Processo nº 159/2016
Data do Acórdão: 07JUN2018
Assuntos:
Prescrição do direito à indemnização
Ónus de alegar
Ónus de prova
SUMÁRIO
São tidos por cumpridos o ónus de alegar e o de provar a matéria de excepção se o Réu tiver alegado factos impeditivos da pretensão do Autor e juntado com a contestação elementos documentais que, valorados e aferidos à luz das regras de experiência e do senso, têm a virtualidade de habilitar o Tribunal a formar convicção dando por provados os mesmos factos.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 159/2016
Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I
No âmbito dos autos da acção para efectivação da responsabilidade civil extracontratual, intentada por B, devidamente id. nos autos, contra a Região Especial Administrativa de Macau, aqui representada pelo Ministério Público, registados sob o nº 230/14-RA, que correm os seus termos no Tribunal Administrativo, foi proferida a seguinte sentença julgando procedente a excepção da prescrição do direito, suscitada pela Ré, e absolvendo a Ré da instância:
B, ora Autor, melhor identificado nos autos, vem intentar a presente acção para efectivação de responsabilidade civil extracontratual contra a Região Administrativa Especial de Macau, ora Ré, pedindo a condenação da Ré para o pagar a quantia no valor de MOP1.800.000,00, com juros contados à taxa legal a partir da data da citação, ou à título subsidiário, a quantia no valor de MOP150.000,00, acrescida de juros vencidos e vincendos contados à taxa legal a partir de 22/06/2006 até ao integral pagamento, pelo ressarcimento dos danos patrimoniais sofridos com a perda do lugar de estacionamento pela omissão ilícita e culposa do funcionário da Conservatória do Registo Predial das informações na certidão emitida (cfr. fls. 2 a 6v e 56 a 61 dos autos).
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Regulamente citada, vem a R. suscitar na contestação a excepção peremptória da prescrição do direito à indemnização do A. e impugnar pela improcedência absoluta do pedido por inverificação de todos dos pressupostos legais, ou condenação de indemnização que vier a ser reconhecida, não ultrapassando mais de 46% do valor de MOP150.000,00, que corresponde ao montante despendido pelo A. na aquisição do referido lugar de estacionamento (cfr. fls. 99 a 104v dos autos).
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Na réplica deduzida, o A. vem defender a tempestividade do exercício do direito e requerer a improcedência da excepção peremptória suscitada, deduzindo ainda resposta aos argumentos invocados na contestação da Ré (cfr. fls. 188 a 197v dos autos).
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Depois de ter sido notificado sobre o requerimento da R. em não considerar escrito na réplica tudo quanto extravasa a matéria de excepção, o A. vem defender a legalidade de dedução da resposta à defesa indirecta e à causa impeditiva ou modificativa do direito do A. oferecida na contestação (cfr. fls. 282 a 283 dos autos).
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Rezam os art.ºs 420.º e 424.º do Código do Processo Civil (C.P.C.):
“Artigo 420.º
(Função e prazo da réplica)
1. Na réplica pode o autor:
a) Responder à contestação, se for deduzida alguma excepção e somente quanto à matéria desta;
b) Deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção;
c) Impugnar os factos constitutivos que o réu tenha alegado e alegar os factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo réu, nas acções de simples apreciação negativa.
2. O autor não pode deduzir nova reconvenção.
3. A réplica é apresentada dentro de 15 dias, a contar daquele em que for ou se considerar notificada a apresentação da contestação; o prazo é, porém, de 30 dias, se tiver havido reconvenção ou se a acção for de simples apreciação negativa.
Artigo 424.º
(Posição da parte quanto aos factos articulados pela parte contrária)
A falta de algum dos articulados de que trata a presente secção ou a falta de impugnação dos novos factos alegados pela parte contrária no articulado anterior tem o efeito previsto no artigo 410.º ”
Entende o A. que os alegados nos art.ºs 34.º a 45.º da réplica servem para responder à defesa indirecta oferecida nos art.ºs 7.º, 21.º, 22.º, 26.º, 27.º da contestação, enquanto os art.ºs 46.º a 51.º, 52.º a 53.º e 55.º a 71.º do mesmo articulado destinam a responder aos alegados nos art.ºs 30.º a 34.º, 43.º e 35.º a 41.º da contestação, neles se contemplam matéria de índole impeditivo ou modificativo do direito do A..
