Proc. nº 1101/2017
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 21 de Junho de 2018
Descritores:
- Caducidade do direito ao recurso
- Notificação postal
SUMÁRIO:
I – Se a comunicação do acto administrativo foi feita para o local da sede que o interessado tiver indicado no início do procedimento em requerimento dirigido à Administração, deve ter-se como correcto o endereço postal utilizado para efeito de notificação e de início de contagem do prazo para o recurso contencioso.
II – Tem a recorrente o ónus de provar que, naquele caso, a carta não foi recebida no dia em que os Serviços dos Correios indicam ter sido a entrega do objecto postal “bem sucedida”, o que se pode comprovar com a aposição do carimbo da empresa no espaço do AR destinado ao efeito.
III – Em matéria de interposição de recursos contenciosos não funciona a regra do justo impedimento, visto que esta arma apenas pode ser brandida em prazos processuais, e não em prazos de natureza substantiva, como é o caso da propositura de recursos contenciosos.
IV – Se o prazo de interposição de recursos é de natureza substantiva, fica afastada a possibilidade de apresentação da petição dentro dos três dias a que se refere o art. 95º, nº5, do CPC.
Proc. nº 1101/2017
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – Relatório
Sociedade do Grupo X, Limitada, pessoa colectiva registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o nº ..., com sede na…, Taipa, Macau, ----
Instaurou no Tribunal Administrativo (Proc. nº 2177/77-ADM) recurso contencioso -----
Da deliberação do Conselho Administrativo do Fundo para a Protecção Ambiental e a Conservação Energética, de 20 de Março de 2017, que exigiu à recorrente a restituição do montante de um apoio financeiro anteriormente concedido.
*
Por despacho do juiz do Tribunal Administrativo foi o recurso contencioso rejeitado com fundamento em caducidade do direito de acção.
*
Contra este despacho, é interposto o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações a recorrente formulou as seguintes conclusões:
«a) Vem o presente recurso interposto da decisão do Tribunal “a quo” de fls. 58 e segs., datada de 24/07/2017, que julgou procedente a excepção invocada pela entidade recorrida - “O Conselho Administrativo do Fundo para a Protecção Ambiental e a Conservação Energética” - e, como tal, declarou a caducidade do direito ao recurso por parte da ora recorrente.
b) Entende, no entanto, a recorrente que, como teve oportunidade de explicar em requerimento dirigido ao processo em 05/07/2017, a notificação da decisão recorrida, ao representante legal da recorrente, só se deu em 27/03/2017, pelo que o recurso foi interposto atempadamente.
c) O Tribunal “a quo” baseou a sua decisão nos documentos emanados da Direcção dos Serviços de Correios, nos quais se refere que a carta registada (“C”), com aviso de recepção (“AR”), contendo o ofício com a decisão recorrida foi “bem sucedida” em 24/03/2017;
Ora,
d) Em primeiro lugar, a recorrente entende que aquele correio registado foi enviado para o prédio da sede da sociedade recorrente, mas não para o local da sede social da sociedade.
e) Por outro lado, aqueles documentos juntos aos autos pela entidade recorrida, com o devido respeito, não provam que o correio registado em causa foi entregue a quem legalmente representa a recorrente.
f) É que, nos termos do art.º 14º, nº 1 do D.L. nº 88/99/M, de 29/11, os “objectos postais” (registados) só “podem ser entregues a pessoa diferente do destinatário” quando “foram entregues a qualquer adulto”; “aquele estiver autorizado a recebê-lo”; ou “se trata do representante legal”.
g) E, por outro lado, “os objectos postais só são entregues a pessoa diferente do destinatário mediante apresentação de documento comprovativo da identidade, o qual, no caso de pessoa colectiva ou firma comercial, é substituído pela identificação do respectivo representante, assinatura e aposição de carimbo no recibo de levantamento”. (art.º 14º, nº 2).
