Processo nº 329/2018
(Autos de recurso laboral)
Data: 31/Maio/2018
Recorrente:
- B (Autor)
Recorrida:
- Xxxx Xxxx Xxxx Xxxx, S.A.R.L.(Ré)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
B intentou junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM acção processo comum do trabalho, pedindo a condenação da Ré no pagamento do montante de MOP$316.820,00, acrescido de juros legais até efectivo e integral pagamento.
Realizado o julgamento, foi aquela Ré condenada a pagar ao Autor a compensação dos dias de descanso semanal não gozados no montante que se vier a liquidar em execução de sentença.
Inconformado, dela interpôs o Autor recurso ordinário para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. Versa o presente recurso sobre a parte da douta Sentença na qual foi julgada parcialmente improcedente ao Recorrente a atribuição de uma compensação devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal na medida de um dia de salário em dobro.
2. Não obstante o montante a apurar pela violação deste crédito ter sido relegado para liquidação em sede de execução de Sentença, está desde já o ora Recorrente em crer que a douta Sentença enferma de um erro de aplicação de direito quanto à concreta forma de cálculo devido pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal e, neste sentido, se mostra em violação ao disposto no artigo 17º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
3. Ou melhor, ao condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas o equivalente a um dia de trabalho (em singelo) pela trabalho prestado em dia de descanso semanal, o Tribunal a quo procedeu a uma não correcta aplicação do disposto na al. a) do n.º 6 do artigo 17º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral.
4. Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal, por cada dia de descanso semanal prestado.
5. Do mesmo modo, ao condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas e tão-só um dia de salário em singelo, o Tribunal a quo desviou-se da interpretação que tem vindo a ser seguida pelo Tribunal de Segunda Instância sobre a mesma questão de direito, no sentido de entender que a compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser feita em respeito à seguinte fórmula: (salário diário X n.º de dias de descanso não gozados X 2).
6. De onde, deve a douta Decisão ser substituída por outra que atenda ao pedido de condenação da 1ª Ré (XXXX) nos termos e com base nas bases de cálculo formuladas pelo Autor na sua Petição Inicial.”
Conclui, pedindo a revogação da sentença na parte em que condenou a Ré a pagar ao Autor apenas o equivalente a um dia de trabalho em singelo, e substituída por outra que atenda ao pedido formulado pela recorrente.
*
Ao recurso respondeu a recorrida, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
“I. Veio o Recorrente no Recurso a que ora se responde insurgir-se contra a decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base na parte em que julgou parcialmente improcedente as quantias reclamadas pelo mesmo a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal, por entender que tal decisão enferma de erro de aplicação de Direito quanto à concreta forma de cálculo e, nessa medida, mostra-se em violação do preceituado nos artigos 17º do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
II. A decisão recorrida fez uma correcta interpretação e aplicação do preceituado no sobredito artigo 17º do Decreto-lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
III. Estrando em causa o pagamento do trabalho em dias de descanso semanal, pelo dobro da retribuição normal, tendo o Recorrente sido pago já em singelo, importa ter em conta esse salário já pago e pagar apenas o que falta (e não o dobro).
IV. A tese defendida pelo Recorrente nas suas doutas alegações subverte por completo a letra da lei e, a seguir-se tal tese, onde se lê que o trabalhador que aufira um salário mensal tem o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal quando presta trabalho nos dias de descanso semanal, ler-se-ia que o pagamento em apreço deveria corresponder ao triplo da retribuição normal.
V. A Decisão em Recurso para além de encontrar total sustentação na letra da lei, encontra-a também na jurisprudência unânime do Tribunal de Última Instância de Macau, nos Acórdãos proferidos no âmbito dos processos n.º 40/2009, n.º 58/2007 e n.º 28/2007 e, bem assim, naquele que foi já entendimento unânime no Tribunal de Segunda Instância no Acórdão de 29.03.2001 no processo n.º 46/2001, para cuja fundamentação se remete.