Da leitura das normas transcritas, a réplica é admissível para responder à contestação, se for deduzida alguma excepção e somente quanto à matéria desta; defender quanto à matéria da reconvenção; ou impugnar os factos constitutivos que o réu tenha alegado e alegar os factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo réu, nas acções de simples apreciação negativa, tendo in casu apresentado pelo A. o articulado para responder a excepção peremptória da prescrição do direito de indemnização, nomeadamente, nos seus art.ºs 2.º a 33.º.
Todavia, os alegados nos art.ºs 34.º a 45.º da réplica destinam apenas para impugnar os argumentos da R. nos art.ºs 2.º, 6.º, 7.º, 21.º, 22.º, 26.º, 27.º da contestação e fazer comentário do valor probatório das alegações deduzidas e dos documentos apresentados. Além de que a R. tenta fundamentar nos art.ºs 30.º a 41.º e 43.º da contestação os fundamentos da inviabilidade da direito de indemnização, da responsabilidade exclusiva da vendedora de ressarcir os eventuais prejuízos bem como a impossibilidade do montante da indemnização calculado a título de lucros cessantes, não cabe ao A. deduzir resposta (cfr. art.ºs 46.º a 71.º da réplica) a estes por não se versaram de factos novos, muitos menos reveste ao A. direito de deduzir contra-defesa face ao disposto dos art.ºs 407.º, n.º 2, alínea b), 420.º, n.º 1, e art.º 424.º do C.P.C..
Deste modo, deve proceder o requerimento da R. e não devem ser considerados escritos os art.ºs 34.º a 71.º da réplica por falta de fundamento legal.
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Em seguida vamos apreciar a excepção peremptória da prescrição do direito à indemnização do A. suscitada pela R., nos termos dos art.ºs 412.º, n.º 3, e 429.º, n.º 1, alínea b) do C.P.C., ex vi do art.º 99.º, n.º 1 do Código do Processo Administrativo Contencioso (C.P.A.C.).
Importa indicar a seguinte factualidade pertinente e provada dos autos:
1.º - Pela escritura pública de compra e venda celebrada em 27/06/2005, C comprou ao D, representado por F, um trezentos e seis avos (1/306) da fracção autónoma designada por “AR/C”, do rés-do-chão “A”, para estacionamento, com c/v, com a área para a fracção de 14.218,02 metros quadrados, com o valor matricial de MOP80.000,00, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 2XXXX, a folhas 63 verso do Livro B111A, freguesia de Nossa Senhora do Carmo (Taipa), inscrito na matriz predial sob o artigo n.º 40782, com o regime de propriedade horizontal inscrito sob o n.º 1XXXX, a folhas 245 do Livro F42K, pelo preço de MOP90.000,00 (cfr. fls. 16 a 42 e 82 a 86 dos autos).
2.º - Pela escritura pública de compra e venda celebrada em 22/02/2006, o A. comprou à C, representada por G, a fracção autónoma designada por “H5”, do 5.º andar “H”, para habitação, e um trezentos e seis avos (1/306) da fracção autónoma designada por “AR/C”, do rés-do-chão “A”, para estacionamento, com c/v, ambas do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 2XXXX, a folhas 63 verso do Livro B111A, freguesia de Nossa Senhora do Carmo (Taipa), inscrito na matriz predial sob o artigo n.º 40782, com o regime de propriedade horizontal inscrito sob o n.º 1XXXX, a folhas 245 do Livro F42K, pelo preço de MOP2.050.000,00 e MOP150.000,00, respectivamente (cfr. fls. 16 a 43, 87 a 91 e 263 a 280 dos autos).
