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Recurso n. 777/2016
Data:21 de Junho de 2018

Assuntos: - Erro notório na apreciação da prova
  - Contradição insanável de fundamentação







SUMÁRIO

1. O vício da contradição insanável da fundamentação consiste na contradição entre a fundamentação probatória da matéria de facto, bem como entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada. A contradição tem de se apresentar insanável ou irredutível que não possa ser ultrapassada com o recurso à decisão recorrida no seu todo e às regras da experiência comum.
2. O tribunal provou por um lado que “…, a testemunha deslocou-se à residência do ofendido e transmitiu na íntegra ao assistente o que a arguida acima propôs”, por outro, deu-se por não provado que “(a testemunha) transmitiu na íntegra ao assistente o que tinha tido a arguida”, perante isto qualquer leitor do acórdão ficaria sem saber se o C transmitiu na íntegra ao assistente o que tinha dito a arguida ou não, incorre o Tribunal na contradição insanável da fundamentação.
3. Existe erro notório na apreciação da prova quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. E tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores.
4. Enquanto se deu como provado que a arguida pediu, através da transmissão das palavras da testemunha, o pagamento de 4 milhões de patacas para regularizar todas as suas contas e que iria participar contra o assistente pela prática de vários crimes, com a entrega da cópia dos respectivos disposições dos referidos crimes, e deu como não provados que a arguida, sendo uma licenciada em direito e advogada no exercício, ao actuar da forma descrita, sem prévia comprovação da dívida subjacente, “agiu de forma livre, voluntária, consciente e com o propósito de obter para si um enriquecimento ilegítimo e causar prejuízo ao ofendido”, o que consubstancia uma conclusão logicamente inaceitável.
O Relator,
Choi Mou Pan

Recurso nº 777/2016
Recorrente: A





Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:


I – RELATÓRIO

No âmbito dos autos CR3-14-0179-PCC e por acórdão datado de 27 de Julho de 2016, foi a arguida B absolvida por insuficiência da prova, pela imputação de em autoria material, na forma tentada por um crime de extorsão p. e p. pelo art.º 215º, n.º 1, do Código Penal