h) Com o devido respeito, tratando-se a recorrente de uma pessoa colectiva, não consta dos documentos apresentados pela entidade recorrida o cumprimento desta disposição.
i) Seria necessário, para dar cumprimento a esta disposição, que dos autos constasse que o aviso de recepção (“A/R”) daquele registo postal estivesse assinado pelo representante legal do destinatário, com a respectiva identificação e aposição do carimbo da pessoa colectiva em causa, a recorrente.
j) Não se está perante uma situação processual civil, porquanto, como se disse, o que está em causa são as regras impostas legalmente à Direcção dos Serviços de Correios por aquele diploma legal que “estabelece os princípios gerais a observar na prestação de serviços postais ...”.
k) O que não aconteceu seguramente nos presentes autos porquanto, pelos factos supra enunciados, o legal representante da sociedade recorrente só teve conhecimento da carta registada com aviso de recepção que foi enviada para um local, erradamente indicado como o da sede social da pessoa colectiva, no dia 27/03/2017, o primeiro dia útil após a data em que a entidade recorrida afirma que o registo correio foi “bem sucedido” (24/03/2017).
1) Tenhamos finalmente presente que os administradores das sociedades (os seus legais representantes) obrigam-na, “apondo a sua assinatura, com a indicação dessa qualidade”.
O que também não foi seguramente o caso.
Pelo menos, não consta dos autos ...
Tennos em que,
Como peticionado, deverá ser concedido provimento ao presente recurso.
Assim se fazendo JUSTIÇA!»
*
A entidade recorrida, por seu turno, respondeu ao recurso nos seguintes termos conclusivos:
«1. O objecto do presente recurso é a decisão do Tribunal a quo, de 24 de Julho de 2017, exarada a fls. 58 e seguintes dos autos, que, julgando procedente a excepção de caducidade invocada pela Recorrida, negou provimento ao recurso contencioso interposto pela Recorrente.
2. A decisão ora recorrida do Tribunal a quo, cujos fundamentos colhem a aceitação e o aplauso da entidade Recorrida, não merece qualquer reparo.
3. A notificação foi entregue, pelos serviços postais, no dia 24/03/2017, Sexta-feira.
4. Os dias 25/3/2017 e 26/03/2017 foram, respectivamente, Sábado e Domingo.
5. O dia 27/03/2017 foi a Segunda-feira imediata.
6. Não foi demonstrado facto que impedisse a Recorrente de atempadamente contactar e contratar mandatário judicial para impugnar a decisão notificada, nem foi provado justo impedimento de modo a que não tivesse sido possível impugnar contenciosamente a decisão até ao termo do prazo legal de 30 dias, estipulado na alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º do CPAC.
7. A notificação foi enviada para o endereço indicado pela Recorrente, constante do Boletim de Candidatura ao apoio financeiro ao abrigo do Plano de Apoio Financeiro à Aquisição de Produtos e Equipamentos para a Protecção Ambiental e a Conservação Energética submetido em 9/11/2012.
8. O mesmo endereço foi sempre utilizado nas comunicações entre o Fundo para Protecção Ambiental e a Conservação Energética - ou os serviços que o apoiam administrativamente - e a sociedade Recorrente.
9. O Ocean Plaza, n.os 522-526 da Avenida dos Jardins do Oceano, na Taipa (澳門氹仔海洋花園大馬路522-526號海洋廣場), é sobejamente conhecido, nomeadamente do pessoal da Direcção dos Serviços de Correios e Telecomunicações que presta o serviço diário de entrega de correspondência postal, estando a Estação Postal do Jardins do Oceano (澳門花園郵政分局), localizada na Rua do Jardim, n.º 102 Jardins do Oceano, “Azalea Court”, na Taipa (澳門花園街102號海洋花園(紫鵑苑)) localizada muito perto das instalações da sede da sociedade Recorrente. Basta até uma consulta à aplicação “Google Maps”!
