Processo n.º 416/2018
(Autos em matéria laboral)
Data : 5/Julho/2018
Recorrente : A, Limitada. (Ré)
( A有限公司 )
Recorrido : B (Autor)
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ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I - RELATÓRIO
Por sentença de 27/11/2017, julgou-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou-se a Ré A, Limitada, (A有限公司) a pagar ao Autor B a quantia de MOP$227,957.24, a título de diferenças salariais, trabalho extraordinário, trabalho em dias de descanso semanal e descanso compensatório, acrescida de juros moratórios à taxa legal.
Desta decisão veio recorrer a Ré, alegando, em sede de conclusões, o seguinte:
a) O Despacho consagra um procedimento de importação de mão-de-obra nos termos do qual é imposta a utilização de um intermediário com o qual o empregador deve celebrar um contrato de prestação de serviços;
b) A decisão recorrida perfilha o entendimento de que o Despacho se reveste de imperatividade e estabelece condições mínimas de contratação de mão-de-obra não residente;
c) Contrariando tal entendimento, o Despacho em parte alguma estabelece condições mínimas de contratação ou até cláusulas-tipo que devessem integrar o contrato de trabalho a celebrar entre a entidade empregadora e o trabalhador;
d) É patente que o Despacho não fixa de forma alguma condições de contratação específicas e que, ainda que o fizesse, a violação dos seus termos importaria infracção administrativa, e não incumprimento de contrato de trabalho;
e) Assim, contrariamente ao que se propugna na decisão recorrida, nada permite concluir pela natureza imperativa do Despacho;
f) Decidindo em sentido inverso, o Tribunal recorrido fez errada aplicação do Despacho, nomeadamente dos seus artigos 3º e 9º;
g) Os Contratos são configurados na decisão a quo como contratos a favor de terceiro, nos termos do art. 437º do Código Civil;
h) Nesta lógica, o A. apresentar-se-á como terceiro beneficiário de uma promessa assumida pela R. perante a Sociedade, com o direito de exigir daquela o cumprimento da prestação a que se obrigou perante esta;
i) As partes nos Contratos, assim como o próprio Despacho 12/GM/88, qualificaram-nos como "contratos de prestação de serviços";
j) Deles é possível extrair que a Sociedade "contratou" trabalhadores não residentes, prestando o serviço de os ceder, subsequentemente, à R.;
k) Tais Contratos são pois efectivos contratos de prestação de serviços, não podendo ser qualificados como contratos a favor de terceiros;
l) Por outro lado, é unânime que a qualificação de um contrato como sendo a favor de terceiro exige que exista uma atribuição directa ou imediata a esse terceiro;
m) Tem-se entendido que o conceito de contrato a favor de terceiro implica a concessão ao terceiro de um benefício ou de uma atribuição patrimonial, e não apenas de um direito a entrar numa posição jurídica em que se tem a hipótese de auferir uma contra prestação de obrigações;
n) A obrigação da ora R. é assumida apenas perante a Sociedade, não havendo intenção ou significado de conferir qualquer direito, pelo contrato de prestação de serviços, a qualquer terceiro;
o) Igualmente não existe nos Contratos qualquer atribuição patrimonial directa a qualquer terceiro;
p) Sendo pacífico que o contrato a favor de terceiro exige que a prestação a realizar seja directa e revista a natureza de atribuição, é incorrecto o entendimento de que a contratação do A. pela R. é uma prestação à qual a R. ficou vinculada por força do contrato de prestação de serviços;
q) Não pode considerar-se que a remuneração do contrato de trabalho constitua essa atribuição, porque tal afastaria o requisito de carácter directo da prestação no contrato a favor de terceiro;
r) Como tal, é patente que não resulta dos Contratos nenhuma atribuição patrimonial directamente feita ao A., que este possa reivindicar enquanto suposto terceiro beneficiário;
s) Os Contratos ficam pois completamente no domínio do princípio da eficácia relativa dos contratos, vertido no art. 400º, nº 2 do Código Civil (princípio res inter alios acta, aliis neque nocet neque prodest);
t) Por fim, a figura do contrato a favor de terceiro pressupõe que o promissário tenha na promessa um interesse digno de protecção legal;
u) Não consta dos autos qualquer facto que consubstancie um tal interesse;
v) Assim, admitindo que dos Contratos resultará qualquer direito a favor do A., sempre ficou por demonstrar que a Sociedade tivesse interesse nessa promessa, o que impede a qualificação dos Contratos como contratos a favor de terceiro;
w) Assim, arredada a aplicação do mecanismo do contrato a favor de terceiro, nenhum outro sobreleva que possa suportar a produção, na esfera jurídica do A., de efeitos obrigacionais emergentes dos Contratos;
x) Ao decidir como o fez, o Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 400º, nº 2 e 437º do Código Civil;
