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Proc. nº 1103/2017
Recurso Jurisdicional
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 14 de Junho de 2018
Descritores:
- Marcas
- Caducidade de marcas

SUMÁRIO:

I – Se, na data em que a entidade competente nega o registo de uma marca com o fundamento de que imita e cria confusão com outra anteriormente registada, essa outra marca já estava extinta por caducidade, não havia motivo para não conceder o registo.

II – Logo que detectada a situação descrita em I, a Administração deve oficiosamente revogar a decisão de recusa e praticar outra que conceda o registo, a não ser que qualquer causa a tanto obste.

Proc. nº 1103/2017

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
A, sociedade comercial com sede em XX, XX, XX 9XXX4, Estados Unidos da América, ---
Recorreu judicialmente para o TJB (Proc. nº CV1-16-0075-CRJ) ---
Do despacho do Chefe do Departamento de Propriedade Intelectual dos Serviços de Economia, que lhe recusou o registo da marca

que tomou o número N/9XXX5 para assinalar produtos incluídos na classe 9.
É recorrida particular nos autos “B”, sociedade comercial, com sede em XX, 1XX0 XX, Bélgica.
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Foi na oportunidade proferida sentença, que julgou improcedente o recurso e manteve o despacho sindicado.
*
Contra essa sentença veem agora interposto o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações a recorrente formula as seguintes conclusões:
«a) Os registos de marca números N/9XX8 e N/9XX5 em que se baseou a decisão recorrida entretanto caducaram, razão pela qual, a decisão do Tribunal a quo deverá ser alterada em conformidade com as novas circunstâncias de facto.
b) O Tribunal a quo terá, por desconhecimento da referida caducidade, partido do pressuposto errado de que os registos de marca citados pela DSE em favor da decisão de recusa da marca registanda eram válidos.
c) A marca registanda número N/9XXX5 da Recorrente foi recusada pela DSE por, alegadamente, imitar as marcas prioritárias números N/9XX8 e N/9XX5.
d) Essas mesmas marcas encontram-se actualmente extintas, tendo o seu registo caducado a 11 de Junho de 2016 - facto totalmente desconsiderado na decisão de recusa da DSE.
e) Tais factos ocorreram após a Recorrente ter dado entrada da petição de Recurso e antes da decisão recorrida ter sido proferida, mas dos quais só agora tomou conhecimento
f) Tal caducidade dos registos de marca que serviram de base à decisão de recusa da DSE e do Tribunal a quo, deixa de existir o fundamento de negação de registo à marca registanda deixou de existir.
g) A Recorrente requer que sejam releados os factos ora trazidos aos autos e que se digne a conceder o registo a marca registanda número N/9XXX5 à Recorrente por ter cessado o único obstáculo que esteve na origem do despacho recusa da DSE.
h) Com a junção da certidão emitida pela DSE referida supra, o Tribunal ad quem possui informação oficial e suficiente para concluir que os registos de marca N/9XX8 e N/9XX5 se encontram extintos pelo que o Tribunal ad quem deverá revogar a decisão recorrida e substituí-la por outra que conceda registo à marca registanda.
i) Caso assim não se entenda, deve este Tribunal, à semelhança do decidido no Proc. Nº CV2-16-0073-CRJ, relativamente ao pedido de registo N/9XXX6, na classe XX, devolver o processo à DSE para que esta proceda a novo exame e conceda a marca à Recorrente.
Nestes termos e contando com o douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juízes, por estarem reunidos os pressupostos para o presente Recurso, requer-se, muito respeitosamente, seja o mesmo considerado procedente e, em consequência:
i) A decisão recorrida revogada, substituindo-se por outra que conceda o registo da marca registanda;
Ou, caso assim não se entenda,
ii) Seja devolvido o processo à DSE».
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A entidade recorrida limitou-se a oferecer o merecimento dos autos.
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Cumpre decidir.
***
II – Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
«1. C foi criada por XX, XX e XX em 1976 na XX nos Estados Unidos da América, a par disso, a Recorrente possui a marca C.
2. Em 17 de Outubro de 2014, a Recorrente A apresentou à DSE o pedido de registo da marca n.º N/9XXX5 que era destinada a assinalar produtos de classe XX.
3. O logotipo da marca registanda é:
4. B registou 8 marcas, a par disso, as letras usadas na marca registanda para efeitos de distinção, são similares às letras usadas nas marcas registadas em apreço:
Número da marca:
N/9XX8
N/9XX5
Classe:
XX
XX
Imagem:


