pode falar de desrazoabilidade quando a actuação administrativa é adequada à prossecução do interesse público que lhe cabe salvaguardar, desde que o sacrifício do interesse particular encontre justificação na importância do interesse público a salvaguardar.
Pois bem, estando em causa, como estava, a renovação da autorização de residência na Região Administrativa Especial de Macau, só duas hipóteses se colocavam: renovar a autorização ou denegá-la. O acto recorrido tomou em linha de conta a existência de indícios fortes da prática de um crime por parte da interessado, aqui recorrente, e, no confronto dos valores em presença, atribuiu supremacia ao interesse público, o que se compreende e é aceitável em vista da enunciada preservação da segurança e ordem pública. É de salientar que o facto de a recorrente não ter sido acusada em processo penal é aqui irrelevante, pois tal não decorreu da falta de indícios, antes se deveu a motivos que se prendem com a falta de pressupostos para prosseguimento da acção penal. No contexto em que o acto recorrido foi proferido, a primazia conferida ao interesse público não afronta o princípio da proporcionalidade, não padecendo o acto de erro, muito menos ostensivo ou grosseiro, que caucione uma interferência do tribunal relativamente ao sentido do exercício daquele poder discricionário.
Soçobram, assim, também a desproporcionalidade e a desrazoabilidade atribuídas ao acto.
Ante o exposto, e na improcedência dos suscitados vícios, o nosso parecer vai no sentido do não provimento do recurso.”
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.

Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os Factos
1 – À recorrente, por despacho de 16/07/2013, foi autorizada a residência em Macau, com a finalidade de união com seu cônjuge, que é residente de Macau, cujo prazo de validade da autorização de residência terminava em 15/07/2016.
2 – No dia 16/06/2016 a requerente apresentou o pedido de renovação da residência.
3 – Foi enviada pelo CPT a seguinte participação contra a recorrente:
PARTICIPAÇÃO N.º 085P/2015/CPT
Comissariado Policial da Taipa Ref.ª/Reg. n.º4798
Remeta-se ao Digno Delegado de Turno do M.ºP.º em 25 de Agosto de 2015
O Comandante do D.P.I Subst.º
Ass.) vd. o orginal
  Para os devidos efeitos, venho participar a V. Ex.ª o seguinte:
  Hoje (dia 24 de Agosto de 2015), pelas 16H10, o guarda n.º 3XXXX1 de turno India-150G5 comunicou a este Comissariado que pessoal da segurança do Hotel XX Grande sito no COTAI (zona1) solicitou o envio de guardas para ali prestar auxílio.
Depois, este Comissariado enviou o guarda n.º 2XXXX1 (C) da unidade de patrulha India-164 para deslocar-se ao supracitado local e no local entrou em contacto com a segurança do Hotel XX, senhor D, do sexo masculino, nascido a 24/7/1959, portador do BIRM n.º 7XXXXX1(7), com telefone n.º6XXXXX90), o responsável do Hotel XX senhor E e a suspeita A e seu marido F.
No local, o senhor E, responsável do hotel XX Grande, contou ao guarda que, no dia 18/8/2015, à noite (esqueceu-se da hora exacta), foi-lhe comunicado pelo vice-gerente do hotel que desapareceram sem razão os vários vouchers do valor de MOP100 cada e vouchers XX do hotel colocados no balcão do hall do hotel. Após feito o visionamento das imagens gravadas pelo CCTV instalado no local, verificou-se que no dia 18/8/2015, por volta das 18H40, a suspeita A tinha se aproveitado dum papel branco de formato A4 para cobrir a subtracção de vários vouchers do valor de MOP100 cada e vouchers XX do hotel colocados no balcão do hall do hotel e os colocado num saquito pertencente a ela. Ontem (dia 23/8/2015), depois de tomado conhecimento do caso, a suspeita A pediu demissão junto a ele, pelo que lhe exigiu que voltasse à companhia para tratar formalidades de demissão. Hoje (dia 24/8/2015), por volta das 14H00, quando a suspeita A voltou à companhia e se dirigiu ao departamento pessoal, perguntou-lhe se tinha subtraído vouchers de MOP100 e de XX, tendo a mesma confessado que, em Julho de 2015 (esqueceu-se do tempo exacto), tinha, por duas vezes, subtraído vouchers do valor de MOP100 cada e vouchers XX do hotel colocados no balcão do hall do hotel XX, bem como no dia 18 de Agosto de 2015, tinha subtraído vários vouchers do valor de MOP100 cada e vouchers XX do hotel colocados no balcão do hall do hotel, mas já se tinha esquecido a quantidade dos vouchers por si subtraídos por três vez e tinha entregado todos esses vouchers ao seu marido F. Pelo que apresentou queixa à Polícia sobre a subtracção feita pela suspeita A. Ao mesmo tempo, declarou que a sua companhia (Hotel XX) não conseguiu contar a quantidade dos respectivos vouchers de Julho de 2015, mas só conseguiu contar o número dos vouchers de Agosto de 2015, e após feito o cálculo, tomou conhecimento de que no dia 18 de Agosto de 2015 foram subtraídos 27 vouchers XX e 12 vouchers do valor de MOP100 cada, resultando daí o prejuízo sofrido pela companhia no valor total de MOP6.330,00. Referiu que desejava, em representação da companhia, o procedimento penal e jurídico contra o caso.