y) Em função do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos, conclui-se que nenhum direito assiste ab initio ao A. para reclamar quaisquer "condições mais favoráveis" emergentes destes contratos;
z) Pelo que não deverá ser-lhe atribuída qualquer quantia a título de putativas diferenças salariais;
aa) Do mesmo correcto entendimento do Despacho e dos Contratos deverá decorrer a absolvição da R. também quanto ao pedido formulado a título de trabalho extraordinário;
bb) O fundamento legal do pedido formulado pelo A. e julgado procedente pelo Tribunal a quo reconduz-se ao artigo 17º, nº 6, a) do DL 24/89/M, que estatui que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser remunerado "pelo dobro da retribuição normal";
cc) Entende a R. que a interpretação daquele preceito adoptada pelo Tribunal recorrido conduz, na realidade, ao recebimento pelo A., a título de compensação por trabalho prestado em dia de descanso semanal, do triplo daquela retribuição;
dd) O sentido do artigo 17º, nº 6, a) do DL 24/89/M é tornado claro pela redacção do preâmbulo do mesmo diploma, no qual se refere que "o pagamento do dobro da retribuição normal, quando o trabalho é prestado em dia de descanso semanal" (parágrafo 2, a));
ee) Acrescenta-se também que, ainda no mesmo diploma, o artigo 20º, nº 1, tratando da remuneração do trabalho prestado em dias de feriado obrigatória, estatui que este "dá direito a um acréscimo salarial nunca inferior ao dobro da retribuição normal";
ff) Esta diferença inculca decisivamente o entendimento de que o legislador pretendeu consagrar soluções distintas no tocante à remuneração do trabalho em dia descanso semanal e em dia de feriado obrigatório, no sentido de este último render ao trabalhador uma quantia superior;
gg) É este o único entendimento que se mostra conforme com a presunção hermenêutica, consagrada no artigo 8º, nº 3, in fine, do Código Civil, de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados;
hh) A adequada interpretação do artigo 17º, n.º 6, a) do DL 24/89/M não pode também prescindir da sua análise histórico-sistemática;
ii) A este respeito, será de notar que, nos termos da lei laboral Portuguesa que vigorava aquando da aprovação em Macau do DL 24/89/M, os trabalhadores que prestassem a sua actividade em dia de descanso semanal receberiam um acréscimo remuneratório equivalente a um só dia de retribuição normal;
jj) Num outro prisma, cabe referir que a L 7/2008, ao traçar o regime das relações de trabalho que substituiu o plasmado no DL 24/89/M, deixou inequívoco, no seu artigo 43º, n.º 2, i), que a prestação de trabalho em dia de descanso semanal confere ao trabalhador o direito a "auferir um acréscimo de um dia de remuneração de base, para os trabalhadores que auferem uma remuneração mensal";
kk) Não parece razoável que, quase vinte anos volvidos e numa trajectória legislativa de reforço da protecção e direitos do trabalhador, o legislador tenha pretendido, reduzir para metade a compensação a atribuir ao trabalhador por trabalho prestado em dia de descanso semanal;
ll) Bem pelo contrário, o objectivo do legislador de 2008 foi o de manter a solução legal que já vigorava anteriormente, mas adoptando uma formulação mais clara, com o que, ainda que sem enveredar por expressa interpretação autêntica, pretendeu resolver definitivamente as dúvidas interpretativas que se vinham suscitando nesta matéria;
mm) O entendimento por que ora se pugna é também o adoptado pelo TUI nos seus doutos acórdãos de 22.11.2007 (Proc. nº 29/2007), 27.02.2008 (Proc. nº 58/2007) e 21.09.2008 (Proc. n.º 28/2007).
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Notificado, o Autor não apresentou contra-alegações do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre analisar e decidir.
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II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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III - FACTOS
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes conforme o que consta da sentença recorrida:
1) A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores, entre outros. (A)
2) Desde o ano de 1992, a Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de «guarda de segurança», «supervisor de guarda de segurança», «guarda sénior», entre outros. (B)
3) Entre 01/04/1994 e 19/04/2009, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (C)
4) O Autor foi recrutado pela C Lda., e posteriormente exerceu a sua prestação de trabalho para a Ré ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1: (D)
* Aprovado pelo Despacho n.º 00830/IMO/SEF/2005, de 08/02/2005, com efeitos a partir de 18/03/2005 a 31/01/2006 (Cfr. Doc.1);
* Foi substituído pelo Despacho n.º 00751/IMO/DSAL/2006, de 24/01/2006, com efeitos a partir de 15/03/2006 a 31/03/2007 (Cfr. Doc. 2);
* Foi substituído pelo Despacho n.º 09501/IMO/DSAL/2007, de 29/05/2007, aprovado em 12/06/2006 e válido até 31/05/2008 (Cfr. Doc. 3);
* Foi substituído pelo Despacho n.º 04735/IMO/GRH/2008, de 20/03/2008, válido até 31/05/2010 (Cfr. Doc. 4).
