Proc. nº 819/2017
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 28 de Junho de 2018
Descritores:
- Revisão de sentença do exterior de Macau
- Requisitos formais
- Concessão de crédito
SUMÁRIO:
I. Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.
II. Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.
Proc. nº 819/2017
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – Relatório
“B LIMITED”, pessoa colectiva nº ACN 060******, com sede na ... ...... Street, ......, Nova Gales do Sul, na Austrália, vem instaurar neste TSI -----
acção especial de revisão e confirmação de sentença proferida por tribunal do exterior de Macau---
Que condenou C, também conhecido por C1, residente em Macau, RAEM, na Avenida do ......, nº ...-... Audan ..., ......, Bloco ..., portador do Passaporte da Região Administrativa Especial de Macau nº MA01*****, ao pagamento de quantia certa à Requerente.
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Houve lugar a citação edital e o MP, para o efeito citado, em representação do ausente, não apresentou contestação.
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os Factos
1 - “B LIMITED”, casino que exerce a sua actividade em Nova Gales do Sul, concedeu crédito ao aqui Requerido no valor total de AU$2,806,742.31 (dois milhões oitocentos e seis mil setecentos e quarenta e dois dólares Australianos e trinta e um cêntimos), após pedido formulado pelo último no dia 15 de Maio de 2014, mediante preenchimento do formulário nº 40****** (doc. nº1, junto com a pe.i.).
2 - O Requerido, como forma de pagamento da quantia mutuada, no dia 1.10.2014, preencheu, assinou e entregou à Requerente o cheque nº 67****, no valor de HK$18,101,242.44 (dezoito milhões, cento e um mil, duzentos e quarenta e dois dólares de Hong Kong e quarenta e quatro centavos), o qual à data era equivalente a AU$2,806,742.31 (dois milhões oitocentos e seis mil setecentos e quarenta e dois dólares australianos e trinta e um cêntimos). (doc. nº2 junto com a p.i.).
3 - O referido cheque, sacado ao D Banking Limited., apresentada a pagamento foi, no dia 24 de Outubro de 2014, recusado (doc. nº3 Junto com a p.i)
4 - Entre 24 de Outubro de 2014 e 27 de Maio de 2015 o Requerido procedeu ao pagamento de AU$l,429,225.11, mantendo-se em dívida à Requerente a quantia de AU$l,377,517.20 (um milhão trezentos e setenta e sete mil quinhentos e dezassete dólares australianos e vinte cêntimos),
5 - No dia 23 de Novembro de 2016 a Requerente intentou contra o aqui Requerido, no Tribunal Supremo de Nova Gales do Sul, a competente acção judicial de condenação, nos precisos termos do requerimento inicial (no versão original statment of claim) (doc. nº 4 junto com a p.i.).
6 - Posteriormente, no dia 10 de Março de 2017, e porque o Requerido se manteve em incumprimento, foi condenado pelo Tribunal Supremo de Nova Gales do Sul, a pagar a Requerente o montante de AU$1,527,365.82 (um milhão quinhentos e vinte e sete mil trezentos e sessenta e cinco dólares australianos e oitenta e dois cêntimos) nos precisos termos da decisão proferida no processo nº 2016/00****** (doc. nº 5 junto com a p.i.).
7 - A referida sentença apresenta o seguinte teor, em língua portuguesa:
Emitida em 10 de Março de 2017 às 8:19hrs
SENTENÇA/ORDEM
DETALHES DO TRIBUNAL
Tribunal
Tribunal Supremo do New South Wales
Divisão
Lei Comum
Lista
Lei Comum Geral
Conservatória
Tribunal Supremo de Sidney
Processo No.
2016/00******
TÍTULO DO PROCESSO
Autora
B LIMITED
ACN 060******
Réu
C1 aliás C
DATA DA SENTENÇA/ORDEM
Data atribuída
9 de Março de 2017
Data registada
9 de Março de 2017
TERMOS DA SENTENÇA/ORDEM
Sentença:
C1 aliás C
pagar a
B Limited, a Autora
a quantia de $1.527.365,82 inclusive de custas
SELO E ASSINATURA
Tribunal Supremo de New South Wales
Assinatura:
XXXXXX
Capacidade
Escrivão Chefe
Data
10 de Março de 2017
Se este documento for emitido através do Sistema Electrónico de Gestão de Casos, ao abrigo das Regras de Processo Civil Uniforme 3.7, este documento é considerado como se tivesse sido assinado se o nome da pessoa estiver escrito onde a sua assinatura deveria de outro modo aparecer.
