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Processo n.º 697/2015 Data do acórdão: 2018-7-5 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– período da suspensão da execução da pena de prisão
– art.o 50.o, n.o 2, do Código Penal
– não frequência dos casinos de Macau como regra de conduta
S U M Á R I O

1. De entre as diversas regras de conduta exemplificadas no n.o 2 do art.o 50.o do Código Penal, que podem ser impostas no período de suspensão da pena de prisão, também se conta a regra de conduta de não frequentar certos meios ou lugares (cfr. a alínea b) do n.o 2 deste artigo).
2. Assim, pode ser proibida a entrada nos casinos de Macau à luz deste artigo.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 697/2015
(Recurso em processo penal)
Recorrente (arguido): A



ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 91 a 96 do subjacente Processo Comum Colectivo n.o CR4-14-0332-PCC do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou condenado o arguido A, aí já melhor identificado, como autor material, na forma consumada, de dois crimes de abuso de confiança, p. e p. pelo art.o 199.o, n.o 1, do Código Penal (CP), em seis meses de prisão por cada, e, em cúmulo jurídico, em nove meses de prisão única, suspensa na sua execução por três anos, “na condição de pagar uma indemnização de MOP$6.200,00 ao ofendido em trinta (30) dias, e ainda na pena acessória de proibição de entrada em salas de jogos por três (3) anos”.
Inconformado, veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI) mediante a motivação de fls. 104 a 107 dos presentes autos correspondentes, para se insurgir contra a aplicação da pena acessória de proibição de entrada em salas de jogos, pedindo a revogação dessa proibição, alegando, para o efeito, e no essencial, o seguinte:
– nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de direitos civis, profissionais ou políticos (art.o 60.o, n.o 1, do CP);
– a liberdade de entrada nas salas de jogos é uma das liberdades dos residentes de Macau, a qual, pode ser restringida apenas nos casos previstos na lei;
– não está prevista expressamente na lei que ao crime de abuso de confiança corresponda a pena acessória de proibição de entrada em salas de jogos;
– daí que a aplicação da pena acessória de proibição de entrada em salas de jogos enferma de um erro de aplicação de direito, com violação do art.o 60.o do CP e de diversas disposições em causa da Lei Básica;
– e mesmo não considerando que a aplicação de tal proibição se trata de uma pena acessória, mas sim de uma das condições para a suspensão da execução da pena, o recorrente também não se conforma com o decidido, por a “medida” de proibição de entrada em salas de jogos se mostrar excessiva e em nada se relacionar com a sua conduta, e a imposição dessa proibição violar os art.os 48.o, n.o 2, 50.o, n.os 1 e 4, ex vi do art.o 49.o, n.o 2, todos do CP.
Ao recurso, respondeu o Ministério Público a fls. 109 a 111v no sentido de não se opor à consideração da proibição de entrada em casinos como uma condição da suspensão da execução da pena de prisão.
Subidos os autos, opinou a Digna Procuradora-Adjunta a fl. 123 a 123v no sentido de dever caber ao Tribunal recorrido explicar o sentido obscuro do seu dispositivo, sobre o carácter da tal proibição de entrada em casinos como uma pena acessória ou antes como uma condição da suspensão da execução da pena de prisão.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. O acórdão ora recorrido ficou proferido a fls. 91 a 96, cujo teor integral se dá por aqui integralmente reproduzido.
2. Nesse acórdão, ficou descrito como provado inclusivamente o seguinte:
– o arguido ficou condenado em 16 de Dezembro de 2013 num processo penal anterior (com o n.o CR1-13-0053-PCC no Tribunal Judicial de Base) por quatro crimes de burla, em seis meses de prisão por cada, e, em cúmulo jurídico, na pena de um ano e três meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos;
– o arguido trabalha esporadicamente e aufere MOP$700/800 diárias e tem a seu cargo um filho;
– o arguido tinha dívida de jogo.
3. O dispositivo do acórdão recorrido foi escrito em português e chinês na parte referente à condenação penal.
Na versão portuguesa, pode ler-se o seguinte: “[…] indo condenado em cúmulo jurídico na pena única de nove (9) meses de prisão, suspendendo-se a execução da pena por três (3) anos a contar do trânsito em julgado da decisão, na condição de pagar uma indemnização de MOP$6.200,00 ao ofendido em trinta (30) dias, e ainda na pena acessória de proibição de entrada em salas de jogos por três (3) anos”.
Enquanto na versão chinesa, pode captar-se a seguinte ideia: “condenar o arguido […] em nove meses de prisão única, suspensa na sua execução pelo período de três anos, a contar do trânsito em julgado da decisão, na condição do pagamento de MOP$6.200,00 de indemnização ao ofendido em trinta dias, com proibição de entrada em diversos casinos desta Região Administrativa Especial de Macau pelo período de três anos”.