5) Nos termos do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1, aprovado pelo Despacho n.º 00830/IMO/SEF/2005, de 18/03/2005, válido até 15/03/2006, seria sempre garantido o pagamento mensal correspondente a MOP$3,500.00 (três mil e quinhentas patacas), conforme as funções e salários do Mapa II. (E)
6) Entre Março de 2005 e Março de 2006, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de Mop$2,000.00. (F)
7) Nos termos do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1, aprovado pelo Despacho n.º 000751/IMO/DSAL/2006, de 15/03/2006, válido até 31/03/2007 (mantendo-se em vigor até 12/06/2007), seria sempre garantido o pagamento mensal correspondente a MOP$4,000.00 (quatro mil patacas), conforme as funções e salários do Mapa II. (G)
8) Entre Abril de 2006 e Junho de 2007, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de Mop$2,288.00. (H)
9) Nos termos do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1, aprovado pelo Despacho n.º 09501/IMO/DSAL/2007, de 29/05/2007, aprovado em 12/06/2007 e válido até 31/05/2008, seria sempre garantido o pagamento mensal correspondente a MOP$5,070.00 (cinco mil e setenta mil patacas), conforme as funções e salários do Mapa II. (I)
10) Entre Junho de 2007 e Maio de 2008, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de Mop$2,704.00. (J)
11) Resulta do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1, aprovado pelo Despacho n.º 04735/IMO/GRH/2008, de 20/03/2008, válido até 31/05/2010, ser garantido (ao Autor) o pagamento mensal correspondente a MOP$4,868.00 (quatro mil oitocentas e sessenta e oito patacas), conforme as funções e salários do Mapa II. (K)
12) Entre Junho de 2008 a Abril de 2009, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de Mop$4,368.00. (L)
13) Entre 08/02/2005 e 31/01/2006, a Ré pagou ao Autor a título de hora extraordinária a quantia de Mop$11,00. (M)
14) Entre 01/02/2006 e 31/03/2007, a Ré pagou ao Autor a título de hora extraordinária a quantia de Mop$11,50. (N)
15) Entre 01/04/2007 e 31/05/2008, a Ré pagou ao Autor a título de hora extraordinária a quantia de Mop$14,00. (O)
16) Entre 01/06/2008 e 19/04/2009, a Ré pagou ao Autor a título de hora extraordinária a quantia de Mop$18,20.(P)
17) Durante todo o período da relação de trabalho, a Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, tendo sido remunerado pela Ré com o valor de uma retribuição diária, em singelo. (Q)
18) Entre ano de 2001 e o final da relação de trabalho, o Autor auferiu da Ré, a título de salário anual e de salário normal diário, as quantias que abaixo se discrimina (Cfr. doc. 5, Certidão de Rendimentos – Imposto Profissional): (R)
Ano
Salário anual
Salário normal diário (A)
2001
39416.76
109
2002
53544.80
149
2003
55690.20
155
2004
47504.10
132
2005
45657.23
127
2006
48437.06
135
2007
85818.80
238
2008
84961.29
236
2009
19418.80
162
19) Durante todo o período da relação de trabalho, o Autor trabalhou, em média, 12 horas de trabalho por dia, o que corresponde à prestação por parte do Autor de 4 horas de trabalho extraordinário por dia. (1.º)
20) Nos termos do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1, Despacho n.º 00830/IMO/SEF/2005, de 08/02/2005, válido até 31/01/2006, a remuneração horária mínima constante do «Contrato de Prestação de Serviço» aprovado pela DSTE é de MOP$14.58 (MOP$116,66/8horas). (2.º)
21) Nos termos do Despacho n.º 00751/IMO/DSAL/2006, de 24/01/2006, válido até 31/03/2007, a remuneração horária mínima constante do «Contrato de Prestação de Serviço» aprovado pela DSTE é de MOP$16.66 (MOP$133,33/8horas). (3.º)
22) Nos termos do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1, Despacho n.º 09501/IMO/DSAL/2007, de 29/05/2007 válido até 31/05/2008, a remuneração horária mínima constante do «Contrato de Prestação de Serviço» aprovado pela DSTE é de MOP$21.12 (MOP$169.00/8horas). (4.º)
23) Nos termos do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1, Despacho n.º 04735/IMO/GRH/2008, de 20/03/2008, válido até 31/05/2010, a remuneração horária mínima constante do «Contrato de Prestação de Serviço» aprovado pela DSTE é de MOP$20.28 (MOP$162,26/8horas). (5.º)
24) Durante todo o período da relação de trabalho entre a Ré e o Autor, nunca o Autor gozou de qualquer dia a título de descanso semanal, com excepção de 1 dia em 2002, 5 dias em 2004, 8 dias em 2005, 12 dias em 2006, 35 dias em 2007, 37 dias em 2008 e 10dias em 2009. (6.º)
25) A Ré nunca fixou ou conferiu ao Autor o gozo de um outro dia de descanso compensatório em virtude do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (8.º)
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IV – FUNDAMENTAÇÃO
Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
“B, de nacionalidade Filipina, com residência habitualmente nas Filipinas, EM XX, XX City, XX, titular do passaporte das Filipinas n.º UXXXXX59, emitido pela autoridade competente das Filipinas, instaurou contra A, Limitada, a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, emergente de contrato de trabalho, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia total de MOP$249.624,71(e não como o Autor indicou no dia da audiência de MOP$249.624,24), acrescida de juros legais até integral e efectivo pagamento, assim discriminadas:
* MOP$72.388,00 a título de diferença no vencimento base;
* MOP$ 28.726,24 a título de diferença remuneratória por trabalho extraordinário prestado;
* MOP$99.007,00 pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal;
* MOP$49.503,47 pela falta de um dia de descanso compensatório pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal.