Com o consentimento da suspeita A, o supracitado guarda examinou o cacifo da suspeita (n.º SW-2XX7) mas não encontrou nada. Ao mesmo tempo, a segurança do hotel senhor D declarou que estava a preparar as respectivas imagens gravas pelo CCTV e quando estivesse pronto irá comunicar a este Comissariado para o levantamento.
A fim de obter mais informações, este Comissariado convidou o responsável do hotel E, a suspeita A, o seu marido F para dirigirem-se ao presente Comissariado. São os seguintes os dados de identificação dos indivíduos acima indicados:
O responsável do Hotel XX, E, do sexo masculino, nascido a 31/8/1980, filho de G e de H, casado, natural de Shanghai, RPC, de nacionalidade chinesa, portador do BIRPM n.º 1XXXXX3(6), profissão gerente do Hotel XX, residente em Macau, Taipa, na Rua do XX, Edifício “XX”, Bloco XX, XXº andar XX, com telefone n.º 6XXXXX95.
A suspeita A, do sexo feminino, nascida a XX/XX/19XX, filha de I e de J, casada, natural de Taiwan China, de nacionalidade chinesa, portadora do BIRNPM n.º 1XXXXX4(7), profissão empregada de balcão do hall do Hotel XX, residente em Macau, no Beco XX, Edifício “XX”, XXº andar XX, e em Taiwan, na Cidade de XX, Rua XX, n.ºXX, com telefone n.º 6XXXXX33.
O marido da suspeita, F, do sexo masculino, nascido a XX/XX/19XX, filho de K e de L, casado, natural de Macau, de nacionalidade chinesa, portador do BIRPM n.º 5XXXXX2(9), profissão motorista, residente em Macau, no Beco XX, Edifício “XX”, XXº andar E, com telefone n.º 6XXXXX38.
Neste Comissariado, o responsável do hotel, E, contou o teor igual ao da declaração prestada junto ao guarda, tendo fornecido a este Comissariado fotocópias dos vouchers em dinheiro e de embarcação para servir de investigação, e quanto à procuração vai ser entregue por si mesmo junto do Ministério Público.
Neste Comissariado, a suspeita A confessou que, em Julho de 2015 (esqueceu-se do tempo exacto), por duas vezes, tinha subtraído vouchers do valor de MOP100 e vouchers XX do hotel colocados no balcão do hall do Hotel XX (esqueceu-se da respectiva quantidade), bem como no dia 18 de Agosto de 2015, tinha subtraído vários vouchers do valor de MOP100 e vouchers XX do hotel colocados no balcão do hall do Hotel XX, mas já se esqueceu da respectiva quantidade dos vouchers por si subtraídos, e os tinha entregado ao seu marido F, mas não lhe disse que tais vouchers eram subtraídos por si. Ao mesmo tempo, declarou que tinha vontade de indemnizar o Hotel pelos prejuízos causados. (junta-se a declaração de vontade de indemnização à presente participação para serem submetidas ao superior hierárquico)
Neste Comissariado, o marido da suspeita, F contou que, em Julho de 2015 (já se esqueceu da data exacta), sua esposa (A), por duas vezes, tinha-lhe entregado vouchers do valor de MOP100 (cerca de 6 vouchers) e vouchers XX (cerca de 6 vouchers), todos pertencentes ao Hotel XX; e alguns dias antes (esqueceu-se da data exacta), sua esposa (suspeita A) lhe tinha entregado vouchers do valor de MOP100 cada (cerca de 10 vouchers) e vouchers XX (cerca de 16 vouchers) para que ele pudesse utilizar os vouchers em dinheiro em restaurantes do Hotel XX e oferecer os vouchers XX aos seus amigos (não queria fornecer os respectivos dados de identidade) que os já tinham utilizados. Ao mesmo tempo, declarou que desconheceu que os vouchers eram subtraídos pela sua esposa (A).
Com o consentimento da suspeita A e do seu marido F, bem como o respeito da dignidade dos mesmos, este Comissariado procedeu à revista dos objectos na posse deles, mas nada foi encontrado.
Através do Departamento de Informações, este Comissariado foi informado de que, deste CPSP nada consta sobre a suspeita A, mas o seu marido F, em 7 de Julho de 2005, se envolveu num caso de presumíveis discussões de sociedade negra, registado na notificação do Departamento de Informações n.º 1599/2005-P.º222.03.
Resumidas as circunstâncias acima indicadas, há fortes indícios de que a suspeita A cometeu crime desta região (furto), pelo que, nos termos do art.º 48.º do Código de Processo Penal, este Comissariado comunicou à suspeita que foi constituída como arguida e lhe explicou a razão, comunicando-lhe também os direitos e deveres que possui como arguida.
A arguida A confessou o supracitado facto que lhe era imputado, mas não conseguiu fornecer defensor nem testemunha.
Foram elaborados pelo presente Comissariado os autos de inquirição sobre o responsável do Hotel XX E e o marido da arguida F (juntam-se os autos à presente participação para serem submetidos ao superior hierárquico)
Comunicou-se ao guarda principal n.º 1XXXX1, do Departamento Policial das Ilhas, para elaborar o auto de inquérito da arguida. (Junta-se o auto à presente participação para serem submetidos ao superior hierárquico).