Inconformado, veio o assistente A interpor recurso do acórdão, tendo oferecido as seguintes conclusões:
1. Conforme jurisprudência uniforme, só existe a contradição insanável quando se verifica a incompatibilidade entre os factos dados como provados, bem como entre os factos dados como provados e os não provados, como entre a fundamentação probatória e a mesma matéria de facto.
2. A incompatibilidade entre os factos considerados como provados e os considerados como não provados deve ser absoluta e evidente, em face de um padrão de um homem médio.
3. É por demais evidente a incompatibilidade do que ficou provado e do que não ficou provado no que se refere ao teor da conversa da testemunha em causa para com o Assistente relativamente ao que a arguida disse à mesma testemunha.
4. Acabando assim por não se perceber, afinal de contas, o que a testemunha (C) terá dito ao assistente relativamente à conversa que aquele manteve com a arguida.
5. Temos assim que se verifica o vício apontado contemplado no artigo 400º, n.º 2, al. b) do CPP, impondo-se assim a realização de novo julgamento em sede de 1ª instância.
6. O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
7. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis; tem de ser um erro ostensivo de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.
8. No caso sub judice, temos como incontornável o depoimento da testemunha, C, prestado perante a Policia Judiciária (a fls. 52 e 53) e, sobretudo, perante o Ministério Público (a fls. 103 e 104), declarações estas que foram lidas em sede de julgamento ao abrigo do artigo 337º, n.º 4 do CPP e que, por conseguinte, constituem elemento de prova da matéria constante do libelo acusatório.
9. Ora, toda a matéria deste depoimento foi dada como provada pelo tribunal a quo, com excepção da parte que vem mencionada pela testemunha de que a arguida iria participar criminalmente contra o assistente da prática daqueles crimes no caso deste não pagar a seu favor o avultado valor de quatro milhões de patacas por ela exigido.
10. Ora, quando a decisão posta ora em crise dá por não provado aquele facto – “Nesse almoço, a arguida pediu ao C para transmitir ao ofendido de que se não pagasse tal indemnização, ela iria participar criminalmente contra o assistente” -, não podemos deixar de concluir que o Tribunal recorrido, ao decidir dessa forma, contraria, com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum, tomando em consideração inclusivamente o restante circunstancialismo fáctico dado por assente.
11. Temos assim que no caso presente o tribunal atribuiu total credibilidade a uma dada fonte de prova, in casu, ao depoimento do C, mas, no entanto, ficou por provar aquele excerto fáctico que, em face das regras da experiência comum, teria inevitavelmente que ser dado como assente.
12. Não se pode olvidar que o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 114.º do CPP elege como ideia nuclear que o julgador não se encontra sujeito às regras rígidas da prova tarifada.
13. Mas isso não significa que a actividade de valoração da prova seja arbitrária, mas antes vinculada à busca da verdade e limitada pelas regras da experiência comum e por restrições legais.
14. Tal princípio concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, que terá e deverá, no entanto, ser possível e capaz de encontrar fundamento num exercício lógico e racional.
15. Temos assim que deveria o Tribunal que ter dado como provado que “Nesse almoço, a arguida disse à testemunha (C) que ela entendia que o assistente lhe tinha feito ameaças e sequestro, mais, a arguida pediu à testemunha para transmitir ao assistente que se este lhe pagasse uma indemnização de 4,000,000 de patacas ficariam regularizadas todas as suas contas, e que, se o não fizesse, ela, arguida, iria participar criminalmente contra o assistente da prática dos crimes de sequestro, ameaça, coacção, etc. ”.
16. E, desse modo, sempre se concluiria no presente caso pela verificação de todos os requisitos do crime de extorsão, como sejam: a) o emprego por parte da arguida de ameaça de um mal importante; b) o constrangimento daí resultante a uma disposição patrimonial que cause ou que possa causar prejuízo para o assistente; c) a intenção de conseguir para a arguida um enriquecimento ilegítimo.
17. Temos assim que a decisão recorrida encerra o vício apontado contemplado no artigo 400º, n.º 2, al. c) do CPP.
18. Mostrando-se assim a matéria de facto dada como provada como apta e suficiente para a decisão de direito de condenar a arguida pelo crime de extorsão de que vem acusada.
19. Mesmo que assim não se entenda, não podemos deixar de concluir que a conduta da arguida, por força da matéria dada como provada, é subsumível ao crime em causa (crime de extorsão).
20. Nos termos do artigo 215º, n.º 1 do Código Penal, “Quem, com intenção de conseguir para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, constranger outra pessoa, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, a uma disposição patrimonial que acarrete, para ela ou para outrem, prejuízo, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.”.
21. O crime de extorsão é, por conseguinte, um crime de processo típico, no sentido de que os meios para a sua realização estão taxativamente referidos na lei “por meio de violência ou de ameaça com mal importante”.
