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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------
--- Data: 29/06/2018 --------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Dias Azedo -----------------------------------------------------------------------------
Processo nº 316/2018
(Autos de recurso penal)

(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. d) do C.P.P.M.)

Relatório

1. A, (2°) arguido com os sinais dos autos, respondeu em audiência Colectiva no T.J.B., vindo a ser condenado como co-autor material da prática em concurso real de 1 crime de “usura para jogo”, p. e p. pelo art. 13° da Lei n.° 8/96/M, na pena de 7 meses de prisão, e 1 outro de “sequestro”, p. e p. pelo art. 152°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 1 ano e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, e na pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogo por 2 anos; (cfr., fls. 207 a 215 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Do assim decidido, vem o Ministério Público recorrer, imputando ao Acórdão recorrido o vício de “violação o art. 14° da Lei n.° 8/96/M e art. 243°, al. c) do C.P.M.”, pedindo a condenação do dito arguido como co-autor da prática em concurso real 1 crime de “usura para jogo com exigência ou aceitação de documento”, p. e p. pelos art°s 13° e 14° da Lei n.° 8/96/M, (como acusado estava); (cfr., fls. 222 a 226).

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Sem resposta, admitido o recurso, e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista juntou o Exmo. Representante do Ministério Público douto Parecer pugnando também no sentido da procedência do recurso; (cfr., fls. 243 a 244).

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Em sede de exame preliminar, atenta a questão colocada, e tendo presente o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. d) do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 209 a 211, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos, (não havendo factos por provar).

Do direito

3. Vem o Ministério Público recorrer do Acórdão prolatado pelo T.J.B., insurgindo-se contra a decisão de condenação do (2°) arguido A como co-autor da prática em concurso real de 1 crime de “usura para jogo”, p. e p. pelo art. 13° da Lei n.° 8/96/M.

Em síntese, é de opinião que incorreu o Colectivo a quo em “violação o art. 14° da Lei n.° 8/96/M e art. 243°, al. c) do C.P.M.”, pedindo a condenação do arguido como co-autor da prática em concurso real 1 crime de “usura para jogo com exigência ou aceitação de documento”, p. e p. pelo art. 14° da Lei n.° 8/96/M, (como acusado estava).

Cremos que tem o Exmo. Recorrente razão.

Com efeito, por diversas vezes, e de forma unânime, teve já este T.S.I. oportunidade de se pronunciar sobre a mesma “questão agora colocada”; (cfr., v.g., os Acs. de 07.12.2017, nos Procs. n°s 978/2017 e 998/2017, e o de 14.12.2017, no Proc. n.° 880/2017).

Vejamos, (muito não sendo necessário consignar).

Prescreve o art. 13° da Lei n.° 8/96/M que:

“1. Quem, com intenção de alcançar um benefício patrimonial para si ou para terceiro, facultar a uma pessoa dinheiro ou qualquer outro meio para jogar, é punido com pena correspondente à do crime de usura.
2. Presume-se concedido para jogo de fortuna ou azar a usura ou mútuo efectuado nos casinos, entendendo-se como tais para este efeito, todas as dependências especialmente destinadas à exploração de jogos de fortuna ou azar, bem como outras adjacentes onde se exerçam actividades de carácter artístico, cultural, recreativo, comercial ou ligadas à indústria hoteleira.
3. A conduta do mutuário não é punível”.

Por sua vez, estatui o seguinte art. 14° da mesma Lei que:

“Se o crime previsto no artigo anterior for praticado com aceitação ou exigência dos respectivos devedores de documento de identificação nos termos da alínea c) do artigo 243.º do Código Penal de Macau, para servir de garantia, o agente é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos”.

E, nos termos do art. 243°, al. c) do C.P.M.:

“Documento de identificação: o bilhete de identidade de residente ou outro documento autêntico que sirva para certificar a identidade, o passaporte ou outros documentos de viagem e respectivos vistos, qualquer dos documentos exigidos para a entrada e permanência em Macau ou os que certificam a autorização de residência, bem como qualquer documento a que a lei atribui força de certificação do estado ou situação profissional das pessoas, donde possam resultar direitos ou vantagens, designadamente no que toca a subsistência, aboletamento, deslocação, assistência, saúde ou meios de ganhar a vida ou de melhorar o seu nível”; (sub. nosso).