Hoje, pelas 23H15, este Comissariado foi informado pela segurança de M de que o disco compacto sobre as imagens gravadas já estava pronto para ser levantado.
Pelo que, este Comissariado enviou o guarda nº 1XXX1, da unidade de patrulha India-163 ao local. Chegou às 23H20, o guarda entrou em contacto com a trabalhadora da secção de supervisão, senhora N, do sexo feminino, nascida a XX/XX/19XX, portadora do BIRM n.º 5XXXXX1(0), tendo esta entregado ao guarda um disco compacto (marca Maxell, de cor amarela) para os devidos efeitos.
Feito o visionamento pelo presente Comissariado, verificou-se que as imagens mostraram o decurso da subtracção feita pela arguida A, pelo que foi feita apreensão do supracitado disco compacto (auto de apreensão n.º 302/2015/CPT que se junta à presente participação para serem submetidos ao superior) e também foi elaborado o auto de visionamento pelo presente Comissariado (junta-se o auto à participação para ser submetido ao superior hierárquico).
No dia 25 de Agosto de 2015, pelas 10H00, a arguida A iria comparecer no Ministério Público da RAEM para tratamento do caso, o responsável do hotel e o marido da arguida também foram notificados para comparecer no Ministério Público da RAEM no mesmo dia para acompanhamento.
Do referido caso já foram notificados os guardas n.ºs 1XXX41 e 1XXX91, do Departamento Policial das Ilhas.
Juntam-se em anexo os respectivos documentos.
Aos 24 de Agosto de 2015,
O Graduado de Serviço,
Ass.) vd. o originalO Subchefe n.º 2XXX41
4 – No âmbito do competente serviço da PSP foi elaborado, no dia 21/07/2016, o relatório nº 201140/CESMREN/2016, propondo a autorização do respectivo pedido até se obter nova informação da entidade judicial sobre o caso envolvendo a recorrente, ou aguardar-se até ao próximo pedido de renovação para tratar devidamente o seu pedido de residência, com o seguinte teor:
Relatório n.º: 201140/CESMREN/2016P
Data: 21/7/2016
1. Por despacho do Exm.º Senhor Secretário para a Segurança, datado de 16 de Julho de 2013, a interessada A foi autorizada a residir em Macau para reunir-se com o seu cônjuge que tem qualidade de residente de Macau, com o prazo para renovação até 15 de Julho de 2016.
2. No dia 16 de Junho de 2016, a interessada formulou pedido de renovação da autorização de residência, tendo apresentado os documentos seguintes:
a) Impresso para o pedido de renovação da autorização de residência. (Doc. 1)
b) Fotocópia do bilhete de identidade de residente de Macau da interessada. (Doc. 2)
c) Fotocópia do documento de viagem da região de Taiwan da interessada. (Doc. 3)
d) Fotocópia do bilhete de identidade de residente de Macau da família da interessada em Macau. (Doc. 4)
e) Documento comprovativo da manutenção de relação conjugal da interessada. (Doc. 5)
f) Fotocópia do documento comprovativo de trabalho da interessada. (Doc. 6)
g) Certificado de registo criminal de Macau da interessada donde nada consta sobre o antecedente criminal da interessada. (Doc. 7)
3. Confirmadas as impressões digitais, verificou-se que existem no Departamento de Informações os dados sobre a interessada, segundo a participação n.º 085P/2015/CPT feita pelo Comissariado donde consta que no dia 18 de Agosto de 2015, à noite, ao responsável do Hotel XX Grande foi comunicado que desapareceram sem razão os vários vouchers do valor de MOP100 cada e vouchers XX do hotel colocados no balcão do hall do hotel. Após feito o visionamento das imagens gravadas pelo CCTV instalado no local, verificou-se que no dia 18/8/2015, por volta das 18H40, a interessada tinha se aproveitado dum papel branco de formato A4 para cobrir a subtracção de vários vouchers em dinheiro e vouchers XX colocados no balcão do hall do hotel e o colocado num saquito pertencente a ela. No dia 23 de Agosto de 2015, a interessada pediu demissão junto à companhia, pelo que o responsável do hotel exigiu-lhe que voltasse ao departamento pessoal do hotel para tratar formalidades de demissão. No dia 24 de Agosto de 2015, o responsável do hotel perguntou à interessada se tinha subtraído vouchers em dinheiro e os vouchers de XX, tendo a mesma confessado que em Julho de 2015 e no dia 18 de Agosto de 2015, tinha, sucessivamente por três vezes, subtraído vouchers em dinheiro e vouchers de XX colocados no balcão do hall do hotel (esqueceu-se da quantidade dos vouchers por si subtraídos) e tinha entregado todos esses vouchers ao seu marido F. Assim o responsável do hotel apresentou queixa junto da Polícia pela interessada ter confessado o acto de subtracção e mais declarou que desejava, em representação da companhia, procedimento penal e jurídico contra o caso. No dia 25 de Agosto de 2015, a interessada foi encaminhada para o Ministério Público por ter cometido o crime de furto previsto no art.º 197.º do Código Penal. (vd. Doc. 8)
4. Pelo que, no dia 6 de Julho de 2016, este Departamento oficiou ao Ministério Público para saber os resultados do inquérito do caso, solicitando o fornecimento de eventual acusação, decisão ou situação de entrega ao tribunal (vd. Ofício n.º 110217/CESMREN/2016P). No dia 14 de Julho de 2016, este Departamento recebeu a resposta dada pelo Ministério Público, tendo indicado que “…. o respectivo caso ainda se encontra na fase de inquérito (Processo n.º 9945/2015 – 4ª Secção).…” (vd. Doc. 9 e 10)
5. De acordo com os registos de movimento fronteiriço, nos últimos dois anos (de Julho de 2014 até Julho de 2015, e Julho de 2015 até Maio de 2016), a interessada vive em Macau por 348 e 311 dias respectivamente, e o seu cônjuge vive em Macau por 358 e 315 dias, respectivamente. (vd. Doc. 11 e 12)
6. Feita análise sintética do caso em causa, tendo em consideração que o caso em que se envolve a interessada se encontra na fase de inquérito e que ainda não há decisão final, estando prevista a necessidade de aguardar certo tempo para o julgamento do caso, por outro lado, do certificado do registo criminal da interessada nada consta, assim, basicamente a interessada reúne os requisitos para a renovação da autorização de residência. Nos termos do princípio da presunção de inocência, propõe-se que seja deferido o presente pedido de renovação da autorização de residência, aguardando os resultados do caso feitos pela autoridade judicial ou, decidindo adequadamente o caso até ao próximo pedido de renovação da autorização de residência.
