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Processo n.º 107/2016 Data do acórdão: 2018-7-12 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– crime praticado contra jogador de casino
– suspensão da execução da pena de prisão
– regra de conduta de não frequência dos casinos
– art.o 50.o, n.os 1 e 2, alínea b), do Código Penal
– crime praticado em Hong Kong
– residente de Macau contra residente de Macau
– já participação criminal à Polícia de Hong Kong
– inaplicabilidade da lei penal de Macau
– art.os 5.o, 6.o e 7.o do Código Penal
S U M Á R I O

  1. Atendendo a que o arguido recorrente é delinquente primário, afigura-se que a simples censura dos factos e a ameaça da execução da prisão consigam realizar adequada e suficientemente as finalidades da punição, pelo que passa a sua pena de um ano de prisão a ser suspensa na execução por três anos, com a imposição da regra de conduta de não poder frequentar quaisquer casinos de Macau durante o período de suspensão da pena (cfr. os art.os 48.o, n.os 1 e 2, e 50.o, n.os 1 e 2, alínea b), do Código Penal) (isto porque o crime por que vinha ele condenado no acórdão recorrido tinha sido praticado contra um jogador de casino, pelo que para evitar mais eficazmente que ele venha a praticar novo delito contra jogador de casino, ele tem que ficar com essa regra de conduta de não frequência de quaisquer casinos durante o período da suspensão da pena).
  2. Ao crime de extorsão tentada praticado concretamente em Hong Kong contra o ofendido (que é um residente de Hong Kong) por dois parceiros em Hong Kong do arguido ora recorrrente (também residente de Hong Kong), tendo o ofendido participado até o caso às autoridades policiais de Hong Kong, a lei de Macau não é aplicável, por força dos art.os 5.o, 6.o e 7.o do Código Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 107/2016
(Recurso em processo penal)
Recorrente (arguido): A








ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 212 a 218v do subjacente Processo Comum Colectivo n.o CR1-15-0077-PCC do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou o arguido A, aí já melhor identificado, apenas condenado como co-autor material, na forma consumada, de um crime de burla em valor elevado, p. e p. pelos art.os 211.o, n.o 3, e 196.o, alínea a), do Código Penal (CP), na pena de um ano de prisão efectiva, apesar de ter sido acusado também pela co-autoria material de um crime consumado de usura para jogo do art.o 13.o da Lei n.o 8/96/M, crime esse que ficou aí absolvido por entendido já decurso do prazo de prescrição do respectivo procedimento penal.
Inconformado, veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), tendo alegado (no seu essencial) e peticionado o seguinte na sua motivação de fls. 229 a 234v dos presentes autos correspondentes:
– discorda ele do teor do facto provado 12 na parte em que se julgou que o ofendido B ficou com prejuízo pecuniário de HKD72.000,00;
– é que esse montante é composto por duas partes, uma parte das quais no valor de HKD12.000,00 (correspondente ao montante que o ofendido ganhou nos jogos) e a outra parte no valor de HKD60.000 (correspondente ao montante da declaração de dívida assinada pelo ofendido);
– sucede que nunca foi pago o montante referido nessa declaração de dívida;
– assim, só pôde o ofendido ficar com o prejuízo pecuniário composto por HKD12.000,00 e dois telemóveis, pelo que errou o Tribunal recorrido na apreciação da prova sobre qual o prejuízo do ofendido;
– por outro lado, o crime por que ele vinha condenado deveria ser punido na sua forma tentada, porque não ficou provado que o ofendido ficou com prejuízo efectivo ao assinar a referida declaração de dívida;
– por fim, e subsidiariamente falando, a pena aplicada no acórdão recorrido é excessiva, pelo que deve ser reduzida e também suspensa na sua execução.
Ao recurso, respondeu o Ministério Público a fls. 249 a 254v, no sentido de procedência parcial do recurso, com condenação do recorrente pela prática, em autoria material, de um crime consumado de burla simples do art.o 211.o, n.o 1, do CP, e de um crime tentado de burla em valor elevado do art.o 211.o, n.o 3, do CP, com nova medida das penas a caber, e com ponderação da hipótese de suspensão da execução da pena de prisão a ser aplicada.