Produtos assinalados:
Aparelhos para processamento de dados, transmissão e reprodução de dados, incluindo terminais de computador, codificadores e descodificadores, misturadores “scramblers”, tela e outros equipamentos periféricos para computadores; “software”, “datacarriers” ópticos e electrónicos providos de programas de computador ou não; “hardware” para computadores e “software” para segurança do “e-commerce” (incluindo transacções e remessas electrónicas).
Desenvolvimento de computadores e equipamento periférico para computadores e «software» para uso em redes de telecomunicações; análise de sistemas e adaptação de sistemas individuais de computador para sistemas em rede; escrita e adaptação de programas de computador; aluguer de computadores e equipamento periférico para computadores; consultadoria relacionada com serviços na classe XX; desenvolvimento de computadores e equipamento periférico para computadores e «software» para segurança do «e-commerce» (incluindo transmissões electrónicas); consultadoria relativa à segurança do «e-commerce» e transacções electrónicas; providenciar informação sobre a identidade de emissores de mensagens electrónicas para verificar a sua identidade pelos receptores.

5. O nome da marca registanda e as letras usadas na marca registada para efeitos de distinção “D” são, nominativa e fonicamente, iguais.».
Acrescenta-se o seguinte facto, resultante dos autos e do processo instrutor:
- A decisão de recusa do registo da marca da recorrente teve lugar em 13/10/2016, e publicada no Boletim Oficial nº 44/2016, II Série, de 3 de Novembro de 2016.
***
III – O Direito
A fundamentação jurídica da sentença sindicada apresenta o seguinte teor:
«Prevê o n.º 1 do art.º 215º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial que a marca registada considera-se reproduzida ou imitada, no todo ou em parte, por outra, quando, cumulativamente:
a) A marca registada tiver prioridade;
b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;
c) Tenham tal semelhança gráfica, nominativa, figurativa ou fonética com outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
Para apurar a existência da reprodução ou imitação da marca registada, é necessário verificar-se, cumulativamente, os seguintes três requisitos: 1) Prioridade; 2) Afinidade; e 3) Semelhança. Por outras palavras, a falta de um dos aludidos requisitos implica a inexistência da reprodução ou imitação da marca registada e, em consequência, não se deve recusar o registo em causa.
Primeiro requisito - Prioridade - consiste em que a marca, como objecto da reprodução, tem prioridade de registo em relação à marca que reproduz marca alheia (alínea a) do n.º 1 do art.º 215º). A prioridade é oriunda do pedido de registo da marca (n.º 1 do art.º 15º). Isto é exactamente o que acontece neste caso, visto que os factos provados acima expostos são suficientes para revelarem tal situação. Assim sendo, o primeiro requisito é procedente.

Segundo requisito - Afinidade - consiste em que ambas as marcas são destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins.
A marca registanda é destinada a assinalar produtos ou serviços de classe XX enquanto a marca registada também é destinada a assinalar produtos ou serviços de classe XX, ambas são destinadas a assinalar produtos periféricos para computadores e programação de computadores, pertencendo à mesma classe.
Portanto, as aludidas marcas são pertencentes à mesma classe, verificando-se a afinidade.
Quanto ao terceiro requisito - Semelhança -, só existe imitação quando uma marca tenha tal semelhança gráfica, nominativa, figurativa ou fonética com outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto. Ou seja, o que releva é ponderar o aspecto global dos elementos constitutivos da marca e não as dissemelhanças entre elementos de cada uma vistos isoladamente (cfr. os acórdãos proferidos pelo TSI nos processos n.ºs 226/2014 e 436/2012).
Na comparação de jurisprudências, a jurisprudência de Portugal também entende que a reprodução deve ser apreciada pelo aspecto global dos elementos constitutivos da marca e não pelas diferenças que resultam dos diversos pormenores considerados isolados1.
Ora, podemos comparar os elementos constitutivos da marca registanda com os da marcada contra-interessada.
Marca registada
Marca registanda da Recorrente
N/9XX8 (classe XX)

