Processo n.º 1072/2017 Data do acórdão: 2018-7-10 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– ofensa simples à integridade física
– suspensão da execução da pena
– art.o 48.o do Código Penal
S U M Á R I O
Atendendo ao facto de o ofendido, com a agressão feita pelo recorrente, ter ficado inclusivamente com concussão cerebral com hematoma e ferida cortante na mão direita, afigura-se que a simples censura dos factos e a ameaça da execução da pena de prisão não consigam realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição na vertente de prevenção geral de crime, pelo que não se pode suspender, em sede do art.o 48.o do Código Penal, a execução da pena de um ano e seis meses de prisão já aplicada pelo tribunal recorrido ao crime de ofensa simples à integridade física praticado pelo recorrente contra o ofendido.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 1072/2017
(Recurso em processo penal)
Recorrente (arguido): A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 157 a 161 do subjacente Processo Comum Colectivo n.o CR2-17-0129-PCC do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), ficou condenado o arguido A, aí já melhor identificado, como autor material, na forma consumada, de um crime de ofensa simples à integridade física, p. e p. pelo art.o 137.o, n.o 1, do Código Penal (CP), na pena de um ano e seis meses de prisão, e de um crime de detenção de arma, p. e p. pelo art.o 262.o, n.o 3, do CP, na pena de nove meses de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas duas penas, finalmente na pena única de um ano e nove meses de prisão efectiva, com obrigação de pagar ao ofendido sessenta mil patacas de indemnização civil, arbitrada oficiosamente, com juros legais desde a data desse acórdão até integral e efectivo pagamento.
Inconformado, veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), tendo alegado (no seu essencial) e peticionado o seguinte na sua motivação de fls. 177 a 183 dos presentes autos correspondentes:
– o Tribunal recorrido não tem jurisdição sobre o crime de detenção de arma, praticado pelo recorrente no Interior da China, pelo que violou a decisão condenatória deste crime o disposto nos art.os 4.o e 5.o, n.o 1, alínea d), do CP;
– violou também a decisão recorrida o art.o 48.o do CP, ao não ter decretado a suspensão da execução da pena de prisão, apesar de o recorrente merecer a suspensão da pena.
Ao recurso, respondeu a Digna Delegada do Procurador junto do Tribunal recorrido a fls. 188 a 191 no sentido de improcedência do recurso.
Subidos os autos, opinou a Digna Procuradora-Adjunta a fls. 201 a 203v, no sentido de provimento do recurso somente na parte respeitante à arguida inaplicabilidade da lei penal de Macau aos factos de detenção de arma.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. O acórdão ora recorrido encontrou-se proferido a fls. 157 a 161 dos autos, cujo teor integral se dá por aqui integralmente reproduzido.
2. O recorrente e o ofendido dos autos são ambos residentes de Macau (cfr. os bilhetes de identidade de residente deles, a que aludem as fls. 108v e 109v dos autos, respectivamente).
3. Do teor dos factos provados 1 e 2 descritos no acórdão recorrido, resulta que os factos de agressão física com um pau de ferro com uma arma branca no seu interior praticados pelo recorrente contra o ofendido ocorreram em zona de estacionamento de veículos do Posto Fronteiriço da Cotai, no lado do Interior da China.
4. Na própria noite do dia 28 de Abril de 2016 de ocorrência desses factos, o ofendido participou o mesmo caso às Autoridades de Segurança Pública competentes no Interior da China, tendo o recorrente e o ofendido sido ouvidos no processo aí instaurado para efeitos de investigação (cfr. o teor de fl. 37 a 38 dos autos).
5. Em 14 de Maio de 2016, o ofendido participou o caso à Polícia Judiciária de Macau, para desejar procedimento criminal contra o recorrente (cfr. o teor de fls. 15 a 15v).
6. Do facto provado 3 descrito no acórdão recorrido, sabe-se que as lesões corporais sofridas pelo ofendido da agressão feita pelo recorrente incluíam concussão cerebral com hematoma e ferida cortante na mão direita, e precisaram de 40 dias para convalescença.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
É nesses parâmetros que vai ser decidida a presente lide recursória.
O arguido recorrente suscitou primeiro a questão de incompetência do Tribunal recorrido para julgar a causa penal em causa na parte respeitante ao crime de detenção de arma.
Procede esta questão, porquanto no caso, por causa da instauração já de um processo pelas Autoridades de Segurança Pública competentes do Interior da China para investigação do mesmo caso, opera a limitação plasmada no art.o 6.o do CP sobre a aplicabilidade, inicialmente prevista no art.o 5.o, n.o 1, alínea d), do CP, da lei penal de Macau ao crime de detenção de arma descoberto como ocorrido já não dentro de Macau.
Portanto, há que passar a ordenar o arquivamento do presente processo penal no tocante ao crime de detenção de arma.
No tangente ao crime de ofensa simples à integridade física, embora este tenha sido praticado não dentro de Macau, mas como o resultado da ofensa corporal ao ofendido ainda se produziu em Macau, a lei penal de Macau é aplicável a este delito (cfr. o art.o 4.o, alínea a), e o art.o 7.o, parte final, ambos do CP).
O recorrente rogou a suspensão da execução da pena deste crime. Entretanto, atendendo ao facto de o ofendido, com a agressão feita pelo recorrente, ter ficado inclusivamente com concussão cerebral com hematoma e ferida cortante na mão direita, afigura-se que a simples censura dos factos e a ameaça da execução da pena de prisão não consigam realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição na vertente de prevenção geral de crime, pelo que não se pode suspender, em sede do art.o 48.o do CP, a execução da pena de um ano e seis meses de prisão já aplicada pelo Tribunal recorrido ao crime de ofensa simples à integridade física praticado pelo recorrente contra o ofendido.
Naufraga, pois, parcialmente o recurso, sem mais indagação por desnecessária.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar parcialmente provido o recurso, passando, por conseguinte, a determinar o arquivamento do presente processo penal na parte respeitante ao acusado crime de detenção de arma (devido à incompetência dos Tribunais de Macau de o julgar), sendo mantida a já condenação, feita no acórdão recorrido, do arguido recorrente como autor material de um crime consumado de ofensa simples à integridade física, p. e p. pelo art.o 137.o, n.o 1, do Código Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão, com obrigação de pagamento ao ofendido da quantia indemnização civil aí arbitrada oficiosamente, com juros legais desde a data do acórdão recorrido até efectivo e integral pagamento.
Pagará o arguido metade das custas do recurso e uma UC de taxa de justiça correspondente à parte que decaiu no recurso.
Comunique a presente decisão ao ofendido, ao Processo n.o CR2-18-0194-PCC do Tribunal Judicial de Base e ao Corpo de Polícia de Segurança Pública.
Macau, 10 de Julho de 2018.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chou Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
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