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Processo n.º 812/2015 Data do acórdão: 2018-6-21 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– contravenção laboral
– relação de trabalho a tempo parcial
– Lei n.o 7/2008

S U M Á R I O

Embora o tribunal recorrido tenha aplicado a Lei n.o 7/2008 ao caso dos autos para condenar o recorrente na contravenção laboral por que vinha acusado, a matéria de facto descrita como provada na sentença recorrida não basta para sustentar cabalmente a figura de contrato de trabalho em tempo inteiro, mas sim aponta a existência de uma relação de trabalho a tempo parcial, à qual não é aplicável o regime sancionatório contravencial previsto nessa Lei (cfr. o art.o 3.o, alínea 3), dessa Lei, que reza que o trabalho a tempo parcial é regulado por legislação especial), pelo que é de absolver o recorrente da imputada contravenção laboral.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 812/2015
(Autos de recurso penal)
Recorrente: Instituto A







ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 300 a 307 do Processo de Contravenção Laboral n.° LB1-15-0023-LCT do Tribunal Judicial de Base, o Instituto A (doravante abreviado como A) ficou condenado pela prática de uma contravenção (por negação parcial do direito da trabalhadora à remuneração de base) p. e p. pelos art.os 62.o, n.o 3, e 85.o, n.o 1, alínea 6), da Lei n.o 7/2008, de 18 de Agosto, na multa de vinte e oito mil patacas, e no pagamento de trinta mil patacas de indemnização civil, arbitrada oficiosamente, a favor da ofendida queixosa B, com juros legais a contar da data dessa sentença até integral e efectivo pagamento.
Inconformado, veio o A recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI) para pedir a renovação da prova e a sua absolvição contravencional a final, suscitando, para o efeito, na sua motivação apresentada a fls. 321 a 366 dos presentes autos correspondentes (com conclusões da motivação apresentadas em segunda via a fls. 383 a 394), as seguintes questões como objecto do recurso:
– insuficiência para a decisão da matéria de facto provada como vício aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea a), do Código de Processo Penal (CPP) (por os factos apurados pelo Tribunal recorrido não serem suficientes para integrar o comportamento do recorrente como autor material da contravenção laboral em causa, porque: sem se lograr apurar se a relação laboral entre o recorrente e a ofendida era a tempo integral ou a tempo parcial, de forma continuada sem interrupção e em regime de exclusividade, não se poderia condenar o recorrente, sendo certo que as folhas de pagamento emitidas pelo recorrente à ofendida são prova de que nunca existiu contrato a tempo integral com a ofendida e de que o contrato iniciado em 3 de Setembro de 2012 foi interrompido entre 25 de Janeiro de 2013 e 18 de Fevereiro de 2013, com celebração de novo contrato depois daquela data que terminou em 28 de Junho de 2013, com a agravante de que o Tribunal nem apurou em sede de prova essa interrupção do contrato nem sobre a causa dessa interrupção nem sobre a existência de dois contratos; por outro lado, o Tribunal recorrido deixou de conhecer, em sede de prova, o horário de trabalho dos professores do A, e deixou, portanto, de conhecer factos fundamentais para qualificar juridicamente o contrato celebrado entre a ofendida e o recorrente);
– erro notório na apreciação da prova com violação do princípio de in dubio pro reo;
– e deficiente interpretação da matéria de facto provada (sendo certo que por decorrência do art.o 3.o, n.o 3, alínea c), da Lei n.o 7/2008, a contravenção laboral por que vinha condenado o recorrente na sentença recorrida só poderia respeitar a contrato de trabalho em tempo inteiro, e não a tempo parcial).
Ao recurso, respondeu a Digna Delegada do Procurador a fls. 368 a 369v, no sentido de improcedência da argumentação do recorrente.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista, parecer de fls. 377 a 378v, pugnando pelo não provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. A sentença ora recorrida encontrou-se proferida a fls. 300 a 307 dos autos, cujo teor integral se dá por aqui inteiramente reproduzido.
2. Segundo a matéria fáctica descrita como provada na sentença recorrida, na parte com pertinência à aferição da natureza do contrato de trabalho em causa como sendo em tempo inteiro ou a tempo parcial:
– a trabalhadora queixosa, titular do bilhete de residente de Macau, foi admitida no dia 1 de Setembro de 2012 para desempenhar o cargo de professora da língua portuguesa, sendo o seu último dia de trabalho 28 de Junho de 2013;
– a trabalhadora e o recorrente não celebraram nenhum contrato escrito;
– a trabalhadora auferiu inicialmente o salário de trezentas e cinquenta patacas por hora;
– a partir de Fevereiro de 2013, a parte patronal, devido ao elevado número de cursos, fez a alteração conforme o despacho n.o 2/2013 proferido em 15 de Fevereiro de 2013, no sentido de atribuir diferente remuneração para diferentes cursos;
– assim, o salário da trabalhadora passou a ser calculado consoante a quantidade de cursos leccionados em cada semestre;
– a trabalhadora leccionou, no total, cinco cursos no período compreendido entre Fevereiro e Junho de 2013, perfazendo um total de 375 horas lectivas, tendo recebido apenas a remuneração total de MOP101.250,00, sendo assim o seu salário por hora de MOP270,00 (MOP101.250,00/375 horas);
– o recorrente e a trabalhadora não celebraram qualquer acordo escrito sobre a redução da remuneração de base nem o recorrente comunicou à DSAL para que essa redução de salário produzisse efeito;
– a remuneração da trabalhadora foi paga mensalmente;
– a trabalhadora deu aulas no A, excepto o curso de preparação de exames do CAPLE durante o período de 10 de Setembro de 2012 a 21 de Novembro de 2012.