22. Daí que a extorsão tenha muitos elementos típicos comuns a vários outros tipos de crime, particularmente com os do crime de coacção (v. art.º 148 do CP).
23. Com efeito, todos os elementos integrantes da factualidade típica deste crime fazem também parte do crime de extorsão, especializando-se este, em relação àquele, apenas pela exigência de a conduta coagida se traduzir num prejuízo injusto para o sujeito passivo (que tanto pode ser a vítima como outra pessoa) e num enriquecimento ilegítimo para o agente ou para terceiro.
24. O crime de extorsão é, pois, um crime híbrido com um significado pluriofensivo, cuja acção típica corresponde a uma conduta de constrangimento de outra pessoa, através de violência ou de ameaça com um mal importante, levada a cabo com o animus de um enriquecimento ilegítimo, do agente ou de terceiro.
25. No caso presente, demonstrado ficou que a arguida ameaçou que participaria criminalmente do assistente da prática de diversos crimes de especial gravidade, como sejam dos crimes de crimes de sequestro, ameaça, coacção, etc., tendo inclusivamente entregue ao assistente, por interposta pessoa, cópia dos artigos do CP que prevêem precisamente os crimes em causa, solicitando do mesmo assistente, de forma totalmente injustificada e ilícita, a entrega da quantia de quatro milhões de patacas.
26. Sendo certo que, após o assistente ter apresentado queixa na policia no dia 6 de Dezembro de 2011, a arguida partiu de Macau através do Porto Exterior no dia 4 de Janeiro de 2012, sem ter apresentado qualquer queixa crime contra o assistente, não sem antes ter dirigido uma carta ao assistente, por este recebida em 5 de Dezembro de 2011, em que reclamava agora uma indemnização de 2,578,777.50 patacas!
27. O comportamento da arguida traduziu-se, pois, numa conduta de constrangimento junto do assistente, através de ameaça com um mal importante, tendo como seu objecto um acto de disposição patrimonial.
28. Sendo que a ameaça representou um dano ou um prejuízo relevante, idóneo e adequado, de forma a constranger o assistente a fazer a pretendida disposição patrimonial, tanto mais que afectou psicológica e mentalmente este último, ao ponto do assistente ter tomado aquela ameaça de forma séria, como resulta da factualidade dada como provada.
29. Acresce ainda a acção levada a cabo pela arguida tinha como principal objectivo que o assistente lhe entregasse uma quantia elevada de dinheiro, de forma totalmente injustificada.
30. Daí que a arguida tenha actuado animada de uma intenção lucrativa, mórbida e perfeitamente ilícita, dirigida a um enriquecimento ilegítimo, por conta de um empobrecimento do assistente, apesar de não vindo, no entanto, a receber esse dinheiro.
31. O que não retira a ilicitude dos seus actos, para mais com a agravante de ser advogada, bem sabendo que a sua conduta é punível criminalmente por lei.
32. A este propósito, convém recordar que o Conselho Superior de Advocacia de Macau, em reunião de 26 de Março de 2015, deliberou por unanimidade aprovar o relatório final apresentado pelo Senhor Instrutor desses processos, em que se propunha a aplicação à arguida de uma pena única de suspensão do exercício da advocacia por seis anos, por violação dos deveres deontológicos previstos nos artigos 1º, n.ºs 1 e 2, 14º, al. a), 16º, n.º 1, 19º, 20º, 21º, 24º e 25º, todos do Código Deontológico dos Advogados (cfr. doc. 5 junto aos autos em 6 de Outubro de 2015).
33. E que, por edital publicado no Boletim da Ordem dos Advogados de Portugal n.º 128/129 de Julho / Agosto de 2015 (pág. 52), o Presidente do Conselho de Deontologia de Lisboa fez saber que, no âmbito dos autos de processo disciplinar n.º 1577 /2012-L/D, foi determinada a suspensão por tempo indeterminado da inscrição da arguida na referida Ordem dos Advogados (cfr. doc. 5 junto aos autos na mesma data).
34. O que revela bem a personalidade e a conduta da arguida enquanto advogada e cidadã.
35. Temos assim como verificados os requisitos do crime de extorsão acima explicitados.
36. Resulta assim claro que a decisão recorrida encerra um claro erro de julgamento.
37. Devendo assim a decisão recorrida ser revogada, condenando-se, consequentemente, a arguida pela prática do crime de extorsão de que vem acusada, devendo-lhe ser aplicada, em conformidade, uma pena de prisão cuja medida será determinada, naturalmente, por V. Exas.
  Termos em deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser dado como verificado o vício a que se reporta o artigo 400º, n.º 2, alínea b) do CPP, pelo que deverá o julgamento ser anulado e ordenada a sua repetição
  Caso assim não se entenda, deverá ser dado como verificado o vício a que se reporta o artigo 400º, n.º 2, alínea c) do CPP, condenando-se a arguida pela prática do crime de extorsão de que vem acusada.
  Caso ainda assim não se entenda, deverá ser considerado que a sentença recorrida encerra um erro de julgamento, condenando-se, de igual modo, a arguida pela prática do crime de extorsão de que vem acusada, devendo-lhe ser aplicada, em conformidade, uma pena de prisão cuja medida será determinada, naturalmente, por V. Exas.,
  Fazendo-se assim a habitual JUSTIÇA!

