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ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
1. A, directora-adjunta na Autoridade Monetária de Macau, requereu, perante o Tribunal de Segunda Instância, a declaração de ilegalidade de normas, com força obrigatória geral, contidas na deliberação n.º 154/CA, de 11 de Março de 2004, do Conselho de Administração da Autoridade Monetária de Macau (doravante designada por AMCM ou por entidade requerida), ao abrigo do disposto nos arts. 88.º e seguintes do Código de Processo Administrativo Contencioso.
Por acórdão de 28 de Setembro de 2006, o Tribunal de Segunda Instância, (TSI) deu parcial provimento ao pedido, declarando a ilegalidade da mencionada deliberação na parte que considerou que o pagamento das despesas pela AMCM relativas ao consumo de energia eléctrica, água e telefone da habitação dos detentores de cargos de direcção implicava o exercício efectivo de um cargo de direcção ou chefia, pelo que aqueles que tivessem as categorias de directores e directores-adjuntos mas não exercessem efectivamente um cargo de direcção ou chefia não tinham direito ao mencionado pagamento. Negou provimento à impugnação na parte em que se referia a outras regalias, como parque automóvel, uso de cartão de crédito, utilização de gabinete individual de trabalho, utilização de telemóvel com chamadas pagas e atribuição de dois jornais diários.
A AMCM interpôs recurso jurisdicional do decidido, na parte em que lhe foi desfavorável, para o Tribunal de Última Instância (TUI), formulando as seguintes conclusões:
1. Aceita-se o decidido no mesmo Acórdão quanto às regalias respeitantes ao parque automóvel, ao uso de cartão de crédito facultado pela instituição, à inscrição na "International Airline Passengers Association", à utilização de gabinete individual de trabalho, à utilização de telemóvel com chamadas pagas e à atribuição de dois jornais diários). Pois aí se entende, salvo o devido respeito bem, que tais regalias "... não podem ser englobadas na retribuição efectiva dos trabalhadores com categorias de Director e Director Adjunto.". Sendo que se entende também que as restantes regalias em causa também não fazem parte da retribuição efectiva.
2. Nos termos do disposto no n.° 8 do artigo 15.º do Estatuto Específico dos Trabalhadores de Autoridade Monetária de Macau, quando o trabalhador seja exonerado do cargo de direcção e chefia, o mesmo deverá regressar à categoria que ele detinha no autêntico grupo da carreira profissional com as suas funções e nível salarial verificados à data de sua nomeação para o cargo de direcção e chefia, se este for contratado por contrato definitivo (do quadro), tendo-lhe assegurado apenas a percepção de remuneração certa a que ele tenha direito, com perda de todas e quaisquer regalias previstas na alínea a), ou seja, aquelas que são inerentes às funções de direcção e chefia que ele outrora desempenhava.
3. Relativamente à retribuição efectiva prevista no artigo 15.° do referido Estatuto, o n.° 2 do artigo 51.° do referido diploma legal alude que é a seguinte a composição da mencionada retribuição: Remuneração base, prémio de antiguidade, subsídios referidos no artigo 8° do citado Estatuto e as demais quantias de carácter permanente a pagar em cada mês.
4. Entretanto, o n.° 2 desse mesmo artigo define que não fazem parte da retribuição efectiva a remuneração devida à prestação de serviço extraordinário, o subsídio para renda de casa, bolsa de estudo, o subsídio para criação, o subsídio de família, o subsídio abonado em virtude de deslocação ao exterior em missão de serviço e os demais subsídios da natureza congénere ou semelhante, bem como os outros tipos de abono, nomeadamente, os de viagem turística, das deslocações ao exterior, de transporte e de equipamento para habitação.
5. Ora, as despesas de água e de electricidade e as taxas telefónicas em causa no presente recurso devem ser tratadas e consideradas como subvenção para equipamento para habitação acabada de referir, consequentemente, a deliberação em questão não só não contraria as disposições constantes do Estatuto, quando antes, é tida como conclusão de interpretação integrada das normas prescritas nos artigos 8.°, 15.° n.° 8 e 51.° do referido Estatuto.
6. Por outro lado, entendemos ainda que o artigo 8.° do referido EPP estatui que o "Conselho de Administração poderá atribuir complementos salariais, nas condições a divulgar em Ordem de Serviço (...)", pressupondo o direito a tais complementos ou subsídios "o efectivo desempenho das funções a que os mesmos se referem, não sendo suficientes, para a sua atribuição, a mera titularidade do cargo ou da categoria".
7. Ainda nesta matéria, prevê o EPP, no artigo 81.°, que os "trabalhadores da AMCM poderão beneficiar, nos termos dos artigos seguintes e demais normas ou regulamentos complementares, de benefícios e regalias de carácter social" devendo as "condições de atribuição e os montantes dos benefícios (...) ser definidos (...) em Ordem de Serviço".
8. Da leitura e analise de todos estes preceitos, entendemos que, tanto na elaboração do Estatuto, como do Regulamento Interno, quer ainda do Estatuto Privativo do Pessoal da AMCM, o legislador quis propositadamente deixar à discricionariedade do Conselho de Administração da AMCM a definição e concretização das linhas especiais e dos princípios específicos, não só da organização, planeamento e funcionamento desta Entidade, mas também da gestão financeira e do pessoal e, no que a este caso concretamente importa, da atribuição de benefícios sociais e de quaisquer subsídios previstos no EPP, bem como de concessão de complementos salariais.