3. Por outra banda, descreveu-se especificadamente como não provado o seguinte na sentença recorrida:
 – o recorrente celebrou com a ofendida o contrato de prestação de serviços que iniciou em 18 de Fevereiro de 2013 e terminou em 28 de Junho de 2013;
 – a ofendida, quando terminou o 1.o contrato de prestação de serviços, ausentou-se para Portugal, pois a sua prestação de serviços estava concluída e não tinha aceite uma proposta de contrato de trabalho a prazo certo proposto pela Coordenadora do Gabinete de Gestão do A;
 – os contratos de trabalho dos professores do quadro permanente do recorrente obrigam um horário de 36 horas semanais, 24 horas lectivas e 12 horas não lectivas, são contratos escritos, na generalidade sem termo.
4. Na fundamentação da sentença ora recorrida, depois de ter sido feita a descrição de quais os factos concretamente considerados provados e de quais os factos especificados como não provados, escreveu-se, ainda, que “Fora disso, não se provam os restantes factos, constantes da acusação e da contestação, quer pelo fundamento de falta da prova, quer por ser factos conclusivos”.
5. Consta do despacho n.o 5/2003 do Senhor Presidente do A, exarado em Macau em 15 de Setembro de 2003 (a que alude a fl. 195), o seguinte: <>.
6. Consta da informação/proposta n.o 58 – 2012, de 11 de Outubro de 2012 (a que aludem as fls. 40 a 41), submetida pela Senhora Coordenadora do CLP (Centro de Língua Portuguesa) à consideração do A, o seguinte:
– <<1- Considerando a necessidade de contratar professores em acumulação para leccionarem as turmas que não podem ser asseguradas pelos professores do A, no 1o semestre de 2012/2013;
 2- Considerando que os professores colaboradores abaixo discriminados têm vindo a assegurar a docência das referidas turmas;
 3- Considerando que as horas dadas por esses docentes no mês de setembro foram as seguintes:
[…]
B – 54h
[…]
 4- Assim, o montante a pagar a cada docente é:
[…]
B – MOP 18 900,00
[…]>> (com omissão, aqui feita sob a forma de “[…]”, de algum teor dessa informação/proposta).
7. Consta do despacho n.o 02/2013, de 15 de Fevereiro de 2013, do Senhor Director do A (a que alude a fl. 46 a 46v) o seguinte conteúdo:
– <<[…]
Assunto: Prestação de serviços de pessoal docente
O atual quadro docente do A é composto por 8 docentes, com os quais foi formalizado um contrato de trabalho anual, renovável por períodos idênticos. Este quadro destina-se a assegurar a lecionação dos cursos gerais do A, bem como aqueles em que o A intervém como entidade formadora junto de outras instituições que promovem cursos de PLE.
No início de cada período semestral de formação, procede o A ao levantamento das necessidades que se colocam para cumprimento dessas tarefas, tendo-se constatado que:
i) Foram constituídas 46 turmas no Curso Geral de Português […];
ii) Foi solicitada pelos SAFP e pelo GAES a realização de 5 cursos para fins específicos;
iii) Foram constituídas 3 turmas do Curso de PLE para crianças e jovens;
iv) Mantem-se a colaboração com o IFT […] na lecionação de PLE aos diversos cursos daquele instituto.
Neste contexto, tendo sido identificadas pela coordenação do Centro de Língua Portuguesa as situações para as quais não há capacidade de resposta a serviços solicitados ao A ou decorrentes da sua oferta formativa, determina-se que a mesma seja efetuada semestralmente através da aquisição externa, junto de profissionais devidamente habilitados ao cumprimento dessas tarefas pontuais e delimitadas no tempo.
Mais se determina que o pagamento semestral dos serviços assim adquiridos seja efetuado mediante tabela a ser anexada ao presente despacho. Esta tomará como referência o serviço adquirido pelo valor da sua totalidade, o qual poderá ser objeto de repartição mensal, caso seja essa a preferência do prestador.
Estas disposições serão aplicadas a todas as prestações de serviços que tiverem início em data posterior à entrada em vigor deste despacho.
[…]>> (com omissão, aqui feita sob a forma de “[…]”, de algum teor desse despacho).