10. A Portaria n.º 441/99/M, de 29 de Novembro, que em cumprimento do disposto no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 88/99/M, da mesma data, aprovou o Regulamento do Serviço Público de Correspondências Postais, veio consagrar as condições gerais de aceitação, expedição, distribuição e entrega de correspondências, incluindo a prestação de serviços especiais.
11. E o n.º 1 do artigo 18.º da referida Portaria estabelece que
“1. A correspondência registada é entregue ao destinatário ou ao seu legítimo representante ou, na ausência deste, não trazendo a indicação de mão própria, 'a um adulto devidamente identificado que com ele habite ou trabalhe ou que seja conhecido do trabalhador do Operador Público de Correio como estando autorizado a recebê-la.
2. A entrega é comprovada por recibo assinado por qualquer das pessoas indicadas no número anterior, devendo ainda ser aposto sobre a assinatura o respectivo carimbo ou selo branco se o destinatário for uma pessoa colectiva.
3. …
4. ...”.
12. A entrega da notificação foi bem sucedida no dia 24/03/2017, pelo que a sociedade Recorrente tem de considerar-se notificada nesta data, até porque no aviso de recepção consta o carimbo da própria pessoa colectiva, a Recorrente.
13. O que significa que a carta registada com aviso de recepção terá sido recebida por “um adulto devidamente identificado que com ele ... trabalhe ou que seja conhecido do trabalhador do Operador Público de Correio como estando autorizado a recebê-la” - nos termos do disposto no n.º 1 da Portaria n.º 441/99/M, de 29 de Novembro, aprovada por força do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 88/99/M, da mesma data.
14. Na verdade, só não teria sido entregue no endereço indicado pela Recorrente no Boletim de Candidatura, se não tivesse sido possível a entrega no endereço indicado pelo remetente (Recorrida) ou se tivesse ocorrido a recusa de recepção, casos em que a entrega da correspondência registada deveria ter tido lugar em estabelecimento postal, de acordo com o n.º 1 da citada Portaria.
15. O que não aconteceu.
16. Não tendo sido recusada a recepção - pois nada foi mencionado no próprio objecto postal ou em auto de declarações, assinado pelo trabalhador do Operador Público de Correio - só pode concluir-se que foi possível a entrega da correspondência registada no endereço indicado pelo remetente (entidade Recorrida), endereço que corresponde ao indicado pela destinatária (sociedade Recorrente) no processo de candidatura ao Fundo para a Protecção Ambiental e a Conservação Energética - FP1001573.
17. E assim sendo, tendo a petição de recurso contencioso de anulação apenas dado entrada na Secretaria do Tribunal a quo em 26/04/2017, tem o recurso que ser considerado como apresentado para além do prazo de 30 dias, previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º do CPAC e, por isso, intempestivo tendo, em consequência, caducado o direito ao recurso o que conduziu à absolvição da entidade Recorrida da instância.
18. A decisão do Tribunal a quo não merece reparo, devendo manter-se na íntegra.
Termos em que,
Deve negar-se provimento ao presente recurso jurisdicional,
Assim se fazendo JUSTIÇA».
*
O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
“Inconformada com a decisão de 24 de Julho de 2017, da Mm.ª Juiz do Tribunal Administrativo, exarada a fls. 58 e seguintes dos autos, que julgou extemporâneo o recurso contencioso por si interposto do acto de 8 de Março de 2017, da autoria do Conselho Administrativo do Fundo para a Protecção Ambiental e a Conservação Energética, vem a “Sociedade do Grupo X Limitada” recorrer jurisdicionalmente daquela decisão, para o que alinha os fundamentos condensados nas conclusões da sua alegação de fls. 76 e seguintes.
Está em causa saber se a notificação daquele acto administrativo, dirigida à recorrente por carta registada com aviso de recepção, se deve ter por efectuada em 24 ou em 27 de Março de 2017.