3.º - Em 01/03/2006, foi pedido o registo da aquisição acima mencionada pela notária privada que exarou a respectiva escritura pública (cfr. fls. 107 a 110 dos autos).
4.º - Pela escritura pública de compra e venda celebrada em 18/07/2008, o A. vendeu a referida fracção autónoma designada por “H5”, do 5º andar “H”, para habitação, ao H, I e J, respectivamente (cfr. fls. 263 a 281 dos autos).
5.º - Pelo despacho proferido em 24/06/2009 no âmbito do processo autuado sob o n.º CV2-98-0021-CEO do 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base da RAEM, foram adjudicados 131/306 avos da fracção autónoma designada por “AR/C”, do rés-do-chão “A”, para estacionamento, à exequente “K Hong Kong Company Limited”, subsequente à arrematação realizada em 18/06/2009, entre os quais, incluindo o avo do A. (cfr. fls. 16 a 44 e 141 a 146 dos autos).
6.º - Foi apresentado o título de arrematação emitida em 10/09/2009 para efeitos da inscrição no registo predial em 07/10/2009 (cfr. fls. 16 a 44 dos autos).
7.º - Em 09/06/2014, o A. intentou junto deste Tribunal a presente acção para efectivação da responsabilidade civil extracontratual (cfr. fls. 2 dos autos).
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A responsabilidade civil extracontratual da Administração e demais pessoas colectivas no domínio dos actos de gestão pública rege-se pelo Decreto-Lei n.º 28/91/M, de 22 de Abril, com alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 110/99/M, de 13 de Dezembro, e tem o seguinte:
“Artigo 6.º
(Prescrição do direito de indemnização)
1. O direito de indemnização por responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos, dos titulares dos seus órgãos e dos agentes por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública, incluindo o direito de regresso, prescreve nos termos do artigo 491.º do Código Civil.
2. Se o direito de indemnização resultar da prática de acto recorrido contenciosamente, a prescrição que, nos termos do n.º 1, devesse ocorrer em data anterior não terá lugar antes de decorridos 6 meses sobre o trânsito em julgado da respectiva decisão.”
E dispõe o art.º 491.º do Código Civil (C.C.):
“Artigo 491.º
(Prescrição)
1. O direito de indemnização prescreve no prazo de 3 anos, a contar da data em que o lesado teve ou deveria ter tido conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, embora com desconhecimento da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.
2. Prescreve igualmente no prazo de 3 anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis.
3. Se o facto ilícito constituir crime para cujo procedimento a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável; contudo, se a responsabilidade criminal ficar prejudicada por outra causa que não a prescrição do procedimento penal, o direito à indemnização prescreve no prazo de 1 ano a contar da verificação dessa causa, mas não antes de decorrido o prazo referido na primeira parte do n.º 1.
4. A prescrição do direito de indemnização não importa prescrição da acção de reivindicação nem da acção de restituição por enriquecimento sem causa, se houver lugar a uma ou a outra.”
Da leitura das normas transcritas, se retira que o prazo de 3 anos da prescrição do direito à indemnização conta-se a partir da data em que o lesado teve ou deveria ter tido conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, embora com desconhecimento da extensão integral dos danos.
Segundo os alegados do A. na p.i., o facto ilícito se deve à omissão ou falha das informações na certidão emitida pelo funcionário da Conservatória do Registo Predial, datada de 20/02/2006 e respeito ao avo da fracção autónoma destinado para estacionamento em causa, nela não se constava da inscrição da penhora sobre o dito avo a favor da “K (Hong Kong) Company Limited” registada já em Novembro de 2000, e daí se o A. tivesse tomado prévio conhecimento não teria comprado o avo. Invocou o A. que o referido avo foi adjudicado consequentemente à exequente “K (Hong Kong) Company Limited” do processo executivo correndo junto do T.J.B. sob o processo n.º CV2-98-0021-CEO, e só mais recente e na sequência das notícias publicadas nos “Macau Daily News” (澳門日報) em 15/08/2012 e Jornal “Va Kio” (華僑報), respectivamente, bem como do Relatório do Comissariado Contra A Corrupção de 2012 publicado no Boletim Oficial – II Série – Suplemento de 11/12/2013, tomou conhecimento de que poderia intentar a presente acção contra a R.A.E.M. (cfr. art.ºs 6.º a 22 da p.i. e fls. 78 a 81v dos autos).