9. Estando cometidas ao Conselho de Administração - estatutariamente, ao nível do regulamento interno e do estatuto próprio do pessoal -, todas as competências na matéria da deliberação ora posta em crise, sem quaisquer imposições especificas ou limitações, torna-se evidente, salvo o devido respeito que a orientação seguida pelo Conselho de Administração e vertida na mencionada Deliberação, estava apenas e somente sujeita ás politicas de gestão e a critérios de gestão eficiente e rigor necessários ao bom funcionamento da AMCM.
10. Os privilégios, regalias, benefícios ou vantagens em questão, são meras liberalidades, concedidas graciosamente pela AMCM, de acordo com as orientações tutelares ou politicas sociais-laborais definidas pelo Conselho de Administração, não derivando daí qualquer obrigação jurídica para a Recorrida.
11. Ora, como se infere da alínea b) do n.º 8 do art. 15.º do Estatuto Privativo do Pessoal da AMCM, "O afastamento de cargos de direcção e chefia... terá, para os trabalhadores não contratados a prazo, as seguintes consequências : alínea a) "regresso ao grupo, funções, categoria e nível que detinham na data em que foram designados para o cargo ou chefia de que sejam destituídos...", mantendo, contudo, a retribuição mensal efectiva que usufruíam no cargo exercido...". alínea b) "Perda das regalias inerentes ao cargo exercido não ressalvadas na precedente alínea a)". Assim, de facto, acontece com as regalias descritas na deliberação ora impugnada.
12. Tanto assim é que, é o próprio Estatuto Privativo do Pessoal da AMCM que no seu art. 8.º estabelece que "O direito aos subsídios referidos no número anterior...", isto é, subsídios atribuídos no desempenho dos cargos de direcção e chefia, "... pressupõe o efectivo desempenho das funções a que os mesmos se referem, não sendo suficientes, para a sua atribuição, a mera titularidade do cargo ou categoria.".
A interpôs recurso subordinado, na parte em que a decisão recorrida lhe foi desfavorável, formulando as seguintes conclusões:
1.ª - A deliberação impugnada fez cessar as regalias dos funcionários da AMCM que forem afastados dos cargos de director e de director-adjunto, por recurso às normas da alínea b) do n.º 8 do artigo 15.º e do artigo 3.º do EPP;
2.ª - O raciocínio subjacente à deliberação impugnada é o seguinte: as regalias retiradas são regalias inerentes ao cargo de director e de director-adjunto e não integram o conceito de retribuição mensal efectiva cuja manutenção a norma da alínea b) do n.º 8 do artigo 15.º do EPP garante, e se a Recorrente foi destituída do cargo de direcção; logo, a Recorrente deve perder essas regalias;
3.ª - Este raciocínio está viciado, porque pressupõe que a Recorrente possa ser destituída das funções de direcção e regressar ao grupo, funções, categoria e nível que detinha anteriormente à data em que fora nomeada como directora-adjunta;
4.ª - Esta norma não é susceptível de ser aplicada à Recorrente e, consequentemente, não lhe podem ser retirados, com base nela, as referidas regalias;
5.ª - A aplicação dessa norma pressupõe que se esteja perante funcionários providos num categoria de direcção em comissão de serviço e não, como é o caso da Recorrente, de funcionários nomeados, a título definitivo, como directores-adjuntos;
6.ª - A Recorrente, no momento em que foi destituída do cargo de directora-adjunta, era detentora, a título definitivo, da categoria de directora-adiunta;
7.ª - A deliberação n.º 671/CA, de 16 de Outubro de 2003, ao determinar o regresso da Recorrente, que é directora-adjunta, por nomeação definitiva, ao seu Grupo, categoria e nível de origem, ou seja, ao Grupo IV, como directora-adjunta do nível 11, versa numa verdadeira ficção, pois que não se operou nem se podia operar qualquer regresso, tal como da própria deliberação resulta;
8.ª - A norma da alínea b) do n.º 8 do artigo 15.° pressupõe que a categoria a que se regressa nas situações de destituição do exercício de funções de direcção ou chefia nunca seja a categoria de director ou de director-adjunto, pela simples razão de que as únicas funções que estas categorias comportam são sempre funções de direcção ou chefia;
9.ª - A deliberação impugnada ao fazer a aplicação da norma da alínea b) do n.º 8 do artigo 15.° do EPP fora dos pressupostos que comandam a sua aplicação não pode deixar de a violar, assim como viola a norma do artigo 3.°, dado que extravasa os limites do Estatuto;
10.ª - Por um outro prisma, a deliberação impugnada viola frontalmente o EPP, quando explicita o entendimento de que, no exercício dos seus cargos, há directores e directores-adjuntos com funções de direcção e directores e directores-adjuntos sem funções de direcção;
11.ª - Este entendimento é ilegal porque afronta a letra e o espírito dos preceitos do artigo 6.° do EPP;
12.ª - Os lugares correspondentes às categorias de director e de director-adjunto correspondem, sempre, funções de direcção ou chefia;
13.ª - O Conselho de Administração não tem a faculdade de conformar discricionariamente o estatuto dos titulares de categoria adquirido por nomeação definitiva, dado que ao lugar de director ou de director-adjunto tem sempre de corresponder um cargo de direcção ou chefia, o que só não sucederá em situações acidentais, como no caso de ausência legítima ou exercício de outras funções em razão do lugar ocupado, garantindo-se, apesar de tudo, a situação remuneratória e demais regalias de quem exerce essas funções;
