打印全文
Processo n.º 823/2015 Data do acórdão: 2018-7-5 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– pena de prisão
– suspensão da execução da pena
– art.o 48.o, n.o 1, do Código Penal
S U M Á R I O

Se a experiência do arguido, no passado, de ter ficado condenado, por duas vezes já, em pena de prisão suspensa na execução não lhe conseguiu evitar a prática, em autoria material, do crime doloso de desobediência desta vez, então não é de formar qualquer juízo de prognose favorável a ele para efeitos do n.o 1 do art.o 48.o do Código Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 823/2015
(Autos de recurso penal)
Recorrente (arguido): A




ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com a sentença proferida a fls. 184 a 188 dos autos de Processo Comum Singular n.° CR4-15-0227-PCS do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), que o condenou como autor material de um crime consumado de desobediência (por incumprimento de decisão aplicadora, e devidamente notificada, da interdição de entrada nos casinos), p. e p. pelo art.o 12.o, alínea 2), da Lei n.o 10/2012, conjugado com o art.o 312.o, n.o 1, alínea a), do Código Penal (CP), na pena de quatro meses de prisão efectiva, veio o arguido A, aí já melhor identificado, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para rogar, materialmente, que passasse a ser condenado em pena não privativa de liberdade, tendo alegado, para o efeito, e no essencial, o seguinte (cfr. em detalhes, a motivação do recurso apresentada a fls. 197 a 210 dos presentes autos correspondentes):
– a sentença recorrida não fundamentou a decisão de desvio do regime-regra imposto pelo art.o 44.o do CP, tendo-se limitado a referir que “o arguido não é primário, a pena de multa não atinge as finalidades da pena, pelo que deve optar-se por uma pena privativa de liberdade”;
– por outro lado, o Tribunal recorrido valorizou uma pena já extinta (qual seja, a referente ao Processo n.o CR1-09-0343-PCC, a qual foi já declarada extinta);
– a prevenção especial só entraria em jogo se o arguido se revelasse “carecido de socialização”;
– sucede que o arguido é uma pessoa perfeitamente integrada do ponto de vista social, pessoal e profissionalmente, pelo que inexistiam, no caso, necessidades de socialização;
– uma pena de curta duração, como aquela que foi aplicada na sentença recorrida, não tem qualquer eficácia do ponto de vista de socialização do delinquente;
– descurou, por isso, o Tribunal recorrido a situação sócio-familiar do arguido, que tem mãe, mulher e três filhos a seu cargo, emprego estável e responsabilidades financeiras perante um banco;
– a pena ora imposta colide também com o art.o 64.o do CP;
– pelo que sempre bastaria a pena de multa;
– e mesmo que assim não se entendesse, sempre diria o próprio arguido que já reunia ele todos os pressupostos legais para a suspensão da execução da pena de prisão em sede do art.o 48.o do CP, sendo certo que a suspensão da pena de prisão, eventualmente acompanhada de deveres e regras de conduta, permitiria ainda salvaguardar ele e a sua família dos nefastos efeitos aliados ao cumprimento da pena de prisão;
– e a fundamentação da decisão recorrida na parte referente à não suspensão da pena de prisão também é ininteligível, porque o Tribunal recorrido referiu aí que “o arguido não é primário; teve dois outros processos de usura e praticou os factos deste processo durante o período de suspensão da pena no processo n.o CR2-12-0084-PCC e, segundo a investigação deste processo, este caso não é simples (…)”;
– e o que é um processo “não simples”?
– a não fundamentação da decisão acarreta a nulidade da sentença (art.o 360.o, n.o 1, alínea a), do Código de Processo Penal (CPP)).
Ao recurso respondeu a Digna Delegada do Procurador no sentido de improcedência do recurso (cfr. a resposta de fls. 222 a 224).
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 234 a 235), pugnando também pelo não provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. Da acta da audiência de julgamento realizada perante o Tribunal sentenciador (lavrada a fls. 182 a 183), consta que o arguido confessou integralmente e sem reservas os factos acusados.
2. A sentença ora recorrida consta de fls. 184 a 188, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido.
3. Da fundamentação fáctica da sentença ora recorrida, sabe-se o seguinte, nomeadamente:
– em 7 de Dezembro de 2011, o TJB, no Processo n.o CR1-09-0343-PCC, condenou (com decisão transitada em julgado em 19 de Dezembro de 2011) o arguido inclusivamente na pena acessória de proibição de entrada nos casinos por três anos, tendo o arguido recebido a cópia dessa decisão no próprio dia em que foi proferida e ficado ciente do conteúdo da decisão sobre essa pena acessória;
– em 18 de Janeiro de 2013, o TJB, no Processo n.o CR2-12-0084-PCC, condenou (com decisão transitada em julgado em 28 de Janeiro de 2013) o arguido inclusivamente na pena acessória de proibição de entrada nos casinos por três anos, tendo o arguido recebido a cópia dessa decisão no próprio dia em que foi proferida e ficado ciente do conteúdo da decisão sobre essa pena acessória;
– no dia 2 de Maio de 2014, o arguido encontrou-se dentro de um casino em Macau, a jogar numa mesa de bacará;
– o arguido tem curso secundário elementar, é cozinheiro, com rendimento mensal cerca de doze mil patacas, e tem três filhos com a sua mulher que trabalha;
– o arguido não é delinquente primário;
