Processo n.º 148/2016 Data do acórdão: 2018-7-5 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– fuga à responsabilidade
– abandono de sinistrado
– art.o 89.o da Lei do Trânsito Rodoviário
– art.o 88.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário
– concurso real efectivo
S U M Á R I O
Há concurso real efectivo entre o crime de fuga à responsabilidade e o crime de abandono de sinistrado, p. e p. pelos art.os 89.o e 88.o da Lei do Trânsito Rodoviário, respectivamente.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 148/2016
(Recurso em processo penal)
Recorrente (arguido): A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 156 a 161 do subjacente Processo Comum Singular n.o CR1-15-0359-PCS do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou condenado o arguido A como autor material, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo art.o 142.o, n.o 1, do Código Penal, conjugado com o art.o 93.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário (LTR), na pena de 120 dias de multa, e de um crime de fuga à responsabilidade, p. e p. pelo art.o 89.o da LTR, na pena de 60 dias de multa, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 150 dias de multa, à quantia diária de cem patacas, no total, pois, de quinze mil patacas de multa, convertível, no caso de não paga nem substituída por trabalho, em 100 dias de prisão, e mais condenado na inibição de condução por três meses por cada um desses dois crimes, no total de seis meses de inibição de condução, suspensa na sua execução por um ano.
Inconformado, veio recorrer o arguido para este Tribunal de Segunda Instância (TSI) mediante a motivação de fls. 172 a 176 dos presentes autos correspondentes, para pedir a absolvição dos dois crimes, tendo, para o efeito, imputado àquela decisão condenatária erro notório na apreciação da prova com violação do princípio de in dubio pro reo, por no seu entender, e no essencial, não haver qualquer prova directa a tornar provados os factos provados n.os 3 e 4, sendo certo que a conduta de condução dele não podia ser considerada como manobra de ultrapassagem de veículo à luz do art.o 42.o, n.o 4, da LTR.
Ao recurso, respondeu o Digno Procurador-Adjunto junto do Tribunal recorrido a fls. 178 a 183v no sentido de improcedência do recurso.
Subidos os autos, opinou a Digna Procuradora-Adjunta a fls. 192 a 193, no sentido de manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que a sentença ora recorrida se encontra proferida a fls. 156 a 161, cujo teor integral se dá por aqui integralmente reproduzido.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
É nesses parâmetros que vai ser decidida a presente lide recursória.
O arguido apontou à decisão recorrida o vício de erro notório na apreciação da prova.
Entretanto, para o presente Tribunal de recurso, vistos todos os elementos probatórios referidos na fundamentação probatória da sentença recorrida, não se vislumbra que o Tribunal recorrido, aquando da formação da sua convicção sobre os factos, tenha violado quaisquer regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou quaisquer leges artis vigentes no julgamento de factos. Para constatar isto, basta atender à justificação dada pelo Tribunal recorrido acerca da sua livre convicção formada sobre os factos (cfr. a justificação da decisão probatória dada no 9.o parágrafo da página 6 do mesmo texto a fl. 158v).
É certo que na redacção dos factos provados n.os 3 e 4 se empregou o verbo “ultrapassar”, mas a violação ou não da regra estradal do art.o 42.o, n.o 4, da LTR é uma questão de direito, e como tal, não pode fazer abalar a livre convicção do ente julgador no julgamento da matéria de facto.
Não pode, pois, ter existido erro notório na apreciação da prova (como vício referido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do Código de Processo Penal) por parte do Tribunal recorrido no julgamento daqueles dois factos.
Nota-se que a circunstância provada, no seio do facto provado n.o 4, de “o arguido ter ignorado que a distância entre os veículos era demasiado estreita” já justifica a causa do acidente de viação, reconduzível à violação do art.o 21.o, n.o 2, da LTR (segundo o qual o condutor de um veículo em marcha deve manter distância lateral suficiente para evitar acidentes entre o seu veículo e os veículos que transitam no mesmo sentido).
Improcede, pois, o recurso, não podendo o arguido ser absolvido da prática dos dois crimes por que vinha condenado, em face da matéria de facto provada no texto da sentença recorrida.
Ademais, oficiosamente falando, e tida em conta a factualidade já descrita como provada na sentença recorrida, é de condenar o arguido pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de mais um crime, em concurso real efectivo com aqueles dois crimes por que vinha condenado, qual seja, o de abandono de sinistrado, p. e p. pelo art.o 88.o, n.o 1, da LTR, com pena de 90 dias de multa, à taxa diária de cem patacas, pena esta graduada aos padrões dos art.os 40.o, n.os 1 e 2, 45.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2 do CP.
Assim, em cúmulo jurídico desta pena parcelar com as duas penas de multa parcelares já aplicadas na decisão recorrida, é de condenar o arguido, nos termos ponderados do 71.o, n.os 1 e 2, do CP, na pena única de 180 dias de multa, à taxa diária de cem patacas, ou seja, no total de dezoito mil patacas de multa, convertível, no caso de não ser paga nem substituída por trabalho, em 120 dias de prisão, com manutenção das duas penas acessórias de inibição de condução já impostas na decisão recorrida (no período total de seis meses de inibição de condução, suspensa na sua execução por um ano).
Entretanto, essa nova pena única de multa de 180 dias fica forçosamente, por efeito do princípio da proibição de reforma para pior (plasmado no art.o 399.o do CPP), reduzida a 150 dias de multa (à mesma taxa diária de cem patacas, no total, pois, de quinze mil patacas de multa, convertível, no caso de não paga nem substituída por trabalho, em 100 dias de prisão), de maneira que o arguido só tem que pagar, na mesma, 150 dias de multa, à quantia diária de cem patacas, no total de quinze mil patacas, convertível, se não paga nem substituída por trabalho, em 100 dias de prisão, para além de ter que ser condenado na inibição de condução por um período total de seis meses (suspensa na sua execução por um ano).
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso, mas com alteração oficiosa da qualificação jurídico-penal dos factos provados nos termos acima especificados, ficando o arguido recorrente finalmente condenado na pena única de 150 dias de multa à quantia diária de cem patacas, no total de quinze mil patacas, convertível em 100 dias de prisão, para além de ser condenado na inibição de condução pelo período total de seis meses, suspensa essa inibição na sua execução por um ano.
Custas do recurso pelo arguido, com duas UC de taxa de justiça e duas mil e seiscentas patacas de honorários a favor da sua Ex.ma Defensora Oficiosa.
Comunique à ofendida.
Macau, 5 de Julho de 2018.
_______________________
Chan Kuong Seng (com a declaração de que não seria de proceder à nova qualificação
(Relator) jurídico-penal dos factos provados, por o arguido se ter limitado a
impugnar a decisão da matéria de facto e o Ministério Público não ter
interposto recurso para questionar a qualificação jurídico-penal dos
factos feita na sentença)
_______________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
_______________________
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
Processo n.º 148/2016 Pág. 7/7