14.ª - Não pode deixar de se estranhar o facto de a ora Recorrente ter obtido, a título definitivo, a categoria de directora-adjunta, mas o acto da respectiva nomeação não padece de qualquer vício determinante da sua nulidade;
15.ª - Esse acto apenas poderia ser revogado pelo Conselho de Administração da AMCM ou anulado pelo tribunal, com fundamento na respectiva ilegalidade, dentro do prazo de um ano, o que não sucedeu;
16.ª - Não tendo sido revogado ou anulado no mencionado prazo, o referido acto consolidou-se na ordem jurídica e, como acto constitutivo de direitos que é, tornou-se factor de certeza e segurança para a Recorrente e parâmetro vinculativo para as decisões dos órgãos da AMCM;
17.ª - Por força desse acto, que se tornou inimpugnável, a Recorrente adquiriu, definitivamente, o estatuto de directora-adjunta, o qual não pode ser afectado pelo poder de não renovação da comissão de serviço, pela simples e única razão de que a Recorrente não estava nomeada em comissão de serviço, mas a titulo definitivo;
18.ª - Adquiridas que sejam as regalias correspondentes a cargos de direcção, como são aquelas que a deliberação impugnada enumera, essas regalias têm de ser mantidas por todos aqueles que continuem a ocupar lugares de director ou de director-adjunto, ainda que momentaneamente sem funções de direcção, pois que doutro modo se violariam direitos adquiridos;
19.ª - O Ac. recorrido reconhece expressamente que as regalias que o Tribunal considerou retiradas legitimamente à Recorrente não devem considerar-se inerentes ao exercício efectivo do cargo de direcção ou chefia, mas antes ser relacionadas com a necessidade do serviço, bem como com a dignidade da categoria detida pelo trabalhador;
20.ª - O pressuposto determinante da tomada da deliberação impugnada foi o de que as regalias são apenas atribuídas ao pessoal que efectivamente exerça funções de direcção e enquanto eles exercerem efectivamente essas funções;
21.ª - Não beneficiando os pressupostos da deliberação impugnada de um juízo de conformidade por parte do douto tribunal recorrido, deveria, consequentemente, este tribunal ter declarado a sua ilegalidade com base nesse fundamento;
22.ª - Há ainda o exemplo do caso Dr. B, que também é titular da categoria de director-adjunto, o qual, não se encontrando no exercício de qualquer cargo de direcção ou chefia, continua, no entanto, a beneficiar das regalias que a AMCM retirou à ora Recorrente;
23.ª - Este tratamento desigual que a deliberação recorrida exprime constitui um outra fonte de ilegalidade e que decorre da violação do princípio da igualdade;
24.ª - Não constitui obstáculo ao que se acaba de afirmar o facto de a Recorrente não ter impugnado a deliberação n.º 794/CA, de 5 de Dezembro de 2003, que não renovou a sua nomeação no cargo de directora-adjunta, dado que essa deliberação padece claramente de nulidade, uma vez que a mesma afecta o conteúdo essencial do direito fundamental ao trabalho;
25.ª - O núcleo essencial do direito ao trabalho compreende o direito a exercer efectivamente a actividade correspondente ao seu posto de trabalho;
26.ª - Um acto administrativo ferido de nulidade não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade, podendo tal invalidade ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado e ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo, como por qualquer tribunal;
27.ª - Os tribunais devem abster-se, em face dos actos nulos de que tomem conhecimento em algum processo, de tirar deles quaisquer efeitos jurídicos próprios do respectivo tipo;
28.ª - A deliberação que retirou à Recorrente as referidas regalias, por entender que a sua manutenção dependia do exercício efectivo de funções de direcção, não pode deixar de ser ilegal por lhe afectar directamente o estatuto decorrente da categoria de directora-adjunta;
29.ª - A deliberação impugnada violou direitos adquiridos da Recorrente, concretamente o direito a beneficiar de todas as regalias inerentes ao lugar em que está investida a título definitivo;
30.ª - O Ac. recorrido, ao não considerar ilegal a deliberação recorrida na parte em que a mesma fez cessar relativamente à ora Recorrente as regalias de que esta também usufruía e que se traduziam na utilização de parque privativo da AMCM, uso de cartão de crédito facultado por esta instituição, inscrição na "International Airline Passengers Association", utilização de gabinete individual de trabalho, utilização de telemóvel com chamadas pagas e atribuição de dois jornais diários, e isto por considerar que estas regalias não são englobáveis na retribuição mensal efectiva prevista na alínea b) do n.º 8 do artigo 15.° do EPP, ficou contaminado dos mesmos vícios que supra se imputou à deliberação impugnada;
31.ª - O Ac. recorrido violou, nomeadamente, as normas dos artigos 3.°, 6.°, 15.°, n.º 6 e 8.°, alínea b), o princípio da igualdade, consagrado no n.º 1 do 5.° do Código do Procedimento Administrativo e os direitos adquiridos da Recorrente, nomeadamente o direito a beneficiar de todas as regalias inerentes ao lugar em que a Recorrente está investida a título definitivo.

