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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------------
--- Data: 27/06/2018 ---------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. José Maria Dias Azedo -----------------------------------------------------------------

Processo nº 500/2018
(Autos de recurso penal)

(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)

Relatório

1. XXX (XXX), (3°) arguido com os restantes sinais dos autos, respondeu em audiência colectiva no T.J.B., vindo a ser condenado pela prática como autor material de 1 crime de “consumo ilícito de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 14° da Lei n.° 17/2009, (regime mais favorável), na pena de 2 meses de prisão, e em cúmulo jurídico com a pena de 1 ano e 5 meses de prisão aplicada no âmbito do Proc. n.° CR2-16-0473-PCC, fixou-lhe o Tribunal a pena única de 1 ano e 6 meses de prisão; (cfr., fls. 347 a 358 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu, afirmando que a decisão recorrida viola os art°s 48° e 64° do C.P.M., solicitando a aplicação de uma pena não privativa da liberdade; (cfr., fls. 442 a 445).

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Respondendo, considera o Ministério Público que o recurso é de rejeitar; (cfr., fls. 456 a 459-v).

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Admitindo o recurso com efeito e modo de subida adequadamente fixados, vieram os autos a este T.S.I., onde, em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“XXX recorre do acórdão de 2 de Março de 2018, que o condenou na pena de dois meses de prisão pela prática de um crime de consumo ilícito de estupefacientes, a qual, em cúmulo jurídico com a pena de prisão de um ano e cinco meses aplicada no âmbito do processo CR2-16-0473-CPP e transitada em julgado em 31 de Outubro de 2017, redundou numa pena conjunta de 1 ano e 6 meses de prisão.
O recorrente acha que, relativamente à aludida pena de dois meses, deveria ter beneficiado da atenuação especial traduzida no arrependimento sincero que manifestou, o que implicaria o recurso à substituição da pena de prisão por multa e aconselharia à suspensão da execução da pena.
Como o Ministério Público explica, de forma clara e completa, na sua resposta, que acompanhamos e para a qual remetemos, os argumentos do recorrente revelam-se insubsistentes.
É óbvio que a matéria tida por provada não inculca a existência de circunstâncias que diminuam acentuadamente a ilicitude do facto, a culpa do recorrente ou a necessidade da pena. Pelo contrário, o passado do recorrente, espelhado no seu certificado de registo criminal, expõe um conjunto de razões que militam contra a atenuação especial. E de todo o modo, a pena aplicada até se contém adentro dos limites de uma atenuação especial…
Por outro lado, o acórdão explicou, clara e fundadamente, com pleno respaldo nas disposições legais pertinentes e no passado do recorrente, as razões da não opção por pena de multa, considerando que tal não dava satisfação adequada ao objectivo da pena. E, de forma igualmente sustentada, explicou o porquê da não substituição da pena de prisão e da não suspensão da sua execução, louvando-se, como não podia deixar de ser, essencialmente na matéria apurada relativamente ao extenso passado criminal do recorrente e ao que isso indicia da sua personalidade, relevando a necessidade do cumprimento da pena de prisão, exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes e porque a mera censura do facto e a ameaça de prisão não conseguem realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Tanto basta, cremos, para justificar a opção pela pena concreta de prisão, a sua não substituição, e bem assim a não suspensão da sua execução.
Em suma, revela-se totalmente improcedente a argumentação do recorrente, pelo que o recurso não merece provimento e deve mesmo ser rejeitado”; (cfr., fls. 542 a 542-v).

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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido, a fls. 349-v a 351-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos, (não havendo factos por provar).

Do direito

3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou pela prática como autor material de 1 crime de “consumo ilícito de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 14° da Lei n.° 17/2009, (regime mais favorável), na pena de 2 meses de prisão, e em cúmulo jurídico com a pena de 1 ano e 5 meses de prisão aplicada no âmbito do Proc. n.° CR2-16-0473-PCC, fixou-lhe o Tribunal a pena única de 1 ano e 6 meses de prisão.

Assaca à decisão recorrida o vício de “excesso de pena”, pedindo a sua alteração para uma “pena não privativa da liberdade”.

Ora, tal como pelo Ministério Público vem clara e cabalmente demonstrado, evidente se apresenta que o presente recurso não pode proceder.

Vejamos, (notando-se que o arguido não impugna a “decisão da matéria de facto” e a sua “qualificação jurídico-penal”, não se considerando igualmente que a mesma mereça qualquer censura).

Pois bem, ao crime de “consumo” pelo arguido ora recorrente cometido cabe a pena de prisão até 3 meses ou pena de multa 60 dias; (cfr., art. 14° da Lei n.° 17/2009, não se tendo aplicado a pena prevista na nova redacção da Lei n.° 10/2016, que entrou em vigou em 28.01.2017, por se ter considerado ser-lhe “menos favorável”).

