Processo nº 541/2016
(Autos de Recurso Contencioso)
Data: 12 de Julho de 2018
ASSUNTO:
- Novos fundamentos do recurso
- Caducidade da concessão do terreno
- Lei Básica da RAEM
- Falta de audiência prévia
- Princípios da imparcialidade, da igualdade, da justiça e da boa-fé
SUMÁRIO:
- O recorrente só pode alegar novos fundamentos do seu pedido cujo conhecimento tenha sido superveniente (cfr. nº 3 do artº 68º do CPAC), com excepção dos vícios de nulidade que são de conhecimento oficioso e cuja invocação não tem qualquer limitação temporal.
- O termo do prazo da concessão provisória sem esta ter sido convertida em definitiva determina inevitavelmente a declaração da caducidade da concessão, que consiste numa actividade vinculada da Administração.
- A entrada em vigor da Lei Básica da RAEM não determina a interrupção do prazo das concessões do terreno feitas antes da transição.
- Existindo só uma única concessão envolvida com várias parcelas de terreno, sendo cada uma delas devidamente individualizadas e com finalidade e utilidade próprias, não há qualquer obstáculo legal para a Entidade Recorrida proceder-se à declaração parcial das mesmas, sob pena de impor à declaração de caducidade da toda a concessão, o que é ainda pior para o concessionário.
- A audiência de interessados é uma das formas da concretização do princípio da participação dos particulares no procedimento administrativo, legalmente previsto no artº 10º do CPAC, nos termos do qual os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito.
- E destina-se a evitar, face ao administrado, o efeito surpresa e, no mesmo passo, garantir o contraditório, de modo a que não sejam diminuídos os direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados.
- A preterição dessa formalidade pode, em certos casos, ser ultrapassada se daí não resulte qualquer ilegalidade determinante da anulação do acto, isto é, quando, atentas as circunstâncias concretas, a intervenção do interessado se tornou inútil, seja porque o contraditório já se encontre assegurado, seja porque não haja nada sobre que ele se pudesse pronunciar, seja porque, independentemente da sua intervenção e das posições que o mesmo pudesse tomar, a decisão da Administração só pudesse ser aquela que foi tomada.
- Os princípios da imparcialidade, da igualdade, da justiça e da boa-fé não são operantes nas actividades administrativas vinculadas.
O Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 541/2016
(Autos de Recurso Contencioso)
Data: 12 de Julho de 2018
Recorrente: Raimundo Ho (representado pela Companhia de Fomento Predial Regal Seaview Garden, Limitada)
Entidade Recorrida: O Senhor Chefe do Executivo
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Raimundo Ho (representado pela Companhia de Fomento Predial Regal Seaview Garden, Limitada), melhor identificado nos autos, vem interpor o presente Recurso Contencioso contra o despacho do Senhor Chefe do Executivo, de 26/04/2016, pelo qual se declarou a caducidade da concessão do terreno descrito na CRP sob o nº 21676 a fls. 198v do livro B61, situado na Ilha da Taipa, entre a subestação da CEM e o aterro do Pac On, concluíndo que:
- O Concessionário vem impugnar o despacho do Chefe do Executivo de 26.04.2016 que declarou a caducidade (parcial) da concessão do terreno correspondente às parcelas demarcadas e assinaladas com as letras B, C, D1, D2, e E na planta cadastral n.º 29/1989, que faz parte integrante do Lote "PO2", e do qual deve ser desanexado, descrito na CRP sob o n.º 21 676 a fls. 198v do livro B61, situado na ilha da Taipa, entre a subestação da CEM e o aterro do Pac On, a que se refere o Processo n.º 54/2015 da Comissão de Terras.
- A concessão, por arrendamento e com dispensa de concurso público, cuja caducidade foi declarada pelo despacho recorrido, foi titulada por escritura de 12 de Junho de 1987, exarada a fls. 117 do L.º n.º 257 da Direcção dos Serviços de Finanças, em conformidade com Despacho n.º 42/SAES/87, publicado no BO n.º 13, de 30.03.1987.
- Com a finalidade de nele construir obras de infra-estruturas, 14 moradias unifamiliares de 3 pisos cada, um clube, uma piscina, instalações para ténis (equipamentos estes destinados ao uso exclusivo dos residentes).
- A construção das 14 moradias unifamiliares ficou concluída em 1991, tendo em consequência sido emitida a respectiva licença de utilização.
- Em consequência das obras de aterro, entretanto realizadas pela Administração, na parte assinalada com a letra A da planta publicada no Boletim Oficial n.º 31, de 3 Agosto de 1992, a área envolvente do terreno concessionado foi significativamente alterada, por motivos alheios ao concessionário.
- Pelo que foi revista a finalidade de utilização do referido, terreno pelo Despacho n.º 101/SATOP/92, publicado no BO n.º 31, de 3 de Agosto de 1992 - substituindo-se a construção do clube por 7 moradias unifamiliares, de 2 pisos cada.
- Em 1996, o Governo construiu uma estrada designada por "Rua Choi Long" dentro do terreno concedido ao concessionário e sem o consentimento do mesmo.
- O que inviabilizou a construção da piscina e das instalações para ténis, previstas no contrato de concessão inicial e levou à apresentação de um projecto de alteração do aproveitamento do terreno, aproveitando a parcela remanescente para construir dois edifícios, em regime de propriedade horizontal, com 15 pisos cada.
- Alteração que foi previamente autorizada em 1997.
- Entre 1997 e 2004, face a uma conjuntura externa muita adversa a economia de Macau entrou numa situação de recessão, com impacto também no sector da construção civil, decorrente da quebra na procura de habitação, deixando de haver condições para continuar a desenvolver o projecto.
- Em 2004, na sequência da liberalização do Jogo e graças à implementação de uma série de políticas económicas, incluindo o Acordo de Cooperação Económica entre a China e Macau (CEPA) e Sistema de Vistos Individuais para visitantes provenientes da China, bem como a uma baixa histórica das taxas de juro, verificou-se uma melhoria da economia de Macau, pelo que o concessionário reiniciou imediatamente o projecto de aproveitamento da parte remanescente da concessão.
- Pelo que o projecto de obra foi apresentado à DSSOPT em 11 de Novembro de 2004.
- Entre 26 de Novembro e de 7 de Dezembro de 2004 a DSSOPT solicitou à concessionária a apresentação de elementos complementares.
- Pedidos satisfeitos por esta em 13 de Dezembro de 2004.
- Em 24 de Março de 2005 a DSSOPT emitiu um exemplar da planta da rede pública de drenagem residual e pluvial.
- Em 13 de Abril de 2005 a DSSOPT notificou a concessionária sobre as alterações a introduzir no projecto.
- O concessionário entregou na DSSOPT, em 3 de Abril de 2005, o projecto com as alterações recomendadas.
- Em 12 de Agosto de 2005 a concessionária entregou na DSSOPT a memória descritiva das fracções autónomas.
- De outra banda, a DSSOPT informou a concessionária, em 01.08.2005, de alterações a introduzir no projecto.
- O que foi satisfeito pela concessionária logo em 22.08.2005,
- Em 21.11.2005 a DSSOPT notifica a concessionária de que o projecto era "passível de aprovação".
- Em 30.11.2005, a concessionária apresentou na DSSOPT um duplicado do projecto de arquitectura, para dar cumprimento ao solicitado dias antes.
- A concessionária foi notificada, através do ofício da DSSOPT n.º 007/6020.03/DSODEP/2006, de 3 de Janeiro de 2006, de que o projecto de arquitectura era passível da aprovação, bem como do requerimento que devia entregar, de acordo com a minuta anexa, e outros elementos.
- No mesmo ofício é referido que: "oportunamente será enviada a minuta de contrato de concessão de terreno.
- Em consequência dessa comunicação, a concessionária apresentou à DSSOPT, em 07.03.2006, um requerimento para a alteração da finalidade do terreno dirigido ao Senhor Chefe do Executivo, e todos os elementos, exigidos e indicados pela DSSOPT na comunicação antecedente
- Após a última mencionada data, representantes da concessionária participaram em reuniões com pessoal da DSSOPT, para efeitos de concretização do projecto.
- A DSSOPT, pelo ofício n.º 6404/DURDEP/2005, de 26.05.2006, notificou o concessionário de que o projecto era passível de aprovação, cumpridos alguns requisitos.
- Em 21.08.2006 foi emitida a Planta de Alinhamento Oficial.
- Em 25.09.2006, a concessionária apresentou na DSSOPT as declarações do arquitecto, do engenheiro e do construtor, o seguro de trabalhadores e outros documentos necessários para o efeito de emissão de licença de obra.
- A DSSOPT, pelo ofício n.º 3234/DURDEP/2007, de 28.02.2007, informou a concessionária de que o projecto de escavação provisória sobre a alteração de construção, alicerces e cave era de passível de aprovação, cumpridas algumas alterações.
- Tendo a concessionária apresentado à DSSOPT, em 01.06.2007, os elementos solicitados pela referida correspondência.
- Para satisfazer os requisitos da planta de alinhamento oficial solicitados pela DSSOPT, a concessionária apresentou, em 28.12.2009, os elementos necessários.
- De acordo com a acta da reunião de 04.06.2010, a DSSOPT entendeu que, para resolver o problema de 14 moradias unifamiliares, o concessionário deveria apresentar um projecto para dividir a parcela onde estas foram construídas, em 14 lotes do terreno, e propor-se-ia a rescisão do contrato com nova concessão da parcela B ao concessionário, depois de o terreno ser revertido à RAEM.
- Seguindo a instrução dada nessa reunião, o concessionário apresentou, em 02.12.2010, os elementos necessários.