Subidos os autos, opinou a Digna Procuradora-Adjunta a fls. 263 a 265 que o crime praticado pelo recorrente deveria ser o de burla simples do art.o 211.o, n.o 1, do CP, com decurso já do prazo de prescrição do respectivo procedimento penal, que a eventual hipótese de prática de crime tentado de burla em valor elevado também ficaria prejudicada pelo decurso já do prazo de prescrição deste crime, e que a eventual hipótese de verificação de crime de extorsão tentada não poderia ser tratada no presente processo, por este crime não ter sido acusado ao arguido pelo Ministério Público nem fazer parte do objecto do recurso do arguido.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que o seguinte:
1. O acórdão ora recorrido encontrou-se proferido a fls. 212 a 218v dos autos, cujo teor integral se dá por aqui integralmente reproduzido.
2. Quer o arguido ora recorrente (cfr. o teor de fl. 59) quer o ofendido dos autos (cfr. o teor de fl. 7) são residentes de Hong Kong e não residentes de Macau.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
O arguido apontou primeiro à decisão condenatória recorrida o vício aludido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP na parte respeitante à determinação do montante total de prejuízo pecuniário sofrido pelo ofendido pela conduta de burla.
Entretanto, a questão posta pelo recorrente não se enquadra no âmbito próprio desse vício de julgamento da matéria de facto, mas sim na interpretação dos factos já dados por provados no acórdão recorrido. (E mesmo que assim não se entendesse, sempre diria o presente Tribunal de recurso que após vistos todos os elementos probatórios referidos na fundamentação probatória da mesma decisão recorrida, não se vislumbraria que o Tribunal recorrido, aquando da formação da sua convicção sobre os factos, tivesse violado quaisquer regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou quaisquer leges artis vigentes no julgamento de factos, pelo que nunca poderia haver o vício de erro notório na apreciação da prova aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do CPP).
Pois bem, da leitura dos factos provados 5 a 7, retira-se que o ofendido usou, numa mesa de jogo de bacará, todas as fichas de jogo no valor total de HKD60.000,00 previamente emprestadas gratuitamente por banda do arguido recorrente, tendo o recorrente e um outro indivíduo chegado a retirar, por cinco vezes, as fichas de jogo que o ofendido ganhou, no valor total de HKD72.000,00.
Assim, em sintonia com isso, consta do facto provado 12 que o ofendido, pela conduta nomeadamente do recorrente, sofreu prejuízo, no tocante a fichas de jogo, no valor total de HKD72.000,00.
É certo que do facto provado 8, consta que o arguido ora recorrente chegou a dizer ao ofendido que o montante que o ofendido ganhou no valor de HKD10.000,00 e tal já foi depositado em algures. Mas, estas palavras ditas pelo recorrente não passaram de palavras por ele ditas, enquanto o facto provado 7 já provou concretamente que ele e um outro indivíduo seu parceiro chegaram a retirar ao ofendido, por cinco vezes, as fichas de jogo que o ofendido ganhou, no valor total de HKD72.000,00.
Tais palavras ditas pelo recorrente tiveram o seguinte sentido para o próprio recorrente (aliás defendido no último parágrafo da página 6 da motivação do recurso, a fl. 231): do montante total de HKD72.000,00 que o ofendido ganhou, HKD60.000 desse montante foi para devolver o capital inicialmente emprestado ao ofendido para jogar, pelo que o ofendido acabou por ganhar somente HKD12.000,00.
Contudo, esqueceu-se o recorrente de que no facto provado 7 já se provou que ele e um outro parceiro seu chegaram a retirar, por cinco vezes, ao ofendido um total de HKD72.000,00 de fichas de jogo que o ofendido ganhou na mesa de bacará.