A Mm.ª Juiz considerou, tal como a entidade recorrida e o Ministério Público, que a notificação se operou em 24 de Março, data em que a carta foi entregue nos serviços da recorrente. Esta pretende que a notificação se operou apenas em 27 de Março, com a alegação de que só nesta data chegou ao conhecimento do legal representante da sociedade.
Na defesa do seu ponto de vista, a recorrente aduz que a notificação não foi dirigida para a sua sede e esgrime algumas regras atinentes à disciplina da distribuição postal.
Não creio que assista razão à recorrente.
No seu relacionamento com a Administração, nomeadamente no âmbito do processo de candidatura ao apoio financeiro aludido nos autos, sempre a recorrente identificou como seu domicílio aquele para onde lhe foi enviada a notificação, quer esta que aqui está em causa, quer outras anteriores. Ora, não estipulando o Código do Procedimento Administrativo o local onde devem ser efectuadas as notificações, parece que nada impede, antes tudo aconselha, que, sendo feitas por correio (carta/ofício - artigo 72.º do Código do Procedimento Administrativo), sejam enviadas para a morada que a própria parte interessada indicou e elegeu como sua, para efeitos de relacionamento com a Administração. Foi o que sucedeu, estando demonstrado que a carta foi recebida, em 24 de Março de 2017, na morada que a própria recorrente fornecera à Administração - cf. aviso de recepção e informações colhidas junto dos correios - o que os recorrentes, aliás, não põem em causa.
Posto isto, argumenta a recorrente que o seu legal representante apenas recebeu a notificação em 27 de Março. Para além de se tratar de mera alegação não comprovada, tem-se por irrelevante, para efeitos de caducidade do direito de acção, a data em que os elementos da direcção ou administração das sociedades tomam conhecimento efectivo das notificações que são dirigidas à pessoa colectiva. De contrário, ficaria nas mãos dos representantes das sociedades a fixação da data a relevar para a notificação, pois, como quem quer sabe, não são evidentemente os membros da direcção ou dos conselhos de administração das sociedades quem recebe a correspondência postal. Aliás, também em matéria de notificações às partes em processo civil, a regra é a de que as sociedades são notificadas na pessoa de qualquer seu empregado que se encontre no local onde deva ser efectuada a notificação - artigo 176.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. Como vimos, a notificação foi dirigida para o local social fornecido pela própria recorrente, sendo que o aviso de recepção até se encontra firmado com carimbo da própria recorrente. Ainda que porventura o distribuidor postal houvesse preterido alguma formalidade própria do seu trabalho de distribuição postal - o que não está demonstrado - nenhuma anomalia daí resultaria para a notificação e sua validade.
Impõe-se a conclusão de que a questionada notificação ocorreu em 24 de Março, tal como bem ponderou a decisão recorrida.
Improcedem, pois, as críticas dirigidas à decisão recorrida, a qual não merece reparo, pelo que deve negar-se provimento ao presente recurso jurisdicional.”
*
Cumpre decidir.
