打印全文
Processo nº 346/2018 Data: 14.06.2018
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “fuga à responsabilidade”.
Crime de “abandono de sinistrados”.
Alteração (oficiosa) da qualificação jurídica.



SUMÁRIO

1. Incorre na prática do crime de “abandono de sinistrados” – e não de “fuga à responsabilidade” – o condutor que invadindo a faixa de rodagem de sentido contrário, acaba por colidir frontalmente com o ofendido que aí conduzia um motociclo, atirando-o ao chão e abandonando o local e o ofendido à sua sorte.

2. O T.S.I. pode – e deve – alterar (oficiosamente) a factualidade dada como provada pelo T.J.B. desde que oportunamente observado o contraditório e sem prejuízo do art. 399° do C.P.P.M..

O relator,

______________________


Processo nº 346/2018
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, arguido com os sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado pela prática como autor material de 1 crime de “fuga à responsabilidade”, p. e p. pelo art. 89° da Lei n.° 3/2007, (“Lei do Trânsito Rodoviário”), na pena de 5 meses de prisão, e na pena acessória de inibição de condução por 1 ano; (cfr., fls. 195 a 200 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformado, o arguido recorreu.

Motivou para, a final, pedir a redução da pena principal que lhe tinha sido aplicada para uma outra não superior a 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, pretendendo também a suspensão da execução da pena acessória de inibição de condução; (cfr., fls. 217 a 229).

*

Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 232 a 235).

*

Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público douto Parecer, pugnando também pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 312 a 313-v).

*

Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 196-v a 197-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos, (não havendo factos por provar).

Do direito

3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou pela prática como autor material de 1 crime de “fuga à responsabilidade”, p. e p. pelo art. 89° da Lei n.° 3/2007, (“Lei do Trânsito Rodoviário”), na pena de 5 meses de prisão, e na pena acessória de inibição de condução por 1 ano.

Entende que “excessiva” é a pena (principal), que devia ser “especialmente atenuada” e “suspensa na sua execução”, pedindo também a suspensão da execução da pena acessória de inibição de condução.

Ora, cremos que o recurso não merece provimento.

Aliás, em relação às suscitadas questões, o Ministério Público dá clara e cabal resposta ao presente recurso, pouco havendo a acrescentar.

Seja como for, não se deixa de consignar o seguinte.

Vejamos.

Cabendo a “pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias”, fixou-lhe o Tribunal a quo a pena de 5 meses de prisão.

Preceitua, o art. 64° do C.P.M. que: “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Atento o assim determinado, e ponderando na factualidade provada, de onde se retira não ser o arguido primário e ter uma personalidade alheia às normas de são convívio social, entendeu o Tribunal a quo que adequada não era uma “pena não privativa da liberdade”, fixando-a em “5 meses de prisão”.

Ora, e para já, cremos que nenhuma censura merece o decidido, quanto à “natureza” da dita pena, (notando-se que nem o arguido a contesta).

Nos termos do art. 66° do C.P.M.:

“1. O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
2. Para efeitos do disposto no número anterior são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes:
a) Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência;
b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;
c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;
d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta;
e) Ter o agente sido especialmente afectado pelas consequências do facto;
f) Ter o agente menos de 18 anos ao tempo do facto.
3. Só pode ser tomada em conta uma única vez a circunstância que, por si mesma ou em conjunto com outras, der lugar simultaneamente a uma atenuação especial da pena expressamente prevista na lei e à atenuação prevista neste artigo”.

Tratando desta “matéria” tem-se entendido que a figura da “atenuação especial da pena” surgiu em nome de valores irrenunciáveis de justiça, adequação e proporcionalidade, como necessidade de dotar o sistema de uma verdadeira válvula de segurança que permita, em hipóteses especiais, quando existam circunstâncias que diminuam de forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer uma imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva, a possibilidade, se não mesmo a necessidade, de especial determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto, por outra menos severa.