A arguida B apresentou resposta, pedindo que seja julgada improcedente o recurso, e tendo oferecido as respectivas conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto pelo Recorrente A, do Acórdão proferido a 27 de Julho de 2016, em virtude daquele não se conformar com a absolvição, por insuficiência de prova, da Arguida, ora Recorrida, do crime de extorsão, na forma tentada, p. e p. pelo artigo 215.º, n.º 1 do Código Penal (CP).
2. Entende o Recorrente, na ordem que se passa a elencar, que (1) a fundamentação da decisão a quo padece de uma contradição insanável, que (2) existe um erro notório na apreciação da prova e, por fim, que (3) o douto aresto encerra um erro de julgamento.
3. Porém, como se verá, o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo não deve ser, alvo de censura, pelo que deverá ser mantido nos exactos termos, sendo a motivação apresentada pelo Recorrente totalmente inepta para determinar quaisquer dos pedidos formulados a final.
II) Da alegada contradição insanável entre os factos dados como provados e os não provados
4. Resumidamente, o Recorrente entende que existe uma contradição insanável na fundamentação, quanto ao teor da conversa tida entre a Recorrida e a testemunha C, no dia 3 de Dezembro de 2011.
5. Com efeito, o Tribunal a quo considerou provado que “No dia 3 de Dezembro de 2011, a testemunha deslocou-se à residência do ofendido e transmitiu na íntegra ao assistente o que a arguida acima propôs, bem como apresentou ao mesmo os papeis referidos, o assistente levou-o a sério e respondeu ao C para este transmitir à arguida que ele iria considerar o referido pedido, e depois, o assistente informou ao C que ele iria participar daquela à polícia” (sublinhado nosso ).
6. E considerou não provado que “O C transmitiu na integra ao assistente o que tinha tido a arguida”.
7. Em primeiro lugar, a Recorrida entende, tal como alega o Recorrente, que existe, nesta parte do Acórdão, um lapso material, devendo-se logicamente ler “O C transmitiu na integra ao assistente o que tinha ditoa arguida" (sublinhado nosso).
8. Ora, a aparente contradição exige uma análise cuidada e rigorosa da terminologia usada pelo Tribunal a quo, a qual faltando, levará inevitavelmente a conclusões precipitadas, tais como as aventadas pelo Recorrente.
9. Com efeito, quando dá por provado que “a testemunha deslocou-se à residência do ofendido e transmitiu na íntegra ao assistente o que a arguida acima propôs”, o Acórdão revidendo não se contradiz ao considerar não provado que “O C transmitiu na integra ao assistente o que tinha dito a arguida”.
10. Naquele facto resulta como provado que a referida testemunha transmitiu na íntegra, ao assistente, o teor da proposta efectuada pela Arguida, i.e., que se o assistente lhe pagasse uma indemnização de MOP4.000.000,00 (quatro milhões de patacas) ficariam regularizadas todas as suas contas e, concomitantemente, que a arguida não iria participar criminalmente contra o ofendido da prática dos crimes de sequestro, ameaça, coacção, etc...
11. Ora, transmitir o teor da proposta não equivale a transmitir a integralidade da conversa tida entre a testemunha C e a Arguida, ora Recorrida, como entendeu, e bem, o Tribunal a quo.
12. Donde inexista, in casu, qualquer contradição insanável na fundamentação, nos termos previstos na alínea b), do n.º 2, do artigo 400.º do CPP, devendo, como tal, improceder o pedido de realização de novo julgamento, em 1.ª instância, quanto a esta matéria.
13. Caso assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se concede, o novo julgamento seria sempre circunscrito à matéria da contradição insanável na fundamentação, i.e., ao teor da conversa tida entre a Recorrida e a testemunha quanto ao pagamento da indemnização e da participação criminal por parte daquela contra o Recorrido, ficando excluída toda a restante matéria dada como provada e não provada, nomeadamente, quanto a esta última, o facto de não ter resultado provado que as palavras proferidas pela arguida “causaram imenso medo e receio ao ofendido”, que a “arguida tinha perfeito conhecimento que ela não tinha direito legal para obter tal quantia de dinheiro”, que “ao longo deste período, a arguida chegou a dizer ao ofendido que ela tinha conhecimento de muitos factos da vida profissional e pessoal dele, que ela considerava ilegais, e que o ofendido iria acabar a sua carreira profissional e vida pessoal caso a mesma os divulgasse às autoridades”, etc ...
III) Do alegado erro notório na apreciação da prova
14. Outrossim, o Recorrente decidiu igualmente alegar que, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo incorreu num erro notório na apreciação da prova.
15. Ora, como se procurará demonstrar, o único a incorrer num erro notório é o próprio Recorrente.
16. Com efeito, em lado algum do Acórdão ora posto em causa pelo Recorrente, é afirmado que foi atribuída total credibilidade às declarações prestadas pela testemunha C, a fls. 103 e 104 dos autos.
17. Pelo contrário, a convicção do Tribunal em não condenar a Recorrida, alicerça-se nessas mesmas declarações, as quais se dão por meramente reproduzidas.
18. Naturalmente, dar por reproduzidas declarações, mesmo que na sua integralidade, não equivale a atribuir-lhes “total credibilidade”, como parece entender o Recorrente.
19. Saliente-se, desde já, a interpretação lúcida feita pelo Tribunal a quo, nomeadamente quando justifica que as declarações prestadas pelo C “são as suas próprias conclusões” do que lhe terá sido dito pela Recorrida, sendo que aquele reconhece desconhecer “quais as palavras em concreto” transmitidas por esta última (cf. pág. 12 do Ac. revidendo).
20. Note-se ainda que o Tribunal a quo qualificou as declarações prestadas pelo C como sendo genéricas, conclusivas e simples (cf. pág. 14 do Ac. revidendo).
21. Com efeito, torna-se difícil descortinar, à luz das regras da experiência comum, as tais que o Recorrente invoca para justificar o erro notório na apreciação da prova, as razões que alegadamente levariam uma advogada (ora Recorrida) a entregar cópias de artigos do Código Penal a um outro advogado (o C), como se necessárias fossem, para a perfeição da comunicação integral e efectiva da ameaça ao seu destinatário final, a sua transmissão por escrito, em língua portuguesa e, pasme-se, em língua chinesa, idioma este que nenhum dos três intervenientes domina.
22. Donde, atenta a insuficiência da prova produzida pelo Recorrente, e em face da fragilidade do depoimento prestado pelo C, bem andou o Tribunal a quo quando, fazendo uso do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 114.º do CPP, decidiu absolver a ora Recorrida do crime de extorsão p. e p. pelo artigo 215.º, n.º 1 do CP.
IV) Do alegado erro de julgamento
23. Por fim, o Recorrente alega ainda que a decisão revidenda padece do vício de julgamento, uma vez que a matéria dada como provada, é suficiente para ser subsumida no crime de extorsão.
24. Ora, o único a errar, mais uma vez, é o Recorrente pois para haver crime de extorsão é necessário provar que há a intenção, por parte do agente, em obter um (1) enriquecimento ilegítimo, (2) por meio de violência ou de ameaça com mal importante.
25. Ora, resultou não provado que a “arguida tinha perfeito conhecimento que ela não tinha direito legal para obter tal quantia de dinheiro”.
26. Assim, em caso algum podia o Tribunal a quo considerar que a pretensão da Recorrida em receber uma indemnização de MOP4.000.000,00 (quatro milhões de patacas) correspondia a um enriquecimento ilegítimo.
27. Mais, resultou ainda não provado que “as palavras referidas da arguida causaram imenso medo e receia ao ofendido”.
28. O que significa que não se verificou, igualmente, o elemento da violência ou da ameaça com mal importante.
29. Ora, na falta desses dois elementos integrantes da factualidade típica do crime de extorsão, bem andou o Tribunal ao absolver a Recorrida do referido crime.
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo Recorrente A, por ser manifestamente improcedente, assim se fazendo justiça, como é timbre deste Tribunal.