N/9XX5 (classe XX)

A marca da Requerente e a marca registada são constituídas pelas seguintes letras do alfabeto em inglês D e a única diferença é que a marca registanda usa letras maiúsculas e não tem riscas, enquanto a marca registada usa letras minúsculas e tem riscas.
A palavra D em inglês tem o significado de rápido e ágil, a par disso, tal significado da palavra não muda, independentemente de ser maiúscula ou minúscula.
Salvo o devido respeito, entendemos que a conclusão tirada pela DSE é plenamente compatível com o juízo objectivo. Não só se verifica a semelhança literária, nominativa e fonética entre as duas marcas em causa, mas também se verifica a igualdade entre elas, pelo que é difícil para os consumidores em geral distinguirem a origem dos produtos.
Entendeu a Recorrente que os produtos ou serviços fornecidos pela marca registanda eram uma linguagem de programação que foi aplicada juntamente com framework, XX de C no desenvolvimento de XX e XX. de C, e que o êxito de D resultou da publicidade da marca C, tomando-se, portanto, uma marca notória.
Certamente, C é uma marca notoriamente conhecida, porém, neste caso não se trata da marca C, mas sim duma linguagem de programação que se destina ao desenvolvimento de XX e XX. de C, tal como referido pela Recorrente. Não devemos confundir os produtos de C com uma linguagem de programação, já que essas duas coisas são produtos ou serviços diferentes.
Nesta conformidade, embora C seja uma marca notoriamente conhecida, D, como uma linguagem de programação, não se toma notória devido à fama de C.
Prevê o art.º 197º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial que só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.
Da disposição em apreço se vislumbra que a marca é destinada à distinção dos produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas, e tem como funções garantir a inexistência de confusão entre os produtos ou serviços supra mencionados, com vista a levar as pessoas a associar certos produtos ou serviços a certo comerciante ou fornecedor do serviço, evitando que o consumidor seja induzido em erro e confusão face à origem dos produtos ou serviços.
Como ensina E, a marca é um sinal para distinguir as mercadorias, produtos e serviços de uma empresa dos de outras empresas.
Adopta-se princípio da liberdade na criação de marca, ou seja, uma marca pode ser constituída por um sinal singular ou por um conjunto de sinais.
A Recorrente invocou que a marca que ela pretendia registar era notória. Quanto a esta questão, vejamos o seguinte:

Marca notória é a marca que adquiriu um tal renome que se tomou geralmente conhecida por todos aqueles, produtores, comerciantes ou eventuais consumidores, que estão mais em contacto com o produto, e como tal reconhecida. (Cfr. Carlos Olavo, “Propriedade Industrial”, pp. 55 e ss., e acórdão proferido pelo TSI no processo n.º 116/2002).
Tal como acima exposto, são notórios a marca C e seus produtos e não a marca registanda D que não é conhecida pelas pessoas em geral, pelo que não se tomou notória por se destinar ao desenvolvimento do sistema XX de C. Portanto, o fundamento do recurso invocado pela Recorrente é irresolúvel.
In casu, a marca registada N/9XX8 (classe XX) tem prioridade de registo em relação à marca registanda, a marca N/9XX8 (classe XX) e a marca registanda são destinadas a assinalar produtos ou serviços iguais ou similares, bem como ambas são, literal, nominativa e foneticamente, iguais, pelo que se verificam as situações de recusa do registo de marca previstas na alínea b) do n.º 2 do art.º 214º e no n.º 1 do art.º 215º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial. Tais situações foram justamente mencionadas no despacho recorrido.
Deste modo, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se o despacho da DSE que recusou o pedido de registo da marca N/9XXX5 da Recorrente A».
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Como se vê, estava em causa saber se a marca , requerida por A, corre o risco de ser confundível, por reprodução ou imitação, com as marcas registadas a favor da recorrida particular “B”, N/9XX8 e N/9XX5, para efeito da aplicação do art. 215º, nº 1, do RJPI.
A sentença em crise, porém, enfrentou a questão da maneira mais cristalina e correcta, concluindo por uma resposta afirmativa, julgando improcedente o recurso, razão pela qual a poderíamos acolher sem mais considerandos, nos termos do art. 631º, nº 5, do CPC.
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Importa, porém, tomar agora em consideração o seguinte:
O pedido de registo da marca da recorrente foi apresentado no dia 17/10/2014, decidido no dia 13/10/2016, tendo sido a decisão respectiva publicada no Boletim Oficial nº 44/2016, II Série, de 3/11/2016.
Sucede que, segundo informação da recorrente “A” nas suas alegações de recurso jurisdicional, que foi confirmada pela entidade administrativa recorrida, face aos documentos juntos a fls. 78, aquelas marcas N/9XX8 e N/9XX5 já se encontram extintas desde 11/06/2016.
Ou seja, quando a decisão sindicada nos presentes autos foi tomada (13/10/2016) já não havia razão para negar o registo à interessada, “C”, visto que as marcas da contra-interessada já não existiam, sendo então totalmente inócuos e descabidos os fundamentos aduzidos acerca da imitação de marcas e risco de confusão entre elas.
Isto significa que a sentença não pode manter-se, tal como não pode manter-se a própria decisão administrativa, face ao conhecimento judicial superveniente deste importante elemento.
Este TSI não utilizará, porém, os seus poderes substitutivos, devendo, antes, a entidade administrativa competente, no quadro dos seus poderes administrativos, tomar uma nova decisão favorável ao registo e que tenha em conta a realidade fáctica mencionada, a não ser que outra qualquer causa a tanto obste.
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Uma palavra ainda para esclarecer a entidade administrativa, a propósito da sua afirmação de que não podia revogar a decisão tomada (fls. 109), apesar de já ter reconhecido anteriormente (fls. 104) haver motivos para a revogação.
Não é assim. Se a entidade competente para conceder ou negar o registo reconhecer que não podia ter negado o registo, em virtude de as marcas de outra interessada já estarem caducadas, está consequentemente a concluir ter incorrido em erro sobre os pressupostos (de facto e de direito). Nessa altura, a decisão administrativa tomada (porque, não esqueçamos, é de decisão administrativa que se trata) não podia manter-se, porque inválida. E então, cabia à mesma entidade competente o exercício oficioso do poder de revogação (cfr. art. 127º, do CPA). A única ponta de dúvida poderia resumir-se ao disposto no art. 130º, na parte em que se refere ao prazo para a revogação de actos inválidos. No entanto, e como temos dito, nem mesmo esse preceito deve constituir constrangimento de ordem temporal para a revogação se a Administração reconhece ter cometido um acto ilegal (Neste sentido, Ac. do TSI, de 29/01/2015, Proc. nº 619/2013; na doutrina e no mesmo sentido, Paulo Otero2, Robin de Andrade3 e Vieira de Andrade4-5-6).
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogando a sentença recorrida e anulando a decisão administrativa de 13/10/2016 sindicada judicialmente, que deve, oportunamente, ser substituída por outra que conceda o registo, a não ser que qualquer outra causa a tanto obste.
Sem custas.
T.S.I., 14 de Junho de 2018
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José Cândido de Pinho
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Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong

1 Cfr. o acórdão proferido em 18 de Março de 2003 pelo Supremo Tribunal de Justiça de Portugal no processo n,” SJ200303180005451, com o seguinte conteúdo em português: “a imitação deve ser apreciada pela semelhança que resulta do conjunto dos elementos que constituem a marca e não pelas diferenças que poderiam resultar dos diversos pormenores considerados isolados e separadamente.” (Ac. STJ, de 18/03/2003, Proc. n.º SJ200303180005451).
2 Impugnações Administrativas, in Cadernos de Jurisprudência Administrativa, nº 28, pág. 53, nota 6.
3 Revogação Administrativa e a Revisão do Código de Procedimento Administrativo, in CJA nº 28, pág. 48.
4 A Justiça Administrativa, 3ª ed., pág. 271.
5 Cândido de Pinho, Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso, 2013, pág. 182.
6 Defendendo que de iure constituendo essa deve ser a solução, opinam Mário Esteves de Oliveira e outros, in Código de Procedimento Administrativo, 2ª ed., I, pág. 68.
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