- Por outro lado, na informação n.º 7965/DURDEP/2011, datada de 21.11.2011, reconheceu-se, claramente que entre o período de 11/11/2004 e 02/12/2010, o atraso da aprovação do projecto não era imputável ao concessionário,
- E na informação n.º 8578/DURPEP/2011, de 16/12/2011 volta a referir-se que, desde 01/06/1993 a 10/09/2009, o atraso de aprovação do projecto não é imputável ao concessionário.
- Na notificação para a audiência prévia de interessados, o órgão instrutor informou que a decisão final seria no sentido da caducidade sanção, porque o não aproveitamento parcial do terreno era imputável ao concessionário.
- Sucede que a decisão final tomada no acto ora recorrido não tem correspondência com projecto de decisão que foi recortado no ofício 0835/6020.03/DSODEP/2012, de 22 de Novembro, e nas notificações números 001/6020.04/2013 a 014/6020.04/2013.
- O que a inválida por completo, na medida em que a fase da audiência pressupunha que ao ora Recorrente fosse dada a possibilidade de se pronunciar sobre o sentido provável da decisão que a Administração pretendia tomar a final, antes, bem entendido, de a mesma ser proferida (art.° 93.°, n.º 1, in fine, do CPA).
- Mais, esta fase permite aos interessados o exercício de um direito de defesa (nos procedimentos sancionadores), de um direito de oposição ou de um direito de resposta.
- É também o que decorre do princípio da participação plasmado no artº 10.° do CPA,
- Daí que a lei imponha que a notificação para audiência prévia seja acompanhada de um projecto de decisão ou mencionando os aspectos relevantes a ser considerados nesta fase (cfr. art.° 94.°, n.º 2 do CPA), imposição que se baseia no princípio jurídico audi altreram pars.
- O órgão instrutor não enviou ao ora Recorrente o projecto fundamentado de decisão (artigos 93.°, n.º 1, e 94.°, n.º 2, do CPA), nem acertou no sentido provável da decisão que indicou no ofício 0835/6020.03/DSODEP/2012, de 22 de Novembro de 2012 para que o ora Recorrente sobre ela se pudesse ter pronunciado.
- O sentido da decisão tomada no despacho recorrido (caducidade preclusão) difere do sentido da decisão (caducidade sanção) que foi indicado ao concessionário no ofício 0835/6020.03/DSODEP/2012, de 22 de Novembro de 2012.
- De modo que o ora Recorrente não teve oportunidade de conhecer, antes da tomada da decisão, todos os seus aspectos relevantes (cfr. art.° 94.°, n.º 2, do CPA).
- A fase da audiência não serviu, portanto, o fim a que se destinava, ou seja para contrapor ao projecto de caducidade preclusão parcial da concessão a demonstração da sua impossibilidade jurídica e/ou da possibilidade de outras soluções, sem que se tenha verificado qualquer uma das situações a que aludem os artigos 96.º e 97.º do CPA.
- Até porque a preterição da formalidade essencial imposta no art. 93.º, n.º 1 e 94.º, n.º 2 do CPA nunca se poderia degradar em irregularidade irrelevante.
- A preterição desta formalidade essencial à legalidade do procedimento determinou, escusadamente e sem remédio, a invalidade do acto ora impugnado.
- Acresce que a dispensa de audiência prevista no art.º 97.º do CPA é inequivocamente uma dispensa administrativa, à qual, por isso mesmo, se aplicarão particulares exigências em matéria de fundamentação e de definição da situação de facto subsumível aos pressupostos legais.
- A dispensa de audiência prévia (ou de alguma das fases em que a mesma se desdobra, como sucedeu in casu) tem de ser objecto de decisão expressa, fundamentada, pelo que acto recorrido não observou o disposto nos art.ºs 114.º, n.º 1, al. c) e e) e 115.º, n.º 1, ambos do CPA.
- Nem se diga que, em caso de acto vinculado, a falta de audiência resultante da não informação do sentido correcto da decisão não prejudica o resultado final, pois se alcança o objectivo específico que com a audiência se visava produzir, que era o de permitir uma formação da vontade da Administração mais esclarecida.
- Isto pela simples razão de que o sentido do acto final ora recorrido não foi o mesmo sentido indicado na notificação do ofício 0835/6020.03/DSODEP/2012, de 22 de Novembro de 2012.
- É que só quando a decisão a tomar é a acertada e a única possível na solução do caso concreto é que estamos perante o princípio do aproveitamento do acto administrativo.
- Devia o órgão instrutor ter notificado o concessionário do verdadeiro projecto de decisão final, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 93.°, n.º 1 e 94.°, n.º 2 do CPA ou fundamentado a dispensa desse cumprimento.
- Sucede que não fez uma coisa nem outra, sem que nada o justificasse.
- O acto recorrido sempre será inválido, tanto por preterição da audiência prévia de interessados, como por total ausência de fundamentação no que respeita à dispensa do cumprimento do disposto no art.° 93.°, n.º 1 do CPA.
- A, caducidade "não produz efeitos imediatos (ex lege), ou seja, não é urna manifestação automática de eficácia legal, mas um efeito que se faz valer ex voluntate da Administração".
- Sobretudo quando a caducidade assume a natureza de uma verdadeira sanção por incumprimento, os autores são unânimes no sentido de que o efeito extintivo depende de uma declaração administrativa no âmbito de um procedimento prévio.
- O carácter não automático que a caducidade assume em geral no direito administrativo advém da presença da Administração e da sua vinculação à prossecução do interesse público, de modo a evitar o sacrifício de interesses, bem como soluções injustas e absurdas.
- Nas situações em que a operatividade da caducidade está condicionada à emissão de uma declaração da Administração, a doutrina discute se esta declaração integra um acto administrativo meramente declarativo ou também constitutivo.
- A caducidade tem natureza declarativa se a causa constitui um facto em si mesmo extintivo e de comprovação objectiva.
- Neste caso, a declaração da Administração não tem conteúdo próprio e não introduz qualquer alteração na realidade existente.
- A alteração da ordem jurídica dá-se por força da verificação do facto gerador de caducidade, limitando-se a Administração a reconhecer a alteração operada e tem efeitos ex tunc.
- É esta a posição que mais se aproxima das situações de declaração de caducidade preclusão da concessão na sua totalidade pela mera verificação do decurso do tempo sem que o terreno concedido se mostre aproveitado.
- De todo o modo, a declaração de caducidade, ao verificar a produção do facto extintivo da relação jurídica em causa e ao manifestá-lo, elimina o equívoco de uma situação de aparência que na realidade já não existe mas que não foi até então declarada.
- Assim sendo, mesmo aqui, a declaração de caducidade terá neste sentido efeitos constitutivos.
- Mas a eficácia constitutiva depende essencialmente da natureza do facto extintivo, defendendo-se que a declaração de caducidade tem efeitos constitutivos se as causas de caducidade necessitam de ser comprovadas ou qualificadas juridicamente para averiguar se correspondem ou não ao estabelecido na lei
- Isto sucede quando é necessário determinar se o terreno concedido foi ou não aproveitado dentro do prazo da concessão, o que pressupõe, na hipótese negativa, a apreciação da causa ou causas desse não aproveitamento.
- É também o que se passa comummente nas situações de transição constitucional como a que ocorreu em Macau em 20.12.1999, em que é necessário averiguar se e em que medida o prazo de caducidade foi interrompido.
- Neste caso, a declaração da Administração não se limita a dar relevância jurídica a um facto extintivo, antes produz ela própria efeitos jurídicos, e a caducidade só opera a partir do momento em que é declarada (ex nunc).
- Em todo o caso, a situação sub judicie é diferente de todas as situações de caducidade preclusão que foram até agora tratadas pelo Tribunal de Segunda Instância da RAEM.
- Isto porque se trata de uma situação de caducidade preclusão (parcial) da concessão que foi declarada no âmbito de um procedimento administrativo exclusivamente destinado à declaração da caducidade sanção, como se reconheceu no ponto IV do parecer n.º 6/2006 da Comissão de Terras.
- Em 20.12.1999 entrou em vigor a Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau (Lei constitucional), operando formalmente uma transição constitucional.
- A Lei n.º 1/1999, Lei de Reunificação (Lei Constitucional), no seu artigo 4.°, n.º 1, alínea 4), veio estatuir que as normas legais relativas ao direito de propriedade sobre os terrenos são interpretadas nos termos do artigo 7.° da Lei Básica da RAEM .
- O artigo 11.°, n.º 1, da Lei n.º 1/1999, prevê o regime de transferência para a RAEM do património pertencente ao território de Macau, antes de 20.12.1999, mediante procedimentos adequados, competindo ao Governo a respectiva gestão e disposição.
- O artigo 7.° da Lei Básica consagrou o princípio de que a propriedade e a gestão dos solos e recursos naturais no âmbito da RAEM cabem, respectivamente, ao Estado e ao Governo da Região, e admite, ao mesmo tempo, os direitos de propriedade privada de terrenos reconhecidos legalmente antes do estabelecimento da Região.
- Não é assim possível constituir nova propriedade privada de terrenos depois da criação da RAEM (vide Acórdão n.º 32/2005 do TUI).
- O artigo 7.° da Lei Básica da RAEM introduziu do ponto de vista jurídico uma modificação ex novo no direito de propriedade sobre os terrenos na RAEM e consequentemente sobre a gestão dos solos.
- A entrada em vigor da Lei Básica, em especial, do seu artigo 7.°, destruiu juridicamente os efeitos constitutivos do decurso do prazo da posse ainda que se tenham verificado na sua plenitude antes da criação da RAEM, negando a constituição do direito de propriedade através de decisão judicial, independente da acção ter sido proposta antes ou depois da criação da Região.