7. Submete-se o presente relatório ao superior hierárquico para apreciação e autorização.
Pel´O Chefe do Comissariado de Estrangeiros
O, Comissário
Ass.) P, Subcomissário
5 – Foi, na sequência desse relatório, emitido o seguinte parecer do Chefe do Departamento de Migração:
Parecer:
Concordo com o parecer do Chefe do Serviço de Migração.
Submeto ao Secretário para a Segurança para apreciação e autorização.
Ao 1 de Agosto de 2016
Ass.) vd. o original
O Comandante do CPSP
1. A interessada A, em 16/7/2013 foi autorizada a residir em Macau para a finalidade de reunião com cônjuge.
2. A interessada pretende renovar a autorização de residência. Segundo os dados existentes no Departamento de Informações, a mesma presumivelmente cometeu o crime de furto.
3. Feita solicitação ao MºPº para saber os resultados do inquérito do caso, tendo o MºPº respondido, através do ofício, que o caso se encontra ainda em fase de inquérito.
4. Tendo em consideração o ponto 6 do presente relatório, bem como o art.º 9.º, n.º2, al. 3) do Regulamento Administrativo n.º 4/2003, o art.º 22.º, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º5/2003, proponho que seja deferido o pedido de renovação da autorização de residência, aguardando os resultados do caso feitos pela autoridade judicial ou decidindo adequadamente o caso até ao próximo pedido de renovação da autorização de residente.
5. À consideração superior.
Aos 27 de Julho de 2016,
A Chefe do Departamento de Migração
Ass.) Q
Intendente
6 – No dia 9/09/2016 foi elaborado o relatório nº 201426/CESMREN/2016P, com o seguinte teor:
Governo da Região Administrativa Especial de Macau
Corpo de Polícia de Segurança Pública de Macau
Relatório n.º: 201426/CESMREN/2016P
Data: 9 de Setembro de 2016
Assunto: Pedido de renovação da autorização de residência
1. Segundo consta do relatório n.º 201140/CESMREN/2016P deste Departamento, quanto ao pedido de renovação da autorização de residência formulado em 16/6/2016 pela interessada A, tendo em consideração que o caso em que se envolveu a interessada se encontrava na fase de inquérito e que ainda não havia decisão final, estando prevista a necessidade de aguardar certo tempo para o julgamento do caso, por outro lado, do certificado do registo criminal da interessada nada consta, assim, basicamente a interessada reuniu os requisitos para a renovação da autorização de residência. Nos termos do princípio da presunção de inocência, propôs-se que fosse deferido o presente pedido de renovação da autorização de residência, aguardando os resultados do caso feitos pela autoridade judicial ou, decidindo adequadamente o caso até ao próximo pedido de renovação da autorização de residência. (para mais pormenores, vd. o relatório)
2. Por despacho do Exm.º Senhor Secretário para a Segurança, datado de 30/8/2016, segundo os dados constantes dos autos, no período entre Julho e Agosto de 2015, a interessada A subtraiu, sem autorização, os vouchers em dinheiro e de embarcação pertencentes ao Hotel XX, para além das imagens gravadas pelo CCTV instalado no local que servem como prova, a interessada também confessou o acto por si praticado, pelo que existem fortes indícios da prática do crime de furto. O acto da interessada prejudica a segurança da sociedade, fazendo com que a Administração desconfiança dela quanto ao seu cumprimento da lei a partir daí, nos termos do art.º 22.º, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 5/2003 e do art.º 9.º, nº 2, al. 1) da Lei n.º4/2003 (Existirem fortes indícios de terem praticado de crime, nos termos do art.º 4.º, n.º 2, al. 3), determinou-se que fosse indeferido o respectivo pedido de renovação da autorização de residência, procedendo-se à audiência escrita da interessada.
