Recurso nº 551/2018
Recorrente: A
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.:
Nos autos de Liberdade Condicional junto do Juízo de Instrução Criminal do Tribunal Judicial de Base, pela decisão da Mmº Juiz, de 24/4/2017, foi recusada a liberdade condicional do recluso A.
Inconformado com a decisão o recuso, alegando que:
“1. Vem o presente recurso do despacho proferido pelo Mmo. Juiz nos autos, que negou a concessão de liberdade condicional ao recluso ora recorrente.
2. Como resulta da fundamentação da decisão recorrida, a obtenção da liberdade condicional pelo condenado não é automática mas depende da verificação de requisitos de forma e de substância ou material a que alude o art.º 56º do Código Penal.
3. E, se nenhuma dúvida existe quanto à verificação dos requisitos formais, sustentou-se a decisão na não verificação dos requisitos substanciais das alíneas a) e b) do nº 1 do artº 56º supra referido.
4. Analisada a fundamentação da decisão, na opinião da defesa conclui-se pela inutilidade da disposição legal do referido art. 56º pois que, a manter-se a interpretação que a decisão recorrida faz do comportamento do condenado, essencialmente em função da sua condenação, nunca nenhum condenado poderá beneficiar da faculdade da liberdade condicional prevista na aludida norma.
5. De facto, no que respeita à negação dos actos praticados, trata-se de facto ocorrido em sede de audiência de julgamento, o qual teve como consequência um agravamento da medida da pena, e pelo qual não pode agora voltar a ser julgado como o jaz a decisão recorrida.
6. Quanto ao não pagamento da indemnização, o Condenado está preso e impossibilidade de trabalhar e ganhar dinheiro, para poder pagar ou começar a pagar à Ofendida.
7. Aliás, como resulta do anterior pedido apresentado, o Condenado, fundamentou-o precisamente na necessidade de ir trabalhar, para poder começar a pagar a indemnização àquela, com o ganho do seu trabalho.
8. Pelo que a apreciação que o Tribunal fez da aplicação ao Condenado Recorrente, do critério legal da al. a) do art. 56º do Código Penal estipulado para a apreciação da conduta do Condenado, violou o disposto na mesma, por carecer de falta de fundamentação de facto e de direito.
9. Porquanto está em total oposição ao parecer do Director do Estabelecimento Prisional, que é a pessoa que, coadjuvado pelos técnicos sociais, tem precisamente as condições para apreciar em concreto, os efeitos que o cumprimento da pena, ao longo tempo, vai produzindo no recluso.
10. Razão porque o seu parecer é condição essencial, na medida em que é o Vigilante da prisão que ao contactar diariamente com o Condenado, vai percebendo em que medida o cumprimento da pena vai fazendo o recluso reflectir e pensar na conduta errada que o levou à prisão, à perda da liberdade.
11. E, será de acordo com esta aferição do Director da prisão, que o tribunal há-de decidir ou não, pela verificação da condição substancial, constante da al. a) do nº 1 do art. 56 do Código Penal.
12. Ora, da decisão recorrida o que resulta provado é que o Parecer do Sr. Director da Prisão é positivo, ou seja, vai precisamente no sentido de que pelo seu comportamento no cumprimento da pena, o Condenado revelou um sentido positivo de apreensão e que por isso, se for libertado, o seu comportamento social será responsável e sem cometer crimes.
13. O decidido quanto à matéria da al. a) nº 1 do art. 56 do Código Penal está pois não só em total oposição com aquele parecer, como, a decisão está em clara violação do disposto naquele normativo.
14. Vejamos agora a decisão quanto ao requisito da al. b) do nº 1 do art.º 56º do Código Penal.
15. Ora, é a própria decisão que ao apreciar os factos relativos à Condenação diz que pela natureza dos crimes: “… o seu comportamento causou o impacto negativo sobre o regime jurídico...”
16. Mas, ao mesmo tempo refere:
“…, embora que esses factores negativos já foram considerados na determinação da pena, …”
17. E acrescenta, “… mas, na decisão de liberdade condicional tem de apreciar-se, apurar se libertar antecipadamente o Condenado vai causar inaceitação na psicologia do público ou não, bem como se produz grande impacto sobre a ordem social”.