- No caso sub judice o despacho do Chefe do Executivo de 26.04.2016, enferma do vício de violação de lei, pois o prazo de caducidade do contrato de concessão por arrendamento deve ter-se por interrompido em 20 de Dezembro de 1999 por força da introdução ex novo do artigo 7.° da Lei Básica da RAEM, e por força da remissão dos artigos 4.°, n.º 1, alínea 4) e do artigo 11.°, n.º 1, da Lei n.º 1/1999 (Lei de Reunificação), que modificou o conteúdo da propriedade e da gestão de solos dos terrenos da RAEM e, ainda em virtude da transição constitucional verificada naquela data .
- Consequentemente, no caso concreto a caducidade, a verificar-se, só poderia acontecer em 19 de Dezembro de 2019.
- O objecto do contrato não pode ser cindido unilateralmente por despacho do Chefe do Executivo.
- Daí que, ao declarar a caducidade parcial da concessão provisória e mandar desanexar as parcelas «B», «C», «D1», «D2» e «E» do lote «PO2»), o acto recorrido reduziu o objecto da concessão (11.650 m2) à parcela de 4.060 m2 assinalada com a letra «A», alterando unilateralmente o objecto do contrato de concessão tal como ele ficou definido na cláusula primeira do contrato de concessão titulado pelo despacho n.º 101/SATOP/92.
- O que nos leva à questão da (im)possibilidade legal da caducidade parcial na caducidade preclusiva face à impossibilidade de cindir/reduzir unilateralmente o objecto da concessão através da declaração de caducidade de alguma ou de algumas das suas parcelas.
- O despacho do Chefe do Executivo que declarou a caducidade parcial da concessão por arrendamento absorveu os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 15 de Fevereiro de 2016, os quais fazem parte integrante do referido despacho.
- Nos fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas no Processo n.º 54/2015 da Comissão de Terras (ponto 12) refere-se que, no que concerne às parcelas de terreno que não foram aproveitadas nas condições estipuladas, a caducidade preclusiva ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.
- A caducidade preclusiva ou em sentido estrito é aquela que emerge pelo mero decurso do tempo, como consequência do não exercício de faculdades ou posições jurídicas activas em determinado limite temporal.
- Ou seja, o interesse geral exige a fixação de um prazo peremptório para o exercício de direitos ou faculdades, sob pena de extinção, independentemente das causas do não exercício.
- O referido despacho do Chefe do Executivo, nos termos dos fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, contido no Proc. 54/2015 da Comissão de Terras, ao recorrer à caducidade preclusiva, não conheceu, nem quis conhecer as causas para o não exercício integral dos direitos do concessionário, contrariando assim o Parecer sobre a Informação n.º 121/DJUDEP/2015, que propunha a caducidade por incumprimento ou caducidade sanção.
- O despacho de caducidade do Chefe do Executivo executou uma redução do objecto do contrato de concessão de 11.650 m2 para 4.060 m2, a qual só poderia ocorrer: i) a pedido do concessionário, ou ii) por acordo entre as partes, ou iii) quando precedida de expropriação por utilidade pública, nos termos do artigo 12.°, n.º 3 e 20.°, n.º 1 da nova Lei de Terras.
- Fora deste quadro, só através de acção judicial, a propor nos termos do artigo 173.° do Código do Procedimento Administrativo, poderia o Chefe do Executivo obter os mesmos efeitos de pretendidos de redução da área concessionada por força da cisão da concessão resultante da declaração de caducidade das parcelas B, C, D1, D2, e E do terreno concessionado (Lote PO2) assinaladas na planta cadastral n.º 29/1989).
- Entendimento reforçado pelo facto da Lei de Terras não prever a figura da "caducidade parcial" da concessão, omissão legal (deliberada) que não podia, por isso, ser preenchida por decisão unilateral do Chefe do Executivo.
- O referido despacho de caducidade ao cindir o objecto da concessão do terreno com a declaração da sua caducidade parcial e decretar a desanexação das parcelas demarcadas e assinaladas com as letras B, C, D1, D2, e E na planta cadastral n.º 29/1989, que fazem parte integrante do lote PO2, violou a sua própria fundamentação, a caducidade preclusiva, e, consequentemente enferma do vício de violação de lei.
Sem prescindir,
- Nada impedia, no caso concreto, o deferimento do pedido de revisão da concessão formulado em 7 de Março de 2006 e reiterado em 17 de Maio de 2012.
- Da análise do processo administrativo, em especial das informações n.º 304/DSODEP/2011, 34/DJUDEP/2012, 26/GTJ/2012 e 241/DSODEP/2012, resulta que a apreciação técnico-urbanística e a apreciação jurídica, inclusive o Parecer da Comissão de Terras n.º 6/2016, determinaram que a causa do não aproveitamento do terreno da concessão deve-se ao incumprimento culposo por parte do concessionário das obrigações contratuais, em especial da alínea a) do número um da cláusula décima terceira, traduzida na falta de aproveitamento integral do terreno e, consequentemente, concluem propondo superiormente uma caducidade por incumprimento ou caducidade sanção (vide informação n.º 121/DJUDEP/2015).
- Sucede que o conteúdo do ponto 54 constante de proposta no. 121/DJUDEP/2015 não corresponde à verdade, porque todos factos referidos sob o título "Introdução" comprovam que o concessionário deu o devido acompanhamento ao processo de revisão da concessão.
- Com efeito, depois de ter recebido o ofício da DSSOPT n.º 007/6020.03/DSODEP/2006, de 3 de Janeiro de 2006, e o ofício da DSSOPT n.º 007/6020.03/DSODEP/2006, de 3 de Janeiro de 2006, o que é exigível ao concessionário, à luz do princípio da boa fé, é aguardar que lhe seja enviada a minuta de contrato de concessão " pela DSSOPT.
- Assim, o não aproveitamento integral do prédio não se ficou a dever a motivos imputáveis ao concessionário, mas sim condicionado por circunstâncias fora do seu controlo.
- Por isso, o Despacho de Sua Excelência o Senhor Chefe do Executivo de 26/6/2016, que concordou com o Parecer do Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas, proferido no Processo 54/2015, e que serviu de fundamento à sua decisão de caducidade parcial da concessão, tem por fundamento, não a caducidade sanção, mas a caducidade preclusão do direito à concessão do terreno por arrendamento do Lote PO2.
- Ou seja, o Parecer do Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas e o Despacho do Chefe do Executivo não concordaram com a proposta das informações supra identificadas que propunham a caducidade parcial do direito ao arrendamento do terreno por incumprimento culposo das obrigações contratuais.
- Daqui pode concluir-se que, quer o Sr. Secretário para os Transportes e Obras Públicas, no seu Parecer, quer Sua Excelência o Senhor Chefe do Executivo, no seu mui douto despacho, na apreciação imparcial que fizeram da instrução do processo administrativo concluíram que não houve incumprimento culposo por parte do concessionário.
- Naturalmente, que na apreciação imparcial foi tomada em consideração o comportamento culposo por parte da Administração, em especial o facto de sobre o terreno inicialmente concedido ter sido construída uma via pública designada por estrada Choi Long e que impediu a realização das obras que estavam inicialmente projectadas para o local (vide informação n.º 001/DSOPDEP/2013).
- A decisão e a execução da construção da referida via foram da exclusiva responsabilidade da Administração, sem que o concessionário tivesse sido compensado das suas perdas.
- Em virtude dessa alteração superveniente o concessionário, viu-se obrigado a apresentar um projecto de alteração do aproveitamento do terreno concedido, utilizando a parcela remanescente do terreno para construir dois edifícios, em regime de propriedade horizontal, com 15 pisos cada.
- De 1997 a 2004, a RAEM, assim como a maioria dos países Asiáticos, sofreu uma forte depressão económica.
- Em 2004 o concessionário reiniciou o projecto para dar cumprimento às obrigações previstas no contrato de concessão, tendo apresentado o projecto de arquitectura à Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes no dia 11 de Novembro de 2004.
- Mas, como se pode ver do quadro de análise constante da informação n.º 34/DJUDEP/2012 ocorreu um comportamento uniforme da DSSOPT (Administração) para todos os pedidos formulados pelo concessionário: ausência de resposta da Administração.
- A DSSOPT, desde 2004 até à presente data, não se pronunciou definitivamente, deferindo ou indeferindo qualquer um dos pedidos submetidos pelo concessionário.
- Com este comportamento a DSSOPT não permitiu ao concessionário executar o projecto que lhe permitiria o aproveitamento integral do terreno concessionado, a acrescer às 14 moradias já executadas.
- Acresce que, em 6 de Dezembro de 2006, o então Secretário para os Transportes e Obras Públicas da RAEM, Sr. Ao Man Long, foi detido por suspeita da prática de crimes de corrupção e de branqueamento de capitais relacionados com a concessão de terrenos.
- Entre 2006 e finais de 2008, os processos administrativos de concessão de terras e respectivas licenças de construção foram congelados, por força da investigação em curso, e pela mudança de titular da pasta - facto público e notório.
- Entre 2008 a 2014 os processos administrativos relativos aos processos de concessão de terras e respectivos processos de licenciamento de construções novas passaram a ser excessivamente morosos.
- Esta morosidade é da exclusiva responsabilidade da Administração, in casu da DSSOPT e do então Secretário para os Transportes e Obras Públicas, Sr. Lau Sio U, que pautaram a sua actividade pela não decisão.
- Esta conduta negligente da Administração prejudicou de forma severa o concessionário, pois não lhe permitiu executar as obras por falta de licenciamento.
- Nesta vertente o Despacho do Chefe do Executivo ora em crise é, no mínimo, contrário ao princípio da Boa Fé, porquanto com a sua prolação a Administração pretende tirar vantagens jurídicas de um alegado incumprimento contratual do concessionário que, na verdade, assentou num comportamento negligente da Administração, conduta que constitui Abuso de Direito na modalidade de Venire contra Factum Proprium e nessa medida enferma do vício de Violação de Lei (artigo 326.° do Código Civil).
- Sem prescindir, o Despacho de Chefe do Executivo de 16/6/2016, enferma do vício de violação de Lei por violação do princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 5.°, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo da RAEM.