Nos termos do art. 40° do C.P.M.:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

Em sede de determinação da pena, tem este T.S.I. entendido que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 08.02.2018, Proc. n.° 30/2018, de 12.04.2018, Proc. n.° 166/2018 e de 24.05.2018, Proc. n.° 301/2018).

Por sua vez, há também que ter em conta que:

“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 26.10.2017, Proc. n.° 829/2017, de 30.01.2018, Proc. n.° 35/2018 e de 10.05.2018, Proc. n.° 265/2018).

No mesmo sentido decidiu este T.S.I. que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).

Como se tem igualmente decidido:

“O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16).

“O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detectar incorrecções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na detecção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exacto da pena que, decorrendo duma correta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Guimarães de 25.09.2017, Proc. n.° 275/16).

Aqui chegados, continuemos.

Preceitua o art. 64° do C.P.M. que: “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

E, nos termos do art. 48° do C.P.M.:

“1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão”.

Tratando de idêntica matéria teve já este T.S.I. oportunidade de consignar que:

“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 26.10.2017, Proc. n.° 762/2017, de 11.01.2018, Proc. n.° 1157/2017 e de 26.04.2018, Proc. n.° 228/2018).

O instituto da suspensão da execução da pena baseia-se numa relação de confiança entre o Tribunal e o condenado. Aquele convence-se, em juízo de prognose favorável, que o arguido, sentindo a condenação, é capaz de passar a conduzir a sua vida de modo lícito e adequado, acreditando ainda que o mesmo, posto perante a censura do facto e a ameaça da pena, é capaz de se afastar da criminalidade; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 22.06.2017, Proc. n.° 399/2017, de 09.11.2017, Proc. n.° 853/2017 e de 18.01.2018, Proc. n.° 1/2018).

Perante o que se deixou consignado, ponderando na factualidade dada como provada, e face à “personalidade” pelo ora recorrente revelada avessa ao direito e com tendência para a delinquência, evidente se mostra que inviável é uma decisão que lhe seja favorável.

De facto, o mesmo tem um C.R.C. com condenações em vários processos, onde respondeu por crimes de “abuso de confiança” e “burla”, tendo já beneficiado de suspensão na execução das penas aplicadas, (cfr., C.R.C., a fls. 334 a 340), evidentes sendo as fortes necessidades de prevenção especial (e geral), e que, por isso, afastam, in totum, a possibilidade de aplicação de uma “pena não privativa da liberdade” ao abrigo do art. 64° do C.P.M..

Considerava também Jescheck que: “o tribunal deve dispor-se a correr um risco aceitável, porém se houver sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para aproveitar a oportunidade ressocializadora que se lhe oferece, deve resolver-se negativamente a questão do prognóstico”; (in, “Tratado de Derecho Penal”– Parte General – Granada 1993, pág. 760, e, no mesmo sentido, o Ac. da Rel. de Lisboa de 05.05.2015, Proc. n.° 242/13, e, mais recentemente, da Rel. de Coimbra de 27.09.2017, Proc. n.° 147/15, onde se consignou que “Na formulação deste juízo [de prognose] o tribunal deve correr um risco prudente pois a prognose é uma previsão, uma conjectura, e não uma certeza. Quando existam dúvidas sérias e fundadas sobre a capacidade do agente para entender a oportunidade de ressocialização que a suspensão significa, a prognose deve ser negativa e a suspensão negada”, in “www.dgsi.pt”).

Por sua vez, temos também considerado que, perante a (repetida) insistência na prática de ilícitos criminais por parte de um arguido, (como é o caso), revelando, claramente, não ser merecedor de um “juízo de prognose favorável”, outra solução não existe que não seja uma “medida detentiva”, sob pena de manifestação de falência do sistema penal para a protecção de bens jurídicos e autêntico “convite” à reincidência, (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. da Rel. de Guimarães de 13.04.2015, Proc. n.° 1/12), impondo-se uma reafirmação social mais “intensa” da validade da(s) norma(s) jurídica(s) violada(s); (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. da Rel. do Porto de 10.01.2018, Proc. n.° 417/15).

Como recentemente se consignou, “Há casos em que a aplicação da suspensão da execução da pena surgiria aos olhos de todos como uma infundada indulgência”; (cfr., v.g., o Ac. da Rel. de Guimarães de 22.01.2018, Proc. n.° 956/15).

In casu, cremos nós estarmos perante idêntica situação.

O arguido insiste em levar uma vida delinquente, fazendo descaso absoluto das oportunidades que lhe foram dadas, motivos não existindo para a suspensão da pena única que lhe foi aplicada.

Tudo visto, resta decidir.

Decisão

4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o presente recurso.

Pagará o arguido a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 27 de Junho de 2018

José Maria Dias Azedo
Proc. 500/2018 Pág. 16

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