A R. opiniou no sentido que o A. devia tomar conhecimento da incorrecção da certidão predial e das consequências danosas emergente dessa inexactidão aquando do registo da aquisição ou, pelos menos, durante o ano de 2009, do respectivo registo da penhora, da inexactidão da certidão predial e dos eventuais efeitos danosos causadas pelo teor desta certidão, bem como do desenvolvimento e desfecho daquele processo executivo com o correspectivo desapossamento do A. do lugar de estacionamento.
A divergência das partes reside apenas no termo inicial do prazo de prescrição, por obviamente, ambos não argumentam quanto à emissão de uma certidão predial pela Conservatória do Registo Predial em 20/02/2006, destinada para instituir a escritura pública de compra e venda do avo da fracção autónoma para estacionamento em causa como facto ilícito invocado pelo A. para lhe ter induzido comprar o referido avo e causadora dos danos patrimoniais sofridos, cuja ocorrência já se verificou há mais de 3 anos à data da interposição da presente acção.
Por força do n.º 1 do art.º 491.º do C.C., o prazo prescricional de 3 anos não começa a contar-se quando o titular do direito não conheça a verificação dos pressupostos do direito que condicionam a responsabilidade1 e o(s) responsável(is), independente do conhecimento da extensão dos danos e sem prejuízo do decurso do prazo ordinário.
No antigo Código Civil, diversa da versão vigente, o legislador afastava o requisito do titular do direito do conhecimento da pessoa do responsável para o começo do prazo prescricional, desde já, o início da contagem do prazo era independente do conhecimento da pessoa do responsável. Cita o Professor Antunes Varela, “Essa parte do conceito tem, no entanto, de ser entendida em termos hábeis(Ⅰ). Se o lesado só tiver conhecimento da identidade do responsável depois de verificada a lesão, o prazo de três anos para a propositura da acção não se conta desse conhecimento, como anteriormente, mas a partir da data em que o lesado teve conhecimento do seu direito (Ⅱ). Da mesma forma, se forem vários os responsáveis e o lesado tiver desde logo conhecimento de um ou vários deles apenas, não lhe será licito intentar a acção já depois de findo o prazo fixado, a pretexto de só então ter tido conhecimento de outro ou outros dos responsáveis. Se, porém, no momento em que finda o prazo, ainda não for conhecida a pessoa do responsável, sem culpa do lesado nessa falta de conhecimento, nada impedirá a aplicabilidade ao caso do disposto no artigo 321.º.2”
Mesmo que a lei vigente se admite, de algum modo, a dilação do termo inicial do prazo para salvaguardar o titular do direito caso se esgote tempo em averiguar o responsável, cabe sempre o lesado provar o conhecimento temporal dos pressupostos bem como o responsável do seu direito se quiser dilatar o termo início do prazo.
Para sustentar o tempestivo exercício do direito, o A. explicou na réplica que por não assistir ao registo do imóvel em causa ou o utilizar, nem intervir nos autos de execução, como tal não conhecia o respectivo desapossamento na sequência de adjudicação.
É verdade que não se indicia nos autos a intervenção do A. nos autos do processo de execução n.º CV2-98-0021-CEO do 2.º Juízo Cível do T.J.B., muito menos que fosse notificado sobre a arrematação do imóvel realizada em 18/06/2009 ou a consequente adjudicação.
