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Processo n.º 311/2018
(Autos em matéria laboral)

Data : 28/Junho/2018

Recorrente : A (Autor)

Recorrido : X (Macau) –
  Serviços e Sistemas de Segurança, Limitada. (Ré)
       ( X(澳門)有限公司 )
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    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
    I - RELATÓRIO
Por sentença de 6/12/2017, julgou-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou-se a Ré X (Macau) - Serviços e Sistemas de Segurança, Limitada, (X(澳門)有限公司) a pagar ao Autor A (Autor) a quantia de MOP$105,710.00, a título de trabalho em dias de descanso semanal e descanso compensatório, acrescida de juros moratórios à taxa legal.
Desta decisão veio recorrer o Autor, alegando, em sede de conclusões, o seguinte:
1. Versa o presente recurso sobre a parte da douta Sentença na qual foi julgada parcialmente improcedente ao Recorrente a atribuição de uma compensação devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal na medida de um dia de salário em dobro;
2. Porém, ao condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas o equivalente a um dia de trabalho (em singelo) pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, o Tribunal a quo procedeu a uma não correcta aplicação do disposto na al. a) do n.º 6 do artigo 17.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
3. Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal (entendido enquanto duas vezes a retribuição normal), por cada dia de descanso semanal prestado;
4. Do mesmo modo, ao condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas e tão-só um dia de salário em singelo, o Tribunal a quo desviou-se da interpretação que tem vindo a ser seguida pelo Tribunal de Segunda Instância sobre a mesma questão de direito, no sentido de entender que a compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser feita em respeito à seguinte fórmula: (salário diário X n. o de dias de descanso não gozados X 2);
5. De onde, resultando que o Recorrente prestou trabalho durante todos os dias de descanso semanal durante toda a relação de trabalho, deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$105,710.00 a título do dobro do salário - e não só apenas de MOP$52,855.00 correspondente a um dia de salário em singelo conforme resulta da decisão ora posta em crise - acrescida de juros até efectivo e integral pagamento.
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Notificada, a Ré não apresentou contra-alegações do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
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    II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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    III - FACTOS
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes conforme o que consta do despacho ora posto em crise:
1. Entre 10 de Novembro de 2000 e 10 de Julho de 2009 o Autor prestou para a Ré funções de “guarda de segurança”, como trabalhador residente. (A)
2. A Ré sempre fixou o local (posto de trabalho), o período e o horário de trabalho do Autor de acordo com as necessidades. (B)
3. O Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré, e sempre prestou trabalho nos locais (postos de trabalho) indicados pela Ré. (C)
4. Durante a relação de trabalho o Autor auferiu da Ré a título de salário anual e de salário normal diário, as quantias que abaixo se discrimina (Cfr. Doc. 1, Certidão de Rendimentos – Imposto Profissional): (D)
ANO
RENDIMENTO ANUAL
SALARIO NORMAL DIARIO (A)
2003
65335
181
2004
89892
250
2005
64508
179
2006
75763
210
2007
72850
202
2008
99598
277
5. Entre 01 de Abril de 2003 e 31 de Dezembro de 2008 a Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, tendo sido remunerado pela Ré com o valor de um salário diária, em singelo. (E)
6. Entre 01 de Abril de 2003 e 31 de Dezembro de 2008 a Ré nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, com excepção de 42 dias em 2008. (1.º)
7. A Ré nunca fixou ao Autor um outro dia de descanso compensatório, em virtude do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (2.º)