- Nos termos do artigo 5.°, n.º 2, do CPA, as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar.
- Assim sendo, o despacho de caducidade da concessão não podia limitar-se a verificar o decurso do prazo fixado para o exercício de determinadas faculdades ou para o cumprimento de determinadas condições ou deveres.
- É necessário avaliar, entre outros factores, as causas do não cumprimento, no contexto da situação concreta, e considerar se, para a consecução do interesse público, a melhor solução é a extinção da concessão, a sua reabilitação, ou prorrogação do prazo.
- A caducidade em direito Administrativo caracteriza-se por não operar de forma automática ex lege como acontece no direito civil, necessitando de ser declarada pela Administração.
- Nesse sentido a caducidade administrativa tem de ser declarada no âmbito de um procedimento que garanta a audiência de interessados.
- No direito Administrativo, a eficácia da decisão da Administração pode produzir efeitos ex nunc ou ex tunc afastando-se, também aqui, da caducidade em direito civil, que implica a extinção retractiva do direito em causa.
- Outra característica da caducidade Administrativa é a possibilidade de Administração poder decidir-se pela reabilitação do direito, assegurando a manutenção da relação jurídica em causa por razões de interesse público, sendo que a caducidade civil produz a extinção definitiva do direito em causa.
- O regime da caducidade dos direitos, no âmbito do direito administrativo, deve ser determinado para cada hipótese em função dos termos em que a lei regula, do ponto vista substancial ou procedimental, a causa de caducidade, bem como a matéria em que se inscreve a relação jurídica respectiva - sendo relevantes, designadamente, a finalidade legal da causa de caducidade e o grau de disponibilidade administrativa no que respeita à fixação do prazo e, em geral, à vida da relação jurídica.
- Assim, o despacho de caducidade do Chefe do Executivo de 16/6/2016, não pode limitar-se a verificar o decurso do prazo da concessão do terreno, é, ainda, preciso avaliar se o terreno foi aproveitado com a construção de um complexo constituído por infra-estruturas e se os equipamentos se encontram em pleno funcionamento, nos termos da cláusula terceira do contrato de concessão.
- Em suma, o despacho de caducidade do Chefe do Executivo não se basta com uma mera avaliação e verificação das causas objectivas da extinção da concessão, antes impõe a emanação de um juízo valorativo próprio, envolvendo apreciações técnicas, e consequentemente o exercício de tal poder não pode deixar de ser por natureza discricionário.
- Com efeito a decisão tomada no despacho recorrido pressupõe a verificação de que não existiam causas de interrupção e/ou de suspensão do prazo de caducidade, bem como a verificação da data em que o direito/dever de aproveitamento do terreno passou a poder ser legalmente exercido pelo concessionário.
- O que impõe a emanação de um juízo valorativo próprio, envolvendo apreciações jurídicas e técnicas, e consequentemente o exercício de tal poder não pode deixar de ser por natureza discricionário.
- A opção pela caducidade parcial ao invés da caducidade total ou a opção pela caducidade parcial preclusiva em detrimento da revisão da concessão (e renovação do respectivo prazo) requerida em 7 de Março de 2006 (T-1890) e reiterada em 17 de Maio de 2012 entrada 04600) envolve, por definição, liberdade de escolha pelo Chefe do Executivo entre alternativas possíveis.
- O Chefe do Executivo dispunha, portanto de margem de actuação para eleger a opção que melhor atendesse ao interesse social e colectivo no caso concreto, dentro das balizas fixadas pela lei.
- Com efeito, no caso concreto, as infra-estruturas identificadas na cláusula terceira, n.º 1, alínea a), do contrato de concessão foram executadas na íntegra.
- A construção das 14 moradias foi concluída em 5 de Fevereiro de 1991.
- Apenas não foram executadas as 7 moradias e a piscina, campo de ténis e instalações de apoio, por motivo não imputável ao concessionário, como visto supra (a construção da via pública designada por estrada Choi Long que rasgou ao meio, na vertical, o terreno concessionado).
- Ou seja, o terreno concessionado, foi afecto ao fim para o qual foi concessionado e foram executadas a totalidade das infra-estruturas e em perfeito estado de funcionamento.
- Com efeito, ao contrário do que consta da fundamentação do despacho STOP n.º 28/2016, não é verdade que apenas a parcela com a área de 4.060m2, demarcada e assinalada na planta n.º 28/1989 (DSCC) foi aproveitada.
- Como reconhecido em todas as informações que fundamentaram o despacho STOP n.º 28/2016 e até na própria decisão, foram executadas todas as infra-estruturas do terreno indicadas na cláusula terceira do contrato de concessão, as quais, na planta cadastral atrás mencionada, correspondem às parcelas C, D1, D2 e E.
- Se à área aproveitada pela concessionária para construção das 14 moradias unifamiliares (4.060 m2) se somarem as áreas destinadas às infra-estruturas realizadas pela concessionária (4.721m2), sem dificuldade percebemos que a concessionária aproveitou a área global de 8.781,m2, dos 11.650m2 concessionados!
- A decisão de determinar a caducidade de uma concessão parcialmente aproveitada (sem previsão na Lei de Terras) é desrazoável e desproporcionada.
- O princípio da proporcionalidade da actuação administrativa exige que a decisão seja: adequada (princípio da adequação), necessária (princípio da necessidade) e proporcional (princípio da proporcionalidade em sentido estrito):
- Como se pode constatar do Despacho do Chefe do Executivo e dos seus fundamentos, não foi declarado qualquer interesse público a alcançar com os efeitos jurídicos da caducidade.
- E nem se diga que o Despacho do Chefe do Executivo foi proferido no âmbito de um poder totalmente vinculado e que, por isso, o mesmo não estaria sujeito ao cumprimento do princípio da proporcionalidade.
- Desde logo, no caso concreto a declaração de caducidade da concessão não é a emanação de actividade administrativa vinculada.
- Se se tratasse de um acto totalmente vinculado a declaração de caducidade nunca teria sido seria parcial, mas total!
- Por isso, como resulta do procedimento administrativo que conduziu à decisão final, o Chefe do Executivo não se limitou a declarar a caducidade total da concessão por alegada verificação do decurso do prazo de aproveitamento previsto no contrato de concessão.
- A decisão é o culminar de um iter procedimental, no qual se insere a fundamentação e a proposta da decisão a tomar, não sem que antes o interessado seja ouvido e se pronuncie em sede de audiência prévia.
- Esse iter procedimental não permite caracterizar a decisão final como um acto estritamente vinculado da Administração, mas como um acto discricionário (até porque a Lei de Terras, no caso concreto e como já vimos, prevê outras alternativa a declaração de caducidade).
- De resto, não há actos totalmente vinculados, nem actos totalmente discricionários. Não existe um acto administrativo completamente discricionário e mesmo os actos mais vinculados, nunca o são completamente, porque há sempre um mínimo de poder discricionário, quanto mais não seja quanto à liberdade para escolher o momento para praticar o acto - trata-se de uma margem de liberdade que embora mínima, existe.
- Os efeitos resultantes da caducidade da concessão do terreno, não são necessários e exigíveis dado o comportamento culposo da Administração, e configuram uma caducidade sanção como se pode constatar das propostas das informações supra identificadas - isto apesar do acto administrativo de Sua Excelência o Senhor Chefe do Executivo declarar formalmente a caducidade preclusão.
- Por último, para quem admita que o prazo da concessão não se interrompeu, era possível optar pela revisão e prorrogação do prazo da concessão, notificando a concessionária para cumprir integralmente as suas obrigações, considerando que essa é a melhor solução para o interesse público no caso concreto.
- Ao declarar-se a caducidade, sancionou-se de forma severa a aparência do não aproveitamento atempado, destruindo-se a causa função do contrato de concessão do terreno por arrendamento do Lote PO2, revelando-se, pois, a decisão desproporcionada no caso concreto de aproveitamento parcial do terreno e em relação ao interesse público subjacente ao contrato.
- Violando-se, assim, o artigo 5.° do Código do Procedimento Administrativo, pelo que despacho de Sua Excelência o Senhor Chefe do Executivo sempre enferma do vício de violação de Lei (artigo 4.° do CPA)
- Acresce que, pelo Despacho n.º 77/SATOP/92, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 27, de 6 de Julho de 1992, foi titulado o contrato de concessão, por arrendamento, precedido de concurso público, do terreno com a área de 2 916 m2.
- De acordo com o Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 13/2011, ainda que neste caso o atraso do aproveitamento integral do terreno seja inteiramente imputável ao concessionário, em vez de se declarar a sua caducidade, foi autorizada a alteração do aproveitamento e finalidade do terreno.
- No caso dos autos, o concessionário já pagou o prémio e executou as obras de encargo especial indicadas na cláusula terceira do contrato de concessão, bem como construiu as 14 moradias unifamiliares de 3 pisos, cuja licença de utilização foi emitida em 2 de Abril de 1991.
- Situação esta muito mais fácil de solucionar do que a do terreno concedido pelo Despacho n. º 77/SATOP/92.
- Mas, no caso do terreno concedido pelo Despacho n.º 77/SATOP/92 optou-se por sancionar a concessionária com a aplicação de uma multa, por o atraso do aproveitamento lhe ser inteiramente imputável.
- O que viola o princípio de igualdade e da proporcionalidade.
- Por outro lado, de acordo com a proposta n.º 34/DJUDEP/2012, de 22 de Junho, a Administração entende que a estagnação económica não justifica o incumprimento das obrigações contratuais do concessionário, mas no Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 13/2011, aceitou concretamente que a crise económica fosse fundamento para justificar o incumprimento.
- O que, mais uma vez, viola o princípio de igualdade.