2. O Relator proferiu o seguinte despacho nos autos:
«Com vista a proferir decisão nos recursos interpostos por ambas as partes, afigura-se-me necessário esclarecer alguns pontos que as peças processuais não dilucidam devidamente.
Assim, solicite ao Conselho de Administração da AMCM que esclareça o seguinte:
De acordo com o n.º 6 do art. 15.º do Estatuto Privativo de Pessoal da AMCM, doravante designado por EPP, que foi fornecido pela AMCM, “O desempenho dos cargos de direcção e chefia previstos no Grupo IV competirá a trabalhadores do quadro ou contratados a prazo designados, para o feito, pelo Conselho de administração, por período de dois anos, tacitamente renovável se o trabalhador não for notificado da não renovação antes do respectivo termo”.
Desta norma e também das duas seguintes, n. os 7 e 8 do mesmo art. 15.º, parece resultar que o pessoal do quadro provido no Grupo IV (direcção e chefia) é-o por períodos de dois anos, tacitamente renovável, mantendo a categoria anterior, onde regressa findo o exercício do cargo de direcção e chefia.
Ora, resulta dos autos que por deliberação de 16 de Março de 1996, a requerente Dr.ª A, foi nomeada definitivamente na categoria de directora-adjunta da AMCM. E há nos autos indicação que não se trata de caso único, havendo outros directores-adjuntos ou directores (pessoal do Grupo IV, de acordo com o anexo I) nomeados a título definitivo e não temporariamente, por períodos de dois anos.
Parece também que a AMCM faz a distinção entre categorias de pessoal, directores-adjuntos, directores (lugares do quadro) e cargos de direcção, directores-adjuntos e directores (providos temporariamente), o que, à primeira vista, não resulta com clareza do EPP que nos foi enviado, que apenas refere cargos de direcção e chefia.
Solicite, deste modo ao Conselho de Administração da AMCM que esclareça esta situação, designadamente indicando a norma legal ou regulamentar ao abrigo da qual foram feitas ou continuam a ser feitas nomeações a título definitivo de directores-adjuntos ou directores.»
O Conselho de Administração da AMCM deu a seguinte resposta ao esclarecimento pedido:
  “1.º Existem na AMCM apenas três situações de trabalhadores que detêm a "categoria de origem " de director (casos dos Senhores Drs. C e D) ou de director-adjunto (caso da Senhora Dra. A, ora recorrente);
  2.º Essas situações foram tomadas pelo Conselho de Administração, no então contexto da localização dos quadros e atendendo a que, no quadro de pessoal, constam as categorias de director (níveis 11-13) e director-adjunto (níveis 10-12) que integram o Grupo IV (Pessoal de Chefia e Dirigente), datando respectivamente de 01.03.1998 (nos casos dos Senhores Drs. C e D) e de 16.03.1996 (no caso da Sra. Dra. A);
  3.º Essa solução consagrada actualmente no Estatuto Privativo do Pessoal da AMCM (EPP) carece de ser revista na medida em que, em nossa opinião, em rigor, se trata de cargos de direcção e não de categorias profissionais;
  4.º Não obstante este nosso entendimento, ou seja, que essas situações contrariam o disposto no artigo 15.º, n. º 6 do EPP e no artigo 4.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 85/89/M; de 21 de Dezembro, não foi, em tempo, arguida a respectiva anulabilidade, nos termos do estabelecido nos artigos 125.º, n.º 1 e 130. º do Código do Procedimento Administrativo; e
  5.º Actualmente, todas as nomeações para o desempenho de cargos de direcção (ou de chefia) são efectuadas pelo período de dois anos, tendo em atenção as disposições legais vigentes, não se permitindo nomeações ou contratações definitivas para lugares de direcção (ou de chefia)”.

3. O Ex. mo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer em que se pronuncia pelo não provimento dos recursos.

II - Os Factos
Estão provados os seguintes factos:
A) A deliberação n.º 29/CA, de 31 de Julho de 1990, do Conselho de Administração da AMCM, é do seguinte teor:
"Deliberação n.º 29/CA
Assunto: Recursos Humanos - Gestão de Quadros
O Conselho de Administração analisou a política de gestão de quadros, nomeadamente quanto à imprescindível necessidade de se garantirem as condições mínimas que permitam a estabilização do pessoal de direcção, no contexto de um mercado local que se revela cada vez mais competitivo.