3. Segundo os registos de movimento fronteiriço, nos últimos três meses (de 1 de Junho até 9 de Setembro de 2016), a interessada e o seu cônjuge viveram em Macau por 97 e 101 dias, respectivamente. (vd. Doc. 13 e 14)
4. Mais se verificou que as ascendentes e descendentes da interessada não beneficiam com a autorização da residência formulada pela mesma.
5. À consideração superior.
7 – Após a recorrente se ter pronunciado em audiência de interessados, veio a ser elaborada a seguinte Informação nº 300109/CESMREN/2016P:
Informação n.º: 300109/CESMREN/2016P
Data: 23/9/2016
1. Consultado o relatório n.º 201140/CESMREN/2016P, quanto ao pedido de renovação da autorização de residência formulado em 16/6/2016 pela interessada A, por despacho do Exm.º Senhor Secretário para a Segurança, datado de 30/8/2016, segundo os dados constantes dos autos, no período entre Julho e Agosto de 2015, a interessada A subtraiu, sem autorização, os vouchers em dinheiro e de embarcação pertencentes ao Hotel XX, para além das imagens gravadas pelo CCTV instalado no local que servem de prova, a interessada também confessou ter praticado o acto, pelo que existem fortes indícios da prática do crime de furto. O acto da interessada prejudica a segurança da sociedade, fazendo com que a Administração desconfiança dela quanto ao seu cumprimento da lei no futuro, nos termos do art.º 22.º, n.º 2 do Regulamento Administrativo n.º 5/2003 e do art.º 9.º, nº2, al. 1) da Lei n.º4/2003 (Existirem fortes indícios de terem praticado de crime, nos termos do art.º 4.º, n.º 2, al. 3), determina-se que seja indeferido o respectivo pedido de renovação da autorização de residência, procedendo-se à audiência escrita da interessada.
2. No dia 15 de Setembro de 2016, por existirem fortes indícios do incumprimento da lei de Macau pela interessada, nos termos dos art.ºs 93.º e 94.º do Código do Procedimento Administrativo, através da audiência escrita, este Departamento notificou a interessada do parecer feito por este Departamento quanto ao indeferimento do seu pedido de renovação da autorização de residência, concedendo, concedendo-lhe que no prazo de 10 dias após a recepção da notificação para, por escrita, pronunciar-se sobre o respectivo parecer. Para mais pormenores, ver a notificação n.º 201426/CESMREN/2016P (Doc. 15)
3. No dia 22 de Setembro de 2016, a interessada apresentou a este Departamento uma declaração (Doc. 16), tendo nela indicado que “…… está muito arrependida de ter cometido o erro, quanto ao seu conduta pessoal e ética profissional, a partir de 21 de Dezembro de 2015, exerceu funções numa outra companhia e se comporta bem até à presente data, pelo que pede que lhe seja concedida uma oportunidade para se corrigir. Disse que da relação com seu cônjuge tem um filho menor de 3 anos de idade, e acaba de entrar num jardim de infância em Setembro do corrente ano, que neste momento está a desenvolver o corpo e mentalidade, necessitando de ter cuidado e acompanhamento da mãe…….” (para mais pormenores, vd. a declaração), à declaração foram juntos os documentos seguintes:
- A declaração prestado pelo cônjuge da interessada, F (Doc. 17) cujo teor é: “…… Do casamento contraído em 2013 até à presente data, o declarante e sua cônjuge mantêm um bom relacionamento amoroso e uma vida familiar feliz, com um filho menor de 3 anos de idade (nome B), pelo que pede que seja tomado em consideração que o seu filho ainda é muito pequeno, necessitando de ter cuidado e amor da mãe, seja concedida uma oportunidade à cônjuge do declarante para se corrigir, de modo a permitir-lhe ter uma família completa. ……” (para mais pormenores, vd. a respectiva declaração)
- Fotocópia do BIRPM do cônjuge da interessada. (Doc. 18)
- Fotocópia do BIRPM e do assento de nascimento do filho da interessada, B. (Doc. 19 e 12), onde consta que nasceu em 9 de Agosto de 2013 (tem 3 anos de idade) filho de F e de A.
4. De acordo com os registos de movimento fronteiriço, nos últimos dois anos (de Julho de 2014 até Julho de 2015, Julho de 2015 até Julho de 2016 e 16 de Julho até 22 de Setembro de 2016), o filho da interessada vive em Macau por 363, 362 e 69 dias respectivamente, (Doc. 21); e na passada metade do mês (de 10 a 22 de Setembro de 2016), a interessada e seu cônjuge vivem em Macau por 13 dias. (Doc. 22 e 23)
5. Depois de analisado o caso, uma vez que existem fortes indícios da prática do crime de furto pela interessada, tal situação já lhe causou que deixasse de preencher os pressupostos e requisitos para a renovação da autorização de residência, bem como os fundamentos por si alegados também não são suficientes e nada merecem para a consideração especial. No caso, antes de pedir a demissão, a interessada, por várias vezes, subtraiu os respectivos bens, o que mostrou que a mesma tinha intenção de cometer crime, tendo em consideração o dolo na prática do crime e a perda de confiança nela quanto seu cumprimento da lei no futuro, propõe-se que seja indeferido o pedido de renovação da autorização de residência em causa.