Para fundamentar a sua pretensão alega, muito resumidamente, que entre 01/04/1994 e 19/04/2009 prestou a sua actividade de guarda de segurança sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré, mediante uma contrapartida salarial, acrescentando que, por ser um trabalhador não residente na RAEM, a sua contratação só foi autorizada porque a Ré celebrou previamente um contrato de prestação de serviços com uma terceira entidade fornecedora de mão-de-obra não residente, contrato esse que foi sujeito à apreciação, fiscalização e aprovação da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego, para obedecer aos requisitos mínimos previstos na alínea d) do n.º 9 do Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro (diploma que regula a contratação de trabalhadores não residentes).
Conclui assim que, de acordo com o definido nesses contratos de prestação de serviços aprovados pela DSTE, ao longo da sua relação laboral, teria direito a auferir um salário superior ao que lhe foi pago pela Ré, teria direito ao pagamento de trabalho extraordinário, a uma remuneração horária superior ao que a Ré lhe liquidou, reclamando tais diferenças retributivas por via desta acção.
Por outro lado, alega ainda o Autor que a Ré não lhe pagou a compensação legal pela diferença remuneratória por trabalho extraordinário prestado; a prestação de trabalho em dia de descanso semanal, e não lhe atribuiu também o correspondente dia de descanso compensatório durante todo o período da relação laboral.
A Ré contestou defendendo, no essencial, que os contratos de prestação de serviço que servem de causa de pedir à pretensão do Autor não são aptos a criarem quaisquer direitos na sua esfera jurídica.
Foi elaborado despacho saneador em que se afirmou a validade e regularidade da instância, e onde se seleccionou a matéria de facto relevante para a decisão da causa.
A audiência de julgamento decorreu com observância do formalismo legal, tendo o Tribunal, a final, respondido à matéria controvertida por despacho que não foi objecto de qualquer reclamação pelas partes.
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Questões a decidir:
- Se os contratos de prestação de serviços ao abrigo dos quais a Ré foi autorizada a contratar o Autor, define os requisitos/condições mínimas da relação laboral estabelecida entre as partes e se permite sustentar ter o Autor direito aos montantes peticionados.
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Fundamentação jurídica:
Em face da matéria de facto que se mostra provada e do direito que lhe é aplicável, cumpre dar resposta às questões a decidir que supra se deixaram enunciadas.
A pretensão do Autor assenta no regime legal de contratação de trabalhadores não residentes regulado no Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, cujas condições mínimas de contratação estarão, segundo defende, incorporadas no contrato de prestação de serviços que a Ré celebrou tal como exigido pela alínea c) do n.º 9 desse diploma legal e na qualificação jurídica deste contrato como sendo a favor de terceiro.
Ficou provado que a Ré foi autorizada a contratar o Autor, enquanto trabalhador não residente, através da celebração de um contrato de prestação de serviços com uma entidade fornecedora de mão-de-obra não residente, contrato esse que posteriormente era apresentado junto da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego para aprovação dessas condições de contratação, pelo que nesta acção importa analisar o regime legal a que está sujeita a contratação de trabalhadores não residentes, dado que não restarão dúvidas quanto à natureza jus laboral desta relação jurídica, que nenhuma das partes põe em causa e, aliás, resulta da matéria de facto provada.
Relativamente à questão jurídica relativa ao enquadramento da relação estabelecida entre as partes outorgantes dos mencionados contratos de prestação de serviços e à sua repercussão na esfera jurídica do Autor, o Tribunal de Segunda Instância já firmou jurisprudência unânime no sentido de que estamos na presença de um contrato a favor de terceiro que tem como beneficiário o ora Autor, citando-se como exemplo, o Acórdão datado de 25.07.20131, cujo sumário parcial aqui nos permitimos reproduzir:
3. É de aplicar a uma dada relação de trabalho, para além do regulado no contrato celebrado directamente entre o empregador e o trabalhador, o regime legal mais favorável ao trabalhador e que decorre de um contrato celebrado entre o empregador e uma Sociedade prestadora de serviços, ao abrigo do qual o trabalhador foi contratado e ao abrigo do qual, enquanto não residente, foi autorizado a trabalhar em Macau, regime esse devidamente enquadrado por uma previsão normativa constante do Despacho 12/GM/88, de 1 de Fevereiro.
4. A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais, Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n.º 30, I série, no artigo 9.° admite a contratação de trabalhadores não residentes quando se verifiquem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação fica dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
5. O Despacho 12/GM/88 cuida tão-somente do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais.
6. O trabalhador só foi contratado porque a Administração autorizou a celebração daquele contrato, devidamente enquadrado por um outro contrato que devia ser celebrado com uma empresa fornecedora de mão-de-obra e onde seriam definidas as condições mínimas da contratação, como flui do artigo 9º, d), d.2) do aludido despacho 12/GM/88.
7. Estamos perante um contrato a favor de terceiro quando, por meio de um contrato, é atribuído um benefício a um terceiro, a ele estranho, que adquire um direito próprio a essa vantagem.
8. Esta noção está plasmada no artigo 437º do CC, aí se delimitando o objecto desse benefício que se pode traduzir numa prestação ou ainda numa remissão de dívidas, numa cedência de créditos ou na constituição, transmissão ou extinção de direitos reais.