A Digna Magistrada do MºPº apresentou também resposta, pedindo que seja julgada improcedente o recurso, e tendo oferecido as respectivas conclusões.1

Nesta Instância, o Digno Procurador-Adjunto emitiu o douto parecer, entendendo dever-se julgar improcedente o presente recurso.

Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre agora decidir do presente recurso.

II – FACTOS

O Tribunal “a quo” deu como provados os respectivos factos constantes no acórdão da fls.983 e seguintes:
1. Em meados de Junho de 2010, a arguida iniciou a sua carreira profissional de advocacia em Macau tendo sido contratado pelo A (doravante, assistente).
2. A partir de data incerta, as relações entre eles começaram a piorar por razões, entre outras, de que a arguida queria uma revisão do seu salário e, posteriormente, o marido desta, que então também trabalhava para o ofendido, foi despedido.
3. Em dia não apurado de finais de Novembro de 2011, a arguida combinou um almoço com o C.
4. Nesse almoço, a arguida disse ao C que ela entendia que o assistente lhe tinha feito ameaças e sequestro, mais, a arguida pediu à testemunha para transmitir ao assistente que se este lhe pagasse uma indemnização de 4,000,000 de patacas ficariam regularizadas todas as suas contas, ainda a arguida disse que ela iria participar criminalmente contra o ofendido da prática dos crimes de sequestro, ameaça, coacção, etc..
5. Na mesma ocasião, a arguida entregou ainda ao C uns papeis, onde constam os artigos do Código Penal da RAEM que prevêem os crimes de ameaça, coacção, sequestro, injúria, etc., para fazer chegar igualmente ao ofendido. (vide fls. 20 a 26, que se dá aqui por integralmente reproduzido)
6. No dia 3 de Dezembro de 2011, a testemunha deslocou-se à residência do ofendido e transmitiu na íntegra ao assistente o que a arguida acima propôs, bem como apresentou ao mesmo os papeis referidos, o assistente levou-o a sério e respondeu ao C para este transmitir à arguida que ele iria considerar o referido pedido, e depois, o assistente informou ao C que ele iria participar daquela à polícia.
7. No dia 5 de Dezembro de 2011, o ofendido recebeu uma carta da arguida em que a mesma comunicou a denúncia da relação contratual com o ofendido e pediu ao mesmo uma indemnização de 2,578,777.5 de patacas.
8. No dia 6 de Dezembro de 2011, o ofendido participou à polícia dos factos acima referidos; no dia de 4 de Janeiro de 2012, a arguida partiu de Macau através do Porto Exterior.
Mais se provou :
9. Nada consta do CRC da arguida.
10. Desconhecem das actuais condições socio-económicas da arguida.
Factos não provados:
Não se provaram quaisquer outros factos relevantes da acusação, da acusação particular e da contestação, que não estejam em conformidade com a factualidade acima assente. Nomeadamente:
1. Ao longo deste período, a arguida chegou a dizer ao ofendido que ela tinha conhecimento de muitos factos da vida profissional e pessoal dele, que ela considerava ilegais, e que o ofendido iria acabar a sua carreira profissional e vida pessoal caso a mesma os divulgasse às autoridades.
2. As palavras referidas da arguida causaram imenso medo e receio ao ofendido.
3. A arguida tinha perfeito conhecimento que ela não tinha direito legal para obter tal quantia de dinheiro.
4. Nesse almoço, a arguida pediu ao C para transmitir ao ofendido de que se o não2pagasse a tal indemnização, ela iria participar criminalmente contra o assistente.
5. O C transmitiu na íntegra ao assistente o que tinha tido a arguida.
6. Ao actuar da forma descrita a arguida agiu de forma livre, voluntária, consciente e com o propósito de obter para si um enriquecimento ilegítimo e causar prejuízo ao ofendido, bem sabendo que ao actuar da forma acima descrita constrangia o ofendido, causando-lhe receio de que algo de mal lhe poderia acontecer e bem sabendo que a sua conduta era adequada a causar tal receio e constrangimento no mesmo e que dessa forma forçava o ofendido a dispor do seu bem patrimonial, procedendo como pretendia, o que só não aconteceu porque o ofendido resolveu apresentar participação contra a arguida e não pagar qualquer importância.
7. A arguida tinha perfeito conhecimento que a sua conduta não era permitida e era punida por Lei.
*
Os factos constantes dos artigos 2º a 11º da acusação particular tratam-se de factos concretos ou facto-meio para demonstrar de que as relações entre o assistente e a arguida piorou-se desde data incerta.
Não ficaram provados os restantes, ou são irrelevantes, ou por não ficaram provados, ou por serem factos conclusivos, ou por ser matéria de direito.