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    IV – FUNDAMENTAÇÃO
Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
“A, casado, de nacionalidade chinesa, residente em Macau, na …, titular do Bilhete de Identidade de Residente Paramente n.º ..., instaurou contra X (MACAU) – SERVIÇOS E SISTEMAS DE SEGURANÇA – LIMITADA, identificada melhor nos autos, a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, emergente de contrato de trabalho, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia total de MOP$194,065.00, acrescida de juros legais até integral e efectivo pagamento, assim discriminadas:
- MOP$129,377.00 pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal;
- MOP$64,688.00 pela falta de um dia de descanso compensatório pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal.
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Realizada a tentativa de conciliação pelo MP, não chegou a acordo entre as partes.
Foi citado regularmente. A Ré contestou a acção com os fundamentos constantes de fls. 26 a 32 dos autos. Concluiu pedindo que sejam julgados improcedentes os pedidos do Autor.
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Realiza-se a audiência de discussão e de julgamento com observação de todo o formalismo legal.
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O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio, não enferma de nulidades que o invalidem.
As partes são dotadas de personalidade, de capacidade judiciária.
Todas as partes são legítimas, têm interesse de agir e estão devidamente patrocinadas.
Não existem outras excepções dilatórias, nulidades ou questões prévias que cumpra conhecer.
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I. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Em face da matéria de facto que se mostra provada e do direito que lhe aplicável, cumpre dar resposta às questões a decidir que supra se deixaram enunciadas.
Ficou provado que entre 10 de Novembro de 2000 e 10 de Julho de 2009 o Autor prestou para a Ré funções de “guarda de segurança”, como trabalhador residente. (cf. factos provados 1 a 3)
O Autor pretende ser indemnizado pelos dias de descanso semanal, no período decorrido entre 01/04/2003 e 31/12/2008.
Resulta provado que entre 01 de Abril de 2003 e 31 de Dezembro de 2008 a Ré nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, com excepção de 42 dias em 2008. (cf. facto provado 6)
E entre 01 de Abril de 2003 e 31 de Dezembro de 2008 a Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, tendo sido remunerado pela Ré com o valor de um salário diária, em singelo. (cf. facto provado 5).
O artigo 17.º do Decreto-Lei 24/89/M de 3 de Abril dispõe, no seu nº1, que todos os trabalhadores têm o direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26.º.
O nº6 do artigo 17.º do mesmo Decreto-Lei, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 32/90/M de 9 de Julho, dispõe, pois, que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago: a) aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição normal.
Então, deve calcular os valores da indemnização a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal, segundo a fórmula: (Salário diário) x (nº de dias devidos e não gozados) x 2.
Há, todavia, que ponderar a circunstância de a Ré ter pago o valor em singelo, pelo que aos valores apurados se tem de deduzir o montante pago em singelo pela Ré1, sob pena de estar o Autor a ser pago, não pelo dobro, mas pelo triplo do valor diário devido, o que a lei manifestamente não prevê2.
Vejamos, então, quais os valores que deveriam ter sido pagos a este trabalhador e não foram, partindo dos valores de retribuição diários que lhe eram devidos, segundo a fórmula (Salário diário) x (nº de dias devidos e não gozados):
ANO
Salário anual / Salário diário
Nº de dias gozados
(facto provado 6)
Nº de dias do trabalho efectivo prestado
nº de dias devidos e não gozados
Quantia indemnizatória
20033
65335/181
0
271
39
$7,059.00
2004
89892/250
0
360
51
$12,750.00
2005
64508/179
0
360
51
$9,129.00
2006
75763/210
0
361
52
$10,920.00
2007
72850/202
0
361
52
$10,504.00
2008
99598/277
42
318
9
$2,493.00




TOTAL
$52,855.00
Num total da quantia global de MOP$52,855.00.
Na presente acção o Autor reclama ainda a compensação económica pelo não gozo do dia de descanso compensatório. De acordo com o artigo 17.º, nº4 do Decreto-Lei 24/89/M de 3 de Abril, nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado. Contudo, só pode agora fixar uma compensação económica, pelo que, entendemos ser de atribuir de modo a ser-lhe concedido um montante equivalente a um dia de salário, o que dá o montante de MOP$52,855.00.
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Juros moratórios
Às quantias supra mencionadas acrescerão juros a contar da data da decisão judicial que fixa o respectivo montante4, atento o que dispõe o artigo 794.º, nº4 do CC, dado que por estarmos na presença de um crédito ilíquido, os juros moratórios, só se vencem a contar da data em que seja proferida a decisão que procede à liquidação do quantum indemnizatório.
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II. DECISÃO
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência condena-se a Ré a pagar ao Autor, a título de créditos laborais, a quantia global de MOP$105,710.00, sendo:
- MOP$52,855.00 pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal;
- MOP$52,855.00 pela falta de um dia de descanso compensatório pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal.
Às quantias supra mencionadas acrescerão juros moratórios à taxa legal a contar da data da sentença que procede à liquidação do quantum indemnizatório.
Absolve-se no mais a Ré do pedido.
As custas serão a cargo da Ré e do Autor na proporção do decaimento.
Registe e notifique.”
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A única questão levantada neste recurso consiste em saber a compensação de dia de descanso semanal deve pagar-se em singelo ou em obro, por cada dia de descanso semanal prestado.
É certo que existe entendimento diferente no que toca à compensação de dia de descanso semanal.
É entendimento dominante neste TSI:
“(…) Sobre o tema transcrevemos até, com a devida vénia, o que exarado ficou no acórdão deste TSI, n.º 780/2007:
    “O mesmo é dizer que "o Autor tem direito de receber, por cada dia de descanso semanal não gozado, o dobro da retribuição normal, para além do singelo já recebido".
    