6. À consideração superior.
O Chefe do Comissariado de Estrangeiros
Ass.) O, Comissário
8 – Depois disso foi emitido o seguinte parecer do Departamento de Migração:
Parecer:
Concordo com o parecer do Chefe do Serviço de Migração.
Submeto ao Secretário para a Segurança para apreciação e autorização.
Ao 11 de Outubro de 2016
Ass.) vd. o original
O Comandante do CPSP
1. A interessada A, em 16/7/2013 foi autorizada a residir em Macau para a finalidade de reunião com cônjuge.
2. A interessada pretende renovar a autorização de residência, contudo, uma vez que a mesma se envolve no caso que tem a ver com o crime de furto, segundo a resposta dada pelo Ministério Público, o caso ainda se encontra na fase de inquérito. De acordo com o relatório deste Departamento, n.º 201140/CESMREN/2016P, foi proposto aguardar os resultados da autoridade judicial ou decidir adequadamente o caso até ao próximo pedido de renovação da autorização de residência.
3. Por despacho do Exm.º Senhor Secretário para a Segurança, datado de 30/8/2016, uma vez que existem fortes indícios da prática do crime de furto pela interessada, e que o seu acto prejudica a segurança da sociedade levando a que a Administração desconfie dela quanto ao seu cumprimento da lei a partir daí, nos termos nos termos do art.º 22.º, n.º2 do Regulamento Administrativo n.º 5/2003 e do art.º 9.º, nº2, al. 1) da Lei n.º 4/2003 (Existirem fortes indícios de terem praticado de crime, nos termos do art.º4.º, n.º2, al. 3), determinou-se o indeferimento do respectivo pedido de renovação da autorização de residência procedendo-se à audiência escrita da interessada.
4. Realizado o procedimento da audiência escrita, a interessada apresentou declaração a este Departamento. (vd. Doc.16)
5. Considerados os fundamentos e documentos apresentados pela interessada na audiência, tendo em conta o dolo da mesma na prática do crime, bem como a perda da confiança nela quanto ao seu cumprimento da lei no futuro, após ponderado o disposto no art.º 9.º, n.º2, al. 1) da Lei n.º 4/2003, bem como o art.º 22.º, n.º2 do Regulamento Administrativo n.º 5/2993, propõe-se que não seja deferido o seu pedido de renovação da autorização de residência.
6. À consideração superior.
Aos 27 de Julho de 2016,
Pel´A Chefe do Departamento de Migração
Q
Ass.) R, Ass. Subint.
9 – O Secretário para a Segurança, em 25/10/2016, proferiu o seguinte despacho:
“Indefiro nos termos e com os fundamentos do parecer constante desta Informação”.
10 – A recorrente, natural da China, era empregada de balcão do hall do Hotel XX em Macau (Taipa).
11 – O marido é natural e residente de Macau.
12 – O inquérito criminal instaurado na sequência da participação do caso ao MP terminou em arquivamento por desistência de queixa da ofendida do furto (cfr. 53 do apenso “Traduções”).
13 – A recorrente não tem antecedentes criminais em Macau.
***
IV – O Direito
1 – O caso
Por alegadamente ter cometido um crime de furto, não foi concedida a renovação da residência que inicialmente tinha sido concedida em 16/07/2013. O objecto do furto fora “vouchers” no valor de MOP$ 100 cada um e também “vouchers” de viagens de “XX” do Hotel XX Grande que estavam no balcão do hall da unidade hoteleira, tudo num total de MOP$ 6.330,00.
De referir que a recorrente era empregada de balcão do hall do referido Hotel XX.
*
2 – Os vícios
A recorrente imputou ao acto administrativo impugnado os seguintes vícios:
- Violação de lei, por “erro na aplicação de direito”;
- Violação do princípio da inocência;
- Violação do princípio do inquisitório;
- Violação do art. 21º, nº1, al. d) do CPP (ausência de perigo à ordem e à paz social);
- Violação do princípio da proporcionalidade e da adequação;
- “Exercício irracional do poder discricionário”/desrazoabilidade do exercício do poder discricionário.
*
3 – Do alegado “erro na aplicação de direito”.
Está em causa, em primeiro lugar, uma alegada desconsideração, pelo despacho em crise, dos vários factos de concessão da autorização de residência que a lei, em sua óptica, impunha que fossem em conjunto levados em conta na análise do caso. Ou seja, se o acto impugnado apenas se fundamentou no disposto nos arts. 9, nº 2, al. 1), da Lei nº 4/2003 e no art. 4º, nº2, al. 3) da mesma Lei, deixou de fora outros importantes, como os constantes do art. 9º, nº2, als. 2 a 6 e nº3 da citada Lei nº 4/2003.
Não tem razão, salvo o devido respeito.
A renovação da autorização de residência depende, segundo o estipula o art. 22º do Regulamento Administrativo nº 5/2003, da verificação dos pressupostos e requisitos previstos na lei de princípios e nesse regulamento. Ora, a lei ali mencionada é, precisamente, a Lei nº 4/2003. E ao contrário do que a recorrente pensa, a Administração, através da entidade competente para tal, não tem que fazer um exercício de verificação de cada um dos requisitos previstos nos arts. 4º e 9º deste diploma. Basta que algum deles se verifique, para que a autoridade administrativa possa utilizar os seus poderes públicos adequados. E foi o que aconteceu na situação em apreço.