9. Será o que acontece quando um dado empregador assume o compromisso perante outrem de celebrar um contrato com um trabalhador, terceiro em relação a esse primitivo contrato, vinculando-se a determinadas estipulações e condições laborais.
10. O facto de a empregadora ter assumido a obrigação de dar trabalho, tal não é incompatível com uma prestação de contratar, relevando aí a modalidade de uma prestação de facere.
11. Nada obsta que da relação entre o promitente e o terceiro (agência prestadora de serviços e mão de obra), para além do assumido nesse contrato entre o promitente e o promissário, nasçam outras obrigações como decorrentes de um outro contrato que seja celebrado entre o promitente (Ré, empregadora) e o terceiro (A., trabalhador).
Assim sendo, sem necessidade de outras considerações, como parte beneficiária de um dos contratos de prestação de serviços dados como assentes o Autor tem direito a prevalecer-se do clausulado mínimo deles constantes para reclamar eventuais diferenças remuneratórias e complementos salariais a que tinha direito e que não lhe foram pagos.
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1) A título de diferenças salariais
Do contrato de prestação de serviços n.º 1/1 referido em 4) dos factos provados.
Resulta provado o seguinte:
1 - Do contrato de prestação de serviços n.º 1/1 que produziu efeitos que o válido até 15 de Março de 2006, previa-se nesta versão do contrato que o Autor tinha direito a receber a quantia mensal de MOP$3.500,00. (cfr. facto provado 5).
Segundo os factos provados que o Autor tinha recebido a título de salário no período entre Março de 2005 e Março de 2006 (13 meses) a quantia de MOP$2.000,00 (cf. facto provado 6);
O que dá a favor do Autor a quantia de MOP$ 19.500,00 (13 x (3500-2000)), a título de diferença salarial.
2 - Do contrato de prestação de serviços 1/1 que produziu efeitos que o valido até 31 de Março de 2007, previa-se nesta versão do contrato que o Autor tinha direito a receber a quantia mensal de MOP$ 4.000,00 (cf. facto provado 7).
Segundo os factos provados que a Ré pagou ao Autor a título de salário pelo seguinte:
Segundo os factos provados que o Autor tinha recebido a título de salário no período entre Abril de 2006 e Junho de 2007 (15 meses) a quantia de MOP$2.288,00 (cf. facto provado 8);
O que dá a favor do Autor a quantia de MOP$25.680,00 (15 x (4000-2288)), a título de diferença salarial.
3 - Do contrato de prestação de serviços 1/1 que produziu efeitos que o valido até 31 de Maio de 2008, previa-se nesta versão do contrato que o Autor tinha direito a receber a quantia mensal de MOP$ 5.070,00 (cf. facto provado 9).
Segundo os factos provados que o Autor tinha recebido a título de salário no período entre Julho de 2007 (e não de Junho) e Maio de 2008 (11 meses) a quantia de MOP$2.704,00 (cf. facto provado 10);
O que dá a favor do Autor a quantia de MOP$26.026,00 (11 x (5070-2704)), a título de diferença salarial.
4 - Do contrato de prestação de serviços 1/1 que produziu efeitos que o valido até 31 de Maio de 2010 , previa-se nesta versão do contrato que o Autor tinha direito a receber a quantia mensal de MOP$ 4.868,00 (cf. facto provado 11).
Segundo os factos provados que a Ré pagou ao Autor a título de salário entre Junho de 2008 e Abril de 2009 (11 meses), a quantia de MOP$4.368,00 (cf. facto provado 12).
O que dá a favor do Autor a quantia de MOP$5.500,00 (11 x (4868-4368)), a título de diferença salarial.
Assim, a título de diferenças salariais deveria assim a Ré pagar ao Autor a quantia global de MOP$76.706,00. mas o Autor pede somente MOP$72.388,00, o que lhe será assim atribuído.
*
2) A título de diferença remuneratória por trabalho extraordinário prestado
Relativamente ao trabalho extraordinário prestado pelo Autor à Ré também se verificam diferenças entre aquilo que era devido e o efectivamente pago, tendo em mente o que dispõem os artigos 10.º, n.º 2 e 11.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 24/89/M e a correspondente matéria assente.
Assim, constatamos que:
* Entre 08/02/2005 e 31/01/2006, a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11,00 por hora, quando se obrigou a pagá-lo a MOP$14,58 (o valor mínimo da hora de trabalho assumida pela Ré), havendo uma diferença de MOP$3,28 pelo que relativamente a este período é o Autor credor da quantia global de MOP$5.126,56 (correspondente a 4 horas x 358 dias x (14,28-11));
* Entre 01/02/2006 e 31/03/2007, a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$11,50 por hora, quando se obrigou a pagá-lo a MOP$16,66 (o valor mínimo da hora de trabalho assumida pela Ré), havendo uma diferença de MOP$5,16, pelo que relativamente a este período é o Autor credor da quantia global de MOP$8.751,36 (correspondente a 4 horas x 424 dias x (16,66-11.50));
* Entre 01/04/2007 e 31/05/2008, a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$14,00 por hora, quando se obrigou a pagá-lo a MOP$21,12 (o valor mínimo da hora de trabalho assumida pela Ré), havendo uma diferença de MOP$7,12, pelo que relativamente a este período é o Autor
credor da quantia global de MOP$12.160,96 (correspondente a 4 horas x 427 dias x (21,12-14));
* Entre 01/06/2008 e 19/04/2009, a Ré remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP$18,20 por hora, quando se obrigou a pagá-lo a MOP$20,28 (o valor mínimo da hora de trabalho assumida pela Ré), havendo uma diferença de MOP$2.08, pelo que relativamente a este período é o Autor credor da quantia global de MOP$2.687,36 (correspondente a 4 horas x 323 dias x (20,28-18,20));
Assim no total de MOP$28.726,24.