18. Ora, nada mais certo, pois é exactamente o que a lei pretende salvaguardar, seja para a sociedade, seja por outro lado, para cumprir a finalidade com que foi criada a liberdade condicional.
19. Porém, na apreciação desta questão a decisão apelada, refere: “… o Tribunal entende, que libertar antecipadamente o Condenado vai impedir a autoridade da ordem jurídica e a paz da sociedade, …”.
O que “…, impede a expectação do público sobre a eficácia dos articulados do direito violados”.
20. Na opinião da defesa o, aliás douto, despacho não faz uma apreciação sobre a situação do condenado, vertido no parecer do Director do EPC, para efeito de o restituir à liberdade mas exactamente o contrário, pois que representa a eliminação da ordem jurídica do direito à liberdade condicional ou, quando assim se não entenda que não se trata de um direito, da expectativa legítima de, face ao seu bom comportamento prisional, poder beneficiar da liberdade condicional.
21. Dir-se-á, até que o Tribunal se contradiz pois que a liberdade condicional, foi exactamente criada também como forma e prémio de reeducação social dos condenados, no sentido de premiar com a liberdade, não só o cumprimento exemplar da pena por um lado, como por outro, premiar um compromisso sério do Condenado com a sociedade no sentido de não cometer mais crimes e de passar a ter um comportamento adequado à vivência em sociedade e, portanto, à sua reintegração.
22. Acresce que a poucos meses de pena que falta cumprir, a sua libertação antecipada já não põe em causa a ordem jurídica e muito menos a paz social pois que à sociedade tais meses já são indiferentes.
23. Assim, tendo o requerente cumprido já dois terços do período da pena em que foi condenado e pelos motivos expostos beneficia de um juízo de prognose favorável que lhe permitirá logo que em liberdade, levar uma vida socialmente responsável, honesta e de trabalho, sem cometer novos crimes.
24. Não fazendo a lei depender do tipo de crime cometido a concessão da liberdade condicional, já que outros crimes mais graves existem em que aquela é concedida, mas do esforço que o recurso faça para praticar actos demonstrativos da sua capacidade de se adaptar a uma vida socialmente responsável, como foi o caso, não se vislumbra em que medida a sua libertação, face ao ilícito cometido, possa configurar-se como susceptível de causar alarme social por se revelar incompatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
25. Pelo exposto o despacho recorrido, por erro de interpretação e aplicação, deverá ser anulado por violar o disposto no nº 1, al. a) e b) do art.º 56º do Código Penal de Macau.
26. No entendimento do recorrente as normas referidas no ponto anterior deviam ter sido interpretadas e aplicadas de acordo com os pontos 1 a 24 destas conclusões.
Termos em que deverá ser dado provimento ao presente recurso, anulando-se a decisão recorrida nos termos peticionados, devendo conceder-se a liberdade condicional ao recorrente, sujeita às condições julgadas adequadas, assim se fazendo Justiça.
Ao recurso o Ministério Público respondeu, pugnando pela não procedência do mesmo.
Nesta instância, a Digna Procuradora-Adjunta apresentou o deu douto parecer que se transcreve o seguinte:
“Entendemos que não deve ser reconhecido razão ao recorrente A, por não estarem preenchidos os pressupostos da aplicação da liberdade condicional.
Por forço do art.º 56 n.º 1 do Código Penal de Macau, a concessão da liberdade condicional depende da co-existência de pressupostos de natureza formal e material.
É considerado como pressuposto formal da concessão da liberdade condicional, que o condenado tenho já cumprido dois terços do peno de prisão e no mínimo seis meses. Já o pressuposto material abarca a ponderação global da situação do condenado à visto da necessidade da prevenção geral e prevenção especial, sendo a pena de prisão objecto de aplicação da liberdade condicional quando resultar um juízo de prognose favorável ao condenado em termos da aceitável reintegração do agente na sociedade e da defesa da ordem jurídica e da paz social.
Neste sentido, a aplicação da liberdade condicional nunca é feita pela lei com carácter automático, ou seja, não é obrigatório aplicá-la mesmo estando preenchido o pressuposto formal, tendo de mostrar-se satisfeito o pressuposto material.
Permitimo-nos mencionar desde já a condição da concessão de liberdade condicional interpretada pelo ilustre Tribunal Colectivo do T.S.I., encontrando-se recentemente nos Proc.s nºs 418/2013 e 399/2013, ambos de 11/07/2013:
“A liberdade condicional é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.”