Na vigência do DL n. 24/89/M
Vale aqui o disposto no art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a).
Assim:
N.1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
    N.4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
    N.6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
    Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.6, al. a)).
    Na 1ª perspectiva acima avançada, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
    Na 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
    - Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
    - O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.1);
    Portanto, a fórmula será sempre: AxBx2.”
De onde se conclui que, para além do pagamento do trabalho efectivamente prestado pelo recorrente em dia de descanso semanal, se a Ré não pagou ao seu trabalhador outro qualquer acréscimo salarial, em violação ao disposto no referido preceito legal, (…).
O trabalhador deve assim ser compensado a esse título com o montante devido a título do dobro do salário e não só de apenas mais um montante em singelo, havendo ainda que ser pago do dia compensatório em que trabalhou, tal como também consignado na douta sentença proferida.”
Mutatis mutandis, o raciocínio acima exposto vale perfeitamente para o caso sub judice, pelo que, a decisão recorrida nesta parte deve ser alterada, por o Tribunal a quo não proceder a uma correcta aplicação do disposto na al. a) do n.º 6 do artigo 17.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
Assim, feitas as contas conforme os factos assentes acima alinhados e analisados na sentença recorrida, deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$105,710.00 a título da compensação de descanso de dia semanal em dobro, e não como a sentença recorrida fixou em MOP$52,855.00.
*
Em síntese conclusiva:
No âmbito do artigo 17º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, para além do pagamento do trabalho efectivamente prestado pelo Recorrente em dia de descanso semanal, se a entidade patronal não pagou ao seu trabalhador outro qualquer acréscimo salarial, em violação ao disposto no artigo 17º citado, este deve ser compensado a esse título com o montante devido a título do dobro do salário e não só de apenas mais um montante em singelo.
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Tudo visto, resta decidir
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    V) - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em conceder provimento ao recurso, condenando a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$105,710.00 a título da compensação de descanso de dia semanal em dobro, acrescida de juros moratórios à taxa legal a contar da data da sentença que procede à liquidação do quantum indemnizatório até efectivo e integral pagamento.
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Quanto ao demais, mantém-se o já decidido na sentença de primeira instância.
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Custas pela Recorrida.
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Registe e Notifique.
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                 RAEM, 28 de Junho de 2018.
                 Fong Man Chong
                 Ho Wai Neng
                 José Cândido de Pinho
1 Cf., neste preciso sentido, Acórdão do TUI de 27 de Fevereiro de 2008, onde, avaliando uma situação semelhante envolvendo a aqui Ré nos presentes autos, afirma: « ... tem razão a Ré ao dizer que o autor já recebeu o salário normal correspondente ao trabalho nesses dias de descanso, pelo que, agora, só tem direito a outro tanto, e não ao dobro, como se decidiu no Acórdão recorrido, que não explica, aliás, porque não levou em conta o salário já pago. E que está em causa o pagamento do trabalho em dia de descanso semanal, pelo dobro da retribuição normal, mas o autor foi pago já em singelo.» Temos conhecimento do sentido adoptado a este respeito pelo Tribunal de Segunda Instância, nomeadamente, no Acórdão tirado nos autos de Processo 138/2011, com o qual, no entanto, sempre salvaguardando o seu douto entendimento, não concordamos.
2 Cremos, sempre salvaguardando opinião contrária, que a previsão constante do art. 43.°, n.º 2, 1) da Lei 7/2008, de 18/8/2008, traduz uma clarificação muito relevante a este respeito, tornando mais clara ainda a orientação legislativa, no sentido de compensar o trabalhador pela prestação do trabalho em dia que seria de descanso com um dia (e não dois) de remuneração de base; não seria muito compreensível, num território que se aproxima paulatinamente de novos padrões normativos, que, nesta matéria, sinalizasse um retrocesso tão drástico relativamente ao diploma anterior.
3 A partir de 01/04/2003, como alegado pelo Autor.
4 Com pertinência também para este caso, a jurisprudência do Acórdão do Tribunal de Última Instância no processo n.º 69/2010 de 02/03/2011.
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2018-311-Gurardforce–descanso-singelo 12