*
3) Indemnização pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal
O Autor pretende ser indemnizado pelos dias de descanso semanal, no período decorrido com início no ano de 2001.
Resulta provado que pela prestação de trabalho nos dias de descanso semanal, o Autor não foi remunerado com qualquer acréscimo salarial, portanto foi remunerado pela Ré com o valor de um salário diário, em singelo.
O artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 03 de Abril dispõe, no seu n.º 1, que todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26.º.
O n.º 6 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 03 de Abril, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho, dispõe, pois, que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago: a) aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição normal.
Segundo o acórdão do processo n.º 404/2017 do TSI, “no âmbito do Decreto-Lei n.º 24/89/M, para cálculo de quantia pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:
2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descano semanal, fora das situações prevista no número 3 do art. 17.º, nem para tal constrangido pela entidade patronal.”
Vejamos também o acórdão do processo n.º 407/2017-S do TSI: “No âmbito do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 03 de Abril, para além do pagamento do trabalho efectivamente prestado pelo recorrente em dia de descanso semanal, se a recorrida não pagou ao seu trabalhador outro qualquer acréscimo salarial, em violação ao disposto não art. 17.º daquele diploma legal, este deve ser compensado a esse título com o montante devido a título do dobro do salário e não só de apenas mais um montante em singelo.”
Segundo ainda o acórdão do processo n.º 496/2017 do TSI, … “quanto à fórmula de compensação do descanso semanal considerando que se trata de matéria mais do que analisa e decidida por este TSI (os acórdãos n.º 396/2014; 338/2014 e 654/2014), vamo-nos remeter para Jurisprudência quase uniforme deste Tribunal no sentido de que o trabalhador tem o direito de receber, por cada dia de descanso semanal não gozado, o dobro da remuneração corresponde, para além do salário-base já recebido, ou seja, o quantum compensatório é calculado pela fórmula seguinte: n.ºs de dias não gozados X salário diário X2.
…
Para o dia de descanso compensatório, a fórmula é: n.ºs de dias não gozados X salário diário X1.”
Vejamos, então, quais os valores que deveriam ter sido pagos a este trabalhador e não foram, partindo dos valores de retribuição diários que lhe eram devidos, segundo a fórmula (Salário diário) x (n.º de dias devidos e não gozados) x 2, com a redacção que resulta da acta da audiência de discussão e julgamento e que assim tem de ser devidamente compaginada com a matéria de facto provada.
Ano
Salário anual
Diário
N.º de dias devidos e não gozados
Quantia indemnizatória
2001
39.416,76
109
8
1.744,00
2002
53.544,80
149
51
15.198,00
2003
55.690,20
155
52
16.120,00
2004
47.504,10
132
47
12.408,00
2005
45.657,23
127
44
11.176,00
2006
48.437,06
135
40
10.800,00
2007
85.818,80
238
17
8.092,00
2008
84.961,29
236
15
7.080,00
2009
19.418,80
162
6
1.944,00
TOTAL
84.562,00
Assim, a título de indemnização dos dias de descanso semanal deveria assim a Ré pagar ao Autor a quantia global de MOP$84.562,00.
*
4) A compensação económica pelo não gozo do dia de descanso
Na presente acção o Autor reclama ainda a compensação económica pelo não gozo do dia de descanso compensatório o que, em face das disposições legais supra citadas, entendemos ser de atribuir de modo a ser-lhe concedido um montante equivalente a um dia de salário, o que dá o montante de MOP$42.281,00.
*
Às quantias supra mencionadas acrescerão juros a contar da data do trânsito em julgado desta sentença, atento o que dispõe o artigo 794.º, n.º 4 do CC, dado que por estarmos na presença de um crédito ilíquido, os juros moratórios, só se vencem a contar da data em que seja proferida a decisão que procede à liquidação do quantum indemnizatório.
***
IV. Decisão:
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência condena-se a Ré a pagar ao Autor a quantia global de MOP$227.957,24 (duzentas vinte e sete mil novecentas cinquenta e sete patacas e vinte quatro avos), acrescida de juros moratórios à taxa legal a contar do trânsito em julgado da sentença que procede à liquidação do quantum indemnizatório pelas seguintes parcelas:
* MOP$72.388,00 a título de diferenças salariais;
* MOP$28.726,24 a título de diferença remuneratória por trabalho extraordinário prestado;
* MOP$84.562,00 pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal;
* MOP$42.281,00 pela falta de um dia de descanso compensatório pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal.
*
As custas serão a cargo da Ré e do Autor na proporção do decaimento.