E, perante a factualidade dada como provada – da qual resulta que ao ofendido dos autos foi-lhe exigida a entrega do seu Bilhete de Identidade emitido pelas autoridades da República Popular da China como garantia do empréstimo para jogo que lhe foi concedido, (cfr., “facto provado” n.° 3), e atento o estatuído no transcrito art. 243°, al. c) do C.P.M., à vista está a solução.

Com efeito, iria o legislador fazer uma “distinção” (como a referida na sentença), não considerando como “documento de identificação” (para efeitos do C.P.M.), um Bilhete de Identidade da República Popular da China, (emitido pelas autoridades da R.P.C.)?

E, porque motivos?

Não se alcançam.

De facto, sendo da essência do conceito de “documento” (para efeitos de relevância penal) a sua aptidão para provar um “facto juridicamente relevante”, não seria pura (e gratuita) discriminação, já que o referido documento não deixa de ser um “documento – autêntico – próprio” para “certificar a identidade do seu titular”?

E estaria o legislador de tal forma desatento – e em desarmonia com o estatuído no art. 8° do C.C.M. – que não terá ponderado que os (potenciais) “ofendidos do crime de usura”, (nomeadamente, do art. 14° da Lei n.° 8/96/M), podem ser indivíduos de qualquer origem, “nacionalidade” ou “naturalidade”, (merecendo, aliás, referir que tanto quanto nos é dado a perceber, são, na grande maioria dos casos, “turistas”, pessoas do exterior, e não apenas residentes da R.A.E.M.)?

Dito isto, evidente se nos apresentando a resposta e manifesto sendo que o “documento” em questão integra o conceito de “documento de identificação” da alínea c) do art. 243° do C.P.M. – em especial, na parte que se refere a “outro documento autêntico que sirva para certificar a identidade” – à vista está a solução, havendo agora que se avançar para a(s) pena(s) a aplicar.

–– Quanto à(s) “pena(s)”.

Pois bem, nos termos do art. 40° do C.P.M.:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

E, em sede de determinação da pena, tem este T.S.I. entendido que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 08.02.2018, Proc. n.° 30/2018, de 12.04.2018, Proc. n.° 166/2018 e de 24.05.2018, Proc. n.° 301/2018).

No caso, ao crime pelo arguido (recorrido) cometido – dado que agravado pela “exigência do documento de identificação” do ofendido – corresponde a pena de 2 a 8 anos de prisão; (cfr., art°s 13 e 14° da Lei n.° 8/96/M).

Nesta conformidade, ponderando nos critérios do art. 40° e 65° do C.P.M., e na moldura penal em questão, cremos que justa e adequada é a pena de 3 anos de prisão para este crime de “usura para jogo com exigência ou aceitação de documento”, p. e p. pelo art. 14° da Lei n.° 8/96/M.

Face ao assim decidido, tendo presente a pena de 1 ano e 6 meses de prisão aplicada pelo crime de “sequestro”, em causa estando agora uma moldura penal de 3 a 4 anos e 6 meses de prisão, e ponderando no estatuído no art. 71° do C.P.M., justa e equilibrada se nos apresenta a pena única de 3 anos e 9 meses de prisão, (inviável sendo a manutenção da suspensão da execução da pena por verificado não estar o pressuposto material do art. 48° do C.P.M.).

Decisão

4. Nos termos que se deixam expostos, e em conformidade com o estatuído no art. 407°, n.° 6, alínea d) do C.P.P.M., decide-se conceder provimento ao recurso, ficando o (2°) arguido A condenado pela prática de 1 crime de “usura para jogo com exigência ou aceitação de documento”, p. e p. pelos art°s 13° e 14° da Lei n.° 8/96/M, na pena de 3 anos de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos e 9 meses de prisão, mantendo-se a pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogo por 2 anos.

Pelo seu decaimento, pagará o arguido recorrido a taxa de justiça de 5 UCs.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 29 de Junho de 2018
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