MAIS DETALHES SOBRE Autora
Autora
Nome
B LTD
ACN 060 *** ***
Morada
... ...... Street
...... NSW 2009
Representante legal da autora
XXXXXX
Número de certidão profissional
21***
Morada
Level 1
... ...... Avenue
...... NSW 2232
Morada DX
Telefone
0295******
Fax
0295******
E-mail
......@.......com.au
Morada electrónica
......@.......com.au
MAIS DETALHES SOBRE Réu
Réu
C1 aliás C
Morada
...... Block ...
... + ... Audan ...
Avenida do ......
Macau
8 – A sentença referida apresenta o seguinte teor em língua inglesa:
Issued: 10 March 2017 8:19 AM
JUDGMENT/ORDER
COURT DETAILS
Court
Supreme Court of NSW
Division
Common Law
List
Common Law General (default)
Registry
Supreme Court Sydney
Case number
2016/00******
TITLE OF PROCEEDINGS
First Plaintiff
B Limited
ACN 060******
First Defendant
C1 also known as C
DATE OF JUDGMENT/ORDER
Date made or given
9 March 2017
Date entered
9 March 2017
TERMS OF JUDGMENT/ORDER
Judgment:
C1 also known as C, First Defendant
is to pay
B Limited, First Plaintiff
the sum of $1527365.82 inclusive of costs.
SEAL AND SIGNATURE
Signature
XXXXXX
Capacity
Principal Registrar
Date
10 March 2017
If this document was issued by means of the Electronic Case Management System (ECM), pursuant to Part 3 of the Uniform Civil Procedure Rules (UCPR), this document is taken to have been signed if the person’s name is printed where his or her signature would otherwise appear.
FURTHER DETAILS ABOUT Plaintiff(s)
First Plaintiff
Name
B Limited
ACN 060******
Address
... ...... Street
...... NSW 2009
Telephone
Fax
E-mail
Client reference
Legal representative for plaintiffs
Name
XXXXXX
Practicing certificate number
21***
Address
Level 1
... ...... Avenue
...... NSW 2232
DX address
Telephone
02 95** ****
Fax
02 95** ****
Email
......@.......com.au
Electronic service address
......@.......com.au
FURTHER DETAILS ABOUT Defendant(s)
First Defendant
Name
C1 aliás C
Address
...... Block ...
... + ... Audan ...
Avenida do ......
Macau
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IV – O Direito
1 – Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública. 2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos não se conhece do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito (Ac. do TSI, de 25/09/2014, Proc. nº 209/2014). Ou seja, no âmbito do presente meio processual não é possível fazer uma revisão de mérito.
Vejamos, então, os requisitos do art. 1200º, do CPC. Antes de mais, cumpre salientar que é sobre a parte requerida que recai o ónus de prova da inexistência dos requisitos de confirmação estabelecidos no art. 1200º do CPC (entre outros, na jurisprudência comparada, o Ac. STJ, de 21/02/2006,Proc. nº 05B4168).
Quer dizer, relativamente àqueles requisitos, geralmente basta ao requerente a sua invocação, ficando dispensado o requerente de fazer a sua prova positiva e directa, já que os mesmos se presumem (neste sentido, Ac. TSI, de 3/07/2014, Proc. nº 142/2013).
Ora, os documentos constantes dos autos revelam e certificam a situação invocada pelo requerente, mostrando, para além da sua autenticidade, a sua inteligibilidade (al. a), do nº1, do art. 1200º do CPC).
E quanto ao trânsito da sentença revidenda, nada disse o requerido que ponha em causa o referido trânsito, nem os autos apresentam elementos que permitam duvidar da sua ocorrência. Pelo contrário, resulta dos autos (cfr. fls. 34) que a sentença é “final” e “imediatamente executória de acordo com as Regras Uniformes de Processo Civil de 2005 (NSW) e a Lei de Processo Civil de 2005 (NSW)
Também não está em causa a falta de competência do tribunal onde foi proferida a sentença revidenda e o assunto tratado não versa sobre matéria que seja da exclusiva competência dos tribunais de Macau (art. 20º e al. c), do nº1, do art. 1200º, do CPC).
Também não se vê que tenha havido violação das regras de litispendência ou que tivessem sido violadas as regras de citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.
Por tudo isto, nada obsta à procedência do pedido (art. 1204º do CPC).
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V- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão proferida pelo Tribunal Supremo de Nova Gales do Sul, no âmbito do processo nº 2016/00******, nos seus precisos termos, tal como acima transcritos.
Custas pela requerente.
T.S.I., 28 de Junho de 2018
(Relator) José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong
(Segundo Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong
819/2017 4