***
II – Os Factos
O despacho impugnado deu por assente a seguinte factualidade:
- Em 9 de Novembro de 2012, a recorrente apresentou ao Fundo para a Protecção Ambiental e a Conservação Energética o boletim de candidatura do plano de apoio financeiro à aquisição de produtos e equipamentos para a protecção ambiental e a conservação energética (boletim para empresas comerciais) e os respectivos documentos, o número do boletim de candidatura é FP1001573 (cfr. fls. 3 a 27 e seu verso do Volume 1 do P.A., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
- Em 16 de Novembro de 2012, a recorrente apresentou os documentos complementares ao Fundo para a Protecção Ambiental e a Conservação Energética (cfr. fls. 32 a 46 do Volume 1 do P.A., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
- Em 23 de Novembro de 2012, a Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental notificou a recorrente por correio electrónico para apresentar os elementos complementares, de forma a proceder à profunda análise (cfr. fls. 29 a 30 e seu verso do Volume 1 do P.A., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
- Em 6 de Dezembro de 2012, a recorrente apresentou os elementos complementares ao Fundo para a Protecção Ambiental e a Conservação Energética (cfr. fls. 47 a 79 do Volume 1 do P.A., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
- Em 1 de Fevereiro de 2013, a entidade recorrida proferiu a deliberação que autorizou o conteúdo constante da Proposta n. º 029/CA/FPACE/2013, deliberando deferir o pedido de apoio financeiro formulado pela recorrente (boletim de candidatura n.º FP1001573) (cfr. fls. 80 a 83 do Volume 1 do P.A., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
- Em 14 de Fevereiro de 2013, o Fundo para a Protecção Ambiental e a Conservação Energética notificou a recorrente da aludida deliberação através do ofício n.º 96/100/ADM/FPACE/2013. Em 18 de Fevereiro do mesmo ano, a recorrente recebeu o aludido oficio (cfr. fls. 84 e seu verso do P.A., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
- Em 19 de Fevereiro de 2013, a recorrente entregou ao Fundo para a Protecção Ambiental e a Conservação Energética a declaração de ter adquirido ou substituído os respectivos produtos ou equipamentos, e os respectivos documentos (cfr. fls. 85 a 92 do Volume 1 do P.A., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
- Em 14 de Março de 2016, o pessoal da Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental realizou uma inspecção à recorrente, no sentido de confirmar se o montante concedido foi usado para os fins constantes do despacho de concessão, e tirou fotografias ao local (cfr. fls. 93 a 97 do Volume 1 do P.A., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
- Em 4 de Julho de 2016, a entidade recorrida proferiu a deliberação que autorizou o conteúdo constante da Proposta n.º 1139/FPACE/2016, referindo que como não foram instalados ou verificados alguns produtos e equipamentos apoiados no local constante do despacho de concessão, isto quer dizer que o montante parcial do apoio financeiro concedido não foi uso para os fins constantes do despacho de concessão, o que, nos termos do artigo 17.º n.º 1 alínea 2) do Regulamento Administrativo n.º 22/2011 (Plano de Apoio Financeiro à Aquisição de Produtos e Equipamentos para a Protecção Ambiental e a Conservação Energética), poderia conduzir ao cancelamento da concessão de apoio financeiro referente aos aludidos equipamentos ainda não instalados ou não verificados, pelo que, deliberou que a recorrente devia apresentar esclarecimento escrito e eventuais documentos comprovativos no prazo de 15 dias contados a partir da data da recepção da respectiva notificação (cfr. fls. 98 a 105 e seu verso do Volume 1 do P.A., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
- Em 11 de Julho de 2016, o Fundo para a Protecção Ambiental e a Conservação Energética notificou a recorrente da aludida deliberação através do ofício n.º 1483/1403/ADM/FPACE/2016 (fls. 106 a 107 do Volume 1 do P.A., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
- Em 20 de Julho de 2016, a recorrente apresentou, mediante o seu representante, o esclarecimento escrito ao presidente do Conselho Administrativo do Fundo para a Protecção Ambiental e a Conservação Energética, juntando os respectivos documentos (cfr. fls. 108 a 112 do Volume 1 do P.A., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