No entanto, não se pode deixar de considerar que em 18/07/2008, o A. chegou a vender a fracção autónoma para habitação (“H5”) situada no mesmo prédio, cuja compra foi feita em conjunta com o avo da fracção autónoma para estacionamento em causa, data muito anterior da arrematação e adjudicação do respectivo avo. Mesmo que se admite o A. nunca utilizasse o avo para estacionamento a partir da data de compra, quer para estacionar o veículo quer para requerer a autorização de residência da R.A.E.M., na esteira de um homem médio normal, a inobservância oportuna da penhora onerada sobre o imóvel e o respectivo desapossamento é extraordinário de modo que, tal como se refere na réplica, o A. é somente proprietário dos imóveis contáveis e a indiferença ou desinteresse absoluta mostrada na gestão de propriedade durante o longo período a partir da data de compra, designadamente, nunca ter visitado o lugar de estacionamento por si próprio ou por terceiro designado a fim de saber o respectivo estado, mesmo no momento da venda da fracção autónoma para habitação, nem conseguir provar a liquidação das respectivas despesas de administração após a data de adjudicação, tudo isto se torna impossível fazer crer em alegada inconsciência ou desconhecimento absoluto dos danos ou desapossamento do avo até à publicação das notícias em jornais e do relatório do C.C.A.C. no B.O. e não em momento anterior, ou pelos menos, o A. deveria tomar conhecimento dos danos alegadamente sofridos quando o avo foi adjudicado ao exequente.
De outro lado, não se pode considerar a data da respectiva publicação das notícias em jornais e do relatório do C.C.A.C. no B.O como o termo inicial do prazo de prescrição, sendo os reportados em jornais ou referidos no relatório do C.C.A.C. casos semelhantes ao do A. na medida que se versam dos avos pertencentes à mesma fracção autónoma para estacionamento no prédio idêntico com ónus de penhora ordenada no processo de execução n.º CV2-98-0021-CEO, mas não implica a condenação efectiva da R. nos processos de condenação correndo neste Tribunal se basear no mesmo fundamento quer factual quer legal. Daí a condenação da R. da responsabilidade civil extracontratual nos referidos processos não se serve como meio de averiguação da pessoa do responsável nem basta justificar o conhecimento tardio do A. do(s) eventual(is) responsável(is) do invocado direito à indemnização.
Acresce que não se verifica nos autos qualquer causa interruptiva ou suspensiva do prazo de prescrição, cuja contagem assim se deve iniciar na data em que o A. teve ou deveria ter tido conhecimento do direito invocado que lhe compete e da pessoa do responsável, embora com desconhecimento da extensão integral dos danos, e terminar no decorrer completo de 3 anos. Dado que não consegue o A. justificar e provar a sua ignorância ou desconhecimento do invocado direito à indemnização e da pessoa do responsável dentro do 3 anos a partir da data de prática do facto danoso, ou pelos menos, a partir da data de desapossamento do avo para estacionamento em causa, a sua incúria ou inércia em conhecer a verificação dos pressupostos do direito bem como o responsável não releva para beneficiar da dilação do termo inicial do prazo de prescrição, tendo assim prescrito o direito à indemnização do A. por força dos art.º 6.º, n.º 1, do D.L. n.º 28/91/M e art.º 491.º, n.º 1, do C.C..
***
Pelos expostos, decide-se verificada a invocada excepção de prescrição e em consequência, julga-se improcedente a acção e absolve-se a R. dos pedidos, ao abrigo dos art.ºs 412.º, n.º 3, e 429.º, n.º 1, alínea b), do C.P.C., ex vi dos art.ºs 1.º e 99.º, n.º 1, do C.P.A.C..
Custas pelo A..
Registe, notifique e D.N..
Notificado e inconformado com a sentença, veio o Autor interpor recurso jurisdicional dela para este Tribunal de Segunda Instância, concluindo e pedindo:
a) O presente recurso tem por objecto a impugnação da sentença de fls. 286 a 291 v, que julgou improcedente a acção e absolveu a Ré dos pedidos, com fundamento na verificação da excepção de prescrição.
b) A Ré suscitou a excepção peremptória de prescrição do direito de indemnização do Autor, alegando que este tomara conhecimento do dano no momento do registo de aquisição da compra do estacionamento ou, o mais tardar, quando o registo de aquisição das adjudicação do mesmo no processo executivo.
c) A decisão sobre recurso reconhece que a questão controvertida residia apenas na determinação do termo inicial do prazo de prescrição (fls. 289 verso)
d) O Tribunal a quo considerou que o prazo prescricional previsto no art.º 491.°, n.º 1, do Código Civil já havia decorrido na data de apresentação da acção.