À entidade competente pareceu que o quadro de facto se subsumia à previsão do art. 9º, nº2, al. 1), da Lei nº 4/2003. Isto é, teve o digno recorrido em conta que a recorrente apresentava “antecedentes criminais, comprovado incumprimento das leis da RAEM ou qualquer das circunstancias referidas no artigo 4º da presente lei”. E por tal motivo, considerando que a situação estava prevista no art. 4º, nº2, alínea 3), isto é, por entender haver fortes indícios da prática de um crime, recusou a renovação de autorização de residência.
Esta actuação administrativa é, deste ponto de vista, irrepreensível. O acto não tinha que fazer a abordagem de todos os outros requisitos, nomeadamente não tinha que sopesar a razão da residência da recorrente em Macau (reunião conjugal), que ponderar se o facto de a recusa da renovação de residência ia afastar o casal e o amor conjugal, se ia obrigar a recorrente a perder o emprego em Macau, se o filho menor de 3 anos de idade ia sentir a ausência de um dos progenitores, se Macau era ou não o centro de vida da recorrente, etc., etc. São questões de índole pessoal e familiar que só a Administração, no seu alto critério, pode relevar ou não.
Com efeito, esses são factores de análise que o tribunal não pode impor à entidade administrativa, porque são questões que revelam o chamado mérito da actuação administrativa (conveniência, justiça, oportunidade, etc.), e que estão fora da sindicância judicial, a não ser em casos extremos de erro grosseiro e manifesto. A nós interessa perscrutar a legalidade da actuação administrativa e, quanto a isso, não se vê que a decisão em apreço tenha violado as normas invocadas.
Improcede, nesta parte, o recurso.
*
4 – Violação do princípio da presunção de inocência
Entende, neste passo, que o princípio da presunção de inocência deveria ter levado a Administração a não dar como certo e inquestionável que cometeu o ilícito em causa, para com base nele lhe ter negado a renovação de residência.
A presunção de inocência plasmado no art. 29º da Lei Básica e no art. 49º, nº2, do CPP é um princípio válido, especialmente, no âmbito do processo penal, mas que fora dele tem um valor mitigado, conforme o demonstram, por exemplo, os arts. 578º e 579º do CPC. De resto, no quadro de uma actividade administrativa, onde estão presentes razões de interesse público relevantes, os actos de vida do cidadão podem ter uma relevância diferente daquela que as leis criminais conferem. É por isso que não existe falta de nexo ou de concatenação entre os diplomas de puro âmbito administrativo e os de natureza penal. É também por tal motivo que a Lei em análise manda considerar os “fortes indícios”. Goste-se ou não, há até alguma jurisprudência que considera que “Não se aplica, na matéria de interdição de entrada em virtude de existirem fortes indícios da prática do crime, os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo” (Ac. do TUI, de 19/11/2014, Proc. nº 28/2014), mesmo que se tenha por certo que “Se num dado momento a Administração pôde considerar existirem fortes indícios para efeito de negar a renovação da autorização de residência, no quadro do disposto nos arts. 4º, nº2, al.3), da Lei nº 4/2003, e 22º do Regulamento Administrativo nº 5/2003, concluir-se-á que densificou mal a norma, violando-a com base em erro nos pressupostos de facto, se o interessado no âmbito de um processo penal vier a ser absolvido do crime que se lhe imputava” (Ac. do TSI, de 27/04/2017, Proc. nº 993/2015).
No caso, portanto, o argumento utilizado não procede. E não procede, especificamente, se os factos até aconteceram realmente, tal como eles foram considerados no acto e como acabaram por ser confessados pela própria recorrente no procedimento administrativo.
*
5 – Da violação do princípio do inquisitório
Neste ponto, parece a recorrente querer dizer que o procedimento administrativo ainda não reunia todos os elementos necessários à decisão, visto que o inquérito criminal ainda não tinha atingido o seu termo. Portanto, segundo cremos, o procedimento administrativo, padeceria de “deficit instrutório”.
Só que “Quando existe “deficit instrutório”, ele não vale autonomamente como vício do acto. Ou seja, não se diz que o acto é inválido porque houve “deficit instrutório”, embora se possa dizer que o acto pode vir a ser julgado inválido por não ter considerado todos os factos possíveis, precisamente por instrução deficiente. Quer dizer, a carência de elementos instrutórios o que pode é fazer resvalar o caso para a existência de um quadro factual imperfeito ou incompleto da realidade, apto, portanto, a preencher o vício do erro sobre os pressupostos de facto.” (Ac. do TSI, de 8/03/2018, Proc. nº 252/2017).
Ou seja, a entidade administrativa só deve levar o inquisitivo, ou inquisitório, até ao limite do que lhe for possível (arts. 59º e 86º do CPA) quando ainda tiver dúvidas acerca dos factos de que careça para com eles formar uma convicção acerca da “realidade”, a fim de posteriormente sobre esta verter o seu poder administrativo concreto. Ora, no caso vertente de mais não precisava ela, pois os elementos reunidos (repita-se, entre os quais, avulta o da confissão da recorrente) eram mais do que suficientes para fazer a subsunção da situação material à “fattispecie” normativa.