Como temos vindo a considerar “A atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 16.11.2017, Proc. n.° 751/2017, de 30.01.2018, Proc. n.° 344/2017-I e de 10.05.2018, Proc. n.° 265/2018).

Não se olvida que do Acórdão recorrido consta que o arguido “admitiu os factos” em audiência de julgamento, e considera o arguido que devia beneficiar de uma “atenuação especial”, alegando que verificado está o circunstancialismo do art. 66°, n.° 2, al. c) do C.P.M..

Todavia, ponderando na factualidade provada, e sem prejuízo do respeito por outro entendimento, (e tal como igualmente considerou o T.J.B.), não nos parece que possa haver lugar a uma “atenuação especial”, visto que não se vislumbra a “excepcionalidade” da situação.

Com efeito, a “imagem global do facto” não se apresenta de forma a “diminuir, de forma acentuada, a ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena”.

E, certo sendo que o Tribunal a quo não deixou de ponderar, acertadamente, em todas as circunstâncias que eram favoráveis ao arguido, cremos que, atenta a moldura penal em questão, excessiva não se mostra de considerar a pena de 5 meses de prisão fixada, (ainda assim, sem chegar ao meio da moldura e relativamente próxima do seu mínimo legal), pois que, no caso, as ditas “circunstâncias”, face à “intensidade do dolo” – directo – do arguido, à sua “personalidade”, (cfr., C.R.C.), e “fortes necessidades de prevenção”, não se apresentam aptas a impor outra decisão, no sentido da sua redução.

Por sua vez, há que ter presente que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 08.02.2018, Proc. n.° 30/2018, de 12.04.2018, Proc. n.° 166/2018 e de 24.05.2018, Proc. n.° 301/2018).

E, acompanhando o Tribunal da Relação de Évora temos igualmente considerado:

“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 26.10.2017, Proc. n.° 829/2017, de 30.01.2018, Proc. n.° 35/2018 e de 10.05.2018, Proc. n.° 265/2018).

No mesmo sentido decidiu este T.S.I. que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).

E, como recentemente se tem igualmente decidido:

“O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16).

“O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detectar incorrecções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na detecção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exacto da pena que, decorrendo duma correcta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Guimarães de 25.09.2017, Proc. n.° 275/16).

Aqui chegados, visto está que improcede o recurso na parte em questão.

–– Vejamos agora da pretendida “suspensão da execução da pena.”

Nos termos do art. 48° do C.P.M.:

“1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão”.

Sobre a matéria já teve este T.S.I. oportunidade de dizer que:

“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 26.10.2017, Proc. n.° 762/2017, de 11.01.2018, Proc. n.° 1157/2017 e de 26.04.2018, Proc. n.° 228/2018).

E, como temos também entendido, o instituto da suspensão da execução da pena baseia-se numa relação de confiança entre o Tribunal e o condenado. Aquele convence-se, em juízo de prognose favorável, que o arguido, sentindo a condenação, é capaz de passar a conduzir a sua vida de modo lícito e adequado, acreditando ainda que o mesmo, posto perante a censura do facto e a ameaça da pena, é capaz de se afastar da criminalidade; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 22.06.2017, Proc. n.° 399/2017, de 09.11.2017, Proc. n.° 853/2017 e de 18.01.2018, Proc. n.° 1/2018).

Perante o que se deixou consignado, ponderando na factualidade dada como provada, e face à “personalidade” pelo ora recorrente revelada, inviável é uma decisão favorável à sua pretensão.

No caso dos autos, e como da matéria de facto dada como provada se retira, o arguido ora recorrente conduziu sob influência de bebidas alcoólicas, tendo-se envolvido num acidente de viação por ter invadido a faixa de rodagem de sentido contrário, indo colidir frontalmente com o ofendido que aí conduzia um ciclomotor, atirando ofendido e ciclomotor ao chão, alheando-se, totalmente, do sucedido, abandonando o local e o referido ofendido à sua sorte, cabendo, igualmente, referir que não é “primário”, tendo já sofrido condenação em pena de prisão suspensa na sua execução por “condução em estado de embriaguez” no âmbito do Processo n.° CR2-14-0039-PSM, notando-se também que o período de suspensão da execução da pena aplicada terminou poucos meses antes da conduta dos presentes autos.