E, considerando a premência da questão em análise e a inoportunidade de, no momento, se proceder a reabertura do processo de actualização da tabela salarial em vigor, deliberou o seguinte:
1. Atribuir aos Directores e Directores-Adjuntos o direito ao pagamento, por parte da AMCM, das despesas com água, electricidade e telefone, na habitação que lhe tiver sido distribuído, até aos seguintes máximos anuais:
Água - MOP1.200,00
Electricidade - MOP12.000,00
Telefone - MOP12.000,00
2. Submeter o teor da presente deliberação à superior consideração de Sua Excelência o Governador de Macau, para eventual homologação tutelar .";
B) Os valores mencionados na deliberação anterior foram aumentados por deliberação de 23 de Julho de 1994, do mesmo órgão;
C) Por deliberação de 16 de Março de 1996, a requerente A, foi nomeada definitivamente na categoria de directora-adjunta da AMCM;
D) A deliberação n.º 794/CA, de 5 de Dezembro de 2003, do Conselho de Administração da AMCM, rectificada pela deliberação n.º 32/CA, é do seguinte teor:
"Deliberação n.º 794/CA
Assunto: Situação Jurídico-Laboral da Dra. A
Considerando que o Conselho de Administração, mediante a deliberação n.º 671/CA, adoptada na sua sessão de 16 de Outubro passado, decidiu não renovar a nomeação da Dra. A, no cargo de Directora-Adjunta, afecta ao Núcleo de Bonificação e Reserva;
Considerando que o Conselho de Administração, mediante a deliberação n.º 715/CA, de 7 do mês findo, extinguiu o Núcleo de Bonificação e Reserva;
Considerando que o n.º 8 do artigo 15º do Estatuto Privativo do Pessoal da AMCM exige que a Dra. A, regresse ao grupo, funções, categoria e nível de origem; - Considerando que, pela deliberação n.º 082/CA, de 12 de Março de 1996, o Conselho de Administração deliberou "... promover a técnica-coordenadora, Sra. Dra. A, a Directora-Adjunta, nível 10 de entrada";
O Conselho de Administração delibera o seguinte:
1. Regresso da Sra. Dra. A, ao seu Grupo, categoria e nível de origem, ou seja, ao Grupo IV, como Directora-Adjunta do nível 11, com efeitos a partir de 19.12.2003;
2. Não designar a Sra. Dra. A, de momento, para o desempenho de qualquer cargo de direcção, com perda das regalias inerentes ao seu exercício, designadamente do subsídio de função;
3. Cometer à Sra. Dra. A, funções de coadjuvação no âmbito da gestão financeira e patrimonial da AMCM do Departamento Financeiro e de Recursos Humanos, reportando-se directamente à respectiva Sra. Directora;
4. Dar conhecimento da presente deliberação ao Senhor Secretário para a Economia e Finanças.";
E) A deliberação n.º 154/CA, de 11 de Março de 2004, do Conselho de Administração da AMCM, cuja declaração de ilegalidade foi pedida ao TSI, é do seguinte teor:
"Deliberação n.º 154/CA
Assunto: Afastamento dos cargos de director ou de director-adjunto.
Atendendo a que o artigo 15.º no. 8 alínea b) do Estatuto Privativo do Pessoal da AMCM, estabelece que os trabalhadores contratados a prazo que forem afastados de cargos de direcção e chefia perdem as "regalias inerentes ao cargo exercido não ressalvadas na alínea a)" do mesmo número, sendo salvaguardados o tempo de serviço e a retribuição mensal efectiva;
Considerando que as regalias atribuídas aos detentores de cargos de direcção são as seguintes:
- O consumo de energia, água e telefone, com os limites estabelecidos na Deliberação n° 220/CA, de 1994, exceptuadas as que decorram expressamente do contrato de trabalho;
- Parque automóvel, de acordo com a Deliberação no. 647/CA, de 2002;
- Uso de cartão de crédito facultado pela instituição, de acordo com a Ordem de Serviço no. 46/CA/2002;
- Inscrição na "International Airline Passengers Association";
- Utilização de gabinete individual de trabalho;
- Utilização de telemóvel com chamadas pagas; e
- Atribuição de dois jornais diários, de acordo com a deliberação n.º. 100/CA/97.
   De acordo com o proposto no memorando no. 4/2004/CA-RR, de 18.02.04, e o esclarecimento constante do parecer no. 046/2004/GAJ, de 02.03.04, do Gabinete Jurídico, sobre se algumas daquelas regalias podem ser consideradas como sua retribuição mensal efectiva, o Conselho de Administração delibera:
1. Ao abrigo do artigo 3.º do EPP, esclarecer que as regalias supramencionadas são apenas atribuídas ao pessoal que efectivamente exerça funções de Direcção, nomeadamente a Directores e Directores-Adjuntos, e enquanto eles exercerem efectivamente essas funções;
2. Os trabalhadores não contratados a prazo que forem afastados daquelas funções deixam de beneficiar das respectivas regalias, nos termos da alínea b) do no. 8 do artigo 15º do EPP;
3. Exceptuam-se do disposto no número anterior aquelas regalias que forem expressamente previstas no respectivo contrato de trabalho;
4. A perda das regalias reporta-se à data em que as funções deixarem de ser desempenhadas, podendo-se admitir, em relação ao cartão de crédito e à filiação na IAPA, que se mantenha o gozo das respectivas regalias durante a validade do contrato celebrado com essas entidades;
5. Instruir o Serviço de Pessoal do Departamento Financeiro e de Recursos Humanos bem como o Serviço Administrativo de mandarem cumprir a presente deliberação, em relação aos Srs. Drs. C e A."