- Em 9 de Novembro de 2016, o pessoal da Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental realizou uma inspecção à recorrente, no sentido de confirmar se os equipamentos apoiados já adquiridos mas ainda não instalados que foram verificados pelo pessoal destes Serviços na l.ª inspecção foram usados pela recorrente para os fins constantes do despacho de concessão, e tirou fotografias ao local (cfr. fls. 113 a 114 do Volume 1 do P.A., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
- Em 8 de Março de 2017, a entidade recorrida proferiu deliberação que autorizou o conteúdo constante do Proposta n.º 634/FPACE/2017, referindo que na inspecção realizada à recorrente em 14 de Março de 2016, o pessoal da Direcção dos Serviços de Protecção Ambiental verificou que a situação no local foi diferente da constante da declaração de ter adquirido ou substituído dos respectivos produtos e equipamentos apresentada pela recorrente em 19 de Fevereiro de 2013, o que já constitui a situação do cancelamento do apoio financeiro, e tendo em conta os fundamentos constantes da referida Proposta, o esclarecimento feito pela recorrente não é razoável, pelo que, deliberou não admitir o esclarecimento escrito da recorrente, cancelando parcialmente a concessão do apoio financeiro nos termos do artigo 17.º n.º 1 alínea 2) do Regulamento Administrativo n.º 22/2011 (Plano de Apoio Financeiro à Aquisição de Produtos e Equipamentos para a Protecção Ambiental e a Conservação Energética), exigindo à recorrente a restituição do montante do apoio financeiro já concedido no prazo de 3 O dias contados a partir da data da recepção da notificação (cfr. fls. 115 a 122 do Volume 1 do P.A., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
- Em 23 de Março de 2017, o Fundo para a Protecção Ambiental e a Conservação Energética notificou a recorrente da aludida deliberação através do ofício n.º 805/738/ADM/FPACE/2017, referindo que a recorrente podia apresentar no prazo fixado a reclamação à entidade recorrida e/ou interpor recurso contencioso para o Tribunal Administrativo (cfr. fls. 125 a 127 do Volume 1 do P.A., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
- Em 24 de Março de 2017, a recorrente levantou o aludido oficio (cfr. fls. 50 a 51 dos autos e fls. 127 do P.A.).
- Em 26 de Abril de 2017, a recorrente interpôs para este Tribunal o presente recurso contencioso da deliberação proferida pela entidade recorrida em 8 de Março de 2017.
***
III – O Direito
O que está em discussão no recurso é unicamente saber se a decisão em crise andou bem, ou mal, em julgar extemporânea a apresentação da petição do recurso contencioso.
O despacho recorrido considerou que a notificação do acto teve lugar no dia 24/03/2017 e que a petição do recurso só deu entrada no dia 26 de Abril de 2017, o que ultrapassaria o prazo de 30 dias referido no art. 25º, nº2, al. a), do CPAC.
-
A recorrente, porém, discorda de tal entendimento.
Acha, em primeiro lugar, que o envio da carta não foi feito para o local da sede da sociedade recorrente.
Ora bem. Seguro é que a carta enviada pela entidade recorrida – em que notificava a recorrente do acto administrativo, e lhe ordenava a reposição do subsídio concedido para aquisição de equipamento de iluminação e purificação do ar – foi expedida em 23/03/2017, contendo o ofício nº 805/738/ADM/FPACE/2017.
É um facto também que a entrega da carta foi “bem sucedida” e ocorreu no dia 24/03/2017 (fls. 127 do p.a. e 50-51 dos autos).
Certo, ainda, ter sido expedida para o endereço fornecido pela recorrente constante do boletim de candidatura por si apresentado ao Fundo, aquando do pedido de apoio financeiro (cfr. fls. 125 do p.a.).
Várias outras cartas haviam sido anteriormente expedidas para o mesmo endereço, conforme fls. 80, 82, 102 e 103 do processo administrativo, nomeadamente a de notificação para a recorrente se pronunciar em audiência de interessados sobre a possibilidade de lhe cancelar o apoio (fls. 106, do p.a.).
Sendo assim, este argumento não colhe.
-
Em segundo lugar, acha a recorrente que os documentos dos autos não demonstram que a recepção da carta teve lugar por quem legalmente representa a recorrente.
Mas não tem razão, quanto a nós.