III - FUNDAMENTOS

Os objectos do presente recurso prendem-se com:
- Contradição insanável da fundamentação
- Erro notório na apreciação da prova
- Erro de julgamento crime de extorsão

1. Vem, em primeiro lugar, o recorrente a alegar que a sentença a quo manifesta contradição insanável de fundamentação ao dar por provada matéria nºs 4, 5 e 6, mas depois de dar-se como não provado o facto 5, acaba assim por não se perceber o que a testemunha C terá dito ao assistente relativamente à conversa que aquele manteve com a arguida.
Conforme a disposição do art.400º nº2 al. b) do Código Processo Penal, o recurso pode ter também como fundamentos, desde que o vício resulte dos elementos constantes dos autos, por si só ou conjugados com as regras da experiência comum: a contradição insanável da fundamentação.
Entende-se, no acórdão do TUI do processo nº 16/2000, datado de 16 de Março de 2001 que “O vício da contradição insanável da fundamentação consiste na contradição entre a fundamentação probatória da matéria de facto, bem como entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada. A contradição tem de se apresentar insanável ou irredutível que não possa ser ultrapassada com o recurso à decisão recorrida no seu todo e às regras da experiência comum.”
Do mesmo entendimento veja-se da obra do Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, ed. VERBO, pág.340 a 341: “A contradição insanável da fundamentação respeita antes de mais à fundamentação da matéria de facto, mas pode respeitar também à contradição na própria matéria de facto (fundamento da decisão de direito). Assim, tanto constitui fundamento de recurso ao abrigo da alínea b) do n.° 2 do art. 410.° a contradição entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada, pois pode existir contradição insanável não só entre os factos dados como provados, mas também entre os dados como provados e os não provados, como entre a fundamentação probatória da matéria de facto. A contradição pode existir também entre a fundamentação e a decisão, pois a fundamentação pode apontar para uma dada decisão e a decisão recorrida nada ter com a fundamentação apresentada. ”

Dos alegados provados pelo Tribunal a quo consta o seguinte:
“Nesse almoço, a arguida disse ao C que ela entendia que o assistente lhe tinha feito ameaças e sequestro, mais, a arguida pediu à testemunha para transmitir ao assistente que se este lhe pagasse uma indemnização de 4,000,000 de patacas ficariam regularizadas todas as suas contas, ainda a arguida disse que ela iria participar criminalmente contra o ofendido da prática dos crimes de sequestro, ameaça, coacção, etc..
Na mesma ocasião, a arguida entregou ainda ao C uns papeis, onde constam os artigos do Código Penal da RAEM que prevêem os crimes de ameaça, coacção, sequestro, injúria, etc., para fazer chegar igualmente ao ofendido. (vide fls. 20 a 26, que se dá aqui por integralmente reproduzido)
No dia 3 de Dezembro de 2011, a testemunha deslocou-se à residência do ofendido e transmitiu na íntegra ao assistente o que a arguida acima propôs, bem como apresentou ao mesmo os papeis referidos, o assistente levou-o a sério e respondeu ao C para este transmitir à arguida que ele iria considerar o referido pedido, e depois, o assistente informou ao C que ele iria participar daquela à polícia.”
Dos factos não provados consta que:
“O C transmitiu na íntegra ao assistente o que tinha tido a arguida.”