Registe e notifique.”
Quid Juris?
Lidas e relidas as “conclusões” do recurso formuladas pela Recorrente/Ré, constantes de fls. 271 a 275 (sob alíneas a) a mm), no total 39 parágrafos), salvo o merecido respeito, não se percebe muito bem qual ou quais pontos da sentença que a Recorrente quer atacar através deste recurso e com fundamentos persuasivos, tirando a parte respeitante à interpretação do artigo 17º do DL nº 24/89/M, de 3 de Abril, que constitui foco de abordagem em vários parágrafos da conclusão do recurso.
Então vamos ver as coisas parte por parte.
I) Natureza do Despacho nº 12/GM/88, de 1 de Fevereiro:
A Recorrente/Ré utilizou 2 páginas a atacar o entendimento do Tribunal a quo relativo ao Despacho em causa, defendendo que tal Despacho não fixa condições mínimas de contratação de mão-de-obra não residente, e como tal não é imperativo, concluindo que “o Tribunal recorrido fez errada aplicação do Despacho, nomeadamente dos seus artigos 3º e 9º” (Sic!).
Ora, em lado nenhum o Tribunal a quo afirma que tal Despacho fixa directamente as condições mínimas de contratação de mão-de-obra não residente, o entendimento do Tribunal a quo apoia-se essencialmente na doutrina exposta num acórdão do TSI, datado de 25/07/20132, em que se proclamou neste ponto:
5. O Despacho 12/GM/88 cuida tão-somente do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais.
6. O trabalhador só foi contratado porque a Administração autorizou a celebração daquele contrato, devidamente enquadrado por um outro contrato que devia ser celebrado com uma empresa fornecedora de mão-de-obra e onde seriam definidas as condições mínimas da contratação, como flui do artigo 9º, d), d.2) do aludido despacho 12/GM/88.
Por isso, não se percebe muito bem que a Recorrente veio a recorrer o quê?
Sendo certo que o Despacho em análise não fixa directamente as condições mínimas de contratação de mão-de-obra não residente, não é menos certo que tal Despacho fixa um quadro legal e impõe a vários serviços públicos o dever de fiscalizar o conteúdo concreto inserido nos contratos concretos de recrutamento de trabalhadores não residentes, principalmente o nº9/-c) que impõe ao então Gabinete para os Assuntos de Trabalho o dever de verificar se estão satisfeitos os requisitos mínimos exigíveis para o efeito, ex. garantia, directa ou indirecta, de alojamento condigno para os trabalhadores, pagamento do salário acordado com a empresa empregadora…etc.
O que nos permite afirmar com toda a segurança que tal Despacho não fixou directamente um conteúdo pormenorizado de contratação de trabalhadores não residentes, mas indirectamente consagra um quadro de garantias mínimas, as quais devem ser inseridas nos respectivos contratos, verificadas e certificadas pelos serviços competentes.
É afirmação gratuita dizer que tal Despacho não tem força vinculativa!
Sobre esta questão em causa, este Tribunal já se pronunciou de forma reiterada e unânime em vários processos do mesmo género (a título exemplificativo: cfr. Procs. nºs 722/2010, 876/2010, 805/2010, 837/2010, 574/2010, 774/2010, 838/2010, 396/2012 e 322/2013, de 07/07/2011, 02/06/2011, 30/06/2011, 16/06/2011, 12/05/2011, 19/05/2011, 16/06/2011, 13/09/2012 e 25/07/2013, respectivamente), tendo concluído pela improcedência dos referidos argumentos do recurso.
Com a devida vénia e a propósito de situações iguais às que ora nos ocupam, consideramos aqui por reproduzidos os fundamentos já exarados nos arestos acima referidos, dispensando-se da respectiva transcrição, por ser uma jurisprudência bem conhecida e de algum modo sedimentada.
Julga-se, por isso, improcedente o recurso nesta parte.
*
II) Qualificação do contrato como contrato a favor de terceiro:
A segunda questão que a Recorrente levanta neste recurso tem a ver com a natureza do contrato celebrado entre o Autor e a Ré.
Esta defende que está mal qualificado o contrato em causa, uma vez que o Tribunal a quo entende que se trata de um contrato a favor de terceiro.
A Ré defende que não estão verificados os requisitos do contrato a favor de terceiro.
Salvo o melhor respeito, não é de acolher a tese da Recorrente. Aliás, ela também não chegou a carrear novos elementos persuasivos para que o Tribunal altere a qualificação em causa.
Também já é entendimento quase uniforme quer no Tribunal de 1ª Instância, quer no Tribunal de 2ª Instância que o contrato em causa é um contrato a favor de terceiro, subscrevendo nós inteiramente a argumentação tecida pelo Tribunal a quo neste ponto, a qual se dá por reproduzida aqui para todos os efeitos legais.
Julga-se igualmente infundado o recurso nesta parte.