- De acordo com o n.º 2 do Despacho ora em crise, "Em consequência da caducidade referida no número anterior, as benfeitorias por qualquer forma incorporadas no terreno revertem, livre de quaisquer ónus ou encargos, para a Região Administrativa Especial de Macau, sem direito a qualquer indemnização por parte do interessado, destinando-se a parcela identificada pela letra «B» a integrar o domínio privado do Estado e as parcelas identificadas com as letras «C», «D1», «D2» e «E» a integrar o seu domínio público".
- De acordo com a cláusula décima terceira, número quatro, do contrato de concessão, o Terreno dever ser deixado livre e desocupado pelo segundo outorgante ...
- No entanto, como na parcela E foi construído um posto de transformação provisório para fornecimento de electricidade aos residentes de 14 moradias, destinado a ser demolida e substituído por outro definitivo após a conclusão do aproveitamento do terreno, a reversão desta parcela, livre de quaisquer ónus ou encargos para a RAEM, implica a demolição do posto pela concessionária, o que provocará a interrupção da prestação de electricidade, prejudicando grave e irreversivelmente o interesse público durante o período de tempo mais ou menos longo que demorará à construção e licenciamento de uma nova subestação da CEM em local apropriado e concedido para o efeito.
- Termos em que se requer seja declarada a invalidade da decisão recorrida por violação de lei e dos princípios da adequação, da boa fé, da celeridade, da decisão, da igualdade, da legalidade, da participação, da proporcionalidade, da prossecução do interesse público, da protecção da confiança e do respeito pelos direitos e interesses dos cidadãos.
*
Regularmente citada, a Entidade Recorrida contestou nos termos constantes a fls. 352 a 369 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
*
Tanto o Recorrente como a Entidade Recorrida apresentaram alegações facultativas constantes a fls. 441 a 473v e 484 a 494, respectivamente, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos.
*
O Ministério Público emitiu o seguinte parecer:
“Na petição inicial, o recorrente invocou a preterição da audiência, a particularidade do caso sub judice traduzida em declarar-se a caducidade parcial da concessão, a impossibilidade legal da declaração da caducidade por interrupção (do prazo de caducidade) operada pela entrada em vigor da Lei Básica e respectiva transição constitucional, a incidibilidade do objecto da concessão, a impossibilidade legal da caducidade parcial na caducidade preclusiva, a violação do princípio da boa fé na modalidade de abuso de direito, a violação dos princípios da proporcionalidade e de igualdade, e finalmente a violação do interesse público.
Sucede que nas alegações de fls.441 a 473 verso, para além de reiterar os argumentos aduzidos na petição, ele acrescentou:
- a impossibilidade jurídica da declaração da caducidade da parcela «C» da planta cadastral n.º19/1989 com a área de 3304 metros quadrados, e a consequente nulidade (arts.122º, n.º2, alínea c) do CPA e 273.º, n.º1, do CC);
- a causa impeditiva da caducidade dos direitos resultantes da concessão, derivada do Despacho n.º101/SATOP/92;
- o erro da Administração na determinação do termo inicial (dies a quo) do prazo de caducidade;
- impossibilidade objectiva da prestação em virtude da alteração da parcela «C» da planta cadastral n.º19/1989 com a área de 3304 metros quadrados;
- o novo plano de aproveitamento e a subsequente impossibilidade do aproveitamento;
- a mora não impotável ao concessionário, ora recorrente;
- o erro nos pressupostos de facto e de direito da declaração da caducidade parcial da concessão;
- o erro nos pressupostos de facto e de direito, decorrente de um deficit de instrução.
*
1. Quanto à arguição da nulidade parcial
Nas conclusões II e III das alegações facultativas, o ora recorrente suscitou a nulidade do acto recorrido na parte respeitante à declaração da caducidade da parcela «C» da planta cadastral n.º29/1989, alegando que a parcela «C» corresponde com a Estrada de Choi Long (聚攏街).
Trata-se duma alegação falsa. Pois, a alínea 19.1) da Informação n.º001/DSODEP/2013 esclarece propositadamente que «根據基礎建設廳的資料,位於批地範圍內,靠近剩餘土地(“B”地塊)的一段公共道路確實是由行政當局於1996年建成,並移交當時的海島市政廳» (doc. de fls.94 a 102 do P.A., Vol. I). O que evidencia indubitavelmente que a parcela «C» não corresponde com a Estrada de Choi Long (聚攏街) que, na realidade, ocupa apenas a parte remanescente da parcela «B» da planta cadastral n.º29/1989.
Ora, o n.º22 do referido Parecer n.º6/2016 aponta: «Relativamente aos encargos especiais, da leitura das informações da DSSOPT datadas de Dezembro de 2011, conclui-se que as infra-estruturas dentro da área do terreno concedido, tais como vias, iluminação púbica, postos de transformação, entre outros, estavam concluídas, no entanto, o respectivo procedimento de entrega das mesmas ainda não tinha sido efectuado.» (sublinhas nossas)
Bem, dado que o recorrente não apresenta prova capaz de abalar a firmeza dessa conclusão da Comissão de Terras, resta-nos inferir que como parte componente do terreno concedido ao recorrente, a parcela «C» da planta cadastral n.º19/1989 ainda não se integrou no domínio público da RAEM na data do despacho recorrido em 26/04/2016.
Assim que seja, afigura-se-nos que o despacho recorrido na parte respeitante à declaração da caducidade da parcela «C» da planta cadastral n.º19/1989 não enferma da impossibilidade jurídica arrogada pelo recorrente nas alegações, e portanto, nem padece da nulidade contemplada na alínea c) do n.º2 do art.122º do CPA.
2. Dos (restantes) novos vícios
Bem ponderando, colhemos que todas as restantes arguições do ora recorrente apenas nas alegações facultativas não se baseiam em factos supervenientes e, de outra banda, nem são do conhecimento oficioso em virtude de à luz do regime prescrito no art.122º do CPA, tais arguições, a existir, germinarem a mera anulabilidade, não a nulidade ou a inexistência jurídica do despacho em escrutínio.
Nos termos do disposto no n.º3 do art.68º do CPAC, perfilhamos a sensata jurisprudência, no sentido de que na fase das alegações facultativas de recurso contencioso, o recorrente só pode invocar os novos vícios do acto administrativo, se não lhe fosse exigível o conhecimento deles no momento da apresentação da petição inicial (vide. Acórdãos do Venerando TUI nos Processos n.º24/2009 e n.º37/2015, essencialmente no mesmo sentido, ainda o no Processo n.º35/2012).
Pois, «I. Tal como resulta do art.68º do CPAC, a invocação superveniente de novos vícios na fase de alegações facultativas, só é possível desde que o conhecimento da nova matéria tenha chegado ao conhecimento do recorrente após a apresentação da petição inicial. Na hipótese contrária, o tribunal não poderá conhecer deles. II. Isto só não é assim, se os vícios forem sancionáveis com a nulidade, pois aí, tal como o tribunal os pode conhecer oficiosamente, também já a sua alegação não fica limitada pela regra não absoluta do art.68º do CPA, face ao disposto nos arts.123º, nº2, do CPA e 279º do CC.» (vide. Acórdão do Venerando TSI no Processos n.º461/2016)
Em esteira, inclinamos a entender que são extemporâneas e, deste modo, inócuas tais arguições.
3. Da impossibilidade legal da declaração da caducidade
Repare-se que no despacho em questão (cfr. fls.76 dos autos), o Exmo. Senhor Chefe do Executivo decide propositada e inequivocamente: «同意。因此,根據本批示組成部分的運輸公務司司長二零一六年二月十五日意見書所載的內容及理由,本人宣告土地委員會第54/2015號案卷所指的以租賃制度及公開競投方式的土地批給失效。» O que patenteia concludentemente que o Parecer do Exmo. Sr. STOP faz parte integrante do acto recorrido.
Bem, as conclusões extraídas respectivamente pelo Exmo. Sr. STOP no sobredito Parecer e pela Comissão de Terras no seu Parecer n.º6/2016 revelam, sem dúvida, que o despacho impugnado consiste em declarar a caducidade parcial da concessão, com fundamento da expiração do prazo de 25 anos e de não aproveitamento das parcelas (de terreno concedido) especificadas em ambos os Pareceres (a seguir designa-se Parcelas Atingidas).
Para os devidos efeitos, impõe-se-nos, antes de mais, indagar se in casu se verificar a expiração do prazo de 25 anos estipulado no n.º1 da Cláusula Segunda da escritura pública do Contrato de Concessão outorgado em 12/6/1987 (cfr. doc. de fls.128 a 141 dos autos), sendo pois indubitável o facto de não aproveitamento das apontadas Parcelas Atingidas.
Em primeiro lugar, realce-se que o Despacho n.º42/SAES/87 fixa as condições vinculativas para tal escritura pública (doc. de fls.123 a 127 dos autos), cuja Cláusula Segunda estipula peremptoriamente: «1. O arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da escritura pública do presente contrato. 2. O prazo do arrendamento fixado no número anterior poderá ser renovado, mediante condições a acordar, nos termos e limites da legislação aplicável.» Acontece na verdade que a Cláusula Segunda da dita escritura pública reproduz o prazo de validade acima mencionado.
Transparece-se que o art.1º do Despacho n.º101/SATOP/92 introduziu revisão às cláusulas aí referidas dessa escritura pública, o seu art.3º fixa novo prazo de aproveitamento, mas não toca a Cláusula Segunda do Despacho n.º42/SAES/87 ou da dita escritura pública. E o então SATOP afirmou no Despacho n.º101/SATOP/92: «Ao abrigo……, defiro o pedido em epígrafe, passando a concessão a reger-se pelas condições expressas na escritura outorgada em 12 de Junho de 1987 na Direcção dos Serviços de Finanças, com as alterações introduzidas pelo presente despacho.»