Como podemos ver, o tribunal provou por um lado que “…, a testemunha (C) deslocou-se à residência do ofendido e transmitiu na íntegra ao assistente o que a arguida acima propôs”, por outro, deu-se por não provado que “O C transmitiu na íntegra ao assistente o que tinha tido a arguida”.
Em que ficamos?
Podendo embora o tribunal não acreditar o depoimento da testemunha, em prol da livre convicção do tribunal, mas não sabemos em que termos que o Tribunal não o acreditou, enquanto o Tribunal ordenou a leitura total do depoimento da falecida testemunha, que não compareceu no julgamento.
De qualquer maneira, com o que ficou provado e o não provado verifica-se uma contradição entre os mesmos, perante isto qualquer leitor do acórdão ficaria sem saber se o C transmitiu na íntegra ao assistente o que tinha dito a arguida ou não.
Para além disto, verifica-se ainda a existência do erro notório na apreciação da prova.
Como se tem entendido, na jurisprudência dos tribunais de Macau de que existe erro notório na apreciação da prova quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. E tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores”.3
Quando, tal como o que foi dado como provado, a arguida pediu, através da transmissão das palavras da testemunha, o pagamento de 4 milhões de patacas para regularizar todas as suas contas e iria participar contra o assistente pela prática de vários crimes, com a entrega da cópia dos respectivos disposições dos referidos crimes, o Tribunal concluiu por não verificado o dolo da arguida, com os factos dados como não provados: que a arguida, sendo uma licenciada em direito e advogada no exercício, ao actuar da forma descrita, sem prévia comprovação da dívida subjacente, “agiu de forma livre, voluntária, consciente e com o propósito de obter para si um enriquecimento ilegítimo e causar prejuízo ao ofendido”, o que consubstancia uma conclusão logicamente inaceitável, incorrendo o Tribunal no erro notório na apreciação da prova (artigo 400 n. 1 al. c) do Código de Processo Penal).
Assim sendo, procede-se o alegado argumento do recurso. Procedendo o recurso, e, sem renovação da prova, impõe-se o reenvio do processo, nos termos do disposto no artigo 415 do Código de Processo Penal, para novo julgamento de todo o objecto do processo, a proceder pelo colectivo a constituir pelos juízes que não tinham intervenção no julgamento ora revogado.
Fica-se assim prejudicado o conhecimento das restantes questões recursórias.

IV – DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em julgar provimento ao recurso, ordenando o reenvio do processo nos termos acima consignados.
Custas pela arguida ora recorrida, com taxa da justiça de 6 UC’s.
Macau, RAE, aos 21 de Junho de 2018
Choi Mou Pan
José Maria Dias Azedo
Tam Hio Wa (vencida com declaração de voto junta a seguir)

Processo nº 777/2016 (Autos de recurso penal)
Data: 21 Junho 2018

Declaração de voto

Vencida por seguintes razões:

1. Analisando os factos provados e não provados alegados pelo recorrente como contraditórios, entende-se de que o Tribunal a quo deu como provado de que houve uma conversa entre a arguida e a testemunha, e depois a testemunha chegou a transferir parte dessa conversa ao assistente ora recorrente.
No entanto, como foi fundamentado pelo Tribunal a quo, de que “As declarações do C, em maioria partes, são as suas conclusões tiradas da palavras que lhe tinha dito durante o almoço. Desconhecem quais palavras em concreto que a arguida tinha dito. Desconhecem porque a testemunha C decidiu ajudar a arguida a transmitir tais palavras, uma vez que a conduta da arguida poderia integrar num crime. … Da análise das provas obtidas, nomeadamente a declaração genérica, conclusiva e simples afirmações da falecida testemunha C, tendo em consideração a profissão de advocacia da arguida e da falecida testemunha, não deveriam as conversas entre os mesmos ser dessa foram clara e simples, deveriam ter mais conversas relacionados ao facto aqui em apreço. Na falta de mais outras provas, não se podem dar como provado, sem nenhuma dúvida, de que “a arguida pediu ao C(falecida testemunha), transmitir ao assistente que se este lhe pagasse a tal indemnização, ficariam regularizadas todas as suas contas, e , que se o não fizesse ela iria participar criminalmente contra o ofendido.””
Por essa razão, o Tribunal não ficou com convicção de que o testemunha tinha transmitido ao assistente todo que foi dito pela arguida, nomeadamente os reais motivos da exigência da quantia de 4,000,000 de patacas.
Estes factos estão perfeitamente coerentes sem nenhuma contridição.

2. Quanto ao depoimento da testemunha C, o Tribunal a quo deu uma análise crítica do mesmo e acolheu a credibilidade dessas declarações, nomeadamente sobre a conversa entre essa testemunha e a arguida e a transmissão dessa conversa ao assistente. No entanto, como foi esse depoimento transcrito genérico, conclusivo e simples, e por infeliz impossibilidade de ter a própria testemunha a depor pessoalmente na audiência, e por faltar das mais outras provas, o Tribunal a quo não se formou convicção sobre os reais motivos da exigência da quantia de 4,000,000 de patacas pela arguida.
Esse entendimento está no âmbito da livre apreciação das provas e convicção essa foi lógica e evidente, sem infringir quaisquer regras de experiência comum.
Não se pode concluir que o Tribunal a quo cometeu um erro, muito menos um erro ostensivo e evidente, na apreciação das provas.

3. No entanto, como não ter provado de que a arguida agiu voluntaria, consciente e dolosamente, ameaçar de mal importância o assistente, com intenção de obter benefícios ilegítimos, não então preenchidos todos os requisitos da verificação desse crime, e é de absolver a arguida, em co-autoria material, na forma tentada, do imputado crime de extorsão p. e p. pelo art.º 215º, n.º 1, do Código Penal..