VI. Se o trabalhador já recebeu a remuneração só terá de receber o “equivalente a 100% dessa mesma remuneração a acrescer ao salário já pago” (neste sentido vide “Manual de Formação de Direito do Trabalho em Macau”, Miguel Pacheco Arruda Quental, pags. 283 a 284).
VII. O Recorrente não tem razão no recurso que apresenta, devendo o mesmo ser considerado totalmente improcedente.”
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
O Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/99 foi sucessivamente objecto de apreciação, fiscalização e aprovação por parte da Entidade Pública competente. (A)
Desde 22 de Julho de 1999 até data desconhecida, o Autor esteve ao serviço da 1ª Ré, prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (1º)
O Autor exerceu a sua prestação de trabalho para a 1ª Ré ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/99 celebrado entre a 1ª Ré e a Sociedade Z – Serviço de Apoio e Gestão Empresarial Cia, Lda. (2º)
Ao longo da relação laboral, a 1ª Ré apresentou ao Autor vários contratos de trabalho. (3º)
Durante o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela 1ª Ré. (4º)
Durante o tempo que prestou trabalho, o Autor prestou trabalho nos locais (postos de trabalho) indicados pela 1ª Ré e que eram fixados pela 1ª Ré de acordo com as suas exclusivas necessidades. (5º)
Aquando do recrutamento do Autor no Nepal foi garantido ao Autor que teria direito a alimentação e alojamento gratuitos em Macau. (8º)
Durante o período que prestou trabalho, a 1ª Ré pagou ao Autor a quantia de HKD$7,500.00, a título de salário de base mensal. (9º)
Resulta do ponto 3.1 do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/99, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) a quantia de “(…) $20,00 patacas diárias por pessoa, a título de subsídio de alimentação”. (10º)
A 1ª Ré não pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (11º)
A 1ª Ré não entregou ao Autor qualquer tipo de alimentos e/ou géneros. (12º)
Resulta do ponto 3.4. do Contrato de Prestação de Serviços n.º 2/99, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “(…) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço”. (13º)
A 1ª Ré não atribuiu ao Autor uma qualquer quantia a título de subsídio mensal de efectividade. (15º)
A 1ª Ré não fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, nem um período de descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, sem prejuízo da correspondente retribuição. (16º)
O Autor prestou a sua actividade de guarda de segurança por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pela 1ª Ré. (17º)
A 1ª Ré não fixou ao Autor um qualquer outro dia de descanso compensatório em consequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (18º)
A 1ª Ré não atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal. (19º)
O Autor prestou a sua actividade de guarda de segurança em 1 de Janeiro, Ano Novo Chinês (3 dias), 1 de Maio e 1 de Outubro, por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pela 1ª Ré. (20º)
A 1ª Ré não atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios. (21º)
Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho para a 1ª Ré, a 1ª Ré procedeu ao desconto da quantia de HKD$750.00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento”. (23º)
O referido desconto no salário do Autor era operada de forma automática e independentemente do Autor residir ou não na habitação que lhe era providenciada pela 1ª Ré. (24º)
Durante todo o período da relação de trabalho, o Autor exerceu a sua actividade para a 1ª Ré num regime de 3 turnos rotativos de 8 horas por dia cada, conforme se dispõe:
Turno A: (das 08h às 16h)
Turno B: (das 16h às 00h)
Turno C: (das 00h às 08h). (25º)
O Autor sempre respeitou o regime de turnos especificamente fixados pela 1ª Ré. (26º)
Os turnos respeitavam sempre uma mesma ordem sucessiva de rotatividade (A-C)-(B-A)-(C-B), após a prestação pelo Autor (e pelos demais trabalhadores não residentes e guardas de segurança) de sete dias de trabalho contínuo e consecutivo. (27º)
Em cada ciclo de 21 dias de trabalho contínuo e consecutivo, o Autor prestava 16 horas de trabalho num período total de 24 horas, sempre que se operasse uma mudança entre os turnos (C-B) e (B-A). (28º)
A 1ª Ré nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia (em singelo e/ou adicional) pelo trabalho prestado pelo Autor durante os dois períodos de 8 horas cada prestado num período de 24 horas, em cada ciclo de 21 dias de trabalho contínuo e consecutivo. (29º)
Por ordem da 1ª Ré, o Autor estava obrigado a comparecer no seu local de trabalho devidamente uniformizado com, pelo menos, 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada turno. (30º)