Em relação de juízo de prognose favorável, o Prof. Jorge de Figueiredo Dias ensinou-nos assim:
“… se ainda aqui deve exigir-se uma certa medida de probabilidade de, no caso da libertação imediata do condenado, estes conduzir a sua vida em liberdade de modo socialmente responsável. Sem cometer crimes, essa medida deve ser a suficiente para emprestar fundamento razoável à expectativa de que o risco da libertação já possa ser comunitariamente suportado.” (Direito Penal Português – As consequências Jurídicas do Crime, 2ª. Reimpressão, Jorge de Figueiredo Dias, §850).
Além do juízo de prognose favorável, o Prof. não deixou de afirmar a obrigação de respeitar exigências de prevenção geral positiva, pois pode “…… o reingresso do condenado no seu meio perturbar gravemente a paz social e pôr assim em causa as expectativas comunitárias na validade da norma violada. Por outro lado, da aceitação do reingresso pela comunidade jurídica dependerá, justamente, a suportabilidade comunitária da assunção do risco da libertação que, como dissemos, é o critério que deve dar a medida exigida de probabilidade de comportamento futuro sem reincidência.” (《Direito Penal Português – As consequências Jurídicas do Crimes》, §852).
In casu, formulou um parecer o Sr. Director do Estabelecimento Prisional de prognose social favorável ao recorrente. No entanto, parecer este, não tem a concordância do Tribunal recorrido, tendo em conta ao não pagamento da indemnização, a instabilidade do desenvolvimento da personalidade do recorrente, bem como o comportamento prisional bom depois do registo de punições disciplinares no ano de 2-16 que se configura na desconfiança do Tribunal recorrido quanto à reinserção social dentro de um espírito de responsabilidade do recorrente (cfr. fls. 263 a 263v.).
A ressocialização do condenado não é o único pressuposto material a ter em consideração para efeitos de aplicação do instituto ora em causa.
Pesem as melhorias no comportamento prisional nos últimos anos as perspectivas favoráveis de reinserção social, por razões de prevenção geral, tendo em consideração a gravidade dos crimes de violação, coacção, ofensa simples à integridade física, e gravações e fotográficas ilícitas, cometidos pelo recorrente e a sua personalidade, pesando ainda, a análise de todos os elementos do caso concreto e a realidade social de Macau, e seu comportamento em reclusão em termos globais, concluímos que até ao momento existem razões para crer que a libertação antecipada do recorrente irá por em causa a confiança da comunidade no sistema jurídico e, consequentemente, provocar impacto social negativo, nos termos do disposto nº 56 nº 1 do C.P.M..
Tudo ponderado, é de considerar não estar verificado o requisito previsto na alínea b), do nº 1, do art.º 56º, do C.P.M., não devendo conceder-se a liberdade condicional.
Termos em que deve ser julgado improcedente o presente recurso.
Cumpre conhecer.
Foram colhidos vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
Consideram-se pertinentes os seguintes factos:
- Pelo processo n.º CR3-14-0062-PCC do Tribunal Judicial de Base de Macau, o recorrente foi condenado, pela prática de:
- um crime de violação previsto e punido pelo artigo 157º nº 1 ai. a do Código Penal na pena de 4 anos e 6 meses de prisão;
- um crime coacção sexual previsto e punido pelo artigo 158º do Código Penal na pena de 3 anos e 6 meses de prisão;
- um crime de ofensa da integridade física previsto e punido pelo artigo 137º nº 1 do Código Penal na pena de 7 meses de prisão;
- um crime de Gravações e fotografias ilícitas previsto e punido pelo artigo 191º nº 2 al. a do Código Penal na pena de 7 meses de prisão;
- em cúmulo dos 4 crimes, na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão efectiva e no pagamento a indemnização à ofendida na montante de MOP$205.088,00, com os juros a contar a partir da data da sentença.
- Estando pagas as custas do processo, e não da indemnização, o recorrente em 22 de Fevereiro de 2019 cumprirá a pena de prisão na totalidade e cumpriu dois terços da pena em 22 de Abril de 2017.
- Encontra-se registado uma punição disciplinar que ao recorrente foi condenada no dia 25/01/2017, pelo facto cometido em 2016.