A Juiz Relator originária

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Tam Hio Wa

1 Com as conclusões em chinês, no seguinte:
1. 正如上訴人引述中級法院於2000年3月6日作出的第25/2000號裁判書所指,根據一貫的司法解釋,只有當獲證的事實之間,又或獲證事實與不獲證事實之間,以及形成心證的理由說明方面與認定事實事宜之間發生不相容的情況時,才存在不可補救之矛盾。
2. 本案中,原審法院就獲證事實與不獲證事實之間,並無存在矛盾地方,上訴人也未能找出或清楚說明存在那些矛盾或不相容之處。
3. 上訴人所強調者,重覆地非議原審法院沒有把「C將嫌犯所說的話完完整整地轉告輔助人」認定為事實,這實質上是質疑和挑戰法官的自由心證,以及原審法院對事實的認定判決。
4. 環繞上訴人所持論點,無非就是上訴人個人看法,從而不接納原審法院判決並加以否定,這實屬上訴人缺乏理據下固執之見。
5. 事實上原審法院在判決書上已十分清晰和條理化地指出,法庭形成心證的基礎建立於對輔助人在庭上作出聲明之分析、對已去世證人C早前在檢察院所作聲明的閱讀,以及其他證人在法庭上作的聲明及載於卷宗的文件。
6. 在證據分析上,過世了的證人C其證言屬一般結論聲明和簡單的斷言,尤其他和嫌犯職業為律師,兩人間的對話不應如此簡要,理應有更多關於本案事實的對話,在缺乏更多其他證據下,不無疑問這便是全部而完整的事實。
7. 有關證據方面,原審法院根據《刑事訴訟法典》第337條第4款規定,庭審聽證中宣讀了C在檢察院所作聲明,然而該聲明中證人並無確認卷宗第52至53頁在司法警察局內所作聲明筆錄,這部分內容不能加以使用。但上訴人卻認為第52至53頁這部分內容是可進一步佐證C所言為真,上訴人所主張者完全違反刑事訴訟法典所作規定。
8. 此外,上訴人列舉《刑事訴訟法典》第114條證據之自由評價規定,質疑和批評原審法院適用自由心證的正確性,觀上訴人之本意,所針者乃原審法院未有將C的證言全部確定為事實,此舉挑戰法官自由心證,實為不當。
9. 原審法院通過對輔助人和一眾證人的聲明、卷宗內所載文件和批判性分析,特別是嫌犯、其伴侶和輔助人間在職業關係、勞資關係中出現的紛爭,可以得出無論是嫌犯、輔助人或是已去世的證人C,他們應該知道嫌犯請求的那400萬賠償是什麼一回事,在缺少其他證據的情況下,不能毫無疑問地證明該筆金錢是非法的。
10. 當中已過世證人C的聲明,屬結論性質和簡單斷言,在缺乏更多其他證據下,不可確鑿地證實到證人所傳給上訴人的說話是嫌犯所言的全部內容。
11. 我們重申,任何一種事實瑕疵都應該從獲證事實之間或與之不獲認定的事實之間能清楚地,明顯地反映的,而不應,也不能單憑個人對證據的判斷來否定法院的心證。
12. 《刑事訴訟法典》第400條第2款c項所述及的在審查證據方面的明顯錯誤,是指法院在認定事實方面出現錯誤,亦即被法院視為認定或未認定的事實與實際在案件中應被認定或不應被認定的事實不相符,或法院從某一被視為認定的事實中得出一個邏輯上不可被接納的結論,又或者法院在審查證據時違反了必須遵守的有關證據價值的規則或一般經驗法則,而這種錯誤必須是顯而易見的錯誤。
13. 原審法院對本案證據之認定,是經過嚴謹審查,對上訴的聲明陳述,和一眾證人的聲明和卷宗內所載文件的分析,依經驗法則,自由心證是在嚴謹的證據和證人客觀陳述下,再據以認定。
14. 到此,我們可以發現上訴人對原審判決的否定,是對自由心證的自我主觀性演繹,並強行認為審查證據存有錯誤。
15. 為此,原審法院不存在審查證據方面明顯錯誤,並無違反《刑事訴訟法典》第400條第2款b項和c項規定。
16. 綜上所述,本院認為,上訴人的上訴理由不成立,應予駁回。
尊敬的中級法院在分析一切理據後,請作出公正裁決。
2 Aqui, deveria ser por mero lapso no escrito do Tribunal a quo, escreveu como “…que se o pagasse a tal indemnização”, quando pretendia exprimir a ideia real de que “…que se o não pagasse a tal indemnização”, pois este texto constava da acusação, e ficou por não provado pelo Tribunal. Pelo que rectifica-se, de forma a acrescentar a palavra “não”.
3 Cfr. Ac. do TUI, de 16-3-2001, no processo nº 16/2000.
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TSI-777/2016 p.27