Esta é a deliberação impugnada.

III – O Direito
1. As questões a apreciar
A impugnante A tem a categoria de directora-adjunta a título definitivo, na AMCM, onde ocupa um lugar do quadro. Mas, mantendo embora a categoria deixou de exercer efectivamente funções de direcção. Por este facto, e alegadamente com fundamento num preceito do Estatuto Privativo de Pessoal da AMCM, doravante designado por EPP (n.º 8 do art. 15.º), a entidade patronal retirou à impugnante certos benefícios, que entende não fazerem parte da remuneração (já que de acordo com a interpretação que faz do mesmo preceito, é obrigatório manter a retribuição, mesmo quando os funcionários deixem de exercer funções de chefia).
O Acórdão recorrido subscreve a tese da AMCM de que é possível abolir benefícios que não fazem parte da retribuição, quando alguém com a categoria de director ou director-adjunto deixa de exercer funções de direcção. Mas considerou que o pagamento de despesas como a energia eléctrica, água e telefone integram a retribuição. Então considerou ilegal a supressão destes pagamentos, mas legal a supressão dos restantes.
Para a AMCM nenhuns benefícios constituem retribuição, pelo que impugna o Acórdão recorrido na parte em que considerou que alguns a integravam.
Já a impugnante A considera que não foi legal o acto que a afastou de funções de direcção, já que, na sua tese, o provimento em categoria de director ou director-adjunto implica sempre o exercício de funções de direcção ou chefia. Nas suas palavras, é ilegal o entendimento de que “há directores e directores-adjuntos com funções de direcção e directores e directores-adjuntos sem funções de direcção”. Por conseguinte, também considera ilegal a interpretação da mencionada norma do EPP, no sentido de que o afastamento de cargos de direcção e chefia tem, para os trabalhadores do quadro, a perda das regalias inerentes ao cargo, que não integrem a remuneração.
Esta a questão a resolver.

2. Conteúdo essencial de um direito fundamental
A Dr.ª A foi provida a título definitivo, como directora-adjunta na AMCM, em 1996.
Este cargo, de acordo com o Anexo IV ao EPP, é considerado de direcção. Ora, nos termos do n.º 6 do art. 15.º do EPP, “O desempenho dos cargos de direcção e chefia previstos no Grupo IV competirá a trabalhadores do quadro ou contratados a prazo designados, para o efeito, pelo Conselho de Administração, por período de dois anos, tacitamente renovável se o trabalhador não for notificado da não renovação antes do respectivo termo”
O provimento da Dr.ª A a título definitivo foi, assim, ilegal pois que, sendo trabalhadora do quadro da ACMCM, apenas poderia ter sido nomeada em comissão de serviço, por dois anos. Mas a sua situação ter-se-á consolidado e, de qualquer forma, não está em causa no presente recurso. Apenas a referimos por ter implicações na questão em debate.
A impugnante Dr.ª A defende que não poderia ter sido destituída das funções efectivas de direcção, mas esta questão não está em causa. Foi afastada efectivamente em 2003 e não consta que tenha impugnado tal acto, pelo que, para todos os efeitos, foi afastada do cargo de direcção (funções efectivas de direcção), mas manteve a categoria de directora-adjunta.
Alega que tal deliberação é nula por atentar contra o conteúdo essencial de um direito fundamental, o direito ao trabalho.
Mas não é assim. Como referimos no Acórdão de 16 de Novembro de 2005, no Processo n.º 22/2005, os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental, sancionados com nulidade pela alínea d) do n.º 2 do art. 122.º do Código de Procedimento Administrativo, são aqueles actos que afectem decisivamente, de maneira desproporcionada, o núcleo essencial de um direito fundamental.
Mesmo que o direito ao trabalho constitua um direito fundamental na Ordem Jurídica de Macau – questão que não iremos abordar - o afastamento da impugnante de funções efectivas de direcção não pôs em causa, de modo algum, o conteúdo essencial do direito ao trabalho, porque continua provida como directora-adjunta e até a receber a mesma remuneração que auferia.
Logo, o seu afastamento das funções de direcção, a ser ilegal, seria sancionado com anulabilidade e há muito que se escoou o prazo para impugnar actos anuláveis.
Temos, pois, como assente que foi afastada do cargo de direcção (funções efectivas de direcção).

3. Aplicação do n.º 8 do art. 15.º do EPP a pessoal provido definitivamente como director-adjunto
Dispõe o n.º 8 do art. 15.º do EPP:
“8. O afastamento de cargos de direcção e chefia previsto nos números precedentes terá, para os trabalhadores não contratados a prazo, as seguintes consequências:
a) O seu regresso ao grupo, funções, categoria e nível que detinham na data em que foram designados para o cargo de direcção ou chefia de que sejam destituídos, sendo-lhes contado, para efeitos de carreira, como se tivesse sido prestado nesse nível e categoria, o tempo de serviço no cargo exercido, mantendo, contudo, a retribuição mensal efectiva que usufruíam no cargo exercido, até que a mesma seja absorvida por promoção, revisão ou ajustamento salarial ou qualquer outro meio possível, mesmo que de aplicação retroactiva;
b) Perda das regalias inerentes ao cargo exercido não ressalvadas na precedente alínea a)”.
