--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------
--- Data: 27/06/2018 --------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Dias Azedo -----------------------------------------------------------------------------
Processo nº 523/2018
(Autos de recurso penal)
(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)
Relatório
1. A, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no art. 56° do C.P.M.; (cfr., fls. 72 a 80 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).
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Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 82 a 83-v).
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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Na Motivação (cfr. fls.72 a 80 dos autos), o recorrente solicitou a revogação do douto despacho recorrido e a sua substituição pela decisão de conceder a liberdade condicional, assacando-lhe a violação do preceito na alínea a) do n.°1 do art.400° do CPM.
Antes de mais, subscrevemos as criteriosas explanações da ilustre Colega na douta Resposta (vide. fls.82 a 83 verso dos autos).
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No dia de hoje, constitui jurisprudência firme que a concessão da liberdade condicional depende do preenchimento cumulativo de todos os pressupostos, quer formais quer substanciais, consignados no art.56° do CPM, bastando a não verificação de qualquer um para se negar o pedido da liberdade condicional (a título exemplificativo, Acórdão do TSI no Processo n.°195/2003).
Importa recordar que a liberdade condicional não é uma medida de clemência ou de recompensa por mera boa conduta prisional, e serve na política do C.P.M. um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o recluso possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão. (Acórdão do TSI no Processo n.°50/2002)
Daí decorre que se, não obstante um comportamento prisional adequado, pelo passado do recluso e perspectivas de reintegração se não se formula um juízo de prognose favorável a uma regeneração e se teme pelas razões de prevenção geral. (Acórdão do TSI no Processo n.°225/2010)
Ainda se inculca reiteradamente que cada situação deve ser observada em concreto e caso a caso, num circunstancialismo de modo, tempo e lugar próprios, analisando de forma crítica a personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo se vai reinserir na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo ainda constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social. (Acs. do TSI nos Processos n.°225/2010 e n.°404/2011)
Envolvendo conceitos indeterminados de prognose, as alíneas a) e b) do n.°1 do art.56° dotam aos julgadores certa margem de livre apreciação na interpretação e na valorização, pelo que a convicção de não verificação dos pressupostos subjectivos só poderia ser neutralizado se houvesse uma exemplar e excelente evolução activa da personalidade do recluso durante a execução da prisão, e não um mero comportamento passivo cumpridor das regras básicas de conduta prisional. (Acórdão do TSI no Processo n.°9/2002)
No caso sub judice, quanto à prevenção especial, o MM° Juiz a quo aponta prudentemente: 在特別預防方面,被判刑人為本澳居民,作出犯罪行為時年約19歲,其觸犯一項「嚴重傷害身體完整性致死罪」,與其他人對被害人作出毆打行為,並導致被害人的身體受到嚴重傷害,最後傷重死亡,顯示被判刑人的守法意識薄弱,其自制能力明顯不足。被判刑人在服刑期間積極學習和參與職訓,為重返社會作出準備,並對向被害人的賠償亦有初步計劃,這一點是值得鼓勵。然而,考慮到本案中,被判刑人與其他人以暴力對待死者,當死者倒在地上無力反抗時,仍繼續對死者進行毆打,其犯罪行為故意程度甚高,而被判刑人在服刑期間曾有一次違規紀錄,且獄方認為被判刑人的獄中行為仍有待改善,顯示其在服刑期間的表現尚欠穩定,故此,本法庭認為尚須對其作進一步觀察,方能確信其人格已獲得適當矯正,並預期被判刑人一旦獲釋,將能以對社會負責的方式生活及不再犯罪。因此,法庭認為被判刑人尚未符合《刑法典》第56條第1款a)項的要件。
A nível da prevenção geral, lá lê-se: 在一般預防方面,本案中被判刑人為本澳居民,作出犯罪行為時年約19歲,本案中,被判刑人觸犯了嚴重傷害身體完整性致死罪,對社會安寧及法律秩序均構成極嚴重的影響。對於人擁有生命權的法益乃刑法所保障的法益之首,生命的彌足珍貴不言而喻,因此,對此類犯罪的一般預防要求極高。一般情況下,對於侵害他人生命的犯罪,受害人家人以至普遍社會成員均難以接受行為人獲得提前釋放。
Assim, não obstante se militarem, nos autos, umas circunstâncias favoráveis ao recorrente, mas, na esteia das persuasivas jurisprudências supra citadas, aderimos, sem reserva, à cristal preocupação do MM° Juiz a quo, no sentido de aquele ainda não preencher, por ora, os pressupostos previstos no n.°1 do art.56° do CPM. Pois, como bem observou o MM° Juiz a quo, existe ainda a séria dúvida de que ele tenha já adquirido a estável capacidade de conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem ir cometer crime; e prevê-se razoavelmente que a colocação dele em liberdade nesta altura não é compatível com a paz social.