O que torna inequívoco que nunca foi alterado o prazo de 25 anos estabelecido na escritura pública do contrato de concessão, e se mantém sempre intacto o respectivo início da contagem fixado na data da outorga da mesma escritura, outorga que teve lugar em 12/06/1987 na Direcção dos Serviços de Finanças, por isso, tal prazo expirou-se em 12/06/2012.
Repare-se que o recorrente não conseguiu alegar ou provar que tal concessão tivesse sido convertida na definitiva antes de 12/06/2012, por isso, a mesma tinha sido provisória durante a sua vida em 25 anos. Nesta medida, e de acordo com o disposto no art.55º da Lei n.º6/80/M e sucessivamente no n.º1 do art.48º da Lei n.º10/2013, não se descortina qualquer dúvida de que não é susceptível de renovação a aludida concessão.
Com efeito, a sábia jurisprudência ensina (vide. Acórdão do Venerando TSI no Processos n.º179/2016): «II. Se o legislador da Lei nº6/80/M dispensa o concurso nas renovações (56º, nº2, al. a)), que não isenta na concessão provisória (56º, nº1), é porque se está a referir, exactamente, às concessões que deixaram de ser provisórias e já se converteram em definitivas (cfr. Art.49º). Quer dizer, a conjugação destes três preceitos deixam exposta claramente a idéia de que as renovações só são possíveis relativamente às concessões definitivas e não também às provisórias. III. O art.179º, nº1, al. a), da Lei nº6/80/M, ao prescrever que “estão sujeitas a registo as concessões provisórias e definitivas”, bem como a “renovação destas”, está a reportar a renovação somente a “estas” (segundas), ou seja, às definitivas. E o art.180º, nº2, da mesma lei reforça a mesma idéia, ao apenas prever expressamente a renovação das concessões definitivas.»
E, «Ao abrigo da nova Lei de Terras (Lei nº10/2013) não é possível a prorrogação da concessão provisória findo o respectivo prazo da concessão, excepção feita à situação do art.48º, nº2, mesmo assim a título excepcional e nas condições ali previstas.» (cfr. aresto do TSI no Processos n.º179/2016) Pois, nenhuma norma permite à Administração considerar suspenso o prazo de concessão provisória ou poder prorrogá-lo, e a Lei de Terras estabelece como princípio que as concessões provisórias não podem ser renovadas, a única excepção a esta regra fica dependente da verificação dos pressupostos consagrados no n.º2 do art.48º citado (vide. Acórdão do TUI no Processo n.º28/2017).
A todas estas luzes, estamos convictos de que se verificou in casu a expiração em 12/06/2012 do prazo de prazo de 25 anos e é fatalmente descabida a invocação de «a impossibilidade legal da declaração da caducidade por interrupção (do prazo de caducidade) operada pela entrada em vigor da Lei Básica e respectiva transição constitucional».
4. Da arguição da falta da audiência e violação de princípios gerais
De facto, o procedimento culminante com o despacho em causa visou inicialmente a apurar se a sobredita concessão tivesse ficado caduca por culpa do recorrente, e na fase final desse procedimento a Administração abandonou a perspectiva inicial, no sentido de declarar a caducidade preclusiva da mesma concessão com base de se encontrar em 12/06/2012 irremediavelmente decorrido o prazo de 25 anos previamente fixado.
Na medida em que a Administração não procedeu à prévia audição do recorrente quanto à mudança da perspectiva inicial e à declaração da caducidade preclusiva, podemos extrair que no aludido procedimento se surgiu a omissão de audiência, pese embora em 03/12/2012 o recorrente apresentasse resposta escrita (vide. pontos 37 e 38 do Parecer n.º6/2016 da Comissão de Terras).
Assevera deliberada e peremptoriamente o douto TUI: Decorrido o prazo de 25 anos da concessão provisória (se outro prazo não estiver fixado no contrato) o Chefe do Executivo deve declarar a caducidade do contrato se considerar que, no mencionado prazo, não foram cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas. Quer isto dizer que o Chefe do Executivo declara a caducidade pelo decurso do prazo se o concessionário não tiver apresentado a licença de utilização do prédio, porque é mediante a apresentação desta licença que se faz a prova de aproveitamento de terreno urbano ou de interesse urbano. (cfr. Acórdão no Processo n.º28/2017)
Convém realçar que a jurisprudência consolidada do Venerando TSI vem navegando na mesma direcção, afirmando constantemente que são vinculados os actos administrativos de declaração da caducidade das concessões provisórias de terrenos, desde que a caducidade se derive de duas situações cumulativas: dum lado, a constatada expiração do prazo máximo de 25 anos e, de outro, a inexistência da conversão em concessão definitiva. (a título exemplificativo, arestos nos Processos n.º672/2015, n.º375/2016 e 179/2016)
Bem seguimos à brilhante jurisprudência inculcando que sempre que, no exercício de poderes vinculados por parte da Administração, o tribunal conclua, através de um juízo de prognose póstuma, que a decisão administrativa tomada era a única concretamente possível, a falta de audiência do interessado, prevista no artigo 93.º, n.º1, do Código do Procedimento Administrativo, degrada-se em formalidade não essencial do procedimento administrativo. (cfr. Acórdão do TUI no Processo n.º20/2016)
Pois, nos casos em que é vinculada a actividade administrativa, a audiência de interessados pode degradar-se em formalidade não essencial e a sua preterição não se terá por invalidante se for de entender que outra não podia ser a solução tomada face à lei aplicável ao caso concreto (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º179/2016). Daí que uma vez que a declaração da caducidade no caso do termo do prazo da concessão provisória sem esta ter sido convertida em definitiva constitui uma actividade administrativa vinculada, a audiência prévia do interessado deixa de ter qualquer relevância, já que nada pode influenciar a decisão a tomar pela Entidade Recorrida (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º375/2016).
A nível de doutrina e jurisprudência, é assente que os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da boa fé se regem apenas os actos administrativos discricionários, sendo inoperantes aos vinculados para efeitos da invalidade. Eis, sem margem para dúvida, a orientação constante e unânime das jurisprudências dos Venerandos TSI e TUI.
Em harmonia com as prudentes jurisprudências retro citadas, resta-nos concluir que a preterição da audiência efectivamente verificada bem como a arrogada violação dos princípio da boa fé, da proporcionalidade e de igualdade são inócuas, não podendo invalidar o despacho recorrido.
Sem embargo do elevado respeito pela melhor opinião em sentido contrário, afigura-se-nos que a arguição da violação do interesse público é flagrantemente despropositada e infundada, e seja como for, o recorrente não consegue apresentar qualquer prova para demonstrar esta arguição que se consubstancia, no fundo, em assacar o desvio de poder.
5. Da invocada incidibilidade do objecto da concessão
É verdade que havia in casu só uma concessão que tem por objecto o terreno designado por lote “PO2” na área total de 11,650 metros quadrados (cfr. o Despacho n.º101/SATOP/92). O que equivale a dizer que o lote “PO2” na dita área total é objecto de uma única concessão levada ao cabo pelo Despacho n.º42/SAES/87 e formalizada na sobredita escritura pública.
No entanto, não é menos verdade que o lote “PO2” compreende as parcelas demarcadas, assinalada e individualizadas na planta cadastral no Processo n.º29/89 (doc. de fls.117 a 120 dos autos), tal planta cadastral fica anexa ao Despacho n.º101/SATOP/92 que rectificou a área do lote “PO2” referida no Despacho n.º42/SAES/87, de 9,180 a 11,650 metros quadrados.
Repare-se que de acordo com as descrições na planta cadastral no Processo n.º29/89, cada uma das 6 parcelas «A», «B», «C», «D1», «D2» e «E» não só é geograficamente demarcada e diferenciada, mas também tem finalidade e utilidade próprias. Convém realçar que na realidade, as finalidades se encontram especificadas no Despacho n.º42/SAES/87, e reproduzidas sucessivamente na escritura pública do contrato de concessão e no Despacho n.º101/SATOP/92.
Ora, a Cláusula Terceira da referida escritura pública bem como as descrições na planta cadastral n.º29/89 demonstram inequivocamente que o concedente e o concessionário chegaram ao acordo sobre a divisibilidade e ainda a efectiva divisão do objecto do contrato de concessão.
Nestes termos, e tendo em conta que o concessionário aproveitou apenas a parcelas «A» do lote “PO2”, sem concluir o aproveitamento das remanescentes parcelas no prazo da concessão de 25 anos, colhemos que não podem deixar de ser sofisticadas e descabidas as arguições respeitantes à «incidibilidade do objecto da concessão» e à «impossibilidade legal da caducidade parcial na caducidade preclusiva».
6. Nota complementar
Ponderados à luz da regra de experiência, os factos referidos nos pontos n.º12 a n.º20 do Parecer n.º6/2016 da Comissão de Terras fazem entender que depois do aproveitamento da parcela «A» do lote “PO2”, o concessionário abandonou definitivamente a vontade de proceder ao fiel cumprimento do contrato de concessão, pretendendo apenas procurar o maior lucro – pois, afinal requerendo a construção, na restante parte do lote “PO2”, dum edifício de 36 andares em propriedade horizontal.
Nesta linha, afigura-se-nos que é infundada a arguição da violação do princípio da boa fé e da violação do interesse público, sendo patente que o despacho em questão se destina a defender e prosseguir o interesse público, e está conforme com o princípio da boa fé.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.”
*
Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
*
II – Pressupostos Processuais
O Tribunal é o competente.
As partes possuem a personalidade e a capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
Não há questões prévias, nulidades ou outras excepções que obstam ao conhecimento do mérito da causa.
*
III – Factos
É assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa face aos elementos probatórios existentes nos autos:
1. Através do Despacho n.º 42/SAES/87, publicado no Boletim Oficial de Macau, nº 13, de 30 de Março de 1987, foi autorizada a concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 9,180m2, situado na Ilha da Taipa, entre o Pac On e a subestação eléctrica da CEM, designado por lote “PO2”, em parte conquistado ao mar, a favor de Raimundo Ho.