E esqueceu-se o recorrente também que todo o valor pecuniário emprestado concretamente ao ofendido, a partir do facto da sua entrega ao ofendido, já passou a pertencer, juridicamente falando, ao património do ofendido, e foi por isso que o ofendido usou todo esse valor pecuniário emprestado pelo recorrente para jogar na mesa de bacaré em causa. E como o ofendido acabou por perder tudo, foi-lhe “aliciada” a assinatura de uma declaração escrita de dívida (cfr. o facto provado 9).
Se a dívida de HKD60.000,00 já ficou saldada por conta daquelas fichas de jogo (no valor total de HKD72.000,00) que o ofendido ganhou ao longo dos jogos de bacará, qual a necessidade de assinatura daquela declaração escrita de dívida?
Assim, sem mais abordagem por desnecessária, as fichas de jogo burlas ao ofendido foram efectivamente no valor total de HKD72.000,00, valor total esse que é considerado valor elevado nos termos do art.o 196.o, alínea a), do CP.
Portanto, a matéria de facto já descrita como provada sustenta cabalmente a condenação do recorrente como co-autor material de um crime consumado (e nunca tentado) de burla em valor elevado.
Rogou, subsidiariamente, o recorrente que fosse reduzida a sua pena de prisão, com sempre também almejada suspensão da sua execução.
O crime de burla em valor elevado é punível nos termos do art.o 211.o, n.o 3, do CP com pena de prisão até cinco anos.
O Tribunal recorrido fixou a pena de prisão em um ano, e explicou essa decisão no segundo parágrafo da página 12 do texto do acórdão recorrido (a fl. 217v).
Ponderando tudo (com consideração de todas as circunstâncias fácticas já apuradas pelo Tribunal a quo e descritas como provadas no texto da decisão recorrida) à luz dos padrões da medida da pena vertidos nos art.os 40.º, n.os 1 e 2, e 65.º, n.os 1 e 2, do CP, realiza o presente Tribunal de recurso que dentro daquela moldura penal de prisão, não há qualquer injustiça notória na aplicação de tal pena de um ano de prisão ao recorrente no aresto recorrido.
No tangente à questão da suspensão da execução da pena, atendendo a que o recorrente é delinquente primário, afigura-se que a simples censura dos factos e a ameaça da execução da prisão consigam realizar adequada e suficientemente as finalidades da punição, pelo que passa a sua pena de um ano de prisão a ser suspensa na sua execução por três anos, com a imposição ao recorrente da regra de conduta de não poder frequentar quaisquer casinos de Macau durante o período de suspensão da pena (cfr. os art.os 48.o, n.os 1 e 2, e 50.o, n.os 1 e 2, alínea b), do CP) (isto porque o crime por que vinha ele condenado no acórdão recorrido tinha sido praticado contra um jogador de casino, pelo que para evitar mais eficazmente que ele venha a praticar novo delito contra jogador de casino, ele tem que ficar com essa regra de conduta de não frequência de quaisquer casinos durante o período da suspensão da pena).
Nota-se que a propósito do crime de extorsão tentada suscitado oficiosamente no parecer do Ministério Público, cabe notar que independentemente do demais, por força dos art.os 5.o, 6.o e 7.o do CP, a lei de Macau não é aplicável a esse crime, por esse delito ter sido praticado concretamente em Hong Kong contra o ofendido (que é um residente de Hong Kong) por dois parceiros em Hong Kong do arguido ora recorrrente (também residente de Hong Kong), tendo o ofendido participado até o caso de extorsão às Autoridades Policiais de Hong Kong (cfr. os factos provados 11 e 14).
Em conclusão, procede o recurso do arguido apenas na questão da suspensão da pena, sem mais indagação por prejudicada.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar parcialmente provido o recurso, determinando, por conseguinte, a suspensão, por três anos, da execução da pena de um ano de prisão aplicada no acórdão recorrido ao arguido ora recorrente, com imposição a ele da regra de conduta de não poder frequentar quaisquer casinos de Macau durante o período da suspensão da pena.
Pagará o arguido 2/3 das custas do recurso e quatro UC de taxa de justiça por causa do decaimento parcial do recurso.
Comunique a presente decisão à Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos.
Macau, 12 de Julho de 2018.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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