Com efeito,
e) O Tribunal a quo entendeu que o Autor não conseguiu justificar e provar a sua ignorância ou desconhecimento do invocado direito de indemnização e da pessoa do responsável dentro do prazo de 3 anos a partir da prática do facto danoso, ou pelo menos, a partir da data do desapossamento do estacionamento, ocorrendo uma situação de incúria ou inércia por parte do Autor no conhecimento dos pressupostos do direito bem como do responsável do direito.
f) Dos factos utilizados pelo Tribunal para formar a sua convicção e tirar a decisão ora sobre recurso, só o relacionado com a data da venda da fracção autónoma H5, situada no mesmo prédio onde se situa o lugar de estacionamento, foi dado como provado pelo Tribunal (parágrafo 4.° da factualidade provada - fls. 288).
g) Tudo o mais que serviu para formar a convicção do Tribunal não integra a matéria que o mesmo deu por provada.
h) Para além de assentar em factualidade que não vem provada, a decisão recorrida inverteu a regra do ónus da prova.
i) A invocação da prescrição integra a defesa por excepção, na medida em que a prescrição constitui um facto extintivo do direito que o Autor pretende fazer valer em juízo - art.º 407.°, n.º 2, alínea b), do C.P.C.
j) É ao demandado que se haja defendido por excepção que cabe o ónus de provar os factos que consubstanciam a mesma - art.º 335.°, n.º 2, do Código Civil.
k) A oneração da Ré com a prova do facto extintivo do direito é reforçada pela solução expressamente prevista no art.º 336.°, n.º 2, do CPC.
I) A Ré não fez prova de qualquer facto de onde se pudesse extrair que o prazo de prescrição de 3 anos já havia decorrido na data em que o Autor intentou a presente acção.
m) No seguimento da melhor doutrina e da jurisprudência constante, o termo inicial da contagem do prazo de prescrição do direito de indemnizar com base na responsabilidade civil extracontratual ou por facto ilícito ocorre com o conhecimento por parte do lesado dos pressupostos que condicionam essa responsabilidade.
n) Os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual ou por facto ilícito são: o facto voluntário do agente (ou a omissão de um dever), a ilicitude, a culpa (imputação do facto ao agente a título de dolo ou mera culpa), o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
o) Não foi feita prova de que o Autor teve conhecimento dos pressupostos da responsabilidade de onde emerge o seu direito de ser indemnizado em momento anterior à publicação das notícias nos jornais, em 15/08/2012, ou à publicação do relatório do Comissariado Contra a Corrupção (CCAC), em 11/12/2013.
p) Além do mais, o termo inicial da contagem do prazo prescricional também está dependente do conhecimento da pessoa do responsável, por parte do lesado.
q) Não era ao Autor que cabia provar a sua ignorância ou desconhecimento do direito à indemnização e da pessoa do responsável dentro dos 3 anos a partir a data da prática do facto danoso, ao contrário do que foi decidido pelo Tribunal recorrido.
r) Cabia à Ré, isso sim, afirmar (alegar factos) e provar (os factos por si alegados) que o Autor teve conhecimento de todos os pressupostos da responsabilidade civil que lhe conferiam o direito a ser indemnizado, bem como da pessoa do responsável pelo dano causado, no momento da prática do facto danoso ou da data do alegado desapossamento do estacionamento, o que de todo não aconteceu.
s) Assim, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 335.°, n.º 2, 336.º, n.º 2, e 491.°, n.º 1, todos do Código Civil.
Termos em que, a decisão impugnada deverá ser revogada e substituída por outra que cumpra os preceitos legais violados, assim fazendo V. Exas. a habitual
JUSTIÇA!