- O recorrente declarou que concordou quanto à liberdade condicional.
- Para efeito da apreciação, o Técnico da Prisão elaborou o relatório social cujo teor se consta das fls. 201-212 que se dá por reprodução para todos os efeitos.
- O Sr. Director da Prisão dou o seu parecer favorável à liberdade condicional.
- O Juízo de Instrução Criminal proferiu, em 24 de Abril de 2017, denegou a liberdade condicional da recorrente.
Conhecendo.
O regime da liberdade condicional está previsto no artº 56º do CPM, que preceitua que:
“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”.
São pressupostos formais para a concessão da liberdade condicional, a condenação em pena de prisão superior a seis meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de também seis meses (nº 1).
E estão preenchidos estes pressupostos, in casu, pois pena em que foi condenado o recorrente – 5 anos e 6 meses de prisão – tendo já “expiado” mais que dois terços de tal pena.
Como tem entendido, para a concessão da liberdade condicional, para além destes pressupostos formais, impõe-se ainda a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do referido artº 56º do Código Penal ora citado,1 nomeadamente no ponto de vista da prevenção especial e geral do crime.
A apreciação destes pressupostos materiais consiste na análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”.2
Sendo certo, tal como considerámos no acórdão de 22 de Junho de 2017 no processo nº 497/2017, pelo qual denegou a primeira liberdade condicional, estando registado uma pena disciplinar, pelo facto de 2016, e perante as condenações dos crimes de natureza sexual, não foram verificados todos os requisitos materiais da liberdade condicional, passando o último ano, o comportamento durante o recluso apareceu, adequado e tanto o Senhor Técnico Superior que acompanhava o processo pessoal do recorrente e o Senhor Director deu o parecer favorável à libertação antecipada do recorrente.
O comportamento adequado posterior ao crime, nomeadamente, durante o cumprimento da pena em que vem resultando a prognose favorável na reformação da sua personalidade e a evolução do comportamento positivo, nomeadamente nos últimos dois anos, após o último o facto em 2016 pelo qual foi objecto de punição disciplinar. Nesta parte, afirmamos que isto não deixa de ser um bom sinal de reingresso na comunidade, na sua parte.
Ponderando embora que se manteria a sua libertação antecipada ainda o perigo de provocar, pela natureza dos crimes condenados, ameaças à ordem jurídica e à paz da comunidade, nunca podemos ignorar fazer o equilíbrio entre a exigência da prevenção especial e a geral, nomeadamente no último momento antes da sua libertação, de modo a deixar um período transitório para que o recluso possa readaptar-se na sociedade, com a ameaça da voltar na prisão no caso de não comportar-se bem. Isto se mostrará sempre importante para a ressocialização de um condenado.
O que é mais importante, perante o bom comportamento nos últimos dois anos, a sua libertação antecipada não terá produzido o efeito negativo e terá afectado sobre a aceitabilidade psicológica dos membros comunitários.
Assim sendo, consideram-se preenchidos os pressupostos à libertação antecipada do ora recorrente, procede-se o presente recurso.
Pelo exposto, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso interposto, revogando-se o despacho recorrido, concedendo-se a liberdade condicional do recorrente.
Deve o recorrente, em liberdade, manter-se boa conduta, ficar sujeito ao acompanhamento do DRS, dever apresentar mensalmente perante a P.S.P., e pagar até ao final do ano a indemnização condenada.
Não devem ser condenadas as custas.
Macau, RAE, aos 5 de Julho de 2018
Choi Mou Pan
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng (vencido, por entender ser de manter a decisão recorrida, por a pessoa recorrente ter uma infracção disciplinar prisional, por um lado, e, por outro lado, por serem elevadas as exigências da prevenção geral dos crimes sexuais então praticados).
1 Vide, entre outros, os Acs. deste T.S.I. de 11.04.2002, Proc. nº 50/2002, de 18.04.2002, Proc. nº 53/2002, de 13.06.2002, Proc. nº 91/2002 e de 17.10.2002, Proc. nº 184/2002.
2 Vide entre outros, Ac. deste T.S.I. de 31.01.2002, Proc. nº 6/2002 e os citados de 18.04.2002, de 13.06.2002 e de 17.10.2002.
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