Ora, atendendo a que para o EPP um cargo de direcção e chefia é apenas transitório e não existem e nem podem existir directores ou directores-adjuntos providos a título definitivo, é manifesto que o preceito acabado de transcrever não foi pensado para se aplicar a estes últimos, pela singela razão que, para o EPP, eles não existem.
A questão que se põe é, pois, a de saber se este n.º 8 do art. 15.º do EPP se pode aplicar a directores ou a directores-adjuntos providos a título definitivo, que deixem de exercer funções de direcção.
Ora, ao contrário da impugnante, não vemos razão para a norma não ser aplicável nestas situações.
É que a norma é geral e abstracta, destinada a aplicar-se a todos que caiam no seu âmbito de aplicação. Ora, para todos os efeitos, a impugnante foi afastada de um cargo de direcção e chefia, pelo que o n.º 8 do art. 15.º é susceptível de se aplicar à situação dos autos.

4. Princípio da igualdade. Poderes vinculados
No que toca à invocação de violação do princípio da igualdade, por haver um caso em que um trabalhador estaria a beneficiar das regalias que foram retiradas à impugnante, embora sem exercer qualquer cargo de direcção, há que dizer que ainda que seja exacta a alegação da impugnante, não há um direito à igualdade na ilegalidade, pois estamos no campo do exercício de poderes vinculados.
Na verdade, o n.º 8 do art. 15.º não concede poderes discricionários à entidade patronal. Esta deve aplicar a norma a todos os que caiam no seu âmbito de actuação. Quer isto dizer que nos encontramos no campo do exercício de poderes vinculados.
Quando as entidades públicos exercem poderes vinculados estão vinculadas a determinado comportamento.
Se a AMCM violou a norma em relação a outro trabalhadores, a impugnante não tem direito a nova violação da lei a seu favor. Não há, como se disse, um direito à igualdade na ilegalidade.1 Como escrevem JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS2, “em caso algum, pode ele (o princípio da igualdade) ser invocado contra o princípio da legalidade: um acto ilegal da Administração não atribui ao particular o direito de exigir a prática no futuro de acto de conteúdo idêntico em face de situações iguais”.
Improcede, assim, o recurso subordinado interposto pela impugnante.

5. Retribuição mensal efectiva
Resta, agora, saber se a norma em apreço foi ou não bem aplicada.
A norma mantém a retribuição mensal efectiva e determina a perda das regalias inerentes ao cargo que não façam parte da mencionada retribuição.
Examinemos as normas que no EPP se referem à retribuição. São os arts. 50.º, 51.º e 8.º:
Artigo 50.º
(Definição)
Considera-se retribuição as prestações regulares e periódicas a que, nos termos deste Estatuto e das normas internas de AMCM, o trabalhador tem direito como contrapartida do trabalho prestado, exceptuados o subsídio de férias e a gratificação de Natal.
Artigo 51.º
(Tipos)
1. Para efeitos deste Estatuto, entende-se por:
a) Retribuição-base, a prevista para cada nível dos diversos Grupos ou a que resultar da Aplicação do número 2 do artigo 7.º;
b) Retribuição mínima mensal, a retribuição-base acrescida dos prémios de antiguidade a que o trabalhador tenha direito;
c) Retribuição mensal efectiva, a retribuição ilíquida mensal percebida pelo trabalhador;
2. A retribuição mensal efectiva compreende:
a) A retribuição-base;
b) Os prémios de antiguidade;
c) Os subsídios previstos no Artigo 8.º;
d) Qualquer outra prestação paga mensalmente e com carácter de permanência.
3. Não se consideram, para os efeitos do número anterior, as remunerações devidas a título de:
a) Trabalho extraordinário;
b) Subsídio de renda de casa, de estudo, de aleitação e de abono de família, ajudas de custo e outros abonos, nomeadamente os devidos por viagens, deslocações, transportes, instalações e outros equivalentes.
Artigo 8.º
(Complementos salariais)
1. O conselho de Administração poderá atribuir complementos salariais, nas condições a divulgar em Ordem de Serviço, aos trabalhadores que desempenhem cargos de direcção e chefia (subsidio de função), que estejam em disponibilidade horária permanente (subsídio de isenção de horário), que coordenem áreas funcionais (subsídio de coordenação), ou que lidem com a caixa ou a venda de moedas comemorativas (subsídio para falhas).
2. O direito aos subsídios referidos no número anterior pressupõe o efectivo desempenho das funções a que os mesmos se referem, não sendo suficientes, para a sua atribuição, a mera titularidade do cargo ou da categoria.

Estamos em condições de conhecer da questão.
A retribuição mensal efectiva compreende, além da retribuição-base, os prémios de antiguidade, os subsídios previstos no art. 8.º e “qualquer outra prestação paga mensalmente e com carácter de permanência”.