2. A referida concessão foi titulada por escritura pública outorgada em 12 de Junho de 1987.
3. De acordo com o estipulado na cláusula segunda do contrato da concessão, o arrendamento seria válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da outorga da escritura pública, ou seja até 11 de Junho de 2012.
4. Conforme o previsto na cláusula terceira do contrato, o terreno seria aproveitado com a execução de obras de infra-estruturas e a construção de 14 moradias unifamiliares de 3 pisos cada, um clube, uma piscina e instalações para ténis, destinados ao uso exclusivo dos residentes.
5. O prazo de aproveitamento do terreno foi estipulado em 36 meses, contados a partir da data da publicação do Despacho n.º 42/SAES/87, ou seja, de 30 de Março de 1987 até 29 de Março de 1990.
6. Posteriormente, através do Despacho n.º 101/SATOP/92, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 31, de 03 de Agosto, foi autorizada a alteração do aproveitamento do terreno, para ser aproveitado com a construção das infra-estruturas, 14 moradias unifamiliares de 3 pisos cada, 7 moradias unifamiliares de 2 pisos cada, uma piscina, campo de ténis e instalações de apoio, passando a área do terreno concedido a ser revista para 11,650m2.
7. O lote “PO2” é composta por 6 parcelas, a saber: “A”, “B”. “C”, “D1”, “D2” e “E”, devidamente demarcadas, assinaladas e individualizdas na planta cadastral, tendo cada uma finalidade e utilidade próprias.
8. A parcela “A” é área de habitação unifamiliar.
9. A parcela “B” é área de construção do edifício de classe MA.
10. A parcela “C” representa a área destina a infraestruturas urbanas a executar pelo concessionário, e a reverter ao domínio público.
11. As parcelas “D1” e “D2” são área destinada a zona verde e a reverter do domínio público.
12. A parcela “E” deverá ser demolido o posto de transformação eléctrica após a conclusão do edifício na parecela “B”, e a respectiva parcela de terreno será integrado no domínio público.
13. Por força desta revisão, o prazo de aproveitamento do terreno foi prorrogado por mais 30 meses, contados a partir de 30 de Março de 1990 até 29 de Setembro de 1992, e o concessionário deveria elaborar e apresentar, no prazo de 90 dias contados a partir da data da publicação do mencionado despacho de revisão, o projecto de obra (projectos de fundações, estruturas, águas, esgotos, electricidade e instalações especiais) e deveria iniciar as respectivas obras no prazo de 30 dias contados a partir da data da notificação da aprovação do projecto de obra.
14. O prémio do contrato no valor de $4,230,000.00 patacas e o prémio adicional no valor de $2,070,645.00 patacas foram integralmente liquidados em prestações pelo concessionário.
15. Constituíam encargos especiais a suportar exclusivamente pelo concessionário:
1. A desocupação do terreno e remoção de todas as construções e materiais aí existentes;
2. Executar, nos termos dos projectos aprovados pela Administração, todas as infra-estruturas, nomeadamente rede geral de esgotos, rede geral de abastecimento e distribuição de água, bem como redes gerais de energia e iluminação pública, incluindo os postos de transformação considerados necessários;
3. Garantir, durante um ano, contado a partir da data da sua conclusão, a boa execução e qualidade de materiais aplicados nas infra-estruturas do terreno, correndo por conta do concessionário todos os encargos com as correcções e substituições a efectuar ao abrigo desta garantia;
4. Executar, à sua própria custa, os projectos e obras correspondentes, respeitantes a quaisquer alterações relativas às infra-estruturas que, porventura, o concessionário reconheça necessário efectuar depois de aprovados os projectos pela Administração;
5. Entregar à Administração, logo que concluídos e considerados aceites por esta, todos os arruamentos, zonas verdes públicas, com todas as respectivas infra-estruturas;
6. Reparar, durante o período de execução das obras de aproveitamento do terreno, todos os estragos e quaisquer danos provocados pelo concessionário, nomeadamente pelo transporte de materiais nos arruamentos, zonas verdes públicas que, nos termos do contrato, deverão ser entregues à Administração.
16. A construção das 14 moradias unifamiliares referidas na alínea b) do n.º 1 da cláusula terceira do contrato de revisão da concessão viria a ficar concluída em 05 de Fevereiro de 1991, conforme atesta a licença de utilização n.° 77/91, emitida em 02 de Abril do mesmo ano.
17. Com excepção da área onde se encontravam implantadas as referidas moradias unifamiliares na parcela “A”, a restante área do terreno concedido nunca foi aproveitada.
18. Reunida em sessão de 21 de Janeiro de 2016, a Comissão de Terras emitiu o parecer n.º 6/2016, que aqui se dá por reproduzido, e no qual concluiu nos seguintes termos: «Reunida em sessão de 21 de Janeiro de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo e ter tido em consideração os pareceres e propostas constantes nas informações n. Os 304/DSODEP/2011, de 29 de Dezembro, 34/DJUDEP/2012, de 22 de Junho, 26/GTJ/2012, de 21 de Agosto, 241/DSODEP/2012, de 05 de Outubro, 033/DSODEP/2013, de 21 de Janeiro, 001/DSODEP/2013, de 30 de Maio, nas propostas n.ºs 121/DJUDEP/2015, de 04 de Setembro, 306/DSODEP/2015, de 3 de Dezembro, bem como o despacho do STOP, de 09 de Novembro de 2012 e 04 de Dezembro de 2015, exarados na informação n.° 241/DSODEP/2012 e proposta n.° 306/DSODEP/2015, e o despacho do Chefe do Executivo, de 14 de Novembro de 2012, exarado na informação n.° 241/DSODEP/2012, considera que muito embora o presente procedimento tenha sido iniciado para a Administração verificar e apreciar se o cumprimento do contrato de concessão seria imputável ao concessionário e, por conseguinte, causa da caducidade-sanção legal e contratualmente prevista, tendo em 11 de Junho de 2012 terminado o prazo de vigência da concessão (prazo de arrendamento) sem que o aproveitamento de parte do terreno, com a área de 7,590m2, tenha sido executado, verifica-se a caducidade parcial da concessão pelo decurso daquele prazo, a qual deve ser declarada por despacho do Chefe do Executivo».
19. Em 15 de Fevereiro de 2016, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas emitiu parecer que aqui se dá por reproduzido e que concluiu nos seguintes termos: «Consultado o processo supra mencionado e concordando com o que vem proposto pelas razões indicadas naquele, solicito a Sua Excelência o Chefe do Executivo que declare a caducidade da concessão do referido terreno».
20. Em 26 de Abril de 2016, a Entidade Recorrida declarou a caducidade da concessão, por arrendamento, do terreno correspondente às parcelas demarcadas e assinaladas com as letras «B», «C», «D1», «D2» e «E» na respectiva planta cadastral n.º 29/1989, que faz parte integrante do lote «PO2» e do qual deve ser desanexado, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 21676 a fls. 198v do livro B61, situado na ilha da Taipa, entre a subestação da CEM e o aterro do Pac On, a que se refere o Processo n.º 54/2015 da Comissão de Terras, pelo decurso do seu prazo, nos termos e com os fundamentos do parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas referido no artigo anterior.
*
IV – Fundamentação
O presente recurso contencioso consiste em apreciar a eventual legalidade/ilegalidade do acto recorrido, pelo qual se declarou a caducidade da concessão do terreno em questão.
Na petição inicial, o Recorrente invocou, como fundamentos do recurso, os seguintes:
a) vício de forma por falta de audiência prévia;
b) a impossibilidade legal da declaração de caducidade por interrupção do prazo de caducidade operada pela entrada em vigor da Lei Básica da RAEM e respectiva transição constitucional;
c) a impossibilidade legal da caducidade parcial na caducidade preclusiva;
d) violação dos princípios da imparcialidade, da igualdade, da boa-fé e do interesse público.
Nas alegações facultativas, acrescentou os seguintes fundamentos do recurso:
a) a impossibilidade jurídica da declaração da caducidade da parcela «C» da planta cadastral n.º 29/1989 com a área de 3304 metros quadrados;
b) a existência da causa impeditiva da caducidade dos direitos resultantes da concessão, derivada do Despacho n.º101/SATOP/92;
c) o erro da Administração na determinação do termo inicial do prazo de caducidade;
d) a impossibilidade objectiva da prestação em virtude da alteração da parcela «C» da planta cadastral n.º 29/1989 com a área de 3304 metros quadrados;
e) o novo plano de aproveitamento e a subsequente impossibilidade do aproveitamento;
f) a mora não impotável ao concessionário, ora recorrente;
g) o erro nos pressupostos de facto e de direito da declaração da caducidade parcial da concessão;
h) o erro nos pressupostos de facto e de direito, decorrente de um deficit de instrução.
Vamos analisar se lhe assiste razão.
Antes de mais, cumpre-nos dizer que nos termos do nº 3 do artº 64º do CPAC, o recorrente só pode alegar novos fundamentos do seu pedido cujo conhecimento tenha sido superveniente.
No caso em apreço, os novos fundamentos alegados nas alegações facultativas não são de conhecimento superveniente, nem o próprio Recorrente justificou tal conhecimento superveniente.
Assim, com excepção dos vícios de nulidade que são de conhecimento oficioso e cuja invocação não tem qualquer limitação temporal, os de anulabilidade não são conhecidos por terem sido invocados extemporaneamente1, a saber:
a) a existência da causa impeditiva da caducidade dos direitos resultantes da concessão, derivada do Despacho n.º101/SATOP/92;
b) o erro da Administração na determinação do termo inicial do prazo de caducidade;
c) a impossibilidade objectiva da prestação em virtude da alteração da parcela «C» da planta cadastral n.º 29/1989 com a área de 3304 metros quadrados;
d) o novo plano de aproveitamento e a subsequente impossibilidade do aproveitamento;
e) a mora não impotável ao concessionário, ora recorrente;
f) o erro nos pressupostos de facto e de direito da declaração da caducidade parcial da concessão; e
g) o erro nos pressupostos de facto e de direito, decorrente de um deficit de instrução.