4. Do último parágrafo da fundamentação jurídica do mesmo acórdão recorrido, com redacção unicamente em português, consta o seguinte: “[…] vai o arguido A condenado em cúmulo jurídico na pena única de nove (9) meses de prisão, suspendendo-se a execução da pena por três (3) anos a contar do trânsito em julgado da decisão, na condição de pagar uma indemnização de MOP$6.200,00 ao ofendido em trinta (30) dias e na proibição de entrada em salas de jogos pelo período de três (3) anos.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
É nesses parâmetros que vai ser decidida a presente lide recursória.
O arguido entende, antes do mais, que a proibição da sua entrada em salas de jogos como tal foi imposta no acórdão recorrido é uma pena acessória ilegal.
Para o presente Tribunal de recurso, ante os elementos referidos na parte II deste acórdão de recurso, a expressão “pena acessória” empregue na redacção da versão portuguesa do dispositivo do acórdão recorrido não deve ser entendida como significando “pena acessória” na acepção do art.o 60.o do CP, mas sim como uma regra de conduta a observar durante o período de três anos de suspensão da execução da pena única de prisão do arguido desta vez. Isto porque quer na fundamentação jurídica desse acórdão (redigida unicamente em português), quer na versão chinesa do dispositivo desse acórdão na parte respeitante à condenação penal em si, não existe qualquer menção de “pena acessória”, pelo que na interpretação do dispositivo do mesmo acórdão, é de interpretar o seu sentido com base na sua versão chinesa, conjugada com a sua fundamentação jurídica.
Do exposto, resulta prejudicado o conhecimento de todo o alegado pelo arguido na sua motivação acerca da ilegalidade da imposição de pena acessória de proibição de entrada em casinos.
Quanto à questão subsidiariamente posta no recurso, cumpre observar que o art.o 48.o, n.o 2, do CP reza que o tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
E de entre as diversas regras de conduta exemplificadas no n.o 2 do art.o 50.o do CP, se conta também a regra de conduta de não frequentar certos meios ou lugares (cfr. a alínea b) do n.o 2 desse artigo).
Assim, a proibição de entrada nos casinos de Macau equivale à regra de conduta de não frequência desses lugares.
Embora o Tribunal recorrido não tenha explicado (ao arrepio do art.o 48.o, n.o 4, do CP) no seu acórdão por quê é que impôs ao arguido a proibição de entrada nos casinos de Macau, o arguido não chegou a suscitar, na motivação do recurso, a falta de fundamentação da decisão de imposição dessa regra de conduta, pelo que só cabe ao presente Tribunal de recurso ajuizar se perante a matéria de facto descrita como provada no acórdão recorrido, é conveniente, adequada e razoável a imposição de tal regra de conduta ao arguido.
Já ficou provado que num processo penal anterior, o arguido ficou condenado em pena de prisão suspensa na execução por crimes de burla, e, não obstante, voltou a praticar dois crimes de abuso de confiança pelos quais ficou condenado nesta vez no acórdão ora recorrido. Também já ficou provado que o arguido trabalha esporadicamente e tem a seu cargo um filho e tinha dívida de jogo.
Quer o tipo legal de burla quer o de abuso de confiança são crimes contra o património.
Assim, para prevenir que o arguido volte a cometer mais algum crime contra o património de outrem, é de impor-lhe, como conveniente, adequado e razoávél, a regra de conduta, a observar no período de três anos de suspensão da execução da pena de prisão única desta vez, de não frequência dos casinos de Macau, a fim de evitar que ele venha a contrair mais facilmente dívida de jogo, dívida de jogo desse tipo que, conforme ensinam as regras da experiência da vida humana, constitui, frequentemente, causa de prática de crimes contra o património. E a proibição de frequência dos casinos de Macau a um delinquente não primário em crimes contra o património e com dívidas de jogo visa exactamente para facilitar a reintegração dele na sociedade, em termos de prevenção especial falando.
Por isso, a proibição do arguido recorrente de entrada nos casinos de Macau durante todo o período da suspensão da execução da sua pena única de prisão desta vez não viola o n.o 2 do art.o 48.o do CP, nem o n.o 1 do art.o 50.o do mesmo diploma, nem tão-pouco o n.o 2 do precedente art.o 49.o.
Naufraga, pois, o recurso, sem mais indagação por desnecessária.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pelo arguido, com duas UC de taxa de justiça e três mil patacas de honorários a favor da Ex.ma Defensora Oficiosa.
Comunique a presente decisão aos Processos n.os CR1-13-0053-PCC e CR4-16-0279-PCS do Tribunal Judicial de Base.
Macau, 5 de Julho de 2018.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chou Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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