Em Direito do Trabalho distingue-se entre a retribuição com animus donandi e a obrigatoriedade de efectuar a prestação, associada à sua regularidade. Só a segunda constitui retribuição.3 Como referem LYON-CAEN/PÉLISSEUR/SUPIOT4 a gratificação5 que perde o seu carácter original, paternalista e discricionário, integra a retribuição.
A periodicidade como característica da retribuição está relacionada com o facto de o contrato de trabalho ser de execução continuada e com a natureza sinalagmática do contrato.
Explica A. MONTEIRO FERNANDES6, a propósito da retribuição, que é necessário que exista alguma correspectividade entre as prestações do empregador e a situação de disponibilidade do trabalhador, que essas prestações não tenham causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho, para excluir a compensação com os montantes gastos com deslocação do trabalhador em serviço (transporte e alojamento).
As gratificações extraordinárias, como as que constituem recompensa ou prémio por bons serviços têm carácter unilateral e não constituem retribuição. Não são devidas. Mas há outras gratificações que pela sua importância e regularidade devem considerar-se integrante da retribuição. São as “atribuições patrimoniais com que os trabalhadores podem legitimamente contar, quer pela sua previsão no contrato e nas normas que o regem, quer pela sua regularidade e permanência com que são prestadas, conferindo-lhes justas expectativas ao seu percebimento”7.
É o caso das despesas com o pagamento da energia eléctrica, água e telefone. Estão previstas no EPP. São pagas mensalmente. Têm carácter de regularidade e permanência. E têm uma relação directa com a disponibilidade do trabalhador. Constituem prestações em espécie que têm natureza salarial pois não são pagas como meio de o trabalhador executar uma determinada actividade (como acontece com o fornecimento de automóvel como instrumento de trabalho ou o uso de cartão de crédito apenas para suportar despesas de representação)8.
Fazem, pois, parte da retribuição mensal efectiva.
Mas há outros argumentos que apontam no mesmo sentido.
Como se refere na matéria de facto provada [alínea A)] a deliberação n.º 29/CA, de 31 de Julho de 1990, do Conselho de Administração da AMCM, que atribuiu aos directores e directores-adjuntos o direito ao pagamento, por parte da AMCM, das despesas com água, electricidade e telefone, até determinados máximos anuais, expressamente se fundamentou na “imprescindível necessidade de se garantirem as condições mínimas que permitam a estabilização do pessoal de direcção, no contexto de um mercado local que se revela cada vez mais competitivo. E, considerando a premência da questão em análise e a inoportunidade de, no momento, se proceder a reabertura do processo de actualização da tabela salarial em vigor” (sublinhado nosso).
Tais despesas foram atribuídas com o propósito expresso de acrescer à remuneração, de compor a retribuição, de serem um complemento salarial, por não ser conveniente aumentar a tabela salarial.
Acresce, por fim, que a alínea b) do n.º 3 do art. 51.º do EPP exclui expressamente do conceito de retribuição mensal efectiva algumas prestações periódicas fixas, como o subsídio de renda de casa, mas já não faz o mesmo em relação às despesas que agora estão em causa.
Bem andou o Acórdão recorrido quando considerou que tais despesas integram a retribuição mensal efectiva.

IV - Decisão
Face ao expendido, negam provimento aos recursos, e declaram, com força obrigatória geral, ilegal a deliberação n.º 154/CA, de 11 de Março de 2004, do Conselho de Administração da AMCM, na parte em que considerou que os trabalhadores do quadro que forem afastados de cargos de direcção e chefia perdem o direito ao pagamento do consumo de energia, água e telefone, com os limites estabelecidos na Deliberação n° 220/CA, de 1994, por violação dos arts. 15.º, n.º 8, alíneas a) e b), 50.º e 51.º, n. os 1, alínea c) e 2, alínea d) do EPP.
Publique-se, nos termos dos arts. 93.º, n. os 2 e3 e 78.º, n.º 2 do Código de Processo Administrativo Contencioso.
A impugnante A pagará metade das custas do recurso, dada a isenção de que a goza a AMCM.

Macau, 02 de Abril de 2008.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Sam Hou Fai – Chu Kin

A Magistradas do Ministério Público
presente na conferência: Song Man Lei
1 MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e J. PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento Administrativo, Coimbra, Almedina, 2.ª ed., 1997, p. 101.
2 JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, Tomo I, 2005, p. 127.
3 PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, Coimbra, Almedina, 2002, p. 535.
4 LYON-CAEN/PÉLISSEUR/SUPIOT, Droit du Travail, Paris, Dalloz, 18.ª ed., 1996, p. 822, citados por PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito..., p. 535 nota 2.
5 Está em causa apenas a gratificação atribuída pela entidade patronal e não as gratificações concedidas por terceiros, como as gorjetas.
6 A. MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, Coimbra, Almedina, 1999, 11.ª ed., p. 441.
7 BERNARDO LOBO XAVIER, Curso de Direito do Trabalho, Lisboa/São Paulo, Verbo, 2.ª ed., p. 390.
8 Exactamente neste sentido e referindo as despesas com água e luz, PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito..., p. 547 e 548.
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Processo n.º 7/2007