E devemos adiantar, desde já, que o problema equacionado é, precisamente, de natureza probatória. Quer dizer, a única coisa que há a equacionar, em vez de se apurar se os serviços postais observaram bem as regras de entrega do objecto postal registado, é saber se o objecto chegou ao seu destino, quando e se foi conhecido pelo destinatário. Não é suficiente dizer que, eventualmente, os Serviços de Correios não observaram devidamente as regras do registo. Quer dizer, o que importa é que, sendo receptícia a comunicação do acto, ela se tenha efectivamente verificado, triunfando desse jeito a realidade material e os valores maiores da comunicação dos actos, independentemente de alguma irregularidade formal ocorrida de permeio. Portanto, o problema é, unicamente, de prova; não nos podemos desviar deste pensamento!
E quanto a isso, podemos assegurar o seguinte:
Embora se não conheça a identidade da pessoa que levantou a carta, certo é que foi alguém ligado à recorrente, visto que o Aviso de Recepção contém, no espaço próprio, o próprio carimbo da empresa, ainda que sem assinatura. Quem quer que fosse, estava em princípio legitimado a apor o carimbo da pessoa colectiva, responsabilizando-a.
Então, se a recorrente tinha possibilidade de provar que a pessoa que recebeu a carta não tinha poderes para o fazer, devê-lo-ia ter feito claramente nos autos, porque era seu o ónus da prova (Ac. do TSI, de 7/03/2013, Proc. nº 808/2012). Não o fez, porém. Assim, ela mesma terá que resolver essa questão no quadro das relações internas da empresa, e qualquer dano que dessa questão advenha somente sibi imputet.
O que podemos, portanto, afirmar é que o objecto postal chegou à empresa destinatária no dia 24 de Março, escapando ao controlo do tribunal saber se o efectivo conhecimento por parte de algum representante legal dela apenas teve conhecimento do seu conteúdo no dia 27.
A partir do momento em que o objecto postal entra nas suas instalações no dia 24 (e a recorrente não nega sequer este facto), fica por conta do destinatário abri-la no dia da recepção ou três, cinco ou 7 dias mais tarde, independentemente da causa, seja porque o representante está ausente ou doente, seja por se mostrar resistente em abrir o envelope. É que, nesta matéria de interposição de recursos contenciosos, como se sabe, não funciona a regra do justo impedimento, visto que esta arma apenas pode ser brandida em prazos processuais, e não em prazos de natureza substantiva, como é o caso (neste sentido, Ac. do TSI, de 17/05/2001, Proc. nº 26/2001)1.
Por isso, se o prazo de interposição de recursos é de natureza substantiva, igualmente fica afastada a possibilidade de apresentação da petição dentro dos três dias a que se refere o art. 95º, nº5, do CPC2.
E como o prazo de 30 dias previsto no art. 25º, nº2, al. a), do CPAC se conta nos termos do art. 74º do CPA (“ex vi” cit., art. 25º, nº3), tal equivale a concluir que o início da contagem era o dia 25/03/2017, e o seu termo ocorreria no dia 23/04/2017, mas que, por ser Domingo, transitava para o 1ºdia útil, ou seja 24 de Abril.
Dito isto, somos levados a concordar com a posição do despacho recorrido em declarar a caducidade do direito ao recurso, nos termos do art. 46º, nº2, al. h), do CPAC.
***
IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, conformando o despacho recorrido.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça em 6 UCs.
T.S.I., 21 de Junho de 2018
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fui presente
Joaquim Teixeira de Sousa
1 Na jurisprudência de direito comparado, v.g., Ac.. do STA/Pleno de 29/10/1997, Proc. nº 030741. Neste sentido, também, José Cândido de Pinho em Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso, CFJJ, 2015, 2ª ed., pág. 86.
2 Neste sentido, José Cândido de Pinho, in Manual cit., pág. 85; no mesmo sentido, Viriato Lima e Álvaro Dantas, Código de Processo Administrativo Contencioso, pág. 79.
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------
1101/2017 19