1. Da impossibilidade legal da declaração de caducidade por interrupção do prazo de caducidade operada pela entrada em vigor da Lei Básica da RAEM e respectiva transição constitucional:
Para o Recorrente, com a entrada em vigor da Lei Básica da RAEM e a transição desta, o prazo de 25 anos de concessão inicialmente fixado fica interrompido; o referido prazo conta-se de novo a partir de 20/12/1999 ao abrigo do artº 7º da Lei Básica.
Nesta conformidade, ainda não se verifica o termo do prazo da concessão.
Trata-se de um argumento do recurso manifestamente infundado e sem qualquer suporte legal.
Em lado algum da Lei Básica da RAEM fala da interrupção do prazo das concessões do terreno antes da transição.
Bem pelo contrário, o nº 1 do artº 120º da Lei Básica estipula expressamente que a RAEM “reconhece e protege, em conformidade com a lei, os contratos de concessão de terras legalmente celebrados ou aprovados antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau que se prolonguem para além de 19 de Dezembro de 1999 e os direitos deles decorrentes”.
Ou seja, os direitos e deveres decorrentes das concessões de terras anteriores continuam a ser válidos nos seus precisos termos, sem sofrer qualquer alteração.
Improcede, assim, este argumento do recurso.
2. Da impossibilidade legal da caducidade parcial na caducidade preclusiva:
Na óptica da Recorrente, sendo as parcelas “B”, “C”, “D1”, “D2” e “E” partes integrantes do Lote “PO2”, o qual foi objecto duma concessão única, não é possível proceder à declaração de caducidade parcial das mesmas, uma vez que as referidas parcelas do terreno nunca forma objecto de qualquer desanexação ou concessão autónoma.
Não achamos que lhe assiste razão.
É certo que só existe uma concessão única do Lote “PO2” que compreende 6 parcelas de terrenos, a saber: “A”, “B”, “C”, “D1”, “D2” e “E”.
Contudo, cada uma dessas parcelas está geograficamente demarcada e diferenciada, tendo cada uma delas finalidade e utilidade próprias:
- A parcela “A” é área de habitação unifamiliar;
- A parcela “B” é área de construção do edifício de classe MA;
- A parcela “C” representa a área destina a infraestruturas urbanas a executar pelo concessionário, e a reverter ao domínio público;
- As parcelas “D1” e “D2” são área destinada a zona verde e a reverter do domínio público; e
- A parcela “E” deverá ser demolido o posto de transformação eléctrica após a conclusão do edifício na parcela “B”, e a respectiva parcela de terreno será integrado no domínio público.
Ora, sendo parcelas de terreno devidamente individualizadas e com finalidade e utilidade próprias, não se vê qualquer obstáculo legal para a Entidade Recorrida proceder-se à declaração parcial das mesmas, sob pena de impor à declaração de caducidade da toda a concessão, o que é ainda pior para o Recorrente.
3. Da impossibilidade jurídica da declaração da caducidade da parcela «C» da planta cadastral n.º29/1989 com a área de 3304 metros quadrados:
Segundo o Recorrente, a parcela “C” identificada na planta cadastral nº 29/1989, com a área de 3304m2, correspondente à estrada de Choi Long e, nessa medida, está fora do comércio jurídico, não podendo por isso ser objecto da declaração de caducidade.
Sobre esta questão, o Dignº Magistrado do Mº Pº emitiu o seguinte parecer:
“…
Trata-se duma alegação falsa. Pois, a alínea 19.1) da Informação n.º001/DSODEP/2013 esclarece propositadamente que «根據基礎建設廳的資料,位於批地範圍內,靠近剩餘土地(“B”地塊)的一段公共道路確實是由行政當局於1996年建成,並移交當時的海島市政廳» (doc. de fls.94 a 102 do P.A., Vol. I). O que evidencia indubitavelmente que a parcela «C» não corresponde com a Estrada de Choi Long (聚攏街) que, na realidade, ocupa apenas a parte remanescente da parcela «B» da planta cadastral n.º29/1989.
Ora, o n.º22 do referido Parecer n.º6/2016 aponta: «Relativamente aos encargos especiais, da leitura das informações da DSSOPT datadas de Dezembro de 2011, conclui-se que as infra-estruturas dentro da área do terreno concedido, tais como vias, iluminação púbica, postos de transformação, entre outros, estavam concluídas, no entanto, o respectivo procedimento de entrega das mesmas ainda não tinha sido efectuado.» (sublinhas nossas)
Bem, dado que o recorrente não apresenta prova capaz de abalar a firmeza dessa conclusão da Comissão de Terras, resta-nos inferir que como parte componente do terreno concedido ao recorrente, a parcela «C» da planta cadastral n.º19/1989 ainda não se integrou no domínio público da RAEM na data do despacho recorrido em 26/04/2016.
Assim que seja, afigura-se-nos que o despacho recorrido na parte respeitante à declaração da caducidade da parcela «C» da planta cadastral n.º19/1989 não enferma da impossibilidade jurídica arrogada pelo recorrente nas alegações, e portanto, nem padece da nulidade contemplada na alínea c) do n.º2 do art.122º do CPA.”.
Concordamos integralmente a douta posição do Mº Pº, pelo que com a devia vénia, fazemos como parte da nossa fundamentação para julgar improcedente este argumento do recurso.
4. Da falta de audiência prévia:
Como é sabido, a audiência de interessados é uma das formas da concretização do princípio da participação dos particulares no procedimento administrativo, legalmente previsto no artº 10º do CPAC, nos termos do qual os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito.
E destina-se a evitar, face ao administrado, o efeito surpresa e, no mesmo passo, garantir o contraditório, de modo a que não sejam diminuídos os direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados.
A doutrina e a jurisprudência portuguesa, cujo sistema jurídico é igual ou semelhante ao nosso, pelo que citamos a título do Direito Comparado, têm vindo a entender que a preterição dessa formalidade pode, em certos casos, ser ultrapassada se daí não resulte qualquer ilegalidade determinante da anulação do acto, isto é, quando, atentas as circunstâncias concretas, a intervenção do interessado se tornou inútil, seja porque o contraditório já se encontre assegurado, seja porque não haja nada sobre que ele se pudesse pronunciar, seja porque, independentemente da sua intervenção e das posições que o mesmo pudesse tomar, a decisão da Administração só pudesse ser aquela que foi tomada (Ac. do STA, proferidos nos Recursos nºs 1240/02, 671/10 e 833/10, respectivamente, de 03/03/2004, 10/11/2010 e 11/05/2011).
Ao nível da jurisprudência local, tanto o TUI como este TSI também têm vindo a adoptar o mesmo entendimento (cfr. Acs. do TUI de 25/07/2012, 25/04/2012 e 23/05/2018, proferidos nos Proc. nºs 48/2012, 11/2012 e 7/2018 e Acs. do TSI de 09/11/2017, 01/02/2018 e 14/06/2018, proferidos nos Procs. nºs 375/2016, 26/2017 e 16/2017, respectivamente).
No caso em apreço, o acto recorrido consiste numa declaração da caducidade da concessão provisória pelo termo da mesma sem que esta se encontra convertida em definitiva.
Sobre a natureza desta declaração de caducidade, quer o TUI (cfr. Ac. do TUI de 23/05/2018, proferido no Proc. nº 7/2018), quer este TSI (cfr. Acs. do TSI de 01/02/2018, 31/05/2018 e 14/06/2018, proferidos nos Procs. nºs 26/2017, 574/2016 e 16/2017, respectivamente), já fixaram a jurisprudência unânime no sentido de que se trata duma caducidade preclusiva, que depende somente dum facto objectivo simples, que é justamente o decurso do prazo da concessão provisória legal ou contratualmente estabelecido, independentemente de haver ou não culpa do concessionário na falta de aproveitamento do terreno dentro do prazo fixado.
Ou seja, a lei impõe-se, sem qualquer alternativa, a verificação da caducidade no caso do termo do prazo da concessão provisória sem que esta se encontra convertida em definitiva.
Sendo uma caducidade legalmente imposta sem qualquer outra opção, a respectiva declaração constitui uma actividade administrativa vinculada
Nesta conformidade, a audiência da Recorrente deixa de ter qualquer relevância, uma vez que nada pode influenciar a decisão a tomar pela Entidade Recorrida.
5. Da violação dos princípios da igualdade, da imparcialidade e da boa-fé:
A alegada violação dos vícios em causa só tem interesse para actividade administrativa discricionária, nunca é operante no exercício do poder vinculado.
No mesmo sentido, vejam-se os Acs. do TUI de 08/06/2016, 22/06/2016 e 23/05/2018, proferidos nos Proc. nºs 9/2016, 32/2016 e 7/2018 e Acs. do TSI de 07/07/2016, 09/11/2017, 01/02/2018, 15/03/2018 e 14/06/2018, proferidos nos Procs. nºs 434/2015, 375/2016, 26/2017, 299/2013 e 16/2017, respectivamente.
Tendo o acto recorrido praticado no âmbito do exercício do poder vinculado, os alegados vícios não deixam de se julgar improcedentes.
*
Tudo visto, resta decidir.
*
V – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso, confirmando o acto recorrido.
*
Custas pelo Recorrente com 20UC de taxa de justiça.
Notifique e D.N..
*
RAEM, aos 12 de Julho de 2018.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Mai Man Ieng
1 No mesmo sentido, veja-se o Ac. do TSI no Proc. nº 461/2016.
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------
1
52
541/2016