De qualquer modo, importa ter presente que é generalizadamente consabido que em termos comparativos, as sanções penais da ordem jurídica da RAEM são mais benevolentes. Daí que Macau deve tentar todo o esforço para evitar a desastre de ser destino ou “paraíso” de delinquentes.
Nesta linha de perspectiva, não podemos deixar de entender que não tem cabimento o pedido da recorrente, e o douto despacho em crise não padece da insuficiência para decisão da matéria de facto provada consagrado na a) do n.°1 do art.400° do CPP, nem merece censura alguma.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso”; (cfr., fls. 90 a 91-v).
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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):
– por Acórdão do T.J.B. de 25.07.2014, foi, A, ora recorrente, condenado pela prática como co-autor de 1 crime de “ofensa grave à integridade física (agravado pelo resultado morte do ofendido)”, p. e p. pelo art. 139°, n.° 1, al. b) e 138°, al. d) do C.P.M., na pena de 8 anos de prisão, e no pagamento solidário, com os outros co-arguidos, da quantia de MOP$1.200.000,00 e juros aos herdeiros legais do ofendido dos autos;
– o mesmo recorrente, deu entrada no E.P.C. em 04.01.2013, e em 03.05.2018, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 03.01.2021;
– em 08.05.2015 foi disciplinarmente punido;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá viver com a sua família em Macau.
Do direito
3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do art. 56° do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.
Porém, sem a mínima razão.
Vejamos.
— Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:
“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. n.° 1).
“In casu”, atenta a pena que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 04.01.2013, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.
Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.
Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).
Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 10.05.2018, Proc. n.° 338/2018, de 17.05.2018, Proc. n.° 337/2018 e de 07.06.2018, Proc. n.° 457/2018, podendo-se também sobre o tema ver o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 540/16).
Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.
Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?
Como se deixou adiantado, cremos que de sentido negativo terá de ser a resposta.
De facto, (independentemente do demais), face ao tipo (e circunstâncias) do crime pelo ora recorrente cometido em comparticipação (com vários outros co-autores) causando a morte do ofendido, (o seu “impacto” na sociedade local, não deixando de causar fortes preocupações e repulsa social), atenta a pena em que foi condenado e o período da que falta expiar, (cerca de 2 anos e 6 meses), há pois que ponderar na compatibilidade da pretendida libertação com a sua repercussão na sociedade, não se podendo postergar as exigências de tutela do ordenamento jurídico, (cfr., F. Dias in “Dto Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 528 e segs.), havendo igualmente que salvaguardar a confiança e as expectativas da comunidade no que toca à validade da norma violada através do “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada”, impondo-se, também por isso, uma reafirmação social mais intensa da validade das normas jurídicas violadas; (cfr., F. Dias in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 106 e o Ac. da Rel. do Porto de 10.01.2018, Proc. n.° 417/15).
Assim, em face das expostas considerações, apresentando-se-nos evidente que verificado não se mostra o pressuposto estatuído no art. 56°, n.° 1, al. b) do C.P.M., impõe-se confirmar a decisão recorrida.
Decisão
4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o recurso.
Pagará o recorrente a taxa de justiça que se fixa em 3 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 27 de Junho de 2018
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