*
III) – Diferenças salariais e Trabalho extraordinário:
Transcrevemos de propósito o que a Recorrente veio a dizer na sua douta peça de recurso (fls. 263):
“Diferenças salariais
Em razão de tudo o que vem de ser dito a respeito do que se considera ser o correcto entendimento do Despacho e dos Contratos, é forçoso concluir que nenhum direito assiste ab initio ao A., para reclamar quaisquer “condições mais favoráveis” emergentes dos mesmos, razão por que não deverá ser-lhe atribuída qualquer quantia a título de putativas diferenças salariais – visto que os contratos de prestação de serviços não apontam qualquer referente de cariz imperativo que deva aproveitar ao A..
Assim, por via da qualificação jurídica que ora se preconiza, deverá a decisão recorrida ser revogada na parte respeitante às diferenças salariais e, em consequência, ser a R. absolvida do respectivo pedido.
Trabalho extraordinário
Dá-se aqui por integralmente reproduzido tudo quanto se disse a respeito da natureza e efeitos jurídicos do Despacho e dos Contratos, dos quais, como se viu, não podem emergir direitos de crédito em benefício do A..
Do que deverá também decorrer a absolvição da R. também quanto ao pedido formulado a título de trabalho extraordinário.”
Pergunta-se, verdadeiramente a Recorrente veio a recorrer da decisão? Ou está a declarar mais uma vez a sua posição discordante da do Tribunal a quo?
Ela trouxe alguma “substância” para que o Tribunal ad quem analisar e decidir?
Na falta de elementos que nos compete analisar, e, face aos argumentos produzidos pela Recorrente acima transcritos, subscrevemos os doutos fundamentos constantes da sentença recorrida, os quais se dão por reproduzidos aqui para todos os efeitos legais, julgando-se, deste modo, improcedente o recurso nesta parte.
*
IV – Trabalho em dia de descanso semanal:
É certo que existe entendimento diferente no que toca à compensação de dia de descanso semanal, deve pagar-se o dobro ou triplo.
É entendimento deste Tribunal:
“(…) Sobre o tema transcrevemos até, com a devida vénia, o que exarado ficou no acórdão deste TSI, n.º 780/2007:
“O mesmo é dizer que "o Autor tem direito de receber, por cada dia de descanso semanal não gozado, o dobro da retribuição normal, para além do singelo já recebido".
Na vigência do DL n. 24/89/M
Vale aqui o disposto no art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a).
Assim:
N.1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
N.4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
N.6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.6, al. a)).
Na 1ª perspectiva acima avançada, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Na 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.1);
Portanto, a fórmula será sempre: AxBx2.”
De onde se conclui que, para além do pagamento do trabalho efectivamente prestado pelo recorrente em dia de descanso semanal, se a Ré não pagou ao seu trabalhador outro qualquer acréscimo salarial, em violação ao disposto no referido preceito legal, (…).
O trabalhador deve assim ser compensado a esse título com o montante devido a título do dobro do salário e não só de apenas mais um montante em singelo, havendo ainda que ser pago do dia compensatório em que trabalhou, tal como também consignado na douta sentença proferida.”
Mutatis mutandis, o raciocínio acima exposto vale perfeitamente para o caso sub judice, pelo que, a decisão recorrida nesta parte não merece censura.
*
Em síntese conclusiva:
I - É de aplicar a uma dada relação laboral, para além do estipulado no contrato celebrado directamente entre o empregador e o trabalhador, o regime legal mais favorável ao trabalhador e que decorre de um contrato celebrado entre o empregador e uma sociedade prestadora de serviços, ao abrigo do qual o trabalhador, não residente, foi contratado e autorizado a trabalhar em Macau, regime esse devidamente enquadrado por uma previsão normativa constante do Despacho 12/GM/88, de 1 de Fevereiro.
II - O referido Despacho 12/GM/88 cuida do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes e fixa um quadro geral de garantias mínimas para esta categoria de trabalhadores, a controlar por então entidade competente, não obstante não encerrar um conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais.
III – É de qualificar como um contrato a favor de terceiro um acordo em que é atribuído um benefício a um terceiro, a ele estranho, que adquire um direito próprio a essa vantagem. Esta noção está plasmada no artigo 437º do CC, aí se delimitando o objecto desse benefício que se pode traduzir numa prestação ou ainda numa remissão de dívidas, numa cedência de créditos ou na constituição, transmissão ou extinção de direitos reais.
IV - No âmbito do artigo 17º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, para além do pagamento do trabalho efectivamente prestado pelo recorrente em dia de descanso semanal, se a entidade patronal não pagou ao seu trabalhador outro qualquer acréscimo salarial, em violação ao disposto no artigo 17º citado, este deve ser compensado a esse título com o montante devido a título do dobro do salário e não só de apenas mais um montante em singelo.
*
Pelo exposto, é da nossa conclusão que o Tribunal a quo fez uma análise ponderada dos factos e uma aplicação correcta das normas jurídicas aplicáveis, tendo proferido uma decisão conscienciosa e legalmente fundamentada, motivo pelo qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, é de manter a decisão recorrida.
Tudo visto, resta decidir
* * *
V) - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
*
Custas pela Recorrente nesta instância.
*
Registe e Notifique.
*
RAEM, 5 de Julho de 2018.
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Fong Man Chong
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Ho Wai Neng
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José Cândido de Pinho
(1) http://www.court.gov.mo/p/pdefault.htm .
(2) http://www.court.gov.mo/p/pdefault.htm .
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2018-416-Gurardforce 29