Pela RAEM foram apresentadas contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
Subidos os autos a esta segunda instância e devidamente tramitados, foi liminarmente admitido o recurso pelo relator do processo.
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
II
Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in Código de Processo Civil Anotado, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi do artº 149º/1 do CPAC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
Em face das conclusões tecidas na petição do recurso, são as questões sobre o terminus a quo do prazo de prescrição e da repartição do ónus de prova que constituem objecto da nossa apreciação.
Todavia, estas questões concretamente colocadas pelo recorrente podem e devem ser relacionadas, sintetizadas e convertidas numa única questão, que consiste em saber se houve matéria de facto, alegada e comprovada pela parte a quem a lei compete o ónus de a alegar e provar.
De acordo com a causa de pedir configurada pelo Autor, o facto ilícito em que se funda o invocado direito à indemnização é a alegada omissão de certificação do registo de uma penhora que onerava o lugar de estacionamento que adquiriu e para justificar a tempestividade do exercício do direito à indemnização, ele alegou que só tinha tomado conhecimento daquele facto em 2012 e 2013, respectivamente na sequência de notícias publicadas na imprensa local, de um relatório do CCAC, publicado no B.O..
Para o recorrente, para além de assentar em factualidade que não vem provada, a decisão recorrida inverteu a regra do ónus da prova.
Todavia, lida a sentença recorrida, verificamos logo que, sinteticamente falando, a conclusão formulada pelo Tribunal a quo de que o Autor não podia deixar de ter conhecimento dos factos-pressupostos condicionantes da responsabilidade da RAEM com a ocorrência do desapossamento do lugar de estacionamento, por força da adjudicação no âmbito dos autos de execução, em que o bem foi penhorado e arrematado pelo próprio exequente, factos esses que na óptica do Tribunal a quo, foram conhecidos ou cognoscíveis pelo Autor, pelo menos, em 2009.
Ora, esta matéria foi justamente a alegada pela Ré na contestação, nomeadamente no seu artº 11º e devidamente comprovada pelos elementos documentais juntos com a contestação e existentes nos presentes autos e com o recurso às regras de experiência e do senso e aos padrões de diligência exigidos a um homem médio.
Tendo tomado conhecimento dos factos-pressupostos condicionantes da responsabilidade da RAEM, pelo menos, em 2009 e apenas instaurado a acção em 2014, é de ser tido por decorrido o prazo de prescrição de 3 anos previsto no artº 491º/1 do CC.
Assim, cai por terra toda a tese do recorrente e não pode proceder o presente recurso.
Em conclusão:
São tidos por cumpridos o ónus de alegar e o de provar a matéria de excepção se o Réu tiver alegado factos impeditivos da pretensão do Autor e juntado com a contestação elementos documentais que, valorados e aferidos à luz das regras de experiência e do senso, têm a virtualidade de habilitar o Tribunal a formar convicção dando por provados os mesmos factos.
Tudo visto, resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 6 UC.
Registe e notifique.
RAEM, 07JUN2018
(Relator)
Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Fong Man Chong
(Segundo Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng
1 Cfr.《Das Obrigações em Geral》, João de Matos Antunes Varela, Vol., I, 10ª Edição, Almedina, p. 626.
Ⅰ Contra a nova doutrina do preceito, v. Sá CARNEIRO, na Rev. Trib., 86.º, pág. 156 e segs.; a favor dela, PIRES DE LIMA e A. VARELA, Cód. Civ. anot., com. ao artigo 498.º, com o fundamento de que «não deve admitir-se que a incúria do lesado em averiguar quem o lesou e quem são os responsáveis prolongue o prazo da prescrição».
Ⅱ Vide ac. do S.T.J., de 27-11-1973 e a anot. de VAZ SERRA, na R.L.J., 107.º, pág. 296 e segs..
2 Cfr. obra citada, p. 626 a 627 e 《Código Civil Anotado》, Pires de Lima e Antunes Varela, Volume I, Artigos 1.º a 761.º, 4.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, p. 503 e 504.
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Proc. 159/2016-1