Durante os 30 minutos que antecediam o início de cada turno, os superiores hierárquicos do Autor distribuíam o trabalho pelos guardas de segurança (leia-se do Autor), v.g., indicando-lhe o seu concreto posto (local dentro do casino onde o mesmo se devia colocar), os clientes tidos por “suspeitos”, sendo ainda feito um relato sobre todas as questões de segurança a ter em conta no interior do Casino, ou mesmo da necessidade de qualquer participação em eventos especiais. (31º)
O Autor sempre compareceu no início de cada turno com a antecedência de, pelo menos, 30 minutos. (32º)
Obedecendo às ordens e às instruções que lhe foram dadas pelos seus superiores hierárquicos e representantes da 1ª Ré. (33º)
A 1ª Ré nunca atribuiu ao Autor uma qualquer quantia salarial pelo período de 30 minutos que antecediam o início de cada turno e relativamente ao qual o Autor permaneceu sob as ordens e as instruções da 1ª Ré. (34º)
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
Em face das conclusões tecidas na petição dos recursos, a única questão que constitui o objecto da nossa apreciação é a de saber qual é o multiplicador para o cálculo do trabalho prestado nos dias de descanso semanal.
Tem razão o recorrente.
Pois no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei regula as condições do trabalho prestado em dias de descanso semanal e as diferentes formas de compensações desse trabalho consoante as variadas circunstâncias que o justificam.
Diz o artº 17º deste diploma que:
1. Todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de sete dias um descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º.
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam em eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.
4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no nº 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dias de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado nos termos do número anterior dá ao trabalhador o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.
Em face dos factos que ficaram provados nos presentes autos, não se mostrando que o trabalho em dias de descanso semanal foi prestado em qualquer das situações previstas no nº 3 e na falta de outros elementos fácticos, a compensação deve processar-se nos termos consagrados no nº 6, isto é, o trabalhador tem direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.
Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:
2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal, fora das situações previstas no artº 17º/3, nem para tal constrangido pela entidade patronal.
Como, por um lado, a sentença recorrida adoptou o multiplicador X 1 para o cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, em vez de o multiplicador X 2 que defendemos, é de alterar a sentença recorrida e passar a aplicar nela o multiplicador X 2 para o cálculo da compensação pelo trabalho prestado nos descansos semanais.
Tudo visto resta decidir.
***
III) DECISÃO
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência conceder provimento ao recurso interposto pelo Autor B:
* revogando a sentença recorrida na parte que diz respeito à compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal;
* passando a atribuir ao Autor, a título da compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal, o montante a calcular nos termos acima consignados e a liquidar em sede de execução de sentença; e
* mantendo o resto da condenação da Ré, nomeadamente o pagamento ao Autor a título da compensação pelo não gozo dos descansos compensatórios.
Custas a cargo da Ré pelo decaimento da acção na parte tratada neste recurso – artº 376º do CPC e artº 2º/1-i) do RCT, a contrario.
Registe e notifique.
RAEM, 31MAIO2018
Primeiro Juiz-Adjunto Lai Kin Hong
Segundo Juiz-Adjunto
Fong Man Chong
Relator
Tong Hio Fong
(Votei vencido quanto à fórmula adoptada na compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, por entender que, sendo o trabalho prestado nesses dias pago pelo “dobro da retribuição”, este “dobro” é constituído por um dia de salário normal mais um dia de acréscimo.
Provado que o Autor ora recorrente já recebeu da Ré ora sua entidade patronal o salário diário em singelo, para efeitos de cálculo do valor da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, terá que deduzir esse montante pago em singelo, sob pena de estar o Autor a ser pago, não pelo dobro, mas pelo triplo do valor diário, ao que acresce ainda o dia de descanso compensatório, o Autor estar a ser pago pelo quádruplo do valor diário.)
Processo 329/2018 Página 1