Nesta conformidade, as referências aos “fortes indícios” e “indícios suficientes” feitas pela recorrente parecem ser inócuas e irrelevantes, na medida em que os indícios exigidos na lei referida se devem ter por apurados.
Improcede, pois, o vício.
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6 – Violação do art. 21º, nº1, al. d) do CPP (ausência de perigo à ordem e à paz social);
Neste capítulo, e uma vez mais em esforço na tentativa de demonstrar que a sua presença em Macau não deve ser tomada como factor de risco ou perigo para a ordem e segurança públicas, vem a recorrente alegar que o apontado ilícito acabou por não ter qualquer repercussão ao nível penal, visto que o inquérito veio a ser arquivado.
Pensamos que a forma como esta matéria veio invocada, sem uma definição da fonte de invalidade, tal como habitualmente se entendem os vícios do acto, tem o propósito de demonstrar que se não verificam os pressupostos de facto necessários à prática deste acto ablativo.
É verdade que o inquérito foi arquivado sem acusação. Todavia, tal não aconteceu por falta de indícios suficientes para levar por diante o direito público de punir penalmente. Só aconteceu em virtude de o ofendido ter desistido da queixa, circunstância que deixa intocável o cenário de factos que levou à abertura do procedimento e à sua conclusão com o acto que temos vindo a apreciar.
Por outro lado, as normas invocadas no acto não fazem referência expressa à defesa do interesse público da ordem e segurança, ao contrário do que se pode ver noutras, como é o caso, por exemplo, do que sucede no art. 12º, nº3, da Lei nº 6/2004, onde se prescreve que a interdição de entrada radicada nos motivos constantes das alíneas 2) e 3) do nº2, do art. 4º da Lei nº 4/2003 deve fundar-se na existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM.
Para o caso da decisão que ora analisamos (negação de autorização de residência) basta a prática de factos que mostrem “fortes indícios” do cometimento de um crime. E quanto a isso nem o tribunal tem dúvidas.
Improcede, portanto, o vício.
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7 – Da violação do princípio da proporcionalidade (e da adequação)
Advoga a recorrente, de seguida, que a decisão de que ora recorre atenta contra o princípio administrativo consagrado no art. 5º, nº2, do CPA.
E uma vez mais tece considerações em redor da circunstância de não haver acusação em sede criminal e da inocência presumível que reclama.
Somos, no entanto, outra vez a discordar, o que lamentamos. É que, face aos factos apurados – repete-se, até com assento na confissão livre e espontânea da recorrente – não podemos concordar com a recorrente. Não se crê, com efeito, que a negação de renovação de residência tenha incorrido em grave, manifesto, ostensivo erro no exercício dos poderes discricionários, sendo que só nesse caso o vício poderia proceder, tal como é jurisprudência firme nos tribunais da RAEM. (v.g., Ac. do TUI, de 22/03/2018, Proc. nº 83/2016; tb. cit. Ac. TSI de 8/03/2018, Proc. nº 252/2017).
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8 – “Exercício irracional do poder discricionário”/desrazoabilidade do exercício do poder discricionário
É a última tentativa da recorrente em fazer ver ao tribunal a irracionalidade (palavras da petição inicial) da actuação administrativa, que mais tarde suavizou para desrazoabilidade do exercício dos poderes discricionários (alegações).
Diremos algo sobre este “vício”, porque nos parece que estamos perante a mesma vontade de imputação viciante. Quer dizer, não achamos que nas alegações tenha introduzido um vício novo (o que atentaria contra a regra da invocação dos vícios na petição inicial, e só excepcionalmente nas alegações: cfr. arts. 42º, nº1, al. d) e 68º, nº3, do CPAC), mas sim e apenas que tenha mudado a linguagem para afirmar a mesma coisa.
Mas, menos aqui tem razão. De tudo o que já dissemos ressalta claramente a ideia de que a entidade recorrida não exorbitou dos poderes que lhe cabem nesta matéria, pelo menos é tudo quanto o tribunal pode concluir a partir dos factos. Podia a Administração agir como agiu, bem como podia agir de modo diferente, porque é discricionária a actividade nesta matéria.
Mas, ao ter decidido negar a renovação de residência a esta simples mulher - empregada com um salário alegado de cerca de 10.000 patacas, casada com um motorista (cujo salário não será grande, por certo), mãe de um filho menor de 3 anos de idade - por não ter sido capaz de se opor à tentação das forças irresistíveis e demoníacas que levam alguém a se apropriar de alguns “vouchers”, num total de cerca de 6.000 patacas, quem sabe se para fazer face à dureza da vida material e económica de Macau nos tempos que correm, quem sabe se para proporcionar o melhor cuidado e bem estar à criança.
Mas, como já se disse, só a entidade administrativa que praticou o acto pode ser sensível à situação desta pessoa. O tribunal nada pode fazer, como também atrás afirmámos.
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça em 4 UCs.
T.S.I., 14 de Junho de 2018
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José Cândido de Pinho Mai Man Ieng
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Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong






Rec. Cont. 3/2017 40