Processo n.º 264/2018 Data do acórdão: 2018-6-28 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– consumo ilícito de estupefaciente
– detenção indevida de utensílio
– concurso real efectivo
– art.o 14.o da Lei n.o 17/2009
– art.o 15.o da Lei n.o 17/2009
– carácter específico do utensílio para consumo de estupefaciente
S U M Á R I O
Entre o crime de consumo ilícito de estupefacientes e o crime de detenção indevida de utensílio, p. e p. respectivamente pelos art.os 14.o e 15.o da Lei n.o 17/2009, não há concurso aparente, mas sim concurso real efectivo, o que não obsta à hipótese jurídica de absolvição do crime de detenção indevida de utensílio se, por exemplo, o utensílio em causa for um objecto de uso corrente na vida quotidiana e não tiver, pois, carácter específico para consumo de estupefaciente.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 264/2018
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguida): A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformada com a sentença proferida a fls. 220 a 225v dos autos de Processo Comum Singular n.° CR2-17-0512-PCS do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que a condenou como autora material de um crime consumado de consumo ilícito de estupefacientes, p. e p. pelo art.o 14.o da Lei n.o 17/2009, na pena de dois meses de prisão, e de um crime consumado de detenção indevida de utensílio, p. e p. pelo art.o 15.o da mesma Lei, na pena de dois meses de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas duas penas, finalmente na pena única de três meses e quinze dias de prisão, veio a arguida A, aí já melhor identificada, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para rogar a não punição do crime de detenção de utensílio (por esse delito dever ser entendido como já absorvido pela prática do delito de consumo ilícito de estupefaciente) e, fosse como fosse, a substituição da pena de prisão pela de multa à luz do art.o 44.o do Código Penal (CP) ou a suspensão da execução da pena (cfr. a motivação do recurso apresentada a fls. 232 a 237 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu o Ministério Público no sentido de improcedência (cfr. a resposta de fls. 244 a 248v).
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 262 a 263), pugnando também pelo não provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Como não vem impugnada a matéria de facto já descrita como provada nas páginas 3 a 6 do texto da sentença recorrida (ora concretamente a fls. 221 a 222v), é de tomar tal factualidade provada como fundamentação fáctica da presente decisão de recurso, nos termos permitidos pelo art.º 631.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, ex vi do art.º 4.º do Código de Processo Penal.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Pois bem, a recorrente pede primeiro a absolvição do crime de detenção indevida de utensílio, alegando a absorção desse delito pelo crime de consumo ilícito de estupefaciente.
Contudo, para o presente Tribunal de recurso, não há concurso aparente entre esses dois tipos legais de crime, o que não obsta à hipótese jurídica de absolvição do crime de detenção indevida de utensílio se, por exemplo, o utensílio em causa for um objecto de uso corrente na vida quotidiana e não tiver, pois, carácter específico para consumo de estupefaciente.
No caso dos autos, foi descoberto como detido pela recorrente um frasco de vidro, inclusivamente. Pode ver-se o aspecto desse frasco (que constitui o objecto apreendido n.o 2) nas fotografias coloridas de fls. 9 e 10 dos autos, em anexo ao auto de apreensão de fl. 7, aspecto esse que revela que o mesmo frasco não é de uso corrente na vida quotidiana das pessoas, pelo que se mantém a decisão condenatória do crime de detenção indevida de utensílio, em concurso real efectivo com o crime de consumo ilícito de estupefaciente, pelos quais já vinha condenada a recorrente na sentença recorrida.
A recorrente pretende a substituição da sua pena de prisão pela pena de multa à luz do art.o 44.o do CP. Entretanto, essa pretensão dela não é viável, por ter ela já vários antecedentes criminais, pelo que em prol das prementes exigências da prevenção especial de crime, não se pode substituir a sua pena única de prisão por pena de multa.
Por último, pela mesma razão de ter a recorrente já vários antecedentes criminais, nem se pode suspender a execução da pena única de prisão, pois tudo indica que a mera censura dos factos e a ameaça da execução da pena de prisão já não consigam realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, na vertente de prevenção especial.
Naufraga o recurso, sem mais indagação por desnecessária.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pela arguida, com duas UC de taxa de justiça e mil e setecentas patacas de honorários a favor do seu Ex.mo Defensor Oficioso.
Macau, 28 de Junho de 2018.
________________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
________________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
________________________
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
Processo n.º 264/2018 Pág. 6/6