– foi condenado no Processo n.o CR1-09-0343-PCC em um ano e seis meses de prisão pela prática de um crime continuado de usura para jogo, suspensa na execução por dois anos, e na pena acessória de proibição de entrada nos casinos por três anos, “tendo a pena sido declarada extinta por despacho proferido em 28 de Março de 2014”;
– foi condenado no Processo n.o CR2-12-0084-PCC em um ano de prisão pela prática de um crime continuado de usura para jogo, suspensa na execução por dois anos, e na pena acessória de proibição de entrada nos casinos por três anos;
– o arguido reconhece que foi condenado em 31 de Março de 2005 (com decisão transitada em julgado em 11 de Abril de 2005) no Processo n.o CR2-05-0058-PSM, em 120 dias de multa por prática de um crime de emprego ilegal, multa essa já paga.
4. Conforme o teor do certificado de registo criminal do arguido junto aos autos (concretamente na parte constante de fl. 180) antes da realização da audiência de julgamento perante o Tribunal ora recorrido, a pena aplicada ao arguido no Processo n.o CR1-09-0343-PCC foi declarada extinta por despacho de 28 de Março de 2014, nos termos da disposição legal do art.o 55.o do CP.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
É de observar por outro lado que ante o teor do certificado de registo criminal do arguido ora recorrente, a sua pena acessória de proibição de entrada nos casinos por três anos como tal imposta no seu anterior Processo n.o CR1-09-0343-PCC não pôde ter sido declarada extinta nos termos do art.o 55.o do CP por despacho judicial de 28 de Março de 2014, visto que essa norma do CP só se ocupa da questão de declaração da extinção de uma pena de prisão inicialmente suspensa na sua execução. Assim sendo, quando na fundamentação fáctica da sentença ora recorrida referiu o Tribunal recorrido no sentido material de que a pena do Processo n.o CR1-09-0343-PCC foi declarada extinta por despacho proferido em 28 de Março de 2014, essa declaração da extinção da pena só podia dizer respeito à declaração da extinção da pena de prisão inicialmente aplicada nesse processo penal.
Na sua motivação do recurso, o arguido chegou a imputar ao Tribunal recorrido a questão de não fundamentação da decisão de não substituição da pena de prisão por pena de multa em sede do art.o 44.o do CP. Entretanto, da fundamentação jurídica da sentença recorrida, interpretada no seu conjunto, ressalta o raciocínio do Tribunal recorrido, no sentido de que o arguido já não é delinquente primário e por isso a multa não dá para realizar as finalidades da punição. Assim, já ficou aí materialmente justificada a não aplicação da pena de multa.
Outrossim, o recorrente assacou à sentença recorrida a inintelegibilidade da fundamentação da decisão de não suspensão da pena de prisão, tendo focado muito no facto de o Tribunal recorrido ter empregue a expressão “o caso dos autos não é simples”. Pois bem, trata-se isto de uma opinião tecida pelo Tribunal recorrido, cujo sentido literal é susceptível de captação por todo o leitor da mesma sentença do tipo de homem médio. A gente pode discordar dessa opinião do Tribunal recorrido, mas tal expressão não deixa de cumprir a sua função de transmitir essa opinião desse Tribunal sentenciador, pelo que improcede a arguida nulidade da decisão de não suspensão da pena de prisão, por o Tribunal recorrido já ter fundamentado a sua decisão de não suspensão da pena de prisão, em todo o último parágrafo da fundamentação jurídica da sentença proferida.
E agora no respeitante às questões nucleares postas no recurso:
Entende o recorrente que se lhe deve aplicar prevalecentemente pena de multa em detrimento da pena de prisão à luz do art.o 64.o do CP.
Contudo, como ele, antes da prática do crime de desobediência desta vez, chegou a ser condenado por prática de crimes dolosos em três processos penais anteriores, e o crime desta vez foi praticado durante a vigência do período de suspensão da execução da pena de um ano de prisão imposta por crime de usura para jogo no último desses três processos (ou seja, no Processo n.o CR2-12-0084-PCC), então, em prol das prementes necessidades da prevenção especial, não se pode optar pela aplicação da pena de multa ao crime desta vez (cfr. o critério material plasmado no art.o 64.o do CP para efeitos de decisão sobre a espécie da pena).
Pela mesma razão de haver que evitar que o recorrente volte a cometer novo crime no futuro, também não se pode substituir a pena de prisão já aplicada na sentença ora recorrida pela pena de multa (cfr. a excepção constante da segunda parte da norma do art.o 44.o do CP).
Por fim, se a experiência dele, no passado, de ter ficado condenado, por duas vezes já (ou seja, nos Processos n.os CR1-09-0343-PCC e CR2-12-0084-PCC), em pena de prisão suspensa na execução não o conseguiu evitar a prática, em autoria material, do crime doloso de desobediência desta vez, então já não é de formar qualquer juízo de prognose favorável a ele para efeitos do n.o 1 do art.o 48.o do CP, pelo que a execução imediata da pena de prisão se apresenta como o único meio para prosseguir de modo adequado e suficiente as finalidades da punição, mormente a nível de prevenção especial falando.
Naufraga, pois, o recurso, sem mais indagação por desnecessária ou prejudicada.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pelo arguido, com seis UC de taxa de justiça.
Comunique ao Processo n.o CR2-12-0084-PCC do Tribunal Judicial de Base.
Macau, 5 de Julho de 2018.
______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
______________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
______________________
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



Processo n.º 823/2015 Pág. 10/10