8. Consta da carta dirigida em 30 de Outubro de 2013 pela ora queixosa ao Senhor Presidente do Fundo de Segurança Social (a que alude a fl. 194) o seguinte conteúdo:
– <<[…]
Assunto: Queixa relativa à falta de pagamento de contribuições por parte patronal
[…]
Na nossa modesta opinião o Instituto A (A) celebrou connosco um contrato de prestação de serviços verbal, embora tenha manifestado a intenção de reduzir a escrito esse contrato, tanto assim que fui professora no A durante um ano com 22 horas e meias letivas por semana e quando pretendi que me diminuíssem o horário, por questões de ordem pessoal, foi-me dito por e-mail, que junto, pelo Senhor Diretor do A, que eu tinha um contrato com o A e, por isso, não me poderia dispensar das aulas que solicitei dispensa. Acresce dizer que solicitei variadas vezes oralmente e por escrito que me fossem emitidos os meus títulos de pagamento como professor, o que me foi sistematicamente negado e, também não me responderam por escrito às cartas, que junto em anexo.
Concretamente no que se refere ao pagamento de contribuições da entidade patronal o A […] tem um procedimento nesta matéria desigual de, por exemplo, a Universidade de Ciência e Tecnologia de Macau (MUST) que embora não tendo celebrado comigo um contrato de trabalho por escrito pagou as contribuições por parte patronal durante o período em que lecionei naquela universidade.
O A tem assim um comportamento bem diferente face às demais instituições públicas e privadas de Macau. A direção do A não paga à Direção dos Serviços de Finanças o imposto profissional dos seus docentes a tempo parcial, e também não quer emitir recibos de pagamento aos professores a tempo parcial, colocando assim em dificuldade os trabalhadores pois estes não possuem comprovativos do que ganharam ao longo do ano para apresentarem à Direcção dos Serviços de Finanças.
[…]>> (com omissão, aqui feita sob a forma de “[…]”, de algum teor dessa carta).
9. O recorrente esclareceu a este TSI a fl. 382 que “interpôs recurso da decisão contravencional, estando ciente do valor da indemnização cível arbitrada ser inferior ao valor da alçada desse Venerando Tribunal”.
10. O A é um pessoa colectiva de utilidade pública administrativa (cfr. o certificado emitido pela Direcção dos Serviços de Identificação, junto a fl. 171).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
O recorrente começou por invocar que a decisão condenatória contravencional por ele recorrida padece da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada como vício aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea a), do CPP.
Entretanto, da leitura da fundamentação dessa decisão recorrida, resulta nítido que o Tribunal recorrido, depois de descrever no texto dessa decisão quais os factos provados e especificar quais os factos considerados não provados, afirmou que “Fora disso, não se provam os restantes factos, constantes da acusação e da contestação, quer pelo fundamento de falta da prova, quer por ser factos conclusivos”, pelo que não pode ter havido alguma lacuna na investigação da matéria de facto probanda, razão por que improcede a alegada existência daquele vício previsto na alínea a) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP.
Por outro lado, suscitou também o recorrente a questão de erro, por parte do Tribunal recorrido, na apreciação da prova.
Contudo, após vistos em global e de modo crítico todos os elementos probatórios referidos na fundamentação probatória da sentença recorrida, não se vislumbra, para o presente Tribunal de recurso, que seja patente que o Tribunal sentenciador ora recorrido, aquando da formação da sua convicção sobre os factos, tenha violado alguma norma jurídica sobre o valor legal da prova, ou violado alguma regra da experiência da vida quotidiana em normalidade de situações, ou violado quaisquer leges artis a observar no julgamento de factos, pelo que não pode haver erro notório na apreciação da prova como vício referido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP, e é, assim, de respeitar o resultado do julgamento de factos em primeira instância, já empreendido pelo Tribunal recorrido nos termos permitidos pelo art.o 114.o do CPP. Aliás, o Tribunal recorrido já explicou congruentemente, na parte da fundamentação probatória da sentença (a fls. 301v a 303v), o processo de formação da sua livre convicção sobre os factos.
Por fim, da questão da alegada deficiente interpretação da matéria de facto provada com relevância para a qualificação do contrato de trabalho em causa como uma relação de trabalho a tempo parcial:
Embora o Tribunal recorrido tenha aplicado a Lei n.o 7/2008 ao caso dos autos para condenar o recorrente na contravenção laboral por que vinha acusado, a matéria de facto descrita como provada na sentença recorrida não basta para sustentar cabalmente a figura de contrato de trabalho em tempo inteiro, mas sim aponta a existência de uma relação de trabalho a tempo parcial, à qual não é aplicável o regime sancionatório contravencial previsto nessa Lei (cfr. o art.o 3.o, alínea 3), dessa Lei, que reza que o trabalho a tempo parcial é regulado por legislação especial).
Assim sendo, é de absolver o recorrente da imputada contravenção laboral em causa, sendo de notar que a decisão de arbitramento oficioso da indemnização tomada na sentença recorrida não fica afectada pela presente decisão de recurso, pois o recorrente se limitou a recorrer da decisão condenatória contravencional.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar provido o recurso no seu pedido de absolvição contravencional.
Sem custas no recurso (sendo certo que o recorrente fica isento, de qualquer maneira, das custas no âmbito do presente processo – art.o 2.o, n.o 1, alínea e), do Regime das Custas nos Tribunais).
Comunique a presente decisão à queixosa.
Macau, 21 de Junho de 2018.
_______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
_______________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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