打印全文
Processo n.º 405/2018 Data do acórdão: 2018-6-21 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– erro notório na apreciação da prova
– art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal

S U M Á R I O
Como após vistos em global e de modo crítico todos os elementos probatórios referidos na fundamentação probatória da sentença recorrida, não se vislumbra, para o tribunal de recurso, que seja patente que o tribunal sentenciador recorrido, aquando da formação da sua convicção sobre os factos, tenha violado alguma norma jurídica sobre o valor legal da prova, ou violado alguma regra da experiência da vida quotidiana em normalidade de situações, ou violado quaisquer leges artis a observar no julgamento de factos, não pode ter havido, por parte desse tribunal, erro notório na apreciação da prova como vício aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 405/2018
(Autos de recurso penal)
Arguido recorrente:
A






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 143 a 147v do Processo Comum Singular n.° CR2-18-0008-PCS do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, o arguido A ficou condenado como co-autor material de um crime consumado de usura para jogo, p. e p. pelo art.o 13.o, n.o 1, da Lei n.o 8/96/M, de 22 de Julho, com pena aplicável correspondente à do crime de usura do art.o 219.o, n.o 1, do Código Penal, na pena de nove meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, para além de ficar punido com pena de proibição de entrada nos casinos de Macau por dois anos.
Inconformado, veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI) para pedir a sua absolvição, alegando, para o efeito, na sua motivação apresentada a fls. 156 a 165 dos presentes autos correspondentes, que a decisão condenatória padece do vício de erro notório na apreciação da prova previsto no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal (CPP), porquanto, no entender dele:
– as declarações então prestadas pelo jogador testemunha B no Juízo de Instrução Criminal foram achegas e esclarecimentos feitos por essa testemunha às suas declarações anteriormente prestadas à Polícia Judiciária e foram favoráveis ao próprio recorrente (visto que segundo o teor dessas declarações prestadas no Juízo de Instrução Criminal: o recorrente não chegou a negociar com essa testemunha quaisquer condições do empréstimo de dinheiro; os dois montantes sucessivos de capital emprestado para fazer apostas nos jogos foram entregues por um outro indivíduo a essa testemunha; no decurso dos jogos, o recorrente não chegou a cobrar quaisquer juros à testemunha; o recorrente nunca ameaçou a testemunha, nem chegou a pedir à testemunha a devolução do dinheiro emprestado), pelo que essas declarações favoráveis a ele deveriam ter sido consideradas pelo Tribunal recorrido para efeitos de tomada de decisão absolutória penal, daí que a decisão condenatória recorrida violou o princípio de in dubio pro reo, por inexistirem nos autos elementos probatórios suficientes a revelar que o recorrente tenha chegado, em conjunto com outrem, a conceder dinheiro à dita testemunha para jogar em casino, a fim de obter para si e para outrem benefício ilegítimo;
– o depoimento do polícia investigador na audiência de julgamento acerca das informações colhidas do visionamento do videograma gravado pelo estabelecimento de casino em causa teve valor probatório limitado, pois esse polícia não esteve presente no local dos factos, e ao corpo do recorrente não foram apreendidos quaisquer documento de concessão de empréstimo ou fichas de jogo, e como tal o depoimento desse polícia foi indirecto e não pleno, para além de ter esse polícia acrescentado juízo de valor pessoal ao seu depoimento, com violação do n.o 1 do art.o 115.o do CPP;
– o videograma gravado pelo estabelecimento de casino em causa visionado na audiência de julgamento não tinha qualquer som, e os actos, aí vistos, de entrega e recebimento, entre o recorrente e o dito jogador testemunha, de parte de fichas para jogo não dariam para comprovar qual a causa ou finalidade desses actos;
– e os dois telemóveis e algum numerário apreendidos ao recorrente nem dariam para imputar ao recorrente a prática do crime por que vinha condenado na decisão recorrida.
Ao recurso, respondeu a Digna Delegada do Procurador a fls. 167 a 171v, no sentido de provimento do recurso, com consequente absolvição do recorrente.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta, em sede de vista, parecer de fls. 180 a 181, pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que a sentença recorrida se encontrou proferida a fls. 143 a 147v dos autos, cujo teor integral se dá por aqui inteiramente reproduzido.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
O recorrente invocou que houve erro notório, por parte do Tribunal a quo, na apreciação da prova, a fim de pedir a sua absolvição.
Entretanto, após vistos em global e de modo crítico todos os elementos probatórios referidos na fundamentação probatória da sentença recorrida, não se vislumbra, para o presente Tribunal de recurso, que seja patente que o Tribunal sentenciador ora recorrido, aquando da formação da sua convicção sobre os factos, tenha violado alguma norma jurídica sobre o valor legal da prova, ou violado alguma regra da experiência da vida quotidiana em normalidade de situações, ou violado quaisquer leges artis a observar no julgamento de factos, pelo que não pode ter havido erro notório na apreciação da prova aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do CPP, e é assim de respeitar o resultado do julgamento de factos em primeira instância, já empreendido pelo Tribunal recorrido nos termos permitidos pelo art.o 114.o do CPP.
Aliás, o Tribunal recorrido já explicou minuciosa e congruentemente, na parte da fundamentação probatória da sentença (a fls. 145 a 145v), o processo de formação da sua livre convicção sobre os factos.
Dessa fundamentação probatória da sentença, vê-se que não houve violação do art.o 115.o, n.o 1, do CPP, nem violação do princípio de in dubo pro reo.
Mesmo que o videograma em causa não tenha som e ao recorrente não tenham sido apreendidos quaisquer fichas de jogo ou documento alusivo à concessão de empréstimo, isto tudo não constitui obstáculo para o Tribunal recorrido formar a sua livre convicção sobre a comparticipação do recorrente, com outrem, na conduta de usura para jogos.
As declarações do jogador testemunha em causa (registadas no auto de declarações para memória futura lavrado a fls. 42 a 43, do qual constou escrito que essa testemunha confirmou o teor do auto, de fls. 5 a 6, das suas declarações então prestadas à Polícia Judiciária) já foram resumidas, na parte respeitante às declarações prestadas a essa Polícia, nessa fundamentação probatória da sentença, as quais, diversamente do entendido pelo recorrente, não dariam para afastar a priori a comparticipação do recorrente na prática da usura para jogos, isto porque, frisa-se, sendo acusado o recorrente como co-autor na usura para jogo, não é necessário que todos os actos de execução deste crime tenham que ser praticados por ele pessoalmente, de maneira que as achegas ou esclarecimentos feitos pelo jogador testemunha ao Juízo de Instrução Criminal sobre as suas anteriores declarações prestadas à Polícia Judiciária não podem ter deixado de ficar sujeitos também à livre apreciação do Tribunal recorrido em sede de formação da sua livre convicção no sentido de comparticipação do recorrente no plano da prática, com divisão de tarefas, da usura para jogo.
Do exposto, resulta que pretendeu o recorrente fazer impor o seu ponto de vista pessoal sobre as provas, sindicando assim gratuitamente a livre convicção do Tribunal recorrido formada sob aval do princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.o 114.o do CPP.
Naufraga, pois, o recurso, sem mais indagação por desnecessária.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pelo recorrente, com duas UC de taxa de justiça.
Comunique a presente decisão ao Senhor Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública.
Macau, 21 de Junho de 2018.
________________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
________________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
________________________
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



Processo n.º 405/2018 Pág. 8/8