Revela, assim, ausência de vontade de aproveitar a oportunidade que lhe foi dada e de se corrigir, levando uma vida em conformidade com as normas de convivência social, demonstrando uma personalidade avessa ao direito e com tendência para delinquir, tornando, desta forma, evidentes as fortes razões de prevenção criminal especial e geral, em virtude do tipo e natureza do crime cometido, que comprometem, de todo, a pretendida suspensão da execução da pena, (de 5 meses de prisão em que foi condenado), evidenciando, aliás, que a anteriormente decretada suspensão da execução da pena, com a censura do facto e ameaça de prisão, não realizou, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.

Como igualmente temos vindo a considerar, devem-se “evitar penas de prisão de curta duração”.

Porém, não é de suspender a execução da pena de prisão ainda que de curta duração, se o arguido, pelo seu passado criminal recente, revela total insensibilidade e indiferença perante o valor protegido pela incriminação em causa, continuando numa atitude de desresponsabilização e de incapacidade para tomar outra conduta; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 15.06.2017, Proc. n.° 462/2017, de 01.11.2017, Proc. n.° 948/2017 e de 22.03.2018, Proc. n.° 119/2018).

Considerava também Jescheck que: “o tribunal deve dispor-se a correr um risco aceitável, porém se houver sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para aproveitar a oportunidade ressocializadora que se lhe oferece, deve resolver-se negativamente a questão do prognóstico”; (in, “Tratado de Derecho Penal”– Parte General – Granada 1993, pág. 760, e, no mesmo sentido, o Ac. da Rel. de Lisboa de 05.05.2015, Proc. n.° 242/13, e, mais recentemente, da Rel. de Coimbra de 27.09.2017, Proc. n.° 147/15, onde se consignou que “Na formulação deste juízo [de prognose] o tribunal deve correr um risco prudente pois a prognose é uma previsão, uma conjectura, e não uma certeza. Quando existam dúvidas sérias e fundadas sobre a capacidade do agente para entender a oportunidade de ressocialização que a suspensão significa, a prognose deve ser negativa e a suspensão negada”, in “www.dgsi.pt”).

Com efeito, perante a (repetida) insistência na prática de ilícitos criminais por parte de um arguido, (como é o caso), revelando, claramente, não ser merecedor de um “juízo de prognose favorável”, outra solução não existe que não seja uma “medida detentiva”, sob pena de manifestação de falência do sistema penal para a protecção de bens jurídicos e autêntico “convite” à reincidência, (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. da Rel. de Guimarães de 13.04.2015, Proc. n.° 1/12), impondo-se uma reafirmação social mais “intensa” da validade da norma jurídica violada; (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. da Rel. do Porto de 10.01.2018, Proc. n.° 417/15).

Como em recentemente se consignou, “Há casos em que a aplicação da suspensão da execução da pena surgiria aos olhos de todos como uma infundada indulgência”; (cfr., v.g., o Ac. da Rel. de Guimarães de 22.01.2018, Proc. n.° 956/15).

–– Quanto à “pena acessória”.

À situação dos autos cabe a pena acessória de inibição de condução por um período de 2 meses a 3 anos; (cfr., art. 94° da Lei n.° 3/2007).

Por sua vez, nos termos do art. 109° da mesma Lei:

“1. O tribunal pode suspender a execução das sanções de inibição de condução ou de cassação da carta de condução por um período de 6 meses a 2 anos, quando existirem motivos atendíveis.
2. Se durante o período de suspensão se vier a verificar nova infracção que implique a inibição de condução, a sanção de inibição de condução a aplicar é executada sucessivamente com a suspensa.
3. A suspensão da execução da sanção de cassação da carta de condução é sempre revogada, se, durante o período de suspensão, se vier a verificar nova infracção que implique a inibição de condução.
4. A revogação referida no número anterior determina a execução da sanção de cassação da carta de condução”.

Em relação à “questão”, tem sido o entendimento deste T.S.I. que:

“Só se coloca a hipótese de suspensão da interdição da condução, caso o arguido seja um motorista ou condutor profissional com rendimento dependente da condução de veículos ... até porque os inconvenientes a resultar ... da execução dessa pena acessória não podem constituir causa atendível para a almejada suspensão ... posto que toda a interdição da condução irá implicar naturalmente incómodos não desejados pelo condutor assim punido na sua vida quotidiana”; (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 19.03.2009, Proc. n°. 717/2008, de 03.12.2015, Proc. n.° 972/2015, de 14.07.2016, Proc. n.° 418/2016 e de 12.01.2017, Proc. n.° 494/2016).

Porém, no caso, importa atentar que “provado” está que o ora recorrente não é primário, e que, assim sendo, e como bem notou o Tribunal a quo, ainda que tenha o recorrente a profissão de “motorista”, muito fortes são as necessidades de prevenção criminal, o que, necessáriamente, impedem que se dê como verificada uma situação de “motivo atendível”, (cfr., art. 109°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007), para efeitos de se decidir pela suspensão da decretada pena acessória de inibição de condução.

E em face do aumento da “sinistralidade rodoviária”, muitas vezes com resultados trágicos, e em que concorrem situações como a dos autos, necessária é uma adequada “reacção penal”, o que não deixa de contribuir para a conclusão no sentido do acerto da decisão recorrida.

*

Por fim, uma última nota.

Nos termos do art. 88° da Lei n.° 3/2007:

“1. Quem abandonar vítima de acidente a que tenha dado causa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2. Se o abandono ocorrer depois do agente se haver certificado dos seus prováveis resultados, aceitando-os ou considerando-os indiferentes, é aplicável a pena do correspondente crime doloso de comissão por omissão.
3. Se a conduta prevista no n.º 1 resultar de negligência do agente, este é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias”.

E, perante o assim estatuído, cremos que correcta seria a qualificação da conduta do arguido dos autos como autor material da prática de 1 crime de “abandono de sinistrados” do n.° 1 do transcrito comando legal; (cfr., o Ac. deste T.S.I. de 19.01.2012, Proc. n.° 841/2011 e de 08.10.2015, Proc. n.° 746/2015).

Podendo esta Instância alterar – oficiosamente – a qualificação jurídica pelo T.J.B. efectuada, desde que observado contraditório, (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 20.07.2017, Proc. n.° 570/2017, de 23.11.2017, Proc. n.° 810/2017, de 30.01.2018, Proc. n.° 35/2018 e de 04.04.2018, Proc. n.° 127/2018), o que no caso já sucedeu, procede-se à referida requalificação da conduta do arguido, mantendo-se, porém, as penas aplicadas por respeito ao preceituado no art. 399° do C.P.P.M..

Tudo visto, cumpre decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso, alterando, oficiosamente, a qualificação jurídico-penal efectuada pelo T.J.B..

Custas pelo arguido, com a taxa de justiça que se fixa em 6 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 14 de Junho de 2018
_________________________
José Maria Dias Azedo
_________________________
Chan Kuong Seng
(subscrevo a decisão de manutenção da pena aplicada na decisão recorrida, visto que a questão da alteração da qualificação jurídico-penal dos factos não foi levantada na motivação do recurso nem foi objecto de qualquer recurso (in existente) pelo M.P., e a medida da pena é questão separável e autonomizável, pelo que atento o tipo legal por que vinha condenada a pessoa recorrente, me afigura equilibrada a pena (achada na decisão recorrida).
_________________________
Tam Hio Wa
(Com declaração de voto por entender que a conduta do arguido integraria a prática, em concurso efectivo, de um crime de fuga, e um crime de abandono de sinistrado, por serem os bens jurídicos protegidos nas duas disposições legais distintas.)

Proc. 346/2018 Pág